Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
152/19.6PAVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: CRIME DE INVASÃO DA ÁREA DO ESPETÁCULO DESPORTIVO
REGIME LEGAL
ACÇÃO TÍPICA
PRESSUPOSTOS
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
RATIO LEGIS
Nº do Documento: RP20221004152/19.6PAVNG.P1
Data do Acordão: 10/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O crime de invasão da área do espetáculo desportivo previsto no artigo 32º, nº 1, da lei nº 39/2009, de 30/07, que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, exige que a ação típica, de invasão da área do espetáculo desportivo ou de acesso a zonas de recinto desportivo inacessíveis ao público em geral, tenha lugar durante a ocorrência de um espetáculo desportivo.
II – A circunstância de a conduta ter sido praticada logo após o termo do jogo, quando os jogadores ainda se dirigiam para os balneários, não afasta a verificação do tipo de crime, uma vez que o espetáculo em si necessariamente implica a retirada dos jogadores do local, campo, onde se realiza o jogo para local que ainda é considerado área do recinto desportivo de acesso vedado.
III – De resto, o espetáculo desportivo em causa, como outros, abrange uma panóplia de atuações e diligências levadas a cabo com vista à sua realização, tanto antes como depois, levadas a cabo pelos agentes desportivos que desempenham as suas funções para tal.
IV – Ademais, interpretação diversa colocaria em causa o próprio bem jurídico protegido e “ratio legis”, que pretende precisamente precaver a violência e intolerância nos espetáculos desportivos, não raras vezes manifestada após o apito final.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 152/19.6PAVNG.P1

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, por sentença de 15-03-2022, foi decidido condenar o arguido AA, pela prática um crime de invasão de área de espetáculo desportivo, p. e p. pelo artigo 32.º, 1, e 35.º, 1, da Lei 39/2009 de 30-07, na pena de oito meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação, com recurso a meios de vigilância eletrónica; na pena acessória de inibição de acesso a recintos desportivos, pelo período de um ano e seis meses.
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Inconformado com a sentença condenatória, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes
CONCLUSÕES:
I- o arguido foi acusado e condenado pela prática de um crime de invasão da área de espectáculo desportivo - artº 32º nº 1 da Lei 39/2009 - na pena de oito meses de prisão e na pena acessória de inibição de acesso a recintos desportivos, pelo período de um ano e seis meses;
II– entre outros factos, com relevo para o presente recurso, foi dado como provado que, no dia 27 de Janeiro de 2019, pelas 15h, realizou-se...uma partida de futebol...disputada entre o clube 1... e Clube 2..., - logo imediatamente após o árbitro ter apitado para o final da partida, o arguido aqui recorrente acedeu à zona restrita de acesso aos balneários...;
III- Ou seja, o evento desportivo já tinha terminado – apito para o final da partida – e, como tal, não houve invasão da área de jogo, nem interrupção do mesmo;
IV– entende, por isso, o arguido e salvo o devido respeito por opinião contrária, de que não cometeu o crime pelo qual vem acusado;
V- mas mesmo que assim se não entenda o que, obviamente, não se aceita, sempre não se poderá conformar com a pena que lhe foi aplicada;
VI– pois que 8 meses de prisão, a executar em regime de permanência na habitação, com recursos a meios de vigilância à distância, é uma sanção demasiado grave e exagerada, atentos os factos que estão aqui em causa;
VII - o arguido “apenas” acedeu à zona restrita dos balneários tendo logo de seguida abandonado o local;
VIII - condenar o mesmo numa pena de prisão de 8 meses a cumprir na sua habitação é imputar-lhe quase a pena máxima para este tipo legal de crime (sem suspensão) que prevê pena de prisão até um ano ou pena de multa;
IX– ora, mesmo a considerar-se a prática dos factos – o que não se aceita -, sempre deveria ter sido aplicada ao arguido, pena de prisão, suspensa na sua execução, ou pena de multa;
X- devendo, por isso, a Douta Sentença proferida ser revogada, sendo o arguido absolvido pela prática do crime pelo qual vem acusado, ou caso assim se não entenda, sempre a pena em que foi condenado, deverá ser suspensa, na sua execução e/ou substituída por pena de multa.
