Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
463/13.4TMMTS-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: PROVA PERICIAL
AVALIAÇÃO
BENFEITORIAS
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RP20230227463/13.4TMMTS-C.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O recurso à prova pericial funda-se na circunstância de o direito à prova incidir sobre factos cuja perceção ou apreciação necessita de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
II - O método adotado pelo perito nomeado para efetuar avaliação de benfeitorias integra o núcleo dos conhecimentos especiais do perito e a sua autonomia técnico-científica.
III - Por estar em causa matéria que requer os conhecimentos especiais que o julgador tendencialmente não possui e por violar a autonomia técnico-científica do perito, não merece acolhimento a pretensão da parte de que se ordene ao perito que proceda à avaliação objeto da perícia de acordo com o método que aquela tem como tecnicamente adequado.
IV - Nem por isso ficam precludidos os direitos da parte a ver acautelada a sua pretensão porquanto a sua discordância é suscetível de fundar a realização de segunda perícia e por poder esgrimir perante o tribunal os fundamentos teóricos da incorreção técnico/teórica apontada.
V - Não viola o princípio do inquisitório, o dever de gestão processual ou o dever de cooperação o juiz que não adota oficiosamente as medidas tendentes a ver aplicada a tese da parte quanto ao método de avaliação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 463/13.4TMMTS-C.P1

Sumário
………………………………
………………………………
………………………………

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório
AA interpôs o presente recurso do despacho que indeferiu o requerimento por si apresentado.
Nos presentes autos, em que é requerido BB, foi ordenado que perito único procedesse à avaliação das benfeitorias realizadas na fração autónoma identificada pela letra “B” do prédio urbano sito em ..., descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º .......
As benfeitorias a tomar em consideração para efeitos de avaliação consistiam na construção de um salão, de um quarto e de quarto de banho.
Foi carreado para os autos relatório pericial.
Notificada deste, a requerente apresentou requerimento que termina da seguinte forma: Nestes termos e no mais de direito, deve a presente reclamação ser deferida e em consequência, deverá o Sr. Perito ser notificado para, em prazo e sob cominação, proceder à avaliação das benfeitorias realizadas na fração melhor id. nos autos, tendo sempre presente na avaliação o valor real de mercado de construção por m2, conjugado com os seguintes fatores: localização, piso, qualidade da construção, a idade do edifício, a vista que é possível ter a partir da habitação, a orientação solar, as acessibilidades, o estado de conservação, tipologia, e a disposição da habitação; os acabamentos, as facilidades da habitação como estacionamento, espaços verdes, entre outros, o que se requer, fazendo-se assim inteira e Sã Justiça.
Este requerimento foi alvo de despacho de indeferimento.
*
Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, em que apresentou as conclusões que se seguem.
I - No presente caso são os seguintes os elementos do processo que se podem ter em atenção:
a) Foram feitas obras de ampliação a expensas do Cabeça de Casal e aqui requerente, no predito imóvel que consistiram na construção de um salão, um quarto e quarto de banho, ampliação que foi objeto de pedido de licenciamento de construção processo n.º ... junto da C. M. ..., obras que o CC e a aqui requerente pagaram à época a quantia de 75.000,00€;
b) que o objeto da perícia se fixou e determinou conforme esclarece o douto despacho “para apreciação e quantificação do crédito comum referente às benfeitorias realizadas na fração autónoma identificada pela letra B do prédio urbano sito em ..., na Maia, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ......”. A requerente, com o Requerimento com a Ref. 32508303, limitou-se a cumprir ao despacho proferido no passado dia 19 de maio, concretizando as benfeitorias objeto de avaliação, concretização que o cabeça de casal, de resto, não põe em causa. Neste Considerando que no imóvel melhor id. nos presentes autos e de acordo com o alegado no art.º XI da reclamação foi sujeito a obras de ampliação a expensas do Cabeça de Casal e da aqui requerente; II- Que as benfeitorias consistiram num aumento de área de habitação conseguido através de aproveitamento de sótão, tornando-se este habitável e acessível com acesso por escadas; na execução da ampliação previu-se dar continuidade à estrutura de betão existente, As lajes de teto e cobertura; paredes exteriores serão duplas em tijolo; Foi ainda feito nas fachadas da parte da ampliação rebocadas e pintadas e as existentes (as fachadas) foram pintadas; as caixilharias exteriores são de alumínio Termo lacado à cor das existentes; os vãos de comprimentos têm vidros duplos e estores em PVC; as serralharias foram executadas em perfis de ferro para esmaltar; a cobertura foi realizada com telha “bebe” assente em laje de betão pré-esforçado, com isolamento térmico; Os rodapés e apainelados foram executados em madeira exótica para envernizar; as soleiras e peitoris em granito; O pavimento piso superior em soalho para envernizar; o teto estucado e pintado a alvaiade, tudo conforme se extrai de projeto de arquitetura que deu entrada na Câmara Municipal em 10.05.2000, cujo teor para melhor compreensão se junta e se dá por integralmente reproduzido. III- O predito imóvel foi ainda beneficiado com as seguintes obras a expensas do cabeça de Casal e da requerente: remodelação integral de louças e sanitários dois quartos de banho, paquete em toda a casa; aquecimento central e remodelação da entrada para o quintal, uma persiana elétrica e reparação das demais, pintura interior e fachada.”
