Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
443/14.2T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
HERANÇA JACENTE
HERANÇA INDIVISA
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP20151019443/14.2T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 10/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.
II - A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada.
III - Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil.
IV - Da aceitação do cargo de cabeça-de-casal, não decorre aceitação da herança e os actos de administração praticados por ele também não implicam a sua aceitação tácita (artigo 2056.º, nº 3 do CPCivil).
V - Os mecanismos administrativos especiais nos casos de herança jacente ou, ainda, de herança abandonada (artigos 2047.º e 2048.º do Civil e 409.º, nº 2 do CPCivil) justificam-se pela específica situação de falta de titularidade subjectiva de certas situações de jacência e não importam a impossibilidade da existência de cabeça-de-casal nessas situações.
VI- Não existindo nos autos elementos que permitam ao julgador concluir, com certeza, que a herança foi aceite, não pode este considerá-la com falta de personalidade judiciária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 443/14.2T8PVZ-A.P1
Origem: Comarca do Porto-Póvoa de Varzim-Inst. Local-Secção Cível-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Rita Romeira
2º Adjunto Des. Caimoto Jácome
5ª Secção
Sumário
I- A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.
II- A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada.
III- Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil.
IV- Da aceitação do cargo de cabeça-de-casal, não decorre aceitação da herança e os actos de administração praticados por ele também não implicam a sua aceitação tácita (artigo 2056.º, nº 3 do CPCivil).
V- Os mecanismos administrativos especiais nos casos de herança jacente ou, ainda, de herança abandonada (artigos 2047.º e 2048.º do Civil e 409.º, nº 2 do CPCivil) justificam-se pela específica situação de falta de titularidade subjectiva de certas situações de jacência e não importam a impossibilidade da existência de cabeça-de-casal nessas situações.
VI- Não existindo nos autos elementos que permitam ao julgador concluir, com certeza, que a herança foi aceite, não pode este considerá-la com falta de personalidade judiciária.
*
I- RELATÓRIO
B… e mulher C…, residentes na Rua …, n° .., intentaram contra, Herança de D…, representada pela cabeça de casal E…, residente na …, n.° …, ….-… Póvoa de Varzim, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré:
a) a proceder à reparação do telhado na residência dos autores, mais concretamente remoção das telhas existentes e sua substituição por novas;
b) na reparação das divisões danificadas no interior da residência dos Autores, cujos danos derivaram, das infiltrações de água ou em alternativa;
c) a pagar aos autores o valor do custo da reparação do telhado e partes do imóvel afectadas com as infiltrações, em montante a liquidar em execução de sentença.
*
O processo seguiu os seus regulares termos com apresentação de contestação e resposta às excepções deduzidas.
*
Datado de 24/04/2015 o tribunal recorrido proferiu despacho saneador do seguinte teor:
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e apresenta-se isento de nulidades que invalidem todo o processado.
As partes gozam de capacidade judiciária e encontram-se devidamente patrocinadas em juízo.
Da excepção dilatória de falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva Alega a Ré, em sede de contestação, que a presente acção foi proposta contra a herança de D…, representada pela cabeça de casal, alegando que a referida herança, porque conhecidos os seus herdeiros, carece de personalidade judiciária sendo que, ainda, que se considere que a cabeça de casal foi demandada na qualidade de herdeira a acção sempre deveria ter sido proposta contra todos os herdeiros, verificando-se ilegitimidade passiva da mesma.
À matéria da excepção responderam os Autores alegando que a acção é proposta não contra a herança ilíquida e indivisa por óbito de D…, mas sim contra a herança jacente já que desconhecem os sucessores do autor da herança e que tenha havido aceitação da mesma.
Concluem, assim, pela improcedência das excepções invocadas requerendo, caso se decida o contrário, a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros.
Cumpre apreciar e decidir.
A personalidade judiciária, nos termos do artigo 11º, nº 1, do Código de Processo Civil, traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida alguma providência de tutela jurisdicional.
Em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, a lei estabelece, no artigo 11º, nº 2, do citado diploma, que quem a última tiver também dispõe da primeira.
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica.
Assim sucede, nos termos do artigo 12º, alínea a), do citado diploma, com a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver determinado.
O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à herança jacente e, por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja determinado.
O conceito de herança jacente, oriundo da lei civil, significa a herança aberta ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado, ou seja, o património da pessoa falecida entre o chamamento dos sucessíveis e a sua aceitação, nos termos do artigo 2046º, do Código Civil.
Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não houver sido declarada vaga para o Estado, ocorre a referida situação de jacência.
Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares quinhoantes estejam determinados por a terem aceite expressa ou tacitamente, não tem personalidade judiciária.
Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado.
Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património autónomo, este só tem personalidade judiciária se os respectivos titulares não estiverem determinados. No caso dos presentes autos afigura-se-nos que a herança deve ser qualificada como jacente porquanto não existem elementos que permitam concluir que a mesma foi aceite pelos respectivos herdeiros os quais de resto de desconhecem.
Com efeito, não obstante invocar a excepção a Ré não identifica os herdeiros nem alega tão pouco que os mesmos aceitaram a herança ainda que tacitamente.
Face ao exposto improcedem as excepções invocadas porquanto consistindo a personalidade judiciária na susceptibilidade de ser parte a acção teria de ser proposta contra a herança jacente e não contra os herdeiros.
*
Não existem quaisquer nulidades, outras excepções dilatórias nem peremptórias, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
Atento o valor da causa e a simplicidade da matéria controvertida, nos termos do artigo 597º, nº 1, do Código de Processo Civil, determino a simplificação processual designando o dia 11 de Outubro de 2015, às 9h30, neste Tribunal, para realização da audiência de discussão e julgamento, sem prejuízo do disposto no artigo 151º, do Código de Processo Civil”.
*
Não se conformando com o assim veio a Ré interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
1ª)- Os AA intentam a presente lide contra a Herança de D…, representada pela cabeça de casal E….
2ª)- Face à contestação desta, pretendem ver classificada a herança como jacente (que goza de personalidade judiciária nos termos da al. a) do art. 12 do CPC) por desconhecerem se os herdeiros aceitaram ou não a herança, no que foram seguidos pelo despacho saneador em crise.
3ª)- Reconhecem contudo a existência de outros herdeiros para além da cabeça de casal, facto que esta corrobora.
4ª)- “Diz- se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado”–art. 2046 do CC.
5ª)- Contudo, uma herança jacente não tem cabeça-de casal-assumir o cargo de cabeça- de-casal pressupõe aceitar a herança. Aceite a herança pelo menos por um herdeiro, esta deixa de ser jacente.
6ª)- E… contestou afirmando ter aceite tal cargo de cabeça de casal da R. Como se referiu, é inconcebível o herdeiro assumir o cargo de cabeça de casal sem aceitar a herança. Melhor dizendo, aceitar e assumir o cargo de cabeça de casal é um ato tácito de aceitação da herança.
7ª)- Mais, E… está por si, com procuração passada em seu nome próprio e em defesa dos direitos da herança. Que melhor sinal se pretende de aceitação tácita da herança?
8ª)- A herdeira E… na sua contestação alegou mais factos dos quais resulta tacitamente ter aceite a herança, nomeadamente nos itens 17.º-“ A cabeça de casal, como administradora da herança solicitou à Engª. F… para ir atestar da situação do imóvel.” E no item 32.º - “Acresce referir que a herança não dispõe de condições financeiras para arcar com qualquer obra”.
9ª)- Caso os AA entendessem ab initio que a herança de D… se encontrava jacente (entendimento que, como se referiu, só os iluminou após a contestação da cabeça de casal) outros procedimentos deveriam ter observado.
10ª)- Não vinga igualmente a fundamentação ínsita no despacho em crise de que a Ré (leia-se a representante da Ré mal indigitada pelos AA) não obstante invocar a excepção, não identifica os herdeiros.
Desde logo a cabeça de casal sequer foi interpelado para o efeito.
11ª)- Considerando os AA a herança jacente nos moldes supra referidos e se, por hipótese E… renunciasse à herança e nada dissesse quanto à existência de outros herdeiros sucessíveis, a acção teria que ser intentada contra a herança jacente requerendo a citação contra seus eventuais herdeiros incertos, sendo que teriam o ónus de provar primeiro que diligenciaram no sentido de os identificar por outras vias (art. 22 do CPC).
12ª)- Não aparecendo nenhum herdeiro, a herança jacente seria representada pelo Ministério Público–cf. arts. 7.º, 355º e 243º do CPC.
13ª)- Conclui-se pois, em sentido inverso do despacho em crise que a R. não é uma herança jacente, mas sim uma herança ilíquida e indivisa aceite pelo menos pela sua herdeira e cabeça de casal E… e não tem personalidade judiciária.