Mas V. Exªs Senhores Desembargadores melhor decidirão fazendo com sempre a melhor JUSTIÇA!
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Na 1.ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela respetiva improcedência, tendo formulado as seguintes
CONCLUSÕES:
1– AA, pela prática de um crime de invasão de área de espetáculo desportivo, p. e p. pelo artigo 32.º, 1, da Lei 39/2009 de 30.7, foi condenado na pena de oito meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação, com recurso a meio de vigilância electrónica, e na pena acessória de inibição de acesso a recintos desportivos, p. e p. pelo artigo 35.º, 1 da citada Lei, pelo período de um ano e seis meses.
2– Recorre pedindo a sua absolvição, atenta a não verificação do tipo legal de crime ou, assim não se considerando, a sua condenação em pena de multa ou, caso se opte pela pena de prisão, a suspensão da execução desta.
3– Mas não lhe assiste razão.
4- O conceito de espectáculo desportivo, para efeitos da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, não se limita ao tempo efectivo do decurso do jogo, mas abrange outros aspectos que têm lugar antes e depois do decurso daquele, e que vão da abertura do recinto desportivo, para entrada dos espectadores, até com ao seu encerramento, após a saída dos mesmos.
5- Pois só assim de alcança uma protecção eficaz dos bens jurídicos tidos em conta pela norma, isto é, a segurança desportiva, a vida e a integridade física de todos os intervenientes, pelo que as razões da criminalização deste tipo de comportamentos, mantêm-se inalterados durante todo o tempo em que os espectadores se encontram dentro do estádio, até à respectiva saída do mesmo.
6- A medida concerta da pena de prisão, respeita os critérios de determinação da pena, enunciados nos artigos 69.º e 71.º do Código Penal, sendo que a sua fixação em medida mais próxima do limite mínimo, não seria adequada aos factos, nem proporcional à perigosidade do agente, pondo em causa as necessidades de prevenção geral neste tipo de crime.
7- No caso dos autos tal pena de substituição não se revela, minimamente, adequada às finalidades da punição, atentas as notórias exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, colocando em crise a exigência social para que a segurança desportiva tenha tutela jurisdicional efectiva.
8- Constatando-se que o recorrente, após ter sido condenado em pena suspensa na sua execução, voltou a cometer novos crimes, tal situação denuncia uma manifesta falta de adesão/ interiorização do juízo de censura que então lhe foi feito. Esta circunstância coloca em crise qualquer prognose favorável que se possa neste momento formular quanto a uma eventual suspensão da execução da pena de prisão, suspensa na sua execução.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, como é de
J U S T I Ç A
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Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer também no sentido de que o recurso não deve merecer provimento.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO:
A. Na sentença foram fixados os seguintes
FACTOS PROVADOS:
1. No dia 27 de janeiro de 2019, pelas 15h00m, realizou-se no Estádio ... denominado “...”, situado na Rua ..., freguesias de .../..., Vila Nova de Gaia, uma partida de futebol a contar para o Campeonato Nacional de Séniores de Portugal, série ..., opondo as equipas seniores do clube 1... e Clube 2..., aquela como visitada, esta como visitante.
2. Na segunda parte, logo imediatamente após o árbitro ter apitado para o final da partida, o arguido AA acedeu à zona restrita de acesso aos balneários dos jogadores e de arrumos/lavandaria, local onde se encontravam os elementos da Direção do clube 1..., aos quais dirigiu-lhes expressões de conteúdo não apurado, tendo logo de seguida abandonado aquele local para parte incerta.
3. O arguido actuou, no propósito, de resto, alcançado, de entrar na zona de acesso aos balneários dos jogadores e de arrumos/lavandaria, sabendo que aquele espaço não era livremente acessível às pessoas que, como ele, assistiram na bancada à referida partida de futebol.
