Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO DAMIÃO E CUNHA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL CONFISSÃO JUDICIAL FORÇA PROBATÓRIA PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20220404542/19.4T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/04/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A admissão de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau inferior ao alegado pela parte a quem favorece, constitui confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos. Como a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, não pode o juiz fixar aquela incapacidade em grau inferior ao confessado, com base em peritagem, cujo valor probatório é apreciado livremente pelo tribunal. II - O princípio orientador de aferição do montante indemnizatório que deve ser atribuído ao dano da perda de capacidade de ganho deve ser o seguinte: - Partindo do tempo provável de vida do lesado e do rendimento que auferia à altura do acidente ou actualmente (para a hipótese do vencimento ter sido actualizado) - ou do rendimento que previsivelmente poderá vir a obter- dever-se-á encontrar um acervo de capital que, pelo seu rendimento e pela utilização do próprio capital, continue a garantir ao lesado a disponibilidade do valor pecuniário ou a capacidade para obter utilidades futuras ou a capacidade de manutenção de expectativas de aquisição de bens, que deixou de ter por via do acidente, por forma a que o montante indemnizatório se esgote em tempo normal da vida activa. III - Prevendo a lei que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias do caso concreto e os valores fixados pela jurisprudência em situações semelhantes (art. 496°, n° 3 do Código Civil), a quantia de 22.500€ (vinte e dois mil quinhentos euros) mostra-se proporcionalmente ajustada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, que tinha, à data do acidente, 27 anos de idade e sofreu um quadro lesivo caracterizado por um défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos (em 100), um quantum doloris fixado no grau 4, um dano estético no grau 3, sequelas compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual de pintor da construção civil, mas que implicam a necessidade de esforços acrescidos e limitações na prática de desporto que anteriormente ao acidente praticava. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO Nº 542/19.4T8PVZ.P1 Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC): ………………….. ………………….. ………………….. * Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 1 * Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto. I. RELATÓRIO. Recorrente: Z... Company - Sucursal em Portugal; Recorrida: AA; * AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Z... Company - Sucursal em Portugal (actual denominação), ambos com os demais sinais dos autos, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 101.396,30 euros, acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação e até integral pagamento.Alega para fundamentar o seu pedido, em síntese, que sofreu um acidente causado pelo condutor do veículo seguro na R., tendo esta já assumido a responsabilidade por indemniza-lo pelos danos resultantes do acidente. Regularmente citada, a R. contestou, aceitando que os factos alegados pudessem determinar a sua responsabilização, mas impugnando os valores peticionados pelo A. a título de indemnização. Alegou ainda que os factos em causa nos autos poderiam constituir ainda acidente de trabalho, devendo as quantias recebidas pelo A. pagas por terceiros ser deduzidas na indemnização a atribuir. * Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, fixando-se de seguida o objecto do litígio e fixando-se os temas da prova.* Procedeu-se à realização de audiência final, observando-se todas as formalidades legais.* De seguida, foi proferida a sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:“…Decisão: Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condena a R. Z... Company - Sucursal em Portugal a pagar ao A. AA: 1- A quantia de 22.500,00 euros (vinte e dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais; 2- A quantia de 22.961,74 euros (vinte e dois mil novecentos e sessenta e um euros e setenta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais; 3- Juros de mora, sobre as quantias referidas, desde a data desta decisão relativamente à quantia referida em 1 e desde a data da citação relativamente às demais quantias, à taxa de 4%, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro até àquela data. a) absolve a R. do restante pedido formulado (…)“. * É justamente desta decisão que a Ré/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:“CONCLUSÕES ………………….. ………………….. ………………….. * Apresentou o Autor contra-alegações, onde pugna pela improcedência do Recurso (sem apresentar conclusões).* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II - FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. Artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. * No seguimento desta orientação, o Recorrente/ Autor coloca a seguinte questão que importa apreciar:- Impugnação da matéria de facto: - Facto Provado nº 42 deve ser alterado para a seguinte redacção: “o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 3 pontos”. * - Saber se os valores arbitrados - a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais – deverão ser reduzidos para as seguintes quantias: a) Ser a indemnização pela perda de capacidade de ganho fixada em não mais de €5.000,00, ou, no caso de não se reconhecer que o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 3 pontos, ser reduzida para não mais de €15.000,00; b) Ser a indemnização por danos não patrimoniais fixada em não mais de €7.000,00, ou, no caso de não se reconhecer que o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 3 pontos, ser reduzida para não mais de €10.000,00 * A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos: “Fundamentação de facto: Estava já assente nos autos: 1. No dia 11 de Abril de 2016, pelas 17h30, na Rua ..., na ..., ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros com matrícula ..-JH-.. e de marca ..., e o motociclo de matrícula ..-IQ-.. de marca ..., modelo .... 2. Cada um conduzido pelos seus proprietários, respectivamente BB e AA, aqui A.. 3. O A. circulava na Rua ..., na ..., no sentido Poente/Nascente na sua faixa de rodagem, quando foi embatido pelo veiculo Toyota ..., que circulava no mesmo sentido e que resolveu inverter o seu sentido de marcha. 4. Ao pretender tomar a faixa de rodagem em sentido contrário ao que seguia (e em que seguia também o A.), encostou à direita e, repentinamente, guinou para a esquerda, cortando a trajectória do A., atravessando-se na sua frente. 5. De tal forma que o A. não teve qualquer hipótese de evitar o embate. 6. O embate fez com que o A. fosse de imediato projectado para fora do motociclo e caísse desamparado na via, com o motociclo tombado por cima dele. 7. A R. reconheceu a responsabilidade total do seu segurado na ocorrência do descrito acidente, tendo assumido os danos correspondentes à perda do veiculo (motociclo) do A.. 8. A R. também pagou os tratamentos iniciais (hospitalares) e exames radiológicos e outros que foram prestados ao A., assim como a intervenção cirúrgica a que foi sujeito, bem como exames e respectivos tratamentos posteriores, que o A. teve de fazer em consequência do acidente. 9. Em consequência das lesões sofridas, o A. deu entrada no hospital ..., tendo sido transferido para o Hospital 1 ... no mesmo dia, após vários exames de diagnóstico efectuados. 