14ª)- É pacífico na jurisprudência e na doutrina que a herança aberta e aceite não é considerada património autónomo para efeitos da al. a) do art. 12 do CPC e assim, não têm personalidade judiciária.
Para responsabilizar a herança ilíquida, indivisa e aceite o interessado tem que demandar todos os seus herdeiros nessa qualidade (n.º 1 do art. 2091 do CC) sob pena de ilegitimidade (art. 33º do CPC).
15ª)- Os AA apenas demandaram a herdeira e cabeça de casal E… bem sabendo a existência de outros herdeiros–cf. item 3.º da PI “… tendo este já falecido e ficou o imóvel a pertencer aos seus herdeiros, sendo estes representados pela cabeça de casal acima identificada–que alegam desconhecer.
16ª)- A ilegitimidade é um excepção dilatória, do conhecimento oficioso que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e redunda na absolvição da instância.
17ª)- Foram violados o arts.2046 e o n.º 1 do art. 2091º do CC e os art. 33.º, al. e) do art. 577, n.º 2 do art. 576º e art. 578º do CPC.
18ª)- O despacho saneador em recurso padece igualmente de omissão de pronuncia quanto à excepção invocada pela recorrente, qual seja, o facto de os AA pretenderem a realização das obras que peticionam por esta via e não pelos procedimentos previstos no DL. 157/2006 de 08.08.
19ª)- Nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º ex vi n.º 3 do art. 613º, ambos do CPC o despacho saneador é nulo já que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão sobre a qual se devia ter pronunciado, nulidade que aqui se invoca para todos os legais efeitos.
20ª)- Foi violada a al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
21ª)- O Tribunal no despacho subsequente (despacho saneador em crise) ao requerimento junto aos autos pela herdeira E… em 18.02.2015 no qual esta requer o desentranhamento da Resposta dos AA não se pronunciou sobre o mesmo, assim aceitando tacitamente a sua junção, o que não se concebe.
22ª)- Como ali defendeu a herdeira demandada, a resposta junta aos autos pelos AA. é inadmissível devendo ser desentranhada.
23ª)- A resposta não versa sobre factos supervenientes e ainda que assim fosse sempre seria extemporâneo (art. 588.º do CPC).
24ª)- Como não houve despacho nesse sentido também não é de aplicar o vertido na al. a) do art. 597º do CPC.
25ª)- Pelo exposto este Venerando Tribunal deve ordenar o desentranhamento da resposta dos AA.
26ª)- Foram violados os arts. 588 e al. a) do art. 597.º do CPC.
*
Devidamente notificados contra-alegaram os Autores concluindo pelo não provimento do recurso.
*
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação são duas as questões que importa decidir:
a)- saber se a Ré tem, ou não, personalidade judiciária;
b)-saber se o despacho saneador padece de omissão de pronúncia;
c)- saber se a resposta à contestação deveria ter sido mandada desentranhar dos autos por ser inadmissível.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Matéria factual para apreciação do presente recurso é que consta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
*
III. O DIREITO
A primeira questão colocada no recurso consiste, como supra se referiu, em:
a)- saber se a Ré tem, ou não, personalidade judiciária.
Como se sabe a personalidade judiciária é, como refere Castro Mendes[1], o pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes.
Dispõe o artigo 11.º, nº 1 do CPCivil que a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade se ser parte, sendo que, quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária-nº 2 do citado preceito.[2]
Ora, a personalidade judiciária acha-se normalmente associada à personalidade jurídica, consistente na susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações, como resulta inequivocamente do citado nº 2 do artigo 11º.
Acontece que, esta regra de correspondência, ou seja, da coincidência ou da equiparação, entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária[3], não se verifica na situação inversa, pois que, em certas situações a lei confere personalidade judiciária a determinadas entidades carecidas de personalidade jurídica, como é v.g. o caso da herança jacente (cfr. artigos 12º a 14.º do C.P.Civil).[4]
Para o caso que aqui importa, estatui o artigo 12.º do citado diploma que:
“Têm ainda personalidade judiciária:
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado.[5]
Este preceito tinha na redacção à revisão processual operada através do Dec-Lei 329-A/95 e 180/96 de 12/12 e 25/9, a seguinte formulação:
A herança cujo titular ainda não esteja determinado e os patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personalidade jurídica, têm personalidade judiciária”.
