Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2964/14.8TBVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EFEITOS
DÍVIDAS
Nº do Documento: RP201605162964/14.8TBVNG-A.P1
Data do Acordão: 05/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 625, FLS.273-278)
Área Temática: .
Sumário: I - Na previsão do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE e em conformidade com os pressupostos do processo especial de revitalização incluem-se, quer as ações executivas para pagamento de quantia certa, quer as declarativas onde se reclame o pagamento de obrigações pecuniárias.
II - Não se incluem na norma do artigo 17.º-E do CIRE os casos das denominadas dívidas de valor, entendidas como aquelas que não têm diretamente por objeto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objetivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2964/14.8TBVNG-A.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I - Na previsão do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE e em conformidade com os pressupostos do processo especial de revitalização incluem-se, quer as ações executivas para pagamento de quantia certa, quer as declarativas onde se reclame o pagamento de obrigações pecuniárias.
II - Não se incluem na norma do artigo 17.º-E do CIRE os casos das denominadas dívidas de valor, entendidas como aquelas que não têm diretamente por objeto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objetivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
Banco B…, S.A., veio instaurar procedimento cautelar para apreensão de veículo, contra a C…, Lda., ambos melhor identificados nos autos.
1.1 O requerente alegou ter celebrado com a requerida um contrato de venda a crédito, com reserva de propriedade, destinado ao financiamento para aquisição de veículo automóvel, que esta incumpriu, apesar de interpelada, pelo que o contrato em questão ficou resolvido, não tendo a requerida procedido à devolução do veículo.
Pediu que, sem prévia audição da requerida, se ordenasse a apreensão do veículo e dos respetivos documentos e que se determinasse o cancelamento da aquisição a favor da requerida e, por opção do requerente e funcionamento da reserva de propriedade, a reposição do registo de aquisição a favor da requerente junto da Conservatória do Registo Automóvel.
A pretensão do requerente foi deferida no que concerne à apreensão, tendo-se determinado a imediata apreensão do veículo automóvel em causa, bem como dos respetivos documentos, através da autoridade policial, com a ulterior notificação da requerida.
Entretanto, no decurso do presente procedimento (que, inicialmente, teve o n.º 2312/13.4TBVNG), foi admitido processo especial de revitalização (“PER”), relativamente à requerida, C…, Lda., a correr termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o n.º 1089/13.8TYVNG.
A requerida, comunicando este facto nos presentes autos, veio pedir a prolação de despacho de suspensão da instância (cf. teor de fls. 21 a 23 no suporte em papel e 116 a 120 no suporte informático).
Foi então (19/11/2013) proferido despacho nos seguintes termos:
«Porque o presente procedimento cautelar não está relacionado com a cobrança de dívida ou idêntica finalidade, não há lugar à sua suspensão nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17.º E n.º 1 do C.I.R.E.
Assim sendo, deverá a Requerida indicar, em dez dias, onde se encontra o veículo automóvel cuja apreensão foi determinada.
Notifique o Requerente do teor do presente despacho.» (cf. teor de fls. 121 no suporte informático).
O veículo veio a ser apreendido, em 2 de maio de 2014, nos termos documentados a fls. 33 (fls. 176 no suporte informático).
A requerida, na sequência da apreensão, deduziu oposição nos presentes autos de procedimento cautelar, afirmando que os fundamentos invocados para a entrega da viatura estão subvertidos, não correspondendo à verdade, pelas razões que enuncia; termina requerendo a revogação da providência cautelar decretada, a devolução imediata à requerida do veículo automóvel apreendido e de todos os documentos e a responsabilização e imputação à requerente de todas as despesas decorrentes da apreensão, nomeadamente as suportadas pelo fiel depositário e da presente providência cautelar.
O requerente, ainda em maio de 2014, instaurou ação declarativa (processo 2964/14.8TBVNG), de que o presente procedimento passou a ser apenso, pretendendo o reconhecimento do direito a ver resolvido o contrato em causa e peticionando a condenação da requerida a reconhecer que o veículo automóvel em causa é da propriedade do requerente, por efeito da reserva de propriedade inscrita a seu favor e a restituir, em definitivo, a posse do veículo.