10. Já no Hospital 1 ... fez mais exames, tendo sido elaborado um Relatório onde se descreveram as lesões verificadas: “visualizam-se múltiplos traços de fractura desalinhados a interessar as paredes póstero-lateral, anterior e superior do seio-maxilar direito que se encontra preenchido por material com densidade tecidular a traduzir provável hemossinus. Sem encarceramento da gordura ou músculos intraorbitários mas com bolha de ar intra-orbitária. Observa-se ainda fractura do osso zigomático direito interessando a parede lateral da órbita (aqui ligeiramente desalinhada) estendendo-se posteriormente à apófise zigomática do osso temporal. Fractura, aqui alinhada, da apófise pterigóide esquerda, com duvidosa solução de continuidade da parede posterior do seio maxilar desse lado que se encontra igualmente preenchido material com densidade tecidular com nível fluído, a traduzir provável hemossinus. Não se observa o dente 11 com aparente traço de fractura a envolver o seu processo alveolar (avulsão traumática?)”. 11. No dia seguinte ao do acidente, foi feita ao A. uma avaliação clínica – Dra. CC - no serviço de urgência do Hospital 1 ..., em ..., onde é referido que “vem para ser observado por Cirurgia Maxilo-Facial” e descritas as seguintes lesões: “Hematoma palpebral inferior à direita e ferida no lábio inferior. Depressão sobre a arcada zigomática à direita. Avulsão de incisivo central sup. direito. Múltiplos traços de fratura interessando a parede lateral e pavimento da órbita dir., paredes do seio maxilar com hemossinus e zigomático-malar. À esquerda apresenta também preenchimento do seio axilar por # da parede seio. Mobilidade ocular preservada, sem diplopia, boa abertura da boca.” 12. Tendo sido marcada reavaliação em consulta externa para o dia 21/04. 13. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ... aquele BB, condutor e proprietário do veículo de matrícula ..-JH-.., transferiu para a R. a responsabilidade civil emergente da circulação do seu veículo. Realizada audiência de julgamento, provou-se ainda que: 14. Para efeitos de consultas e tratamentos, o A. teve de se deslocar, pelo menos, 16 vezes ao Hospital 2 ..., Porto, entre 11/04/2016 e 09/12/2016, percorrendo 66 Kms em cada deslocação. 15. Assim como teve de se deslocar da sua residência à cidade da Povoa de Varzim para tratamentos de fisioterapia 20 vezes. 16.A residência do A. dista do local onde realizava a fisioterapia 2 Kms. 17. O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até 09/12/2016, data em que lhe foi dada alta pelos serviços clínicos da R.. 18. Após essa data, o A. recorreu ao médico de família que o considerou em situação de incapacidade temporária para o trabalho de 12/12/2017 até 22/04/2018. 19.O A. auferia o salário de 530,00 euros, acrescido do valor diário de 5,70 euros de subsídio de alimentação. 20. Quando assumiu a responsabilidade pelos danos sofridos pelo A., por carta de 28/04/2016, a R. solicitou ao A. o envio de documentos, nomeadamente cópia de dois ou três recibos de vencimento anteriores ao acidente e declaração da Segurança Social que indicasse se iriam processar o subsídio de baixa médica. 21. Por email de 12/07/2016, o A., através da sua Mandatária, solicitou à R. o pagamento das retribuições de Abril, Maio e Junho de 2016, no prazo de 8 dias, juntando cópia do recibo de vencimento. 22. A declaração da Segurança Social apenas foi remetida pelo A. à R., através da sua Mandatária, por email de 11/11/2016, tendo o A. tido dificuldade em obtê-la da instituição referida. 23.A R. pagou ao A. quantia equivalente ao seu salário enquanto o A. esteve temporariamente incapaz para o trabalho, até 09/12/2016. 24. A R. não pagou ao A. qualquer quantia de indemnização por incapacidade temporária pelo período posterior a 09/12/2016. 25. A Segurança Social não pagou ao A. qualquer quantia relativa ao período de incapacidade até 09/12/2016, nem pelo período posterior. 26. A R. iniciou o pagamento do valor equivalente ao vencimento do A. em 20/07/2016, considerando nesse pagamento inicial o período que mediou a data do acidente e o período de incapacidade temporária até àquela data comunicado. 27. O A. e a sua companheira haviam contraído um crédito à habitação em Dezembro de 2012, que estava e está a ser liquidado em prestações mensais com uma taxa de juro revista de 6 em 6 meses, podendo ser agravada em caso de não cumprimento de alguma das condições acordadas para a fixação de determinada taxa. 28. Em Abril de 2016, o A. pagou a prestação 39 no montante de 267,63 euros, com a taxa de juro de 2,828%, tal como vinha acontecendo nos meses imediatamente anteriores e nos seguintes até Janeiro de 2017, mês em que pagou a prestação 48 de 265,00 euros. 29. Em consequência da mora em que foi incorrendo no pagamento das prestações mensais durante o segundo semestre de 2016, o banco ... – credor do crédito à habitação – em Fevereiro de 2017, alterou a taxa de juro de 2,828% para 6,578%, aumentando exponencialmente o valor da prestação mensal, pagando o autor nesse mês de Fevereiro a prestação 49 do montante de 389,84 euros. 30. Mantendo-se esse agravamento da taxa de juro nos meses seguintes, ou seja, de Março de 2017 (prestação 50) até Março de 2017 (prestação 62), pagou prestações de montantes que variaram entre os 475,05 euros (Março 2017) e os 409,60 euros (Março 2017 a Março 2018), voltando, a partir de 03/03/2018 a baixar a taxa de juro para 1,729% e as prestações 63, 64 e 65, correspondentes a Abril Maio e Junho de 2018, (e daí para a frente) a ser de 220,49 euros. 31. Em consequência do acidente sofrido, o A. efectuou, ao longo do ano de 2016, vários exames médicos, como duas ressonâncias magnéticas do joelho direito, uma TAC crânio-encefálica e maxilo-facial, exame radiológico da coluna lombar e exame radiológico da bacia, bem como foi a várias consultas marcadas pelos serviços clínicos da Ré, nomeadamente de estomatologia/cirurgia e de ortopedia. 32. Assim como teve de recorrer, à sua conta, a consultas de neurologia, psiquiatria, por se sentir sempre muito ansioso, muito irritado, incomodado com barulho/ruído, muita dificuldade em dormir e porque este estado interferia nas suas relações sociais, familiares e profissionais. 33. Nessas consultas foi prescrita medicação nomeadamente de psiquiatria e neurologia, devido aos seus padecimentos de índole psíquica, sofrendo de irritabilidade fácil. 34. Despendeu o A. nessas consultas a quantia de 230,00 euros. 35. As sequelas que o A. apresenta são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual de pintor da construção civil, mas implicam a necessidade de esforços acrescidos, pois o A. tem necessidade de subir e descer escadotes com frequência, o que lhe causa muita dor e, consequentemente, perda de produtividade, pois tem de fazer paragens para estabilizar e aguentar a dor. 36. O A. apresenta deformidade ligeira ao nível da hemiface direita, com área saliente (relativamente à contra lateral) ao nível do processo temporal do osso zigomático), bem como cicatriz sensivelmente horizontal na região imediatamente inferior ao lábio inferior, na sua metade direita, levemente hipopigmentada, com 2 cms de comprimento, ainda cicatriz sensivelmente horizontal na pálpebra superior direita, normocrómica com 2 cms de comprimento, que se traduzem, juntamente com outras cicatrizes verificadas nos membros, num dano estético de grau 3 numa escala de gravidade crescente de 7 graus. 37. O A. apresenta sofrimento físico e psíquico, entre a data do acidente e a cura ou consolidação das lesões, em 09/12/2016, designado por quantum doloris, fixável em 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus. 38. O A. ainda sente dores. 39. Temeu pela sua vida, tendo receio de como irão evoluir as patologias com que ficou e tem sempre um desconforto doloroso permanente e persistente. 40. As sequelas que apresenta causam-lhe um grande desgosto e uma tristeza imensa, com perda da auto-estima e do seu bem-estar psicossomático, familiar e social. 