Portanto, a herança em relação à qual se verificasse a indeterminabilidade do respectivo titular gozava de personalidade judiciária.
Evidentemente que, sendo a herança um património autónomo, cumpre salientar que somente na primeira do citado preceito -“herança cujo titular ainda não esteja determinado”-se pretendia abranger aquela realidade constituída pelo conjunto de relações jurídicas transmissíveis fora da esfera do de cujus, que constitui precisamente a herança de uma pessoa falecida.
Só, pois, em caso de indeterminação dos respectivos titulares, uma qualquer massa patrimonial proveniente da esfera de pessoa falecida podia ser enquadrada no artigo 6.º do anterior CPCivil-actual artigo 12.º-,e só nesse caso disporia de personalidade judiciária, ou seja, constituiria uma pessoa meramente judiciária, por isso que desprovida de personalidade jurídica.
Portanto, da concatenação, dos dois textos legais verifica-se que se procedeu à substituição da expressão “herança cujo titular ainda não esteja determinado” pelo sinónimo “herança jacente” estatuído no artigo 2046.º do Código Civil e aditou-se à expressão “patrimónios autónomos semelhantes” a expressão “cujo titular não estiver determinado”.[6]
Resulta, assim do exposto que a lei só atribui personalidade judiciária à herança jacente que, como se referiu em nota não se confunde com herança impartilhada, pelo que, no caso que nos ocupa, só se a herança aberta por óbito de D…, puder ser considerada como herança jacente pode ela ser parte na presente acção por gozar então de personalidade judiciária.
Nos termos do artigo 2046.º do C.Civil “Diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado”.
Ora, permanecendo sem aceitação ou declaração de vacatura a favor do Estado (artigo 2132.º do CCivil), a herança assume nesta situação transitória o lugar do de cujus sendo, pois, titular dos direitos e obrigações.
Todavia, esta personificação judiciária pode não a acompanhar até à partilha, cessando, como se referiu, com a aceitação por parte dos sucessores, efectuada nos termos previstos nos artigos 2050.º e segs. do Código Civil.
Claro que sempre se poderia questionar se apenas nestas situações, de jacência da herança, esta goza de personalidade judiciária, isto é, se não assistirá àquela, na fase de indivisão, em que a mesma permanece, distinta do património dos herdeiros, e afectada a um fim próprio, a personificação judiciária que dispunha antes da respectiva aceitação por aqueles e, portanto, a possibilidade de ser parte processual activa e passiva em processo civil.
Nesse sentido se pronuncia A. Varela (ob. cit., pág. 111, nota 1), defendendo, por aplicação analógica do disposto art. 6º, a persistência da personalidade judiciária da herança indivisa, estando em curso inventário judicial, com a consequência de as acções tendentes a defender ou a agredir interesses do património hereditário terem de ser intentadas em nome ou contra a herança.[7]
Cremos, não obstante, a pena autorizada do insigne Mestre que assim não será.
Com efeito, cessando a situação de jacência, como supra se referiu, com a aceitação do chamamento por parte do sucessível ou sucessíveis, pode mesmo assim a herança continuar indivisa, não partilhada e, portanto, sem se verificar a definitiva confusão ou integração dos bens dela componentes no património do ou dos herdeiros, restringindo a personalidade judiciária, nos termos do art. 6º, à herança que, se bem que impartilhada, se mostre ainda não aceite-herança jacente.[8]
Como assim, a herança indivisa ou não partilhada apenas enquanto se mantiver na situação de jacente goza de personalidade judiciária, passando a partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar ou ser demandada.
Portanto, aceite a herança, cessa a personalidade judiciária atribuída à herança jacente e, quem pode intervir como partes são os respectivos titulares, enquanto herdeiros do de cuius, ou o cabeça-de-casal naquelas situações em que a lei expressamente o prevê.
Aliás, isso mesmo resulta do artigo 2091,º, nº 1, do Código Civil, no qual se estatui que: “Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art. 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.
Ou seja, fora dos casos excepcionais em que se poderá verificar a intervenção do cabeça de casal, ou de qualquer herdeiro ou mesmo terceiro, casos esses previstos nos artigos 2075.º, 2078.º e 2087.º a 2 089.º do mesmo diploma (e que no caso se não aplicam), as acções com interesses respeitantes ao acervo hereditário ainda por partilhar terão de ser intentadas por ou contra a totalidade dos herdeiros, actuando estes em litisconsórcio necessário, activo ou passivo–(artigo 33.º, nº 1 do C.Civil).[9].