c) Que o relatório pericial aplicou o método do custo através da portaria 310/2021 de 20 de dezembro que determina o valor médio de construção para o ano de 2022 é de 512eur/m2, e que tendo por esta referência e as áreas constantes no antedito relatório obteve o valor final de benfeitorias é de 32.000,00€, com a aplicação da taxa de desvalorização de 14,2% da Tabela de Ross Heidcke.
d) Que a requerente insurge-se através de reclamação à perícia alegando que “O relatório pericial ao recorrer ao método de custo por m2 por força da Portaria está de forma ilegal e não consentida, afastar o custo real e atual das benfeitorias que o imóvel beneficia. Na verdade, ao aplicar a Portaria supra, o Sr. Perito está aplicar legislação que não tem de todo em todo aplicação na presente avaliação e no geral às avaliações judiciais, pois alcança um valor que é um valor referência para efeitos fiscais de uma universalidade de imóveis, e segundo um valor médio de construção por metro quadrado, que apenas é considerado em termos e para os efeitos do artigo 39.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a vigorar no ano de 2022, fixado em (euro) 512 o valor médio de construção por metro quadrado, para efeitos do artigo 39.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a vigorar no ano de 2022; e ainda que de acordo com o art.º 2º daquele diploma o âmbito da aplicação é “A presente portaria aplica-se a todos os prédios urbanos cujas declarações modelo 1, a que se referem os artigos 13.º e 37.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, sejam entregues a partir de 1 de janeiro de 2022.”
e) Que por despacho que ora se recorre vem o tribunal a quo decidir que a “perícia deu resposta à questão colocada, apontando o custo suportado com a realização das benfeitorias, para o que são irrelevantes, com o devido respeito, fatores como “localização, piso, qualidade da construção, a idade do edifício, a vista que é possível ter a partir da habitação, a orientação solar, as acessibilidades, o estado de conservação, tipologia, e a disposição da habitação; os acabamentos, as facilidades da habitação como estacionamento, espaços verdes, entre outros”. Aqui chegados, tendo presentes os critérios firmados pela jurisprudência para avaliação das benfeitorias, uma de duas: a) ou o valor a considerar é o indicado pelo Sr. Perito (custo suportado com as benfeitorias); b) ou o valor a considerar é o do benefício que das benfeitorias resulta para a beneficiada. Nesta última hipótese: se fosse superior, não deixaria de ser considerado o valor já indicado na perícia; se fosse inferior, apenas o cabeça de casal teria legitimidade ou interesse em reclamar do relatório pericial, o que não fez. Quanto à questão da atualização do valor, o Sr. Perito indicou o valor com e sem depreciação. Saber se há de ser considerado um ou outro é uma questão jurídica, não sendo necessário qualquer esclarecimento do Sr. Perito nessa matéria. Pelo exposto, decido indeferir o pedido de esclarecimentos apresentado.”