41. O A. praticava desporto antes do acidente e sente-se limitado para a sua prática, após o acidente, considerando as dores sofridas. 42. Em virtude das sequelas com que ficou o autor, apresenta o autor um Défice Funcional Permanente da Integridade Física-Psíquica quantificável em 10 pontos. 43. O A. nasceu em .../.../1989. * Factos essenciais não provados: Não se provou que: 1 - O acidente se tivesse verificado quando o A. se deslocava para o trabalho ou tenha auferido qualquer quantia da companhia de seguros da sua empregadora pelo acidente sofrido. 2 - O A. tivesse recebido da R. apenas 70% do valor da sua retribuição enquanto esteve sem trabalhar. 3 - A “doença natural” considerada a partir de 12/12/2016 estivesse ainda relacionada com o acidente sofrido e as suas sequelas. 4 - O A. tivesse sofrido outros danos ou tenha outras sequelas. * B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOJá se referiram, em cima, as questões que importa apreciar e decidir e que contendem apenas com os montantes indemnizatórios atribuídos pelo Tribunal Recorrido a título de danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais – uma vez que a recorrente assumiu, desde logo, a responsabilidade pela ocorrência do acidente de viação (por parte do seu segurado). No entanto, a ponderação das indemnizações fixadas pelo tribunal recorrido quanto aos referidos danos depende ainda da impugnação factual deduzida pela recorrente quanto ao ponto 42 dos factos provados. Ora, importa dizer que, compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que, como resulta das conclusões apresentadas, a Ré/ Recorrente, ao pretender impugnar a decisão da matéria de facto, deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c) do CPC, pois que, na sua peça processual, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e à decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida. Importa, então, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo a Recorrente/ Ré que, em face da prova produzida: - deverá este Tribunal alterar a matéria de facto constante do ponto 43 dos factos provados, passando a constar do mesmo antes a seguinte redacção: “o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 3 pontos” (em vez dos 10 pontos que ficaram mencionados na decisão recorrida) * O Recorrente não concorda com a decisão proferida sobre este ponto da matéria de facto, alegando que nunca aceitou (na contestação) que a incapacidade parcial permanente do Autor se devesse fixar em 10 pontos (no mínimo).Aqui chegados, importa verificar se se pode considerar existir um erro de julgamento, quanto à referida matéria de facto, tendo em conta a argumentação do Recorrente (e, principalmente, todos os meios de prova produzidos, pois que no pretendido novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis - e não só os indicados pelas partes). Analisemos, então, a prova produzida e a decisão sobre a matéria de facto quanto ao referido ponto questionado que diz respeito ao grau de incapacidade que o Autor ficou a padecer em consequência do acidente de viação de que foi vitima. Quanto a esta matéria de facto questionada, o Tribunal Recorrido fundamentou a sua decisão da seguinte forma: “Motivação da decisão sobre a matéria de facto: O Tribunal considerou o conjunto da prova produzida para a afirmação dos factos provados e não provados (e que se encontravam controvertidos, pois que os relativos às características do acidente, a existência do contrato de seguro e assunção de responsabilidade pela R. estavam já aceites por acordo). Foram atendidos todos os documentos juntos aos autos, com relevo para: A carta de fls. 14 em que a R., em 28/04/2018, assume a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo A., solicitando o envio de documentos para o cômputo da indemnização, nos exactos termos que resultaram provados, tendo sido conjugada com os documentos posteriormente juntos pelo A. a fls. 94 e 95, deles resultando que o A. teve dificuldade em obter a declaração que lhe foi pedida pela R. e relativa à inexistência de pagamentos realizados pela Segurança Social. Os documentos clínicos de fls. 14 verso e segs., 119 e segs., 126 e segs., 136 e segs. e 181 e segs., que permitiram a realização da prova pericial e as suas conclusões, e, também por essa via, a afirmação dos factos relativos aos tratamentos efectuados, bem como o afirmar da data de nascimento do A.. Em particular o documento de fls. 20 e 20 verso permitiu perceber que o A. se deslocou aos serviços médicos da R. pelo menos 16 vezes, as que aí se encontram assinaladas. O documento de fls. 21 corresponde à avaliação médico-legal efectuada pela R., atribuindo ao A., após a consolidação médico-legal das suas lesões, 10 pontos de incapacidade, com um quantum doloris de 4 pontos e dano estético de 1 ponto. Esses 10 pontos consideraram: as sequelas relativas ao humor (7 pontos), bem como coluna (1 ponto), joelho (1 ponto) e anca (1 ponto), sendo feita expressa menção que o A. havia mantido sempre quadro de ansiedade / agressividade ao longo do tratamento. Os certificados de incapacidade temporária emitidos pelo SNS (fls. 22 e segs.), e que reportam, a 12/12/2016, que a incapacidade está a ser atribuída por “doença natural”, que se manteve até 22/04/2017. (…) Os comprovativos de consultas realizadas de neurologia, maxilo-facial e psiquiatria de fls. 63, 64, 66 e 66 verso (230,00 euros no total). O relatório de avaliação de dano corporal de fls. 67, e embora nem todas as suas conclusões tenham sido corroboradas pela perícia realizada, salienta-se que também este concluiu que a consolidação médico-legal das lesões do A. ocorreu em 09/12/2016 e não depois do período de incapacidade temporária atribuído pelo médico de família por “doença natural”. Aliás, sobre esta matéria, não se localizam nos elementos clínicos juntos aos autos qualquer elemento que permita perceber que “doença natural” era aquela, pois que tendo os certificados sido emitidos pelos médicos que acompanhavam o A. na USF ... não existe qualquer registo clínico relativo ao período de 12/12/2016 a Abril de 2017. Em face dos elementos recolhidos não existe assim como relacionar esta “doença natural” com as sequelas do acidente, ainda que o seu início seja muito próximo da data que todos os médicos (da R., da avaliação do A. e da perícia) indicam como sendo a da consolidação médico-legal das lesões do A.. O Tribunal considerou a prova pericial realizada, cujos resultados não foram colocados em causa por qualquer das partes, na parte relativa aos quesitos elaborados. E, aqui, não pode o Tribunal deixar de considerar que, tendo o A. alegado sofrer de uma incapacidade permanente de 15 pontos (art. 47º da petição inicial), na sua contestação, a R., sobre essa matéria, alegou, nos arts. 37º e 38º “tal como expressamente impugnado vai o montante peticionado no art. 47º da PI, quer por não corresponder à verdade que o A. tenha ficado a padecer de um défice de integridade física de 15 pontos - como facilmente se conclui pelo boletim junto à PI como Doc. 6, onde são-lhe fixados 10 pontos”. Assim, estando em causa facto essencial, tem assim de considerar-se assente por aceitação expressa da R., discutindo-se apenas se, para além dos referidos 10 pontos, como alegava o A. na sua petição inicial, acrescia qualquer outro dos 5 pontos de incapacidade alegados (e não acresce, sendo que a prova pericial não confirmou sequer o facto que estava assente por acordo expresso da R.) – vide, no sentido do texto, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/03/2018, in www.dgsi.pt, numa situação semelhante à dos autos, concluindo que “a aceitação de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau menos elevado do que aquele com que foi estimado pela parte a quem favorece, não deixa de consubstanciar confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos (…)” * Aqui chegados, importa, pois, que o presente Tribunal, se pronuncie sobre a argumentação da Recorrente, no sentido de apurar se, conforme esta defende, deve ser alterada a decisão no sentido propugnado.Julga-se que a recorrente não tem razão, uma vez que, salvo o devido respeito, a questão fáctica impugnada deve ser decidida nos exactos termos em que o foi pelo tribunal recorrido. Na verdade, concordamos inteiramente com o raciocínio do tribunal recorrido quando, perante a prova pericial junta com a petição inicial, concluiu que o julgamento da matéria de facto passava apenas por discutir “se, para além dos referidos 10 pontos, como alegava o A. na sua petição inicial, acrescia qualquer outro dos 5 pontos de incapacidade alegados”. Essa conclusão que aqui acolhemos resulta, de uma forma clara, da aludida prova junta com a petição inicial (Doc. nº 6), designadamente, do Boletim de avaliação de incapacidade em direito civil elaborado pela própria Ré (não existindo dúvidas que se trata de um documento da Ré, conforme resulta da expressa menção de “Z...” nas duas páginas do Boletim, Boletim que se mostra assinado por um Perito Médico (conforme menção constante antes da assinatura do Perito – de resto, que se trata de um documento da Ré Z..., resulta também do facto de a Ré na contestação para ele remeter no sentido de impugnar o grau de incapacidade alegado pelo Autor, como iremos ver), sendo que nesse Boletim a Ré (o seu perito médico) atribui ao A., após a consolidação médico-legal das suas lesões, 10 pontos de incapacidade – cfr. documento nº 6 junto com a petição inicial ,onde a Ré (o seu perito médico) expressamente declarou: “dano biológico - 10 pontos”. Assim, apesar de a prova pericial, realizada sob a égide do tribunal (“livremente apreciada” - art. 489º do CPC), não ter concluído por uma incapacidade superior aos aludidos 10 pontos atribuídos pela própria Ré (pelos seus serviços), a verdade é que, tendo em conta esse elemento probatório, ao tribunal recorrido não restava outra alternativa que a de considerar tal grau de incapacidade reconhecido pelos serviços da Ré. Os argumentos invocados pela recorrente não têm a virtualidade de pôr em causa tal raciocínio, pois que a questão não se coloca ao nível da interpretação da posição assumida pela Ré na contestação, mas sim pela admissão de tal grau de incapacidade pelos próprios serviços da Ré (previamente à acção), não tendo a Ré invocado qualquer fundamento que pusesse em causa essa avaliação médico-legal efectuada pelos serviços da própria Ré. De qualquer forma, sempre se dirá que o que decorre dessa posição da Ré é justamente a admissão dessa incapacidade – como não podia deixar de ser (em termos de litigância de boa-fé), uma vez que o grau de incapacidade de 10 % foi atribuído pelos próprios serviços da Ré –, apenas impugnando a Ré que a mesma excedesse aquela que tinha sido atribuída pelos seus próprios serviços. Isso mesmo resulta da sua alegação constante dos itens 37 e 38 da contestação onde a Ré refere o seguinte: “37º Tal como expressamente impugnado vai o montante peticionado no art. 47º da P.I. 38º quer por não corresponder à verdade que o A. tenha ficado a padecer de um Défice de Integridade Físico-psíquica de 15 pontos – como facilmente se conclui pelo Boletim junto à P.I. como Doc. 6, onde são-lhe fixados 10 pontos”. Nessa medida, julga-se que também por essa via se conclui que a Ré admitiu tal grau de incapacidade menor que a alegada pelo Autor, sendo por isso aplicável a argumentação jurídica plasmada no ac. da RP citado na decisão recorrida[1]. Como se refere também no ac. da RG citado em nota: “se a autora alega uma incapacidade permanente parcial de 21% e a ré alega que tal incapacidade é de 10%, está a reconhecer que, pelo menos, a autora ficou com tal incapacidade. Fica, por força de tal reconhecimento, assente pelo menos uma IPG de 10 pontos percentuais, apenas estando em discussão se é ou não superior a esse valor. Consequentemente, em resultado do exame médico (perícia) realizado nos autos com tal objecto, apenas não se provou que a incapacidade seja superior ao valor que já se mostrava assente”. Julga-se, assim, que o raciocínio do tribunal recorrido merece aqui pleno acolhimento, não só na parte em que elegeu como tema da prova apenas a discussão de saber se, para além dos admitidos 10 pontos (pela avaliação médico-legal efectuada pela própria Ré), acrescia mais 5 pontos de incapacidade, na sequência da alegação do Autor, mas também quando concluiu que o Autor não logrou provar esse acréscimo de incapacidade, em face da prova pericial produzida nos autos. Nesta conformidade, tendo em conta o exposto, é nosso entendimento, pois, que o Tribunal Recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento, pelo que a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal Recorrido deve ser acolhida integralmente. Em consequência, improcede a apelação nesta parte. * Aqui chegados, e dentro destes pressupostos fácticos, entremos, pois, na apreciação das questões enunciadas que contendem apenas com os montantes indemnizatórios atribuídos pelo Tribunal Recorrido, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais.Conforme resulta da sentença proferida, os montantes indemnizatórios aqui questionados foram os seguintes: 1- A quantia de 22.500,00 euros a título de dano patrimonial decorrente da perda da respectiva capacidade de ganho, tendo em atenção não só a incapacidade sofrida mas os esforços acrescidos realizados no exercício da sua actividade de pintor. 2- A quantia de 22.500,00 euros (vinte e dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais. * Entende o Recorrente que tais quantias indemnizatórias, em face da matéria de facto apurada, deverão ser, respectivamente, reduzidas nos seguintes termos.a) Ser a indemnização pela perda de capacidade de ganho fixada em não mais de €5.000,00 (se se entender que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica do autor deve ser fixado em 3 pontos); ou, no caso de assim não se entender (10%), ser reduzida para não mais de €15.000,00; b) Ser a indemnização por danos não patrimoniais fixada em não mais de €7.000,00 (se se entender que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica do autor deve ser fixado em 3 pontos), ou, no caso de assim não se entender (10%), ser reduzida para não mais de €10.000,00 * Como é sabido, no dano patrimonial, o dano real - a perda «in natura» que o lesado sofre em consequência do acto lesivo - reflecte-se sobre a situação patrimonial do lesado.Esse dano patrimonial indemnizável compreende tanto o dano emergente como o lucro cessante (cfr. o art. 564º, nº 1 do CC). Danos emergentes correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património (já existente) do lesado e os lucros cessantes, aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património[2]. Quanto ao lucro cessante escrevem A. Varela/ P. Lima, in ob. Cit., que: “o lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o facto lesivo”. Para Galvão Teles[3], danos emergentes traduzem-se numa perda sofrida, numa diminuição ou empobrecimento do património, enquanto os lucros cessantes consistem num ganho frustrado. Enquanto os danos emergentes consistem numa forma de diminuição do património já existente, consubstanciando prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, os lucros cessantes consistem numa forma de não aumento do património já existente, isto é, os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. A este respeito, importa ainda atender ao disposto no artigo 564º, nº 2 do CC onde se estabelece que: “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar, com antecipação que o mesmo poderá vir a ocorrer. “Para que o tribunal possa atender a danos futuros, é necessário que eles sejam previsíveis com segurança bastante, porque, se o não forem, não pode o tribunal condenar o responsável a indemnizar danos que não se sabe se virão a produzir-se; se não for seguro o dano futuro, a sua reparação só pode ser exigida quando ele surgir. A segurança do dano pode resultar de probabilidades. Se o dano futuro, embora certo ou previsível com segurança ou probabilidade, não for determinável no seu montante, a fixação da sua indemnização deve ser remetida para decisão ulterior (art. 564.