Entretanto, em junho de 2016, no âmbito do PER (Processo Especial de Revitalização) acima referido, foi homologado plano de pagamento, por decisão transitada em julgado.
1.2 Este facto foi comunicado à ação declarativa de que os presentes autos são apenso, com cópia do plano de recuperação, nos termos da certidão de fls. 107 e seguintes dos presentes autos.
Foi então proferida decisão nos presentes autos de procedimento cautelar, nos seguintes termos:
«Nestes autos em que é requerente Banco B…, S.A, com sede na Rua …, n.º …, Porto, e é requerida C… Lda., com sede na Rua …, n.º … e …, Vila Nova de Gaia, vista a certidão que consta dos autos de que os presentes constituem apenso, donde resulta a homologação do plano de recuperação apresentado por esta e a respetiva homologação por sentença já transitada em julgado, e ponderado o disposto no artigo 17.º E n.º 1 do CIRE, declaro a extinção do presente procedimento.
Custas a cargo da requerida.
Notifique e registe.
Fixo ao presente procedimento o valor de 8.035,12 €.»
2.1 O requerente, inconformado com esta decisão, veio interpor recurso, concluindo assim a respectiva motivação:
«a. Em 15.03.2013, a Apelante instaurou, contra a Sociedade C…, LDA., Providência Cautelar para entrega judicial de veículo automóvel, requerendo, em suma, que fosse, nos termos aplicáveis, determinada a entrega imediata do veículo da marca VOLVO, modelo …, com a matrícula ..-EI-.., determinando-se o cancelamento da aquisição a favor da referida Sociedade, repondo o registo a favor da ora Apelante.
b. Veio a referida Providência Cautelar a ser procedente, decretando-se, por Sentença proferida nos Autos, datada de 19.03.2013, a imediata apreensão do veículo automóvel, acima melhor identificado.
c. Em 19.09.2013, veio a Sociedade C…, LDA., a ser admitida ao Processo Especial de Revitalização (adiante “PER”), conforme anúncio e publicação no Portal CITIUS, sob a referência 2143455.
d. Por Despacho proferido nos Autos da Providência Cautelar, veio o Meritíssimo Juiz proferir despacho sobre a não suspensão da Instância nos termos do Artigo 17.º-E n.º 1 do CIRE, porquanto o objeto da Ação não configurava a cobrança de uma dívida.
e. Razão porque, o ora Apelante prosseguiu com os termos da Ação Declarativa Principal, em 07.05.2014.
f. Sem que tenha sido proferida Sentença sobre o mérito da causa, veio o Tribunal a quo extinguir a Ação Declarativa, e consequentemente o presente Procedimento Cautelar, por efeito da Homologação do PER, atento o disposto no Artigo 17.º-E n.º 1 do CIRE.
g. Conforme entende o Apelante, em momento algum o presente Procedimento Cautelar se destinou à Cobrança de dívida, mas antes tão só à entrega do veículo automóvel, e ao cancelamento da aquisição a favor da Requerida e à reposição do registo de aquisição a favor do Requerente.
h. Ou seja, de modo algum vem o ora Apelante peticionar o reconhecimento de um “crédito” sobre a Sociedade,
i. Logo, não se poderá subsumir qualquer efeito executivo ao presente Procedimento, pelo que não cabe aplicação do disposto no Artigo 17.º-E n.º 1 do CIRE.
j. Pois que, as únicas ações adequadas à Cobrança de Dívida, são as Ações Executivas.
k. Pela motivação expressa, mantém-se a utilidade do prosseguimento do presente Procedimento,
l. Devendo ser dado provimento do presente Recurso, revogando o Despacho/Sentença que determinou a extinção da Providência Cautelar por aplicação dos termos do Artigo 17.º-E n.º 1 do CIRE.»
Termina afirmando que deve ser concedido provimento ao recurso, e, consequentemente, revogado o despacho/sentença recorrido que declarou extinta a providência cautelar para entrega judicial do veículo, mantendo-se a decisão que determinou a entrega do veículo ao Requerente, seguindo-se os demais termos da lei até final.