4. O arguido agiu sempre de forma livre e voluntária, plenamente convicto da ilicitude penal da sua conduta.
5. À data dos factos subjacentes ao presente processo, AA integrava agregado familiar composto pela companheira, enteados de 14, 9 e 8 anos de idade e filho do casal de 3 anos, na freguesia ..., em Vila Nova de Gaia.
6. Ao nível laboral, AA mantinha ocupação laboral numa estação de lavagem de automóveis, com rendimentos na ordem dos 400€/mês. Ainda ao nível económico, o agregado beneficiava do Rendimento Social de Inserção e subsídios atribuídos aos menores no valor de cerca de 600€, bem como apoio do grupo familiar de origem em géneros alimentares e em despesas com a manutenção da habitação.
7. AA mantinha quotidiano maioritariamente centrado na vida familiar e acompanhamento dos menores, reforçando como atividade de lazer a presença assídua nos jogos de futebol do clube 1..., onde um dos enteados pratica a modalidade nas camadas infantis.
8. Encontra-se a cumprir pena de prisão em regime de permanência na habitação, com termo da pena previsto para 10 de Outubro de 2022.
9. Tendo-se separado da companheira, AA foi então acolhido no seu agregado familiar de origem, junto dos progenitores. Este grupo familiar reside na Rua ... ... Vila Nova de Gaia;
10. A subsistência familiar assenta no vencimento do progenitor, operário fabril, na ordem dos 1300€ e reforma por invalidez da progenitora, de 305€, avaliados como suficientes para o pagamento dos encargos com a habitação, na ordem dos 400€ e despesas de manutenção do grupo familiar.
11. O processo de socialização de AA decorreu em agregado familiar composto pelos pais e dois irmãos mais novos, em contexto de alguma disfuncionalidade familiar, motivando a sua institucionalização aos 9 anos de idade, no Lar ..., no Porto no âmbito de medida de promoção e proteção. Enquanto permaneceu na instituição de acolhimento, concluiu o ensino primário aos 15 anos de idade, apesar das dificuldades na aprendizagem, inadaptação ao contexto educativo e instabilidade emocional. Após o seu regresso ao agregado familiar de origem, com 16 anos, AA permaneceu economicamente dependente dos progenitores, realizando atividades com carácter pontual e indiferenciada, para subsidiar os seus gastos pessoais.
12. Após o cumprimento de uma pena de prisão, AA reingressou no agregado familiar de origem, exercendo funções laborais pontuais e diversificadas;
13. O arguido já foi condenado:
a) No âmbito do processo 132/09.0P6PRT, da 4ª vara criminal do Porto, por acórdão transitado em julgado em 1-6-2010, pela prática em 30-5-2009, de 5 crimes de roubo, um na forma tentada e 4 consumados, na pena única de dois anos e três meses de prisão suspensa com regime de prova;
b) No âmbito do processo 1651/10.0PAVNG, do 4.º juízo criminal de Vila Nova de gaia, por sentença transitada em 4-2-2011, pela prática em 12-9-2010, de 12 crimes de injúria agravada, na pena de 200 dias de multa;
c) No âmbito do processo 664/11.0PAVNG, do 1.º juízo criminal de Vila Nova de Gaia, pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário e um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em julgado a 12-4-2012, por factos praticados em 8-4-2011, na pena de 300 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, tendo cumprido 10 meses de prisão efetiva;
d) No âmbito do processo 604/11.6PAVNG, do 3.º juízo criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada a 17-5-2012, pela prática em 27-3-2011, de um crime de arremesso de objetos em espetáculos desportivos e um crime de detenção de arma proibida, na pena de dois anos e cinco meses de prisão suspensa com deveres;
e) No âmbito do processo 659/19.5PHVNG do J2 local criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada a 8-1-2020, pela prática de 1 crime de injúria agravada, na pena de 2 meses e 15 dias de prisão em regime de permanência na habitação;
f) No âmbito do processo 314/19.6PAVNG, do J2 local criminal de VNG, por sentença transitada em 28-10-2021, pela prática em 24-2-2019, de um crime de ameaça agravada, 1 crime de injúria agravada, 1 crime de invasão de área de espetáculo desportivo, na pena única de 7 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica e pena acessória de privação do direito de entrar em recintos desportivos por um ano e seis meses.