º, n.º 2, 2ª parte), como, por ex., para liquidação em execução de sentença”[4]. O carácter eventual do dano futuro pode conhecer vários graus, conforme se refere no Acórdão do STJ de 11/10/94[5]: “Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio”. “Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável”. “Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua ocorrência)”. Em síntese: o nº 2 do art. 564º do CC permite incluir na fixação da indemnização os danos futuros, desde que sejam previsíveis. O grau de previsibilidade é o da suficiente segurança[6]. E a segurança desses danos pode resultar da sua probabilidade. Se não puder ser averiguado o valor exacto desses danos futuros previsíveis, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º, nº 3 do CC). Como se refere no citado Acórdão do STJ, só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente. * Efectuadas estas classificações gerais, importa entrar na apreciação concreta das questões indemnizatórias que são colocadas no presente Recurso.A primeira questão que se coloca é a de saber se o Tribunal de Primeira Instância ponderou bem a quantia atribuída 22.500,00 euros, atribuída a título de indemnização derivada do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (considerando que este se fixou em 10 %). Discorda a Recorrente da atribuição desta parcela da indemnização, defendendo a sua redução (mesmo no caso de se considerar provado que o défice funcional se deve fixar em 10 %). Vejamos se se pode dar razão à Recorrente. Como decorre da sentença proferida, como consequência do acidente de viação aqui em discussão e das lesões por este causadas, o Autor sofreu uma afectação definitiva da integridade física de 10 pontos. E foi com base nessa percentagem de afectação definitiva da sua integridade física que o Tribunal Recorrido calculou o valor de 22.500€ para o dano patrimonial futuro Antes de entrar na questão da ponderação da indemnização que deve ser atribuída a este título ao Autor, importa efectuar aqui algumas distinções que vêm sendo efectuadas quanto ao ressarcimento desta incapacidade/afectação parcial de que ficou a padecer. Como é sabido, tradicionalmente, neste âmbito surgia como dano indemnizável apenas um dano patrimonial futuro correspondente à perda de capacidade de ganho do lesado. Esta indemnização derivada da perda de capacidade de ganho visa indemnizar danos futuros que, para poderem ser ressarcidos, têm que assumir a característica de serem previsíveis, o que aliás é condicionante da sua possibilidade de valoração (cfr. art. 564º, nº 2 do CC). Esta perda da capacidade de ganho, conforme vem sendo defendido pela Jurisprudência, não depende da efectiva perda ou diminuição da remuneração por parte do lesado, tanto mais que a mesma pode ser valorada (e tem-no sido em termos Jurisprudenciais – por ex. quando o lesado é menor, ou está desempregado – como sucede no caso concreto – situações em que se faz apelo ao valor do salário mínimo nacional) mesmo quando o lesado não exerça qualquer profissão remunerada, compreendendo antes este dano patrimonial uma ideia de frustração de utilidades futuras e de frustração de expectativas de aquisição de bens. Daí que, mesmo que não haja retracção salarial, a IPP (afectação definitiva da integridade física) dá lugar a indemnização pelos danos sofridos, pois o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado de trabalho. Logo, pode-se concluir que a incapacidade de que ficou a padecer o Autor importaria sempre uma diminuição da capacidade funcional, obrigando o(a) lesado(a) a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão, e inclusivamente provoca inferiorização no confronto do mercado do trabalho como outros indivíduos por tal não afectados. No entanto, mais recentemente, os Tribunais têm autonomizado um outro dano, procurando, por essa via, proceder à valoração do chamado “dano biológico” [9]. Na verdade, vem-se entendendo que, ao lado do referido dano patrimonial futuro (perda da capacidade de ganho), o lesado, como resultado daquela mesma afectação definitiva da sua integridade física, pode também sofrer outros danos correspondentes aos esforços ou sacrifícios suplementares que o mesmo tenha que efectuar para exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas (que já não contendem, pois, com o exercício das funções laborais previsíveis futuras). Com efeito, a referida incapacidade funcional, afectando o corpo humano ou um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo), representa uma alteração da sua integridade física que a impede, em geral, de exercer determinadas actividades corporais ou sujeita-a a exercitá-la de modo deficiente ou doloroso, independentemente dessas alterações terem reflexo na actividade laboral exercida ou que previsivelmente virá a ser exercida pelo lesado. Por aqui já se vê que esta incapacidade funcional, na medida em que a precede e consome, tem, em princípio, uma maior abrangência do que a perda da capacidade de ganho, podendo não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efectivamente exercido profissionalmente. É que, em alguns casos, uma elevada incapacidade funcional pode não ter repercussão na retribuição (o que não é raro em profissões de incidência intelectual), ao passo que, noutras situações, uma pequena incapacidade funcional geral pode ocasionar uma enorme incapacidade profissional. Podemos, pois, aqui distinguir dois tipos de danos. Para que ocorra o dano patrimonial, na sua vertente de perda da capacidade de ganho, tem que se concluir que, em face da matéria de facto provada, é previsível que a aludida afectação definitiva da integridade física do lesado venha a produzir, no futuro, uma incapacidade profissional com repercussão negativa na capacidade de ganho. Já no caso do segundo dano, apenas se exige que, existindo aquela mesma incapacidade definitiva, seja previsível que no futuro, se verifique uma incapacidade funcional geral com repercussão no exercício de determinadas actividades corporais ou físicas, independentemente dessas alterações funcionais terem reflexo na actividade laboral exercida ou que previsivelmente virá a ser exercida pelo lesado. Neste último caso, basta a alegação dessa incapacidade para, uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no artigo 566º, nº 3 CC. Já no primeiro caso exige-se que, além disso, se alegue e prove que é previsível que essa afectação definitiva da integridade física tem ou virá a ter repercussão na actividade laboral exercida ou que, no futuro, virá a ser exercida pelo lesado. Assim, como se refere no ac. do STJ de 10.10.2012[10], “Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal […]”. É esse também o entendimento do Ac. do STJ de 10.3.2016[11], que refere que as sequelas podem projectar-se em dois planos: - a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual, durante o período previsível dessa actividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; - na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual[12]. Numa síntese da Jurisprudência do STJ, Maria da Graça Trigo[13] esclarece: “verifica-se, pois, que nos últimos anos, passaram a ser convocadas duas componentes que a doutrina do dano biológico veio pôr em evidência: a perda da capacidade laboral genérica