II- Isto posto, conclui-se que o tribunal ao indeferir a reclamação da requerente não cuidou de ordenar, mesmo oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e justa composição e litígio quanto a factos que lhe é lícito conhecer desrespeitando os art.º 6º e 411º do novo CPC. É dever do juiz ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quanto a factos que lhe é lícito conhecer, constitui um poder vinculado, de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão de mérito sobre a pretensão das partes.
III-Nesta conformidade, tendo o Mº Juiz “a quo” fixado o objeto da perícia e analisada que foi pelo tribunal a quo, a perícia realizada, o tribunal deveria ter alcançado em nome do apuramento da verdade material e da justa composição do litígio, que aquela não esclarece sendo aliás omissa quanto a alguns pontos daquele então objeto pericial,
IV- In casu o relatório pericial não esclarece nem avalia que as “ paredes exteriores serão duplas em tijolo; Foi ainda feito nas fachadas da parte da ampliação rebocadas e pintadas e as existentes (as fachadas) foram pintadas; as caixilharias exteriores são de alumínio Termo lacado à cor das existentes; os vãos de comprimentos têm vidros duplos e estores em PVC; as serralharias foram executadas em perfis de ferro para esmaltar; a cobertura foi realizada com telha “bebe” assente em laje de betão pré- esforçado, com isolamento térmico; Os rodapés e apainelados foram executados em madeira exótica para envernizar; as soleiras e peitoris em granito; O pavimento piso superior em soalho para envernizar; o teto estucado e pintado a alvaiade; O predito imóvel foi ainda beneficiado com as seguintes obras a expensas do cabeça de Casal e da requerente: remodelação integral de louças e sanitários dois quartos de banho, paquete em toda a casa; aquecimento central e remodelação da entrada para o quintal, uma persiana.
V- Assim sendo, admitindo-se que o tribunal a quo fixou o objeto pericial e dado o resultado do relatório pericial – omisso quanto à avaliação constante daquele objeto - impunha-se-lhe que se determina oficiosamente tal correção, fazendo uso dos princípios de dever de gestão processual e do inquisitório mecanismo previstos respetivamente nos artº. 6 e 411 do CPC, o que o tribunal a quo não fez violando o seu dever de gestão processual e bem assim o princípio do inquisitório, ilegalidade que se argui para os legais efeitos.
VI- Não tendo o juiz de 1ª instância tomado tal iniciativa e não constando do relatório pericial a avaliação de todos os elementos fixados no objeto pericial que permitam a apreciação da matéria de facto (nomeadamente a supramencionada perícia), cuja realização considera-se imprescindível para a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 2, al. c) do NCPC, deve a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1ª instância, devendo o Tribunal “a quo” ordenar oficiosamente a realização das diligências necessárias, designadamente a perícia de acordo com o objeto fixado, o que se requer.
VII- Por outro lado, e numa segunda linha de razões: A doutrina tradicional, da qual é exemplo Antunes Varela, Código Civil anotado, ao artigo 479º, fixa dois limites para esta obrigação de restituir: “o enriquecimento do devedor e o empobrecimento do credor. Quanto ao primeiro: o enriquecido só deve restituir aquilo com que efetivamente ficou beneficiado, calculado mediante o recurso à diferença entre a situação real e atual do beneficiário e a situação em que estaria se não fosse o enriquecimento. “Quanto ao segundo: da menção efetuada nas normas que se citaram ao “obtido à custa do prejudicado”, encontra-se também como limite máximo do ressarcimento o custo que suportou aquele que fica desprovido da coisa.”
IX- Contrariamente ao que o tribunal a quo alcançou e em manifesto erro de julgamento o relatório pericial é omisso quanto a esclarecer a situação real e atual do beneficiário e a situação em que estaria se não fosse o enriquecimento, e assim violou o consignado e determinado nos art.º 479º e 1273º nº 2 ambos do Código Civil,
X-A perícia não deu resposta à questão colocada, não apontou de forma justa, real e atual o custo suportado com a realização das benfeitorias!
XI-A perícia não deu resposta à situação em que o beneficiário estaria se não fosse o enriquecimento!
