Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
285/07.1TBVNC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA CARVALHO
Descritores: DIVÓRCIO
PARTILHA DE BENS
BENS NÃO LICITADOS
COMPROPRIEDADE
Nº do Documento: RP20130916285/07.1TBVNC.P1
Data do Acordão: 09/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1404º, 1374º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Em processo de inventário para partilha de bens subsquente ao divórcio, os bens não licitados por qualquer dos cônjuges devem ser-lhes adjudicados em regime de compropriedade e não serem distribuídos aleatoriamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 285/07.1tbvnc.p1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório
Nos autos de inventário para partilha de bens, subsequente ao divórcio B…, que exerceu as funções de cabeça de casal, e de C…, na conferência de interessados, procederam-se a licitações.
Ficaram por licitar bens móveis, devidamente identificados.
O tribunal determinou a forma a partilha nos seguintes termos: Somam-se os valores descritos com o aumento das licitações e divide-se o produto em duas partes iguais, constituindo uma a meação do requerente e outra da requerida.
Quanto aos móveis determinou-se que, não sendo as quantias iguais, a distribuição pelos interessados, na proporção do que cada um tem direito a receber.
Os interessados não acordaram nos termos da adjudicação desses bens.
O tribunal, exercido o contraditório, fixou o valor do passivo.
A final foi proferida a seguinte decisão que se transcreve
Nos presentes autos de inventário a que se procede, ao abrigo do disposto no art. 1403 do CPC (Código de Processo Civil), instaurados pelo interessado B…, que exerceu as funções de cabeça de casal, contra C…, que foram casados entre si, tendo o casamento sido dissolvido por decisão proferida pela 1ª Conservatória do Registo Civil do Porto, em 13.2.2007, homologo por sentença a partilha constante do mapa de fls. 983 a 986/ref.º citius 11452908, adjudicando aos interessados as verbas integrantes dos respectivos quinhões e condenando no pagamento do passivo.
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A interessada C… interpõe o presente recurso, alegando, no essencial, que os bens não licitados deveriam ficar em compropriedade e conclui:
A- Na conferência de interessados, a Recorrente licitou bens no valor de 295.670,00 euros e, por sua vez, o Recorrido licitou bens no valor de 70.430,00 euros pelo que, para preencher o seu quinhão, a Recorrente e o Recorrido têm, respetivamente, de receber bens não licitados no valor de 84.287,50 € e 309.527,50 €.
B- Assim sendo, nenhum dos interessados licitou bens que excedam o seu quinhão na meação dos bens pelo que os artºs 1376º, nº1, 1377º, nº1 e 1378º do CPC não são aplicáveis ao caso dos autos e, consequentemente não pode haver lugar ao pagamento de tornas entre os interessados.
C- Ao adjudicar metade dos bens não licitados a cada um dos interessados, impondo à Recorrente o pagamento de tornas, a sentença recorrida contraria também frontalmente o que foi decidido nos despachos que versavam sobre a elaboração do mapa de partilha, designadamente dos despachos proferidos em 06-03-2012( cfr. refª citius:11139346) e em 13-04-2012, (com a refº citius 1117390) que, reportando-se aos bens não licitados, determinaram que no preenchimento dos quinhões deveria ater-se às licitações e que a sua divisão pelos interessados “na proporção do que cada um tem direito a receber”.
D- Mesmo que assim não fosse, o preenchimento dos quinhões com as verbas não licitadas, tem de respeitar os princípios que dominam o inventário, estabelecendo uma compropriedade entre todos os interessados, designadamente no caso de não ser possível obter-se doutra forma a composição dos quinhões, fazendo-os quinhoar com a atribuição dos bens não licitados a todos os eles em comum e proporcionalmente, em analogia com o prescrito na parte final da alínea d) do art 1374º do C.P.C, tendo em consideração a parte que a cada interessado falta preencher na respetiva quota.
E- Tal solução é a única que respeita a vontade da Recorrente de não contrair dívidas com tornas originadas pelo excesso de preenchimento da sua quota e traduz-se numa justa partilha dos bens que constituem o património comum.