e o aumento de penosidade no exercício de futuras tarefas laborais. Mas, e isso afigura-se de particular relevância, esta atenção não depende da autonomização do dano biológico, nem sequer da referência expressa ao mesmo. Ambos os factores têm sido, tendencialmente apreciados para efeitos de cálculo de danos patrimoniais. Cremos que há uma correcção a efectuar: a perda da capacidade laboral genérica terá efeitos e natureza patrimonial, ao atingir a possibilidade de futura progressão na profissão ou de mudança de profissão. Mas o aumento de penosidade no exercício de tarefas laborais, sem reflexo na diminuição efectiva do trabalho consubstancia antes um dano não patrimonial (como foi qualificado no ac. do STJ de 27.10.2009 e de 17.12.2009). O lesado alcança o mesmo trabalho que alcançaria se não tivesse tido a lesão, mas fá-lo com mais esforço …”. * Efectuadas estas distinções, importa reverter para o caso concreto, e verificar se o montante indemnizatório atribuído, a este título, peca por excesso, conforme defende a Recorrente, tendo em conta os critérios que vêm sendo apontados, para o efeito, pela Jurisprudência.Esta indemnização, como bem referiu o Tribunal Recorrido, fundamenta-se num julgamento de equidade[14], sendo conhecidos os critérios jurisprudenciais que vêm sendo acolhidos. De uma forma geral, saber como ressarcir este dano, actualmente, é um problema que não tem uma solução única, sendo sempre aleatório o recurso a tabelas financeiras ou outros prognósticos, para calcular ou estimar tais danos como bem já se referia no ac. do STJ de 8.6.93[15]. Pode dizer-se, em geral, que o princípio orientador no encontro desse montante indemnizatório desse dano tem sido o seguinte: - Partindo do tempo provável de vida do lesado e do rendimento que auferia à altura do acidente ou actualmente (para a hipótese do rendimento ter sido actualizado) - ou do rendimento que previsivelmente poderá vir a obter-, dever-se-á encontrar um acervo de capital que, pelo seu rendimento e pela utilização do próprio capital, continue a garantir ao lesado a disponibilidade do valor pecuniário ou a capacidade para obter utilidades futuras ou a capacidade de manutenção de expectativas de aquisição de bens, que deixou de ter por via do acidente, por forma a que o montante indemnizatório se esgote em tempo normal da vida activa[16]. Ora, partindo genericamente do critério atrás apontado, importa ter em conta: a) a matéria de facto provada de onde decorre que: “19.O A. auferia o salário de 530,00 euros, acrescido do valor diário de 5,70 euros de subsídio de alimentação. 35. As sequelas que o A. apresenta são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual de pintor da construção civil, mas implicam a necessidade de esforços acrescidos, pois o A. tem necessidade de subir e descer escadotes com frequência, o que lhe causa muita dor e, consequentemente, perda de produtividade, pois tem de fazer paragens para estabilizar e aguentar a dor. 41.O A. praticava desporto antes do acidente e sente-se limitado para a sua prática, após o acidente, considerando as dores sofridas. 42. Em virtude das sequelas com que ficou o autor, apresenta o autor um Défice Funcional Permanente da Integridade Física-Psíquica quantificável em 10 pontos. 43. O A. nasceu em .../.../1989. * b) e por outro lado, os demais critérios assinalados, por exemplo, a normal expectativa de vida de que poderá beneficiar o Autor (70 anos de vida laboral activa; 78 anos de esperança de vida[17]) e a preocupação em obter um montante indemnizatório que compreenda um capital que se esgote em tempo normal da sua vida activa, sem prejuízo da eventual necessidade de efectuar uma correcção desse capital em virtude do recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório, sob pena de se propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante.Ora, ponderando todos estes factores, tendo em conta a factualidade provada, os aludidos critérios legais e jurisprudenciais, e aplicando os juízos de equidade, afigura-se ao presente Tribunal que a decisão do Tribunal de Primeira Instância no que concerne à indemnização, arbitrada a este título, foi correctamente fixada (sendo até muito ligeiramente restritiva). Na verdade, na sequência do exposto, num cálculo simples, obteríamos, um valor muito próximo daquele que foi fixado pelo tribunal recorrido, pelo que não podemos deixar de acolher o julgamento efectuado pelo tribunal recorrido. (valor que resulta dos seguintes cálculos: (530€ x 14 meses) x 51 anos (considerando a idade do Autor (27 anos) e 78 anos de expectativa de vida) x 10 % = 37.842€, quantia (arredondas para 37.800 e que devidamente corrigida pelo aludido factor (recebimento imediato da totalidade do capital - redução de 1/3 (37800€ – 12.600€ = 25.200€ – tendo em conta a juventude do Autor) conduz, assim, à conclusão de que a indemnização atribuída pelo tribunal recorrido merece integral acolhimento, como já se referiu). Nesta conformidade, julga-se, nesta parte, improcedente o Recurso de Apelação da Recorrente/Ré. * Aqui chegados, importa, finalmente, que o Tribunal se pronuncie sobre a indemnização atribuída ao Autor, a título de danos não patrimoniais (22.500€).Quanto aos danos não patrimoniais alegados, ficou provado (além daquela matéria de facto já atrás respigada) que: “9. Em consequência das lesões sofridas, o A. deu entrada no hospital ..., tendo sido transferido para o Hospital 1 ... no mesmo dia, após vários exames de diagnóstico efectuados. 10. Já no Hospital 1 ... fez mais exames, tendo sido elaborado um Relatório onde se descreveram as lesões verificadas: “visualizam-se múltiplos traços de fractura desalinhados a interessar as paredes póstero-lateral, anterior e superior do seio-maxilar direito que se encontra preenchido por material com densidade tecidular a traduzir provável hemossinus. Sem encarceramento da gordura ou músculos intraorbitários mas com bolha de ar intra-orbitária. Observa-se ainda fractura do osso zigomático direito interessando a parede lateral da órbita (aqui ligeiramente desalinhada) estendendo-se posteriormente à apófise zigomática do osso temporal. Fractura, aqui alinhada, da apófise pterigóide esquerda, com duvidosa solução de continuidade da parede posterior do seio maxilar desse lado que se encontra igualmente preenchido material com densidade tecidular com nível fluído, a traduzir provável hemossinus. Não se observa o dente 11 com aparente traço de fractura a envolver o seu processo alveolar (avulsão traumática?)”. 11. No dia seguinte ao do acidente, foi feita ao A. uma avaliação clínica – Dra. CC - no serviço de urgência do Hospital 1 ..., em ..., onde é referido que “vem para ser observado por Cirurgia Maxilo-Facial” e descritas as seguintes lesões: “Hematoma palpebral inferior à direita e ferida no lábio inferior. Depressão sobre a arcada zigomática à direita. Avulsão de incisivo central sup. direito. Múltiplos traços de fractura interessando a parede lateral e pavimento da órbita dir., paredes do seio maxilar com hemossinus e zigomático-malar. À esquerda apresenta também preenchimento do seio axilar por # da parede seio. Mobilidade ocular preservada, sem diplopia, boa abertura da boca.” 17. O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até 09/12/2016, data em que lhe foi dada alta pelos serviços clínicos da R.. 18. Após essa data, o A. recorreu ao médico de família que o considerou em situação de incapacidade temporária para o trabalho de 12/12/2017 até 22/04/2018. 31. Em consequência do acidente sofrido, o A. efectuou, ao longo do ano de 2016, vários exames médicos, como duas ressonâncias magnéticas do joelho direito, uma TAC crânio-encefálica e maxilo-facial, exame radiológico da coluna lombar e exame radiológico da bacia, bem como foi a várias consultas marcadas pelos serviços clínicos da Ré, nomeadamente de estomatologia/cirurgia e de ortopedia. 