XII-Aplicando de forma ilegal e não consentida uma portaria que apenas tem relevância para efeitos fiscais, desconsiderando ilicitamente o valor de mercado e desconsiderando ainda os fatores a ter em conta em qualquer avaliação de um imóvel e nas benfeitorias que o integram tais como “localização, piso, qualidade da construção, a idade do edifício, a vista que é possível ter a partir da habitação, a orientação solar, as acessibilidades, o estado de conservação, tipologia, e a disposição da habitação; os acabamentos, as facilidades da habitação como estacionamento, espaços verdes, entre outros”.
Nestes termos e no mais de direito deverão V.ª Ex.ª julgar procedente o presente recurso e em consequência revogar o douto despacho que ora se recorre, com as inerentes consequências legais, fazendo-se assim INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
*
O requerido apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
1 - A perícia foi realizada por um único perito.
2 - O art.º 1144.º do C.P.C. só consente uma avaliação.
Sem prescindir
3 - A apelante não suscitou quaisquer esclarecimentos, obscuridades, deficiência ou inexactidão.
4 - O relatório pericial é totalmente exaustivo quanto à verificação e avaliação das benfeitorias em causa.
5 - O despacho recorrido não viola qualquer norma legal.
*
Questão a decidir: se deve ser ordenado ao perito que proceda à avaliação nos termos requeridos pela apelante.
*
A matéria de facto a tomar em consideração é a que emerge do relatório que antecede.
*
Subsunção jurídica
Constitui pretensão da requerente que o perito que procedeu à avaliação ordenada proceda à mesma tendo presente o valor real de mercado de construção por m2, conjugado com os seguintes fatores: localização, piso, qualidade da construção, a idade do edifício, a vista que é possível ter a partir da habitação, a orientação solar, as acessibilidades, o estado de conservação, tipologia, e a disposição da habitação; os acabamentos, as facilidades da habitação como estacionamento, espaços verdes, entre outros.
O direito à prova encontra-se consagrado constitucionalmente no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, como componente do direito geral à proteção jurídica e de acesso aos tribunais.
A prova é a atividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (art.º 341.º do C.C., que atribui às provas a função de demonstração de realidade dos factos).
Prevê o art.º 388.º do C.C. que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia fundamentadamente sobre o respetivo objeto (art.º 484.º do C.P.C.).
Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações (art.º 485.º/2 do C.P.C.).
Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado (art.º 485.º/3 do C.P.C.).
O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores (art.º 485.º/4 do C.P.C.).
Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (art.º 487.º/1 do CPC).
A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta (art.º 487.º/3 do C.P.C.).
No que à reclamação diz respeito, atento o teor do citado art.º 485.º/2 do C.P.C., esta consiste, forçosamente, em apontar a deficiência, o que está em falta e/ou a obscuridade e/ou o que não é entendível ou a contradição.
As conclusões da alegação enunciadas pela recorrente indiciam, porém, algo diverso. A recorrente entende que o modo como o perito procedeu à avaliação das benfeitorias ordenada é incorreta. Realça que o relatório pericial aplicou o método do custo através da portaria 310/2021 de 20 de dezembro que determina o valor médio de construção para o ano de 2022 é de 512eur/m2, e que tendo por esta referência e as áreas constantes no antedito relatório obteve o valor final de benfeitorias é de 32.000,00€, com a aplicação da taxa de desvalorização de 14,2% da Tabela de Ross Heidcke, que o relatório pericial ao recorrer ao método de custo por m2 por força da Portaria está de forma ilegal e não consentida, afastar o custo real e atual das benfeitorias que o imóvel beneficia. Na verdade, ao aplicar a Portaria supra, o Sr. Perito está aplicar legislação que não tem de todo em todo aplicação na presente avaliação e no geral às avaliações judiciais, pois alcança um valor que é um valor referência para efeitos fiscais de uma universalidade de imóveis, e segundo um valor médio de construção por metro quadrado, que apenas é considerado em termos e para os efeitos do artigo 39.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a vigorar no ano de 2022, fixado em (euro) 512 o valor médio de construção por metro quadrado, para efeitos do artigo 39.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a vigorar no ano de 2022; e ainda que de acordo com o art.º 2º daquele diploma o âmbito da aplicação é “A presente portaria aplica-se a todos os prédios urbanos cujas declarações modelo 1, a que se referem os artigos 13.º e 37.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, sejam entregues a partir de 1 de janeiro de 2022.