Trata-se, portanto, de legitimidade imposta por lei, decorrente da falta de personalidade judiciária por parte da herança ilíquida e indivisa.
Estando os herdeiros já determinados–e tocado o período de pendência da herança, portanto, o seu termo–, tornando-se inviável a essa massa patrimonial por si demandar ou contradizer, necessário se torna que no lugar dela (como que suprindo essa incapacidade) intervenham os respectivos titulares em bloco, seja, os ditos herdeiros que, mediante o competente acto de aceitação, nela se viram encabeçados.
Tais herdeiros funcionam como se, representantes de tal massa, fossem reunindo no conjunto deles, na respectiva colectividade, não só o requisito da personalidade judiciária, mas também, “ex vi legis”, o da legitimidade processual activa ou passiva.
*
Isto dito, defende a recorrente que uma herança que tem cabeça-de-casal, já não é jacente, assumir o cargo de cabeça de casal pressupõe aceitar a herança, pois que é inconcebível o herdeiro assumir o cargo de cabeça de casal sem aceitar a herança, pelo que, aceite a herança pelo menos por um herdeiro, esta deixa de ser jacente, razão pela qual já não dispõe de personalidade judiciária.
Não acompanhamos, salvo outro melhor entendimento, esta argumentação.
Vejamos.
A lei não define o momento em que se inicia a administração da herança, ao invés do que sucede quanto ao seu termo (artigo 2079.º do Civil).
Como refere Capelo de Sousa[10] a melhor solução para esta questão será o de atender a que a administração em causa está intimamente ligada à figura do cabeçalato[11] e a que o cargo de cabeça-de-casal prioritariamente se defere ex lege (nº 1 do artigo 2080.º do CCivil) a certas categorias de pessoas (que não são necessariamente herdeiras) independentemente quer da sua aceitação de tal cargo[12] quer da aceitação de eventual vocação hereditária.[13]
Existe, pois, aí, uma forma de administração legal de bens com vista à conservação e frutificação e a todos os demais actos de administração ordinária dos bens da herança assim como à realização de interesses de matiz pública, como por exemplo, a satisfação dos credores da herança, o que torna, portanto, o mecanismo administrativo previsto no artigo 2079.º e ss. operacional a partir da data da abertura da sucessão.
Não se olvida que o nosso ordenamento jurídico, reflectindo a situação que é normal de os poderes jurídicos do cabeça-de-casal serem exercidos após a aceitação da herança pelos herdeiros com designação prevalente, regula o capítulo da “Administração da herança”, após os da “Herança jacente” da “Aceitação” e do “Repúdio” da herança e, mesmo, depois do da “Petição da herança”, sendo certo ainda que, na fase da herança jacente o CCivil (artigos 2047.º e 2048.º) preveniu modalidades especiais da sua administração.
Acontece que, os mecanismos administrativos especiais nos casos de herança jacente ou, ainda, de herança abandonada (artigos 2047.º e 2048.º do Civil e 409.º, nº 2 do CPCivil do CPCivil) justificam-se pela específica situação de falta de titularidade subjectiva de certas situações de jacência e não importam a impossibilidade da existência de cabeça-de-casal nessas situações.
Com efeito, o nº 1 do artigo 2047.º apenas atribui uma faculdade jurídica ao sucessível ainda não aceitante ou repudiante (não lhe impondo uma obrigação jurídica (cfr. a expressão “não está inibido” daquela disposição) e apenas no caso de “do retardamento das providências poderem resultar prejuízos”, tudo o que se compagina com a possibilidade da existência, no período de jacência, de cabeça-de-casal, o qual, aliás, pode estar temporariamente impedido de tomar tais providências ou poder tomá-las mas não nas melhores condições.
Também, a nomeação da curadoria à herança jacente (artigo 2048.º, nº 1) só é possível, para além do mais, quando não houver “quem legalmente…administre os bens de tal herança”, do que decorre “a contrario” a impossibilidade dessa nomeação havendo cabeça-de-casal e a legitimidade da existência de cabeça-de-casal na situação de jacência.
Isto dito e perscrutando o alegado na contestação em nenhures aí se afirma que a cabeça-de-casal, E…, aceitou a herança.