32. Assim como teve de recorrer, à sua conta, a consultas de neurologia, psiquiatria, por se sentir sempre muito ansioso, muito irritado, incomodado com barulho/ruído, muita dificuldade em dormir e porque este estado interferia nas suas relações sociais, familiares e profissionais. 33. Nessas consultas foi prescrita medicação nomeadamente de psiquiatria e neurologia, devido aos seus padecimentos de índole psíquica, sofrendo de irritabilidade fácil. 35. As sequelas que o A. apresenta são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual de pintor da construção civil, mas implicam a necessidade de esforços acrescidos, pois o A. tem necessidade de subir e descer escadotes com frequência, o que lhe causa muita dor e, consequentemente, perda de produtividade, pois tem de fazer paragens para estabilizar e aguentar a dor. 36.O A. apresenta deformidade ligeira ao nível da hemiface direita, com área saliente (relativamente à contra lateral) ao nível do processo temporal do osso zigomático), bem como cicatriz sensivelmente horizontal na região imediatamente inferior ao lábio inferior, na sua metade direita, levemente hipopigmentada, com 2 cms de comprimento, ainda cicatriz sensivelmente horizontal na pálpebra superior direita, normocrómica com 2 cms de comprimento, que se traduzem, juntamente com outras cicatrizes verificadas nos membros, num dano estético de grau 3 numa escala de gravidade crescente de 7 graus. 37. O A. apresenta sofrimento físico e psíquico, entre a data do acidente e a cura ou consolidação das lesões, em 09/12/2016, designado por quantum doloris, fixável em 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus. 38. O A. ainda sente dores. 39. Temeu pela sua vida, tendo receio de como irão evoluir as patologias com que ficou e tem sempre um desconforto doloroso permanente e persistente. 40. As sequelas que apresenta causam-lhe um grande desgosto e uma tristeza imensa, com perda da auto-estima e do seu bem-estar psicossomático, familiar e social. 41. O A. praticava desporto antes do acidente e sente-se limitado para a sua prática, após o acidente, considerando as dores sofridas. 42. Em virtude das sequelas com que ficou o autor, apresenta o autor um Défice Funcional Permanente da Integridade Física-Psíquica quantificável em 10 pontos. * Em resumo, e conforme resulta da matéria de facto considerada provada, o Autor sofreu: - um quantum doloris, fixável em 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus. - dano estético de grau 3 numa escala de gravidade crescente de 7 graus. - um Défice Funcional Permanente da Integridade Física-Psíquica quantificável em 10 pontos. * Nos termos do art. 496º do CC, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais apenas se devem atender aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.A gravidade a que faz alusão o preceito legal mede-se por um padrão objectivo, de normalidade, de bom senso prático, de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que afastará, à partida, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais decorrentes de sensibilidades particularmente embotadas ou especialmente requintadas, ou seja anormais ou incomuns[18]. Por outro lado, ainda, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que, em face das circunstâncias concretas do caso, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. No caso em apreço, não existem dúvidas (que não se mostram, aliás, suscitadas por qualquer uma das partes, em particular pela Ré) que as consequências do sinistro relativamente ao Autor se revestem de especial gravidade, sendo, por isso, justificativas, portanto, do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais. O que está em discussão é a sua fixação em termos de quantitativo pecuniário. Nesta matéria, em primeiro lugar, é de notar que, estando em causa a lesão de interesses imateriais (isto é que não atingem de forma directa ou imediata o património do lesado), o objectivo, em termos de ressarcimento, não é (nem pode ser), face à sua evidente impossibilidade, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro, ou, face à insusceptibilidade da sua avaliação pecuniária, a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, mas será apenas atenuar, minorar ou, de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. Neste sentido, refere, ainda, o Prof. Antunes Varela[19], que “…ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.”. Na verdade, o dano não patrimonial pode assumir vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extraprofissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária”[20]. Assim, nestas hipóteses, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distracções que proporciona - porventura, de ordem espiritual -, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento. Nesta conformidade, e como se salienta no AC STJ de 7.04.2016[21], a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2 do CC. Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do art. 496º, n.º 3 e 494º do CC, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso que se lhe afigurem relevantes, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, os critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares[22]. Com efeito, como se refere no AC STJ de 18.06.2015[23], “…não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso.” E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “…nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa […] nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar…“. No entanto, como se adverte no AC STJ de 17.12.2015 (e nos variadíssimos arestos ali elencados que tem conhecido desta matéria e que nos escusamos aqui a repetir), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto. Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição…”[24]. Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo. Com efeito, como se refere no AC STJ de 30.10.96, BMJ 460º, 444 (referido no AC STJ de 26.01.2016) “…no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente…”. Aqui chegados, importa aplicar estes critérios legais ao caso concreto, e verificar, nomeadamente, se o Tribunal de Primeira Instância se ateve, na fixação da indemnização que atribui a título de danos não patrimoniais, a estes critérios. Ora, ponderada toda a factualidade atrás respigada, tendo presente o regime jurídico que previamente se expôs, e os valores que a jurisprudência vem atribuindo mais recentemente em casos de similar nível de gravidade ou em casos de maior gravidade em termos comparativos com o dos autos, tem que se concluir que a indemnização fixada pelo tribunal recorrido é justamente a mais adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor correspondentes aos aludidos graus de dor (4), do dano estético (3) e do Défice Funcional Permanente da Integridade Física-Psíquica (10). Considera-se, de facto, que a quantia de 22.500€ (vinte e dois mil e quinhentos euros) atribuída ao Autor é, do nosso ponto de vista, aquela que corresponderá ao montante equitativo que se nos afigura proporcional aos danos não patrimoniais que sofreu, dentro dos critérios assinalados pelos arts. 496º e 494º do CC[25]. Julga-se, pois, improcedente o Recurso da Ré. Em conclusão, considerando que os montantes indemnizatórios fixados pelo tribunal recorrido não merecem as criticas que lhe dirigiu a recorrente, só nos resta concluir pela total improcedência do recurso, com a consequência de assim se manter integralmente a sentença recorrida. * IV- DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o Recurso interposto pela Ré/ Recorrente totalmente improcedente, com a consequência de se manter integralmente a sentença recorrida. * Custas pela Ré (art. 527º, nº 1 do CPC).Notifique. * Porto,4 de Abril de 2022.