Em súmula, o perito avaliador nomeado adotou um método de avaliação das benfeitorias cuja aplicação a recorrente entende ser ilegal. Explana qual o método cuja aplicação tem por adequada e requer que o tribunal ordene ao perito que proceda ao cálculo de acordo com esse critério.
Veja-se que, a estarmos perante uma verdadeira e própria reclamação, ela daria lugar a que o juiz ordenasse que o perito completasse, esclarecesse ou fundamentasse o relatório. Nada disto é pretensão da requerente. Esta considera, isso sim, que o relatório não foi efetuado de acordo com as normas legais aplicáveis à avaliação de imóveis. Nesta conformidade, o resultado da avaliação das benfeitorias alcançado será incorreto, não porque o raciocínio do perito padeça de um vício intrínseco, porque os cálculos estejam errados, ou porque o raciocínio operado incorra em lapso, mas sim porque o método de cálculo deveria ter sido outro. Requer, assim, a apelante que o perito seja notificado para proceder à avaliação tendo em conta a metodologia que indica.
Exposto o enquadramento, é forçoso o entendimento segundo o qual a pretensão da apelante não encontra arrimo legal.
Senão vejamos: os peritos são chamados a intervir na fase processual de produção da prova por força da sua detenção de conhecimentos específicos que, em princípio, nem as partes e os seus mandatários, nem o juiz se arrogam. É o que decorre do já citado art.º 388.º do C.C.. Os seus conhecimentos, que são sinalizados pela formação em determinadas áreas de saber, consoante a natureza da perícia, valem-lhes autonomia técnica. Esta asserção é verdadeira para qualquer área de conhecimento pericial. O juiz não goza, pois, da prerrogativa de instruir o perito-médico, o perito engenheiro, o perito avaliador ou outro acerca dos procedimentos e metodologias a adotar.
Atente-se em que, pela própria natureza das coisas, as mais das vezes o juiz desconhece quais sejam esses procedimentos e métodos. Por outra parte, nos termos da lei processual civil, não se trata de incumbência sua, já que a realização da perícia é cometida ao técnico, devendo apenas o tribunal fixar o objeto da mesma, conforme o art.º 476.º/2 do C.P.C.. Derradeiramente, uma tal instrução constituiria uma intromissão inadmissível numa tarefa de âmbito técnico-científico, desvirtuando a própria natureza da prova pericial e a independência dos peritos.
E é assim mesmo que a realização da perícia envolva, como é comum, a aplicação de lei, ou mais amiúde, de regulamentos. É o que ocorre nas perícias médico-legais, que acarretam o recurso a tabelas de desvalorização de dano corporal, é o que se se verifica em avaliações imobiliárias, como também em matéria de fixação de valores construtivos. A verdade é que o direito permeia a vida social, contendo as normas orientações e especificações de ordem técnica. Mas à subsunção jurídica a efetuar nesses casos subjazem, ainda assim, conhecimentos a carecer do recurso a um perito. Aliás, a não ser assim, seria incompreensível o motivo pelo qual em situações como a presente os tribunais se socorreriam desta instância de prova, sendo certo que a lei processual civil proíbe a prática de atos inúteis (art.º 130.º do C.P.C.).
Expendia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pp. 184 e 185): claro que os fundamentos invocados pelos peritos para justificar as suas conclusões e os trâmites que eles houverem seguido no desempenho do seu cargo estão sujeitos à censura do juiz, que formará a sua convicção segundo a competência ou incompetência efetiva do perito e a seriedade, diligência e retidão que ele revelar no desempenho do encargo, ou segundo os defeitos que o laudo apresentar; mas, por que todo o arbitramento pressupõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é vão imaginar-se que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objetivo para o qual não dispõe de meios subjetivos; daí que muitas vezes o litígio é decidido, substancialmente, pelo parecer do perito; ...quer dizer, a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, não passa, a maior parte das vezes, de máxima abstrata; por mais que se afirme a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação da prova, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente
Adverte-se, assim, para o peso prático dos resultados periciais. Nem por isso, porém, a parte deixa de estar munida de meios para se insurgir contra os resultados periciais com os quais não concorde, ainda que tal não se prenda com deficiência, obscuridade, contradição ou falta de fundamentação. Referimo-nos à possibilidade que assiste à parte de requerer a realização de segunda perícia.