2.2 A requerida não respondeu.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelo apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar, em face do que se impõe decidir a seguinte questão:
• Determinar se há – ou não – fundamento para determinar a subsistência do presente procedimento cautelar.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório que antecede, incluindo os termos da decisão recorrida.
2. Averiguação da existência ou não de fundamento para determinar a subsistência do presente procedimento cautelar.
Importa aqui saber se o artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se aplica aos presentes autos, isto é, se por força deste normativo se deveria ter declarado a extinção do presente procedimento cautelar, como se decidiu na decisão recorrida, ou se, pelo contrário, como defende o autor/recorrente, o procedimento devia subsistir.
Reitera-se aqui, relativamente à caraterização do quadro legal, o que já se afirmou em anteriores decisões, nomeadamente, no acórdão proferido no processo 440/07.4TVPRT-B.P1.
Visando a simplificação de formalidades e de procedimentos e, com especial relevo para a questão que aqui se discute, instituindo o processo especial de revitalização (PER), a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, procedeu à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), materializada em normas aditadas. A este propósito e sob a epígrafe “finalidade do processo de insolvência”, estabelece o n.º 2 do artigo 1.º do CIRE, na redação resultante deste diploma, que, estando o devedor em situação económica difícil (entendendo-se como tal aquele que, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito, enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações – artigo 17.º-B), ou em situação de insolvência meramente iminente, pode o mesmo requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.
O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação; munido dessa declaração, o devedor deve, de imediato, comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se em relação a este o que dispõem os artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações (artigo 17.º-C).
Notificado deste despacho, o devedor comunica de imediato a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial e convida-os a participar nas negociações (artigo 17.º-D); por outro lado, essa decisão – a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C – obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação – artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE.
Está em causa a interpretação desta norma, especificamente, a determinação do seu alcance na parte em que se refere às ações para cobrança de dívidas, quais as concretas ações que aí se incluem e que, por isso, devem ser suspensas no decurso das negociações e extintas perante a aprovação e homologação do plano de recuperação, desde que este não preveja a sua continuação.
Regista-se relativamente a esta questão a existência de entendimentos divergentes.
Apreciando esta matéria, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis entendem que a «expressão ações para cobrança de dívidas a que se refere o artigo 17.º-E, n.º 1, abrange apenas as ações executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no artigo 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil) e os procedimentos cautelares antecipatórios das ações que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal. Encontram-se excluídas, pois, do âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 17.º-E, as ações declarativas, as ações executivas para entrega de coisa certa, as ações executivas para prestação de facto e a generalidade dos procedimentos cautelares». Estes autores consideram que a diferente terminologia utilizada nos artigos 17.º-E e 88.º, ambos do CIRE, impõe que se conclua que a primeira das referidas normas pretendeu restringir a sua aplicação às ações executivas para cobrança de dívida, pelo que, para os efeitos dessa norma, as ações declarativas não devem ser consideradas como ações para cobrança de dívida, na certeza de que se está numa fase prévia, em que se discute e se reconhece judicialmente a existência de um devedor e de uma dívida – “PER, o Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, 2014, páginas 97 e seguintes.
Este entendimento não é acompanhado por outros autores.
Assim, apreciando o confronto das aludidas normas, afirma Catarina Serra: «Contrastando com a cuidadosa redação atual do artigo 88.º, o texto do n.º 1 do artigo 17.º-E vem permitir, na parte final, que estas ações de cobrança de dívidas (entenda-se: declarativas e executivas) que estão suspensas se extingam quase irrestritamente: logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação» – “Revitalização – A designação e o misterioso objeto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE”, I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, página 99.
«O despacho em questão obsta à instauração de quaisquer novas ações dirigidas à cobrança de dívidas pelas quais responde o devedor; além disso, importa a suspensão das que estiverem em curso com idêntica finalidade, incluindo os processos em que tenha já sido proferida sentença declaratória.