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B. Não foram fixados FACTOS NÃO PROVADOS.
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C. APRECIAÇÃO DO RECURSO:
Conforme jurisprudência assente, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
No presente recurso as questões suscitadas são as seguintes:
1. Subsunção jurídica dos factos;
2. Dosimetria da pena principal/pena de multa/suspensão da pena.
1. O recorrente revela-se inconformado com a subsunção jurídica dos factos operada na sentença, invocando que resultou provado que o evento desportivo já tinha terminado, por esse motivo não ocorreu invasão da área de jogo, pelo que o arguido não cometeu o crime que lhe vem imputado.
Vejamos.
O crime imputado ao arguido, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Lei 39/2009, de 30-07, exige que a ação típica, de invasão da área do espetáculo desportivo ou de acesso a zonas de recinto desportivo inacessíveis ao público em geral, tenha lugar durante a ocorrência de um espetáculo desportivo.
Na sentença encontra-se analisado, de modo completo, o indicado tipo de crime, esclarecido o bem jurídico tutelado e caraterizados os elementos constitutivos do ilícito, sendo apreciado o momento temporal em que a conduta do arguido decorreu por referência ao decurso do jogo de futebol para efeitos de preenchimento dos elementos objetivos exigidos na lei, nomeadamente a existência de espetáculo desportivo. Assim, quanto a este aspeto, afirma-se na sentença, que a circunstância de a conduta ter sido praticada logo após o termo do jogo, quando os jogadores ainda se dirigiam para os balneários, não afasta a verificação do tipo de crime, uma vez que o espetáculo em si necessariamente implica a retirada dos jogadores do local, campo, onde se realiza o jogo para local que ainda é considerado área do recinto desportivo de acesso vedado, (...) o espetáculo desportivo em causa, como outros, abrange uma panóplia de atuações e diligências levadas a cabo com vista à sua realização, tanto antes como depois, levadas a cabo pelos agentes desportivos que desempenham as suas funções para tal. Ademais, justifica o tribunal a quo que interpretação diversa colocaria em causa o próprio bem jurídico protegido e ratio legis, que pretende precisamente precaver a violência e intolerância nos espetáculos desportivos, não raras vezes manifestada após o apito final.
Ora, não merece reparo a interpretação operada pelo tribunal a quo sobre o que deve entender-se por espetáculo desportivo e a dimensão da exigência legal relativa à subsistência do espetáculo no momento em que tem lugar a conduta típica, sendo aliás a única interpretação compatível com os propósitos do legislador ao estabelecer regras, prevenir e punir comportamentos atentatórios da segurança de todos os que frequentam e participam em atividades desportivas, nos locais destinados à prática desportiva[1].
Por conseguinte, carece de fundamento a alegação recursiva ao colocar como único obstáculo ao preenchimento dos elementos típicos o facto de a invasão protagonizada pelo arguido ter ocorrido após o termo do jogo de futebol.
Assim, a factualidade provada integra todos os elementos constitutivos do tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado, não merecendo censura, quanto a este aspeto, a sentença recorrida.
2. Insurge-se o recorrente contra a pena de oito meses prisão a cumprir em regime de permanência na habitação fixada na sentença, alegando que é demasiado grave e exagerada atentos os factos em causa, correspondendo quase a pena máxima para o tipo de crime. Defende a aplicação de pena suspensa ou pena de multa.
Vejamos.
No concernente à escolha da pena decorre da norma do artigo 70.º, do Código Penal, em conjugação com o artigo 40.º, n.º 1, do mesmo código, que permitindo a norma incriminadora em alternativa a fixação de pena de prisão ou pena de multa, a opção deve recair prioritariamente sobre esta, salvo se as necessidades de prevenção não resultarem suficientemente satisfeitas mediante a imposição de pena não privativa da liberdade, caso em que se exige a fixação de prisão.