Na verdade, nos artigos 1º a 15º daquela peça apenas se invoca as excepções da falta de personalidade judiciária e da ilegitimidade, sem todavia se alegar o recorte factual que podia sustentar essa falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade.
Refere a recorrente no artigo 17º da contestação que como cabeça-de-casal, e, portanto, como administradora da herança solicitou à Engª. F… para ir atestar da situação do imóvel.
Acontece que desse facto não se retira, ainda que de forma tácita, que a recorrente haja aceite a herança, tanto mais como se refere no artigo 2056.º nº 3 do CCivil os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança.
Decorre, assim, do exposto, que a recorrente, na contestação, não alegou qualquer continente factual donde se pudesse retirar que a herança aberta por óbito de D… havia sido aceite pela recorrente quer de forma tácita quer de forma expressa,[14], sendo certo que, como já tivemos ensejo de referir, a aceitação do cargo de cabeça-de-casal não pressupõe, só por si, a aceitação da vocação sucessória.
Importa, por outro lado, salientar que era à recorrente que incumbia alegar e fazer a prova respectiva da excepção invocada (artigo 342.º, nº 2 do CCivil), coisa que, manifestamente, não fez.
E, não é pelo facto, salvo o devido respeito por opinião contrária, de na petição inicial não se ter afirmado que ainda não houve aceitação da herança, que se pode inferir que a demandada não tem personalidade judiciária. Se tivesse havido aceitação é que os Autores teriam que ter proposto a acção contra todos os herdeiros nos termos referidos do já citado artigo 2091.º, nº 1 do CPCivil.
*
Como assim não existindo elemento seguros nos autos que permitam ao julgador concluir, com certeza, que a herança já foi aceite, não pode este considerá-la com falta de personalidade judiciária.[15]
Destarte, bem andou, pois, o tribunal recorrido ao ter julgado improcedentes por não provadas as excepções invocadas pela recorrente de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva.
*
A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se, como supra se referiu, com:
b)-saber se o despacho saneador padece de omissão de pronúncia.
Refere a recorrente, neste segmento recursivo, que o despacho em crise não se pronunciou quanto à excepção invocada atinente ao facto de os Autores pretenderem a realização das obras que peticionam por esta via e não pelos procedimentos previstos no DL. 157/2006 de 08.08.
De facto, no artigo 33.º da contestação a recorrente alega o seguinte:
Como tal, ainda que venha a provar-se ser economicamente viável a sua recuperação, o que se refuta com base no aludido parecer, só através dos procedimentos e recorrendo aos descontos em renda previstos no DL. n.º 157/2006 de 08.08 seria possível custear a intervenção.”
Como nos parece evidente o aí alegado não consubstancia qualquer excepção, aliás, não vemos a que descontos em renda se refere a recorrente, pois que, certamente não se está a referir ao consignado no artigo 18.º do D. Lei 157/2006.
O que a recorrente aí refere é que só através do procedimento referido no citado D. Lei podia ser custeada a reparação do imóvel, caso se venha a provar ser economicamente viável a sua recuperação.
Ora que tipo de excepção com assim alegado se pretende invocar?
Não a descortinamos.
Existe porventura erro do uso de meio processual?
O citado D. Lei 157/2006 refere-se à denúncia e suspensão do contrato para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos, nos termos do nº 8 do artigo do artigo 1103.º do Código Civil por iniciativa do senhorio e às obras coercivas por iniciativa do município.
E se não houver aquela iniciativa?
É preciso não esquecer que nos termos do nº 2 do artigo 2º do CPCivil a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir o efeito dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.
Resulta do exposto que a referida alegação vertida no artigo 33º da citada contestação não correspondia a qualquer excepção e, por essa razão, não tinha o tribunal recorrido que sobre ela se pronunciar, não enfermando, assim o despacho saneador de qualquer omissão de pronúncia e, portanto, de qualquer nulidade.
*
A última questão que vem colocada no recurso consiste em:
c)- saber se a resposta à contestação deveria ter sido mandada desentranhar dos autos por ser inadmissível.
Analisando.
No artigo 584.º do CPCivil, prevê-se que a réplica só é admitida para defesa do autor perante a reconvenção deduzida pelo réu (n.º 1) e, nas acções de simples apreciação negativa, para impugnação dos factos constitutivos alegados pelo réu e alegação dos factos impeditivos ou extintivos do direito por ele invocado (n.º 2).