F- Por outro lado, o preenchimento dos quinhões dos interessados com a adjudicação de tais bens não licitados em compropriedade, por forma a que a sua distribuição preencha a medida de cada um dos seus quinhões, na proporção e medida necessárias ao preenchimento do respetivo quinhão, é solução que a lei consagra na hipótese prevista no art. 1377º, nº 4 do C.P.C e evita que qualquer interessado se torne devedor de tornas, conseguindo-se que todos eles vejam os seus quinhões compostos com bens da herança.
G- Nessa medida, os bens não licitados deverão ser adjudicados à Recorrente e ao Recorrido, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento de cada um dos seus quinhões, ou seja, na proporção de 78,37% (correspondente a 309.527,50 €) para o Recorrido e de 21,34% (correspondente a 84.287,50 €) para a Recorrente, assim ficando totalmente preenchidos os quinhões de ambos os interessados sem que haja lugar ao pagamento de tornas.
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Nas contra-alegações, o recorrido pugna pela manutenção da decisão.
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Fundamentação
1 - Os factos a considerar são os constantes do relatório.
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2 O Direito
Delimitado o objecto do recurso em conformidade com as doutas conclusões, nos termos dos arts. 685 nº A 1 e 2, 685 B nº 1 e 2 CPC, a recorrente insurge-se contra o facto de o tribunal ter determinado, quanto aos bens móveis não licitados, que, não sendo as quantias iguais, o sorteio na proporção do que cada um tem direito a receber.
A questão que importa resolver traduz-se em decidir se os bens não licitados devem ser sorteados ou manter-se a compropriedade entre os ex-cônjuges.
Para dirimir a controvérsia, impõe-se apelar à letra e ratio das normas, no pressuposto da unidade do ordenamento jurídico, conforme o art. 9º do CC, que devem orientar o intérprete neste exercício hermenêutico, visando determinar o seu alcance.
Preceitua o art. 1404 nº 3 do CPC que o inventário, nos casos de divórcio, segue os termos previstos nas secções anteriores.
Esta norma remete exactamente para o regime do inventário, equivalendo os ex-cônjuges ao papel de interessados numa herança.
Efectuadas as licitações, havendo bens não licitados, o tribunal decidiu proceder a uma distribuição que coincide com um sorteio, previsto no art. 1374 c) CPC, que prescreve “Os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais”.
Esta norma, porém, pressupõe, a verificação dos pressupostos consignados na alínea precedente, 1374 b) CPC, que rege a situação dos não conferentes ou não licitantes.
A conexão é evidente, na própria letra do preceito, quando se reporta aos “bens restantes, se os houver”.
Os interessados, o caso concreto, licitaram os bens que entenderam, aprovaram o passivo, restando apenas alguns que não foram objecto de qualquer licitação.
Não se assumem como não licitantes ou não conferentes.
Consequentemente, não integram a previsão da norma.
A comunhão é uma das formas de proceder à partilha, prevista, concretamente, no art. 1371 nº 3 e no art. 1374 nº 4, do CPC, como se entendeu também no acórdão desta Relação, de 27.9.2011, citado pela recorrente.
Afigura-se-nos, no caso concreto, embora a situação não esteja expressamente prevista em qualquer dos enunciados preceitos, que a solução mais justa, e de harmonia com os aludido ordenamento, e, até, com a vontade dos interessados, manifestada na conferencia, não licitando aqueles bens, visando alcançar uma igualdade na partilha, será a de permanecerem esses bens em compropriedade, com referencia a cada um dos quinhões dos interessados, e não distribuir aleatoriamente o património comum.
Os interessados não licitaram esses bens, permanecendo na indivisão, pelo que se impõe uma solução, que o ordenamento jurídico acolha.
Afastada a possibilidade de distribuição dos bens, na forma exposta, resta a solução de permanecerem em compropriedade.
Assim, revoga-se a sentença recorrida, na medida em que homologou a distribuição pelos interessados, ficando os bens não licitados em compropriedade, na proporção do que cada um tem direito a receber.
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Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, determinando-se que os bens não licitados serão adjudicados aos dois interessados, em compropriedade, atendendo ao preenchimento dos respectivos quinhões.
Custas a cargo do recorrido.
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Porto, 16 de Setembro de 2013
Ana Paula Vasques de Carvalho
Manuel Domingos Alves Fernandes
Manuel José Caimoto Jácome