Assim, são as finalidades preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade em detrimento da pena de prisão, não operando, nesta sede, considerações de culpa, que operam exclusivamente no momento da concretização da medida da pena, seja principal ou de substituição, nos termos dos artigos 40.º, n.º 2, e 71.º, n.º 1, do Código Penal[2].
No caso em análise considera-se indubitável que a pena de multa se revela insuficiente e ineficaz para a satisfação das necessidades de prevenção especial, face ao passado criminal do arguido, atentas as condenações de natureza não privativa de liberdade que sofreu e que não surtiram efeito dissuasor do cometimento de novos crimes, dos quais se destaca a prática de ilícito cometido em recinto desportivo, que determinou a condenação em pena de prisão suspensa.
Pelo que não merece censura o segmento decisório que excluiu a aplicação da pena de multa.
A determinação da pena concreta tem como critérios fundamentais a culpa e a prevenção, como decorre do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal.
A ponderação das necessidades de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; por seu lado, a consideração da culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção[3].
Dentro dos limites da moldura fornecida pela prevenção geral operam as necessidades de prevenção especial de socialização que indicam a medida exata da pena concreta (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).
Por seu lado, a culpa atua como limite inultrapassável das exigências de prevenção, ou seja, como limite máximo da pena quaisquer que sejam as considerações preventivas, mormente de necessidades de prevenção geral, garantindo que o condenado não possa servir de instrumento de tais exigências (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Na determinação do quantum da pena intervêm os elementos que resultem apurados no caso concreto e sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e/ou da culpa, desde que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração, nomeadamente os fatores enumerados do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.
Em qualquer caso a determinação da concreta medida da pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade, relativamente à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente[4].
No caso presente, extrai-se da factualidade apurada, com interesse na fixação da pena, o modo de execução consistente na introdução ilegítima do arguido em espaço inacessível ao público, que dá acesso aos balneários dos jogadores e ao local destinado a arrumos/lavandaria, onde estavam os dirigentes de um dos clubes que disputara o jogo de futebol, a quem dirigiu expressões de conteúdo não apurado; o momento escolhido correspondente ao final da partida; o abandono voluntário do local após se dirigir àqueles dirigentes; o dolo com que atuou na modalidade de dolo direto.
Por outro lado, também ressalta da matéria provada o percurso de vida do arguido, o contexto familiar, as dificuldades de aprendizagem, a ausência de ocupação laboral regular, a situação pessoal vivida na data dos factos e a posterior reintegração no agregado familiar de origem, a existência de antecedentes criminais, as demais condições pessoais do arguido e a sua idade.
As necessidades de prevenção geral atingem intensidade média face aos contornos concretos da conduta criminosa e à natureza do ilícito em causa, sendo relevante o facto de o arguido ter permanecido por curto período de tempo no local inacessível ao público, mas também a finalidade da sua deslocação- dirigir expressões aos dirigentes de um dos clubes de futebol que intervieram no jogo-, desconhecendo-se o teor dessas expressões, mas não se apurando natureza violenta ou agressiva contra agentes desportivos.
As exigências de prevenção especial assumem intensidade mais acentuada face ao comportamento criminoso anterior do arguido, em que se destaca a prática reiterada de crimes de injúria, um crime de resistência e coação a funcionário, um crime de detenção de arma proibida e crime de arremesso de objetos em espetáculos desportivos, sendo os dois últimos cometidos em concurso, em 27-03-2011, e sancionados com pena de prisão suspensa, por sentença transitada em julgado em 17-05-2012 (extinta em 18-10-2014, cf. CRC). Ademais, em data posterior aos factos em análise o arguido manteve comportamento delituoso, em razão do que sofreu condenações em penas de prisão em regime de permanência na habitação, relativas a um crime de injúria (factos de 13-10-2019); um crime de ameaça agravada, um crime de injúria agravada e um crime de invasão de área de espetáculo (factos de 24-02-2019), encontrando-se todos estes ilícitos em concurso real com o crime em apreciação nestes autos (factos de 27-01-2019), uma vez que foram cometidos em data anterior a 08-01-2020, em que ocorreu o primeiro trânsito em julgado das condenações referidas.
Avaliados todos os fatores relevantes, impõe-se reduzir a pena imposta, por razões de proporcionalidade relativamente à gravidade objetiva da conduta criminosa, no sentido de alcançar equilíbrio e justa punição do comportamento delituoso. Neste contexto, assinala-se que a medida concreta pena não deve ser encontrada em função da ponderação exclusiva dos antecedentes criminais do arguido, ainda que os mesmos sejam muito relevantes como índice das necessidades de reintegração social do arguido, mas antes deve refletir a ponderação de todos os fatores relevantes, não podendo afrontar o princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito.
Assim, tudo ponderado julga-se proporcionada, adequada e justa a pena de 4 meses de prisão.
Considerando a medida da pena encontrada deve ser ponderada a aplicação de penas de substituição.
Quanto a esta matéria considera-se que não existem motivos para dissentir da decisão recorrida, ao excluir a possibilidade de substituir a prisão, ainda que agora reduzida, pela pena de multa (artigo 43.º do Código Penal), prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal) ou suspensão da pena (artigo 50.º do Código Penal), dado que não se reconhece eficácia e suficiência a qualquer das modalidades de penas substitutivas para dar satisfação às exigências de prevenção especial em face dos antecedentes criminais do arguido e do comportamento em análise, resultando demonstrado o insucesso das condenações que sofreu em penas não privativas da liberdade e não existindo factos suplementares que permitam extrair a ilação de existir motivação da parte do arguido para se vincular ao cumprimento de trabalho comunitário, e bem assim para ancorar juízo positivo de prognose quanto ao comportamento futuro do arguido.
Assim sendo, mantém-se quanto ao cumprimento da pena de prisão efetiva o regime de permanência na habitação nos termos determinados na sentença recorrida, que se considera adequado e suficiente para a realização das finalidades da punição (artigos 43.º e 44.º do Código Penal).
Nestes termos, procede parcialmente o recurso.
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Após o trânsito em julgado desta decisão deverá ser ponderada a realização de cúmulo jurídico entre a pena imposta nestes autos e a que foi aplicada nos processos n.º 659/19.5PHVNG, n.º 314/19.6PAVNG, nos termos do artigo 78.º, do Código Penal.

III – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decidem modificar a pena principal imposta na sentença recorrida, pelo que condenam o arguido AA, pela prática um crime de invasão de área de espetáculo desportivo, p. e p. pelo artigo 32.º, 1, da Lei 39/2009 de 30-07, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efetiva, a cumprir em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, no mais confirmando o decidido na sentença.
Sem custas.

Porto, 4/10/2022
Maria dos Prazeres Silva
José António Rodrigues da Cunha
William Themudo Gilman
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[1] No mesmo sentido, vd. em www.dgsi.pt, Acórdão da Relação de Évora de 18-10-2018, proc. 234/18.1.1PAPTM.E1; Acórdão Relação de Lisboa, 18-12-2018, proc. 111/17.3GACSC.L1-5, (…) o espectáculo desportivo não começa, no caso do futebol, com o apito do árbitro nem termina com idêntico apito. Tais comportamentos do árbitro apenas determinam o início, as interrupções, os reinícios e o fim do jogo. O espectáculo desportivo para efeitos da lei em questão abrange outros aspectos que não se compreendem apenas no jogo, como sejam, a própria abertura dos recintos desportivos para permitir o acesso do público e dos demais intervenientes.(…) As razões da criminalização desse tipo de comportamento mantêm-se válidas durante todo o tempo em que os espectadores se encontram dentro do estádio e até à respectiva saída do mesmo.
[2] Vd. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, pág. 71.
[3] Cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 43.
[4] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-04-2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);-Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»