Deixa, pois, de ser admitida a réplica para resposta às excepções deduzidas pelo réu, sem embargo, quando a réplica tenha lugar por a acção ser de apreciação negativa ou ter sido deduzida reconvenção, de ser admissível aproveitá-la para responder às excepções, em antevisão do que o autor sempre poderia fazer por via do artigo 3.º, n.º 4.
No caso em apreço, dúvidas não existem de que a Ré na sua contestação veio, como já supra se abordou, invocar as excepções da falta de personalidade judiciária e da ilegitimidade da Ré.
No caso em apreço à acção foi dado pelos Autores o valor de € 5.000.01, ou seja, inferior ao valor da alçada da Relação.
Valor esse que a Ré recorrente não impugnou como o poderia ter feito (artigo 305.º do CPCivil) e que, aliás, o tribunal recorrido também fixou aquando da elaboração do despacho saneador.
Ora, com estatui o artigo 597.º, al. a) nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do acto ao fim do processo:
a)- Assegura o exercício do contraditório quanto a excepções não debatidas nos articulados.
Como assim, tendo os Autores apresentado resposta às excepções deduzidas na contestação, como que se anteciparam ao despacho que sempre o tribunal teria que proferir, notificando aqueles para o exercício do contraditório.
E tendo-o efeito, não se vê como se podia ou pode mandar desentranhar tal articulado, a não ser que, como parece pensar a recorrente, se mandasse desentranhar para de seguida se proferir despacho a notificar os Autores para exercerem o contraditório nos termos sobreditos!
Decorre, do exposto que não merece censura o facto de o tribunal recorrido não ter mandado desentranhar o articulado resposta nos termos impetrados pela recorrente, embora se diga, que perante o requerimento por ela apresentado o tribunal o tribunal recorrido se devia ter pronunciado.
*
Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
*
IV- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
*
Custas pelos apelantes (artigo 527.º nº 1 do CPCiivl).
*
Notifique.

Porto, 19 de Outubro de 2015.
Manuel Domingos Fernandes
Rita Romeira
Caimoto Jácome
____________
[1] Direito Processual Civil, Vol. II, AAFDL, pág. 18.
[2] Importa referir que o conceito de parte é um conceito formal, independente do da parte de direito substantivo sendo parte processual quem propõe a acção, aquele contra quem ele é proposta, o sucessor da parte primitiva e quem subsequentemente intervier no processo havendo que considerar a qualidade jurídica em que o sujeito actua, do que se infere que em caso de representação é parte o representado e não o representante.
[3] Daí o dizer-se que a personalidade judiciária corresponde à capacidade civil de gozo de direitos-cfr. Noções Elementares de Proc. Civil Manuel de Andrade Coimbra Editora, pág. 77
[4] Excepções, ditadas pela necessidade de dar resposta a determinadas solicitações da vida corrente-cfr. A. Santos Abrantes Geraldes, Personalidade Judiciária, ed. do CEJ, 1997, pág. 5.
[5] Corresponde ao artigo 12º al. a) do actual CPCivil sem qualquer alteração.
[6] Como razão justificativa de tal alteração da letra da lei refere Lebre de Freitas in Cód. Proc. Civil Anotado Vol. I que se “Entendeu que a fórmula proposta pela comissão Varela, que abarcava igualmente a herança já aceite mas ainda não partilhada (2050.º Código Civil), ia longe demais na atribuição da personalidade judiciária, que o facto de serem já conhecidos os sucessores tornava redundante. Aliás mesmo depois da herança partilhada, os bens herdados continuam a constituir um património autónomo (2068.º e 2071.º Código Civil), sem que alguma vez se tenha equacionado a questão de lhe ser atribuída personalidade judiciária (Teixeira de Sousa, As partes–pág. 18)”.
Aliás, este é o entendimento igualmente assumido por Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 32 e A. Abrantes Geraldes obra citada pág. 8 quando refere que “A personalidade judiciária só foi atribuída por lei à herança jacente, que não se confunde, pois com herança impartilhada” em antítese da tese expendida por A. Varela e Sampaio Nora in Introdução ao Processo Civil Pág. 111.
[7] No mesmo sentido veja-se o Ac. desta Relação de 20/2/95, in C. J. 1, pág. 222.