Como se lê no ac. da Relação de Guimarães de 3-11-2022 (proc. 937/19.3T8BGC-A.G1, José Alberto Moreira Dias), a segunda perícia não é, assim, “uma instância de recurso”, destinando-se antes a averiguar os mesmos factos que foram objeto da primeira perícia que se realizou perante a alegação por qualquer das partes de fundadas razões que motivam o pedido de realização da segunda perícia, isto é, de razões concretas, sérias e objetivas que levem a criar no espírito do julgador a fundada suspeita de que a primeira perícia padece de eventuais inexatidões, que importa suprir.
Quando a parte entende que o juízo técnico da perícia não é o mais acertado, desde que explicite fundadamente as razões da sua discordância, pode sempre requerer a realização de segunda perícia.
Já formular ela própria um juízo técnico, requerendo ao tribunal que ordene ao perito que analise a questão que lhe é colocada e que elabore o relatório pericial em conformidade com esse juízo que lhe parece o correto, não encontra enquadramento jurídico.
Ora é essa, afinal, a pretensão da recorrente.
Em defesa do seu desiderato, a apelante dirige ainda a seguinte crítica à atuação do tribunal recorrido: este não teria cuidado de ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, em violação do preceituado nos arts. 6.º e 411.º do C.P.C..
O direito à prova mereceu particular atenção na reforma do processo civil emergente do decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro e do decreto-lei n.º 180/96, de 25 de setembro. Veja-se o art.º 6.º/1 do C.P.C., que atribui ao juiz o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (…). Leia-se ainda o art.º 411.º do C.P.C., nos termos do qual incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer.
É certo que o princípio do pedido está ínsito na figura estruturante do princípio dispositivo que continua a caracterizar o processo civil (art.º 661.º/1 do C.P.C.).
Sem embargo, o princípio da cooperação entre o tribunal e as partes que preside ao atual modelo de processo civil dita que, previamente à prolação de qualquer decisão que impeça a prossecução dos autos, se esgotem as tentativas de alcançar um resultado útil. Está em causa o primado do conteúdo sobre a forma, do direito substantivo sobre o direito adjetivo.
Conforme enfatiza Lopes do Rego (Rego, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do, 2004, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, vol. I, Livraria Almedina, p. 265), “não se prevê expressamente - como decorrência da cooperação do tribunal com as partes - a existência de um genérico dever de prevenção e esclarecimento das partes sobre quaisquer insuficiências e deficiências das peças processuais que apresentem em juízo, de modo a caber ao juiz sugerir-lhes os comportamentos processuais que repute mais adequados, incluindo - como sucede no sistema jurídico alemão - a própria alteração das pretensões deduzidas”.
A cooperação do tribunal com as partes traduz-se, essencialmente, no convite ao aperfeiçoamento dos articulados que comportem alegações de facto incompletas, ambíguas, lacunarmente concretizadas ou densificadas, bem como na ultrapassagem de obstáculos de natureza formal à realização da função substancial do processo.
Na situação em apreço, todavia, não se verifica qualquer omissão do dever de cooperação em busca da verdade material. Desde logo, como se assinalou, foi a parte que deixou precludir o direito que lhe assistia de requerer a realização de segunda perícia. Por outro lado, porque a parte não anui à metodologia adotada pelo perito nomeado, não se segue que o juiz partilhe dessa tese. A ter-se a parte socorrido do auxílio de terceiro ou de terceiros também eles entendidos na matéria, o juiz não disporá, evidentemente, de igual vantagem, pelo que estranho seria que se insurgisse contra o teor do relatório baseado em conhecimentos de natureza técnica que, com um grau de probabilidade elevadíssimo, não possui.
Esta objeção da apelante não merece, por conseguinte, também ela, acolhimento.
*
Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o despacho recorrido
*
Custas pela apelante (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
*
Porto, 27/2/2023
Teresa Fonseca
Maria José Simões
Augusto de Carvalho