(assinado digitalmente) Pedro Damião e Cunha Fátima Andrade Eugénia Cunha _________________________________________ [1] Ac. da RP de 19.3.2018 (relator: Miguel Baldaia) - subscrito também pela aqui Sra. Juíza Desembargadora 1ª Adjunta - onde se concluiu que:” I - A aceitação de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau menos elevado do que aquele com que foi estimado pela parte a quem favorece, não deixa de consubstanciar confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos. II - Consequentemente, o reconhecimento pela ré de que a incapacidade que afectou o autor por via das lesões sofridas no ajuizado acidente de trânsito é de 15 pontos, que o autor havia estimado em 20 pontos, não pode, pois, deixar de valer como confissão parcial da valoração por este efectuada, na medida dessa sua aceitação, em percentagem mais baixa (…)”. V. no mesmo sentido, o ac. da RP de 18.5.2017 (relator: José Araújo de Barros), onde se concluiu:” I - O juízo de valor que incide sobre os atributos dos factos, nomeadamente em termos de graduação quantitativa, continua a ser questão de facto, desde que não envolva ponderação de conceitos de direito. II - A valoração de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau menos elevado do que aquele com que foi estimado pela parte a quem favorece, não deixa de consubstanciar confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos. III - O reconhecimento pela ré de que a incapacidade que afectou o autor por via das lesões sofridas é de 11%, que o autor havia estimado em 20%, consubstancia confissão parcial da valoração efectuada pelo autor, na medida dessa sua aceitação, em percentagem mais baixa. IV-Tendo a confissão judicial escrita força probatória plena contra o confitente, não pode o juiz fixar aquela incapacidade em grau inferior ao confessado, com base em peritagem, cujo valor probatório é apreciado livremente pelo tribunal”; v. ainda, o ac. da RG de 19.9.2019 (relator: Eva Almeida), onde se concluiu que: I - O juízo de valor que incida sobre a percentagem que as lesões sofridas pela autora representam em termos de incapacidade, situa-se no âmbito dos factos necessitados de prova. Prova que pode ser efectuada por qualquer meio, nomeadamente confissão ou acordo das partes nos articulados da acção. II - A admissão de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau inferior ao alegado pela parte a quem favorece, constitui confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos. III - Como a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, não pode o juiz fixar aquela incapacidade em grau inferior ao confessado, com base em peritagem, cujo valor probatório é apreciado livremente pelo tribunal (…)”- todos disponíveis em dgsi.pt. [2] A. Varela/ P. Lima, in “Código Civil Anotado”, volume I, pág. 579. [3] In “Manual do Direito das Obrigações”, pág. 187. [4] Vaz Serra, in RLJ, Ano 113.º, págs. 326/327, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 1980). [5] In CJ, Tomo III, pág. 84 e ss. [6] Antunes Varela, in “Das obrigações em geral”, Vol. I, pág. 928 [7] Cfr. Vaz Serra, in RLJ, ano 113º, pág. 326. [8] V. ac. do STJ de 28.02.2008, in Dgsi.pt [9] V., quanto à ressarcibilidade do denominado dano biológico, por todos, apenas ao nível do Supremo, AC STJ de 19.05.2009 (relator Fonseca Ramos), AC STJ de 23.11.2010 (relator Hélder Roque), AC STJ de 21.03.2013 (relator Salazar Casanova), AC STJ de 2.12.2013 (relator Garcia Calejo) AC STJ de 19.02.2015 (relator Oliveira Vasconcelos) e, ainda, AC STJ de 4.06.2015 (relator Maria Beleza), todos in www.dgsi.pt. [10] In dgsi.pt (relator: Lopes do Rego) com o seguinte sumário: “1.Ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração, não apenas a parcela dos rendimentos salariais auferidos à data do acidente directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, calculados através das tabelas financeiras correntemente utilizadas, mas também o dano biológico sofrido por lesado jovem, (consubstanciado em IGP de 17,06 %, sujeita a evolução desfavorável, convergindo para o valor de 22%), com relevantes limitações funcionais, redutoras das possibilidades de exercício ou reconversão profissional futura, implicando um esforço acrescido no exercício das actividades profissionais e pessoais (...)”. [11] in Dgsi.pt (relator: Tomé Gomes); [12] Já no ac. do STJ de 15.2.2017 in dgsi.pt / (relator: Fernanda Isabel Pereira) defendeu-se que o dano resultante da perda ou diminuição da capacidade de ganho “constitui um dano corporal que tem natureza patrimonial e que deverá ser ressarcido a título de dano futuro, tratando-se de uma das vertentes do dano biológico.”. [13] In “Obrigação de indemnização e dano biológico” (estudo integrado na Colectânea “Responsabilidade civil- temas especiais”), pág. 78. [14] Veja-se o recente acórdão do STJ de 14.3.2019 (relator: Nuno Pinto Oliveira), in dgsi.pt, onde se efectua a seguinte distinção:” O recurso à equidade tem um sentido distinto consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais: em relação aos primeiros, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º e ss. do CC, em que a equidade funciona como ultimo recurso; em relação aos segundos, o princípio é o de que indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade nos termos do art. 496.º, n.º 4, do CC, em que a equidade funciona como único recurso”. [15] In CJ do STJ T II, pág. 138. [16] Cfr. Vaz Serra, in Bmj nº 84, pág. 253 e acs. do STJ de 18/1/79, 8/5/86, 15/5/86 in respectivamente Bmj 283, pág. 275; e 357, pág. 396 e 412. Mais recentemente, v. os acs. da RP de 14.07.2010 (relator: Maria Eiró) e do STJ de 7.2.2013 (relator: Maria dos Prazeres Beleza), in Dgsi.pt. [17] Segundo os dados do INE a esperança de vida está estimada em 77,78 anos para os homens e em 83,43 anos para as mulheres. [18] Vide, neste sentido, por todos, Prof. Antunes Varela, “ Das Obrigações em Geral ”, Iº volume, pág. 576; [19] “ Das Obrigações em Geral ”, I volume, 6ª edição, pág. 571; [20] V. Acs. do STJ, de 25.11.2009 (relator: Raúl Borges) e. da RG, de 10.10.2013 (relator: Helena Melo), in dgsi.pt. [21] In Dgsi.pt; [22] Vide, neste sentido, AC STJ de 28.01.2016, (relator Maria Graça Trigo), AC STJ de 26.01.2016 (relator: Fonseca Ramos), AC STJ de 1.01.2016, (relator: Lopes do Rego), AC STJ de 17.12.2015, (relator Maria Beleza), ou, ainda, AC STJ de 18.06.2015, (relator Fernanda Isabel Pereira), disponíveis in www.dgsi.pt. [23] In Dgsi.pt [24] Vide, por todos, neste sentido, AC do STJ de 31.01.2012 (relator Nuno Cameira), AC STJ de 31.05.2012 (relator Maria Beleza), além dos citados AC STJ de 7.04.2016, AC STJ de 17.12.2015 e AC STJ de 18.06.2015, disponíveis in dgsi.pt. [25] Tiveram-se em consideração os valores jurisprudenciais que têm vindo a ser fixados recentemente nos tribunais superiores: por ex veja-se a indemnização fixada no ac. do STJ de 14.3.2019 (relator: Nuno Pinto Oliveira), in dgsi.pt: em que estava em causa uma situação em que o lesado “ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10,00 pontos”, onde se concluiu que:. “Provando-se, ainda, que, em consequência do acidente: (i) o autor sofreu dores no momento do embate de que foi vítima e, posteriormente, aquando das intervenções cirúrgicas a que foi submetido; (ii) sente-se triste por não poder acompanhar a sua companheira e amigos como antes fazia; (iii) sente desgosto por não poder mais exercer a profissão de mecânico; (iv) sofreu, respectivamente, um quantum doloris e um dano estético permanente fixáveis no grau 4 numa escala crescente de 7 graus de gravidade, mostra-se de acordo com os critérios de avaliação e os limites previstos na legislação e na jurisprudência, a fixação pela Relação de uma indemnização no valor de €25.000 a título de danos não patrimoniais”. |