[8] Cfr. em sentido idêntico A. S. Abrantes Geraldes (ob. cit., págs. 6 e segs.), onde se indica numerosa jurisprudência com esse mesmo entendimento designadamente, os Acs. do STJ de 10/7/90, in Actualidade Jurídica, nº 10, pág. 21, e de 19/3/92, in Bol. 415 - 658, bem assim como o Ac. da Rel. Coimbra, de 14/7/92, in Col., IV, pág. 67 e ainda José Martins da Fonseca, in Rev. Ord. Adv., Ano 46º, págs. 580 e segs.
[9] Cfr. Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 12), José Martins da Fonseca (ob. cit., pág. 580) e Acs. da Rel. de Évora de 17/5/84, in Col., III, pág. 320, da Rel. de Lisboa, de 19/2/87, in Col., I, pág. 138, e da Rel. do Porto de 4/11/77, in Bol.- 273º-322, de 20/1/92, in Bol. 413º- 613, e de 9/4/92, in Col., II, pág. 234.
[10] In Direito das Sucessões, Coimbra Ed. Vol. II, 2ª Ed. pág. 5 1 e ss.
[11] O primeiro artigo do Capítulo VIII sobre a Administração da herança tem como epígrafe “cabeça-de-casal” a quem a lei atribui a administração da herança até à sua liquidação e partilha.
[12] O cabeça de casal não tem que aceitar o cargo, embora dele se possa escusar desde que se verifiquem certos condicionalismos (artigo 2085.º do CCivil e artigo 22.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março.
[13] É preciso notar como refere Capelo de Sousa obra citada pág. 52 nota 618 que atentos os latíssimos prazos de caducidade do direito de aceitação da herança (artigo 2059.º do CCivil) a aceitação ou mesmo o repúdio da herança pelos herdeiros pode ter lugar após o início dos exercício das funções de cabeça-de-casal, só cessando tal exercício a partir do momento do repúdio da herança com a perda da qualidade de herdeiro. Aliás de modo semelhante se passam as coisas quanto ao testamenteiro, tendo em conta a sua faculdade de renúncia ao cargo (artigos 2322.º e 2324.º do CCivil).
[14] A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita–artigo 2056.º, n.º 1, do mesmo diploma.
A aceitação, como manifestação de vontade positiva, pode ser feita expressa ou tacitamente, é irrevogável e, na modalidade de expressa, não está sujeita à forma exigida para a alienação da herança (artigos 2056.º e 2063.º “a contrario” e ainda 2061.º do Código Civil).
A distinção tem a ver com a natureza directa ou indirecta da declaração.
Por este critério, o Prof. Manuel de Andrade explicava ser "expressa a declaração que se destina unicamente ou em primeira linha a exteriorizar certa vontade negocial (declaração directa ou imediata); e tácita a que se destina unicamente ou em via principal a outro fim, mas "a latere" permite concluir com bastante segurança uma dada vontade negocial (declaração indirecta ou mediata)".
E continua: “Na declaração tácita o comportamento declarativo não aparece como visando directamente-como que de modo frontal-a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma.
Apenas dele se infere que o declarante, em via mediata, oblíqua, lateral, quis também exteriorizar uma tal vontade-ou pelo menos teve consciência disso. Costuma falar-se, a este propósito, em procedimento concludente, em factos concludentes (facta concludentia: facta ex quibus voluntas concludi potest), acrescentando-se que tais factos devem ser inequívocos”.
O artigo 2056.º, nº 2 do Código Civil define a aceitação expressa.
Já para a aceitação tácita deixa ao intérprete a integração do conceito, ao contrário do Código Civil de 1867 (“É tácita, quando o herdeiro pratica algum facto de que necessariamente se deduz a intenção de aceitar, ou de tal natureza, que ele não poderia praticá-la senão na qualidade de herdeiro”-nº 2 do artigo 2027.º) do Anteprojecto das Sucessões, que segue na mesma linha (nº 3 do artigo 29º - BMJ 54-33) e do Projecto do Código Civil (nº 3 do artigo 2056.º).
Assim, deve considerar-se aceitação tácita da herança aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, mas excluem-se desse contexto os actos de administração praticados pelo sucessível (artigo 2056.º, n.º 3), na medida em que estes apenas podem traduzir o cuidado em acautelar os bens da herança, sem significarem a defesa de um direito próprio.
[15] Cfr. no mesmo sentido Ac. da Relação de Lisboa de 24/02/2000 in Col. Jurp. Ano XXV, tomo I, pág. 125 e ss.