Apesar das similitudes com as soluções do artigo 88.º, n.º 1, são manifestas, várias e significativas as diferenças. (...) diferentemente do que ocorre em sede de processo de insolvência, a paralisação aqui determinada deve abranger todas as ações para cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias. Mas comunga com ele o facto de se abrangerem também ações com processo especial e procedimentos cautelares» – Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Lisboa, 2013, página 164.
A divergência quanto à interpretação da lei também se regista em sede de jurisprudência.
Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11 de Julho de 2013, no processo 1190/12.5TTLSB.L1-4, disponível nas bases jurídico-documentais do IGFEJ (www.dgsi.pt), considera-se que, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, não se deve considerar que as ações declarativas consubstanciam ações para cobrança de dívidas contra o devedor.
No entanto, é preponderante a jurisprudência em sentido contrário e que se acompanha, entendendo que na previsão do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE e em conformidade com os pressupostos do processo especial de revitalização se incluem, quer as ações executivas para pagamento de quantia certa, quer as declarativas onde se reclame o pagamento de obrigações pecuniárias, mencionando-se, a título exemplificativo, os acórdãos proferidos nos processos 7613/12.6YYPRT.P1 (Relação do Porto), 1112/13.6TTCBR.C1 e 1075/13.8TBVIS.C1 (Relação de Coimbra) e 171805/12.0YIPRT.L1-2 (Relação de Lisboa), todos disponíveis na aludida base de dados.
«(…) Levando em consideração as regras de interpretação da lei, consagradas no artigo 9.º do Código Civil, a suspensão das ações prevista no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE prevê qualquer ação judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor» – acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 1290/13.4TBCLD.L1-2
Este enquadramento aplica-se à extinção das ações, perante a aprovação e homologação do plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Importa agora confrontar a leitura que se deixou enunciada com os factos relevantes, de modo a determinar se, no caso dos autos, há fundamento para que se declare a extinção do processo, nos termos determinados na decisão recorrida ou se, como pretende a recorrente, não se verificam os pressupostos que legitimam a extinção.
Está aqui em causa procedimento cautelar de apreensão de veículo, no âmbito de um contrato de venda a crédito, com reserva de propriedade, destinado ao financiamento para aquisição de veículo automóvel pela requerida, que esta alegadamente incumpriu, apesar de interpelada, pelo que entende a requerente que o contrato em questão ficou resolvido, não tendo a requerida procedido à devolução do veículo. O que se pretende, neste pressuposto, é a apreensão do veículo e da respetiva documentação.
Como resulta do que se deixou exposto, o facto de não estarmos perante ação executiva não obsta à verificação dos efeitos do artigo 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; no entanto, não está aqui em causa procedimento judicial que possa qualificar-se como ação para cobrança de dívida, com referência a obrigações pecuniárias entendidas como obrigações que têm por objeto uma prestação em dinheiro e que visam proporcionar ao credor o valor das espécies monetárias.
O que está em causa – e resulta da pretensão formulada – é o reconhecimento da resolução do contrato outorgado entre requerente e requerida e a obrigação de entrega do veículo e respetivos documentos, não peticionando o requerente a condenação da requerida no pagamento de qualquer prestação pecuniária.
Não se incluem na norma do artigo 17.º-E do CIRE os casos das denominadas dívidas de valor, entendidas como aquelas que não têm diretamente por objeto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objetivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação (acórdão proferido no processo 8176/11.5TBMTS.P1).
Conclui-se por isso que procede o recurso.
Importa no entanto salientar que, ao afirmar-se a subsistência do procedimento cautelar – entendido como instrumento processual que visa prevenir a violação grave de direitos, ou a concretização de danos de difícil reparação, derivada da demora natural de uma decisão judicial, “uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente” (António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma de Processo Civil”, volume III, página 35) –, não se afasta a disposição do artigo 373.º do Código de Processo Civil, relativamente à caducidade da providência, nomeadamente o que consta no n.º 1, alínea c), nos termos da qual o procedimento cautelar se extingue e, quando decretada, a providência caduca se a ação vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, dando provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da parte vencida a final.
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Porto, 16 de maio de 2015.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes