Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00035602 | ||
Relator: | FRANCISCO MARCOLINO | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO PRODUZIDA EM JUÍZO ARTICULADOS ADVOGADO RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPARTICIPAÇÃO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL | ||
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Nº do Documento: | RP200303050213271 | ||
Data do Acordão: | 03/05/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T I CR PORTO 2J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 1537/01 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | . | ||
Decisão: | . | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | CP95 ART26 ART114 ART115 N2 ART117 ART180 ART188 N1. EOADV84 ART89. | ||
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Sumário: | Quando numa peça processual sejam relatados factos ofensivos da honra de outrem, subscrito por advogado, de acordo com as informações prestadas pelo arguido seu cliente, e não tiver sido alegado (mesmo na acusação particular) que o advogado agiu no convencimento de que os factos que lhe foram relatados pelo cliente correspondem à verdade, a responsabilidade criminal será de imputar a ambos (trata-se de um caso de comparticipação criminosa). Tendo a acusação sido deduzida apenas contra o arguido cliente e já não contra o advogado, falta uma condição legal de procedibilidade (artigo 115 n.2 do Código Penal), o que determina a extinção do procedimento criminal. Se o autor do escrito é apenas o advogado sem qualquer interferência do cliente que, inclusive, é surpreendido por aquilo que é difundido, o ilícito é de imputar exclusivamente ao advogado. Na hipótese em que o advogado age no convencimento de que os factos que lhe foram relatados correspondem à verdade, é de excluir a intenção criminosa. O cliente será então autor mediato do crime de difamação e o advogado um seu instrumento, sendo o primeiro o único agente do crime. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Autos de instrução n.º../.., do -º Juízo do TIC do..... Daniel..... e esposa, Ilda....., residentes na casa de....., freguesia de..... da Comarca de....., apresentaram queixa-crime contra Luís....., casado, residente na Rua....., em....., pela prática de factos que integram um crime de difamação p. e p. pelo n.º 1 do art.º 180º do C. Penal. Posteriormente vieram a constituir-se assistentes. Findo o inquérito, o Digno Magistrado do M.º P.º determinou se desse cumprimento ao disposto no art.º 285º, n.º 1 do C. Penal – fls. 148. Os assistentes deduziram acusação particular contra o arguido Luís...., nos seguintes moldes: “Com o sobrescrito datado de 20 de Abril de 2001 o mandatário do arguido nos Autos de Inventário n.º../.. que correm os seus termos pela -ª Secção do -.º Juízo Cível desta Comarca do...., endereçou ao mandatário da assistente carta registada, notificando-o - nos termos e para os efeitos do disposto do art.º 229º-A do C.P.C. - da apresentação naqueles autos de dois requerimentos (respostas) - incluída a de fls. 73 a 77 dos presentes autos cujos duplicados juntou, comunicação essa por este recebida em 24 de Abril de 2001, e de cujo conteúdo os assistentes tomaram conhecimento 2 ou 3 dias depois. No n.º 19 da peça processual denominada “RESPOSTA” junta com a queixa e também constante de fls. 73 a 77 destes autos (de Inquérito) a fls. 75 - foi claramente expresso: «Na medida em que, algum tempo depois do seu casamento o casal foi expulso da Casa de..... após o Daniel (marido da Ilda) ter agredido o Eng. Pedro (marido da D. Fernanda), na altura pessoa de avançada idade, que em consequência dessa agressão caiu pelas escadas abaixo e ficou diminuído fisicamente para sempre». Essa expressão/imputação e como resulta dos autos, apesar de constar daquela processual subscrita pelo seu mandatário é do arguido e este, ao proferi-la - ou ao pretender que a mesma fosse expressa - fê-lo com o propósito conseguido de ofender os assistentes na sua honra e consideração, não ignorando a falsidade das imputações dela constantes. Ainda que não tivesse conhecimento da falsidade daquelas imputações - o que manifestamente, não é o caso - o arguido não tinha qualquer fundamento sério, para de boa fé, as reputar como verdadeiras e apesar disso, não se coibiu de as proferir. O propósito do arguido ao proferir tal expressão com as imputações desta constantes - o que fez até de modo peremptório e com cunho marcadamente afirmativo e inequívoco - foi o de ofender os assistentes naquela sua honra e consideração, procurando também denegrir perante o Tribunal a imagem e as pessoas dos assistentes. Os assistentes e por causa daquelas imputações do arguido ficaram e sentem-se gravemente ofendidos na sua honra e consideração tanto mais que são pessoas educadas, correctas, e incapazes de ofender moral ou fisicamente quem quer que seja. Acresce que os assistentes tinham uma relação com o falecido Eng. Pedro como a de filhos para pai, sendo aquele Eng. Pedro e esposa, falecida D. Fernanda, pessoas a quem devotavam especial carinho ou afecto, afecto esse recíproco e que levou até que a referida D. Fernanda outorgasse testamento pelo qual instituiu como sua herdeira universal, a assistente, que desde os quatro anos de idade foi acolhida por aquele casal, factos estes que o arguido não ignorava, nem ignora. Os assistentes, e por causa daquelas falsas imputações, sentiram-se e sentem-se profundamente magoados, sentiram-se e sentem-se vexados ou humilhados, ficando com uma grande dor e com um grande sofrimento moral e ficaram psiquicamente abalados, em especial a Assistente que passou a ter necessidade de maior apoio psiquiátrico, e posteriormente, mesmo de internamento diurno no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de..... (consoante Declaração deste Departamento que se junta). O arguido ao proferir aquela expressão e ao fazer as imputações dela constantes, agiu de livre vontade e conscientemente, não ignorando que a sua conduta era contrária à lei e que com as mesmas ofendia, como ofendeu os assistentes no seu bom-nome, honra e consideração. Cometeu assim, o arguido, com a sua descrita conduta um crime de difamação p. e p. nos termos do disposto 181º n.º 1 e 183º n.º 1 al. b) do C. Penal”. * A fls. 166 vº, o Digno Magistrado do M.º P.º declarou acompanhar a acusação particular.* O arguido requereu a abertura da instrução, defendendo a sua não pronúncia.Por um lado, porque apenas foi exercido o direito à defesa. Por outro, porque ele e seu mandatário não agiram com a consciência de que a resposta atentasse contra a honra e consideração dos assistentes. Finalmente porque, havendo uma situação de comparticipação criminosa, a acusação não foi deduzida também contra o mandatário. * Efectuado o debate instrutório, o Sr. Juiz lavrou despacho de não pronúncia, com os seguintes fundamentos: “Para que um agente possa ser penalmente responsabilizado tem de praticar um acto típico, ilícito, culposo e punível. Ou seja, tendo liberdade para se determinar de acordo com o direito não o faz e, sem causa justificativa, adopta uma conduta que preenche objectiva e subjectivamente os elementos de um tipo legal de crime, verificando-se as respectivas condições de punibilidade. Para que qualquer pessoa seja submetida a julgamento não basta uma convicção que ela praticou o crime denunciado, sendo necessário que essa convicção esteja alicerçada em provas concretas, o que neste caso não se verifica. Sendo indícios suficientes, para efeitos da pronúncia, aqueles elementos que apreciados em concreto, conjugados e relacionados persuadem ou convencem forte, veemente e concludentemente da existência de crime e da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que este virá provavelmente a ser condenado em julgamento - cfr. art.º 283º n.º 2 do Código Processo Penal, e Lições de Direito Processo Penal de Figueiredo Dias, 1º vol., pág.133 - estamos em crer que, com as provas existentes nos autos o julgamento, a existir, conduziria seguramente a uma absolvição do arguido Luís...... Alega o arguido no seu requerimento de abertura de instrução a extinção do procedimento criminal pelo exercício intempestivo do direito de queixa. Como já referiu o Mº Pº no seu despacho de fls. 166, não lhe assiste razão. A queixa foi apresentada a 22 de Outubro de 2001, datando a peça processual de 20 de Abril e notificação a 23 desse mesmo mês. Não é, pois, extemporânea a queixa apresentada visto que se verificou nos seis meses subsequentes ao conhecimento do crime, nº 1 do art. 115º do Cód. Penal. O crime imputado ao arguido é o crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180º do Cód. Penal, e assenta, em suma, na seguinte matéria fáctica: - No n.º 19 de peça processual denominada resposta à reclamação contra a relação de bens em inventário, foi expresso o seguinte: «na medida em que, algum tempo depois do seu casamento o casal foi expulso da Casa de..... após o Daniel (marido da Ilda) ter agredido o Eng. Pedro (marido da D. Fernanda), na altura pessoa de avançada idade, que em consequência dessa agressão caiu pelas escadas abaixo e ficou diminuído fisicamente para sempre». - Esta expressão/imputação consta, como se referiu, de peça processual, mas subscrita pelo mandatário do arguido e em papel timbrado do mesmo. - Estamos, pois, perante uma situação de eventual prática do crime de difamação em articulado processual. Em tais casos importa reter que de duas, uma: - Ou tal expressão/imputação é indispensável à defesa da causa, e então não é ilícita, n.º 3 do art.º 154º do Cód. Proc. Civil, ou, - Tal expressão/imputação é dispensável para a defesa da causa, e então ou a mesma é apenas da autoria do mandatário judicial, ou deste e do mandante – «Quod non est in actus, non est in mundo». É que além do advogado estar sujeito ao segredo profissional, também, como se refere no Ac. Rel. Coimbra, Col. Jur., ano 1989, t. II. Pg. 76, «ao abrir-se ao advogado porque sabe que ele não pode, de forma alguma, fazer sair do seu gabinete o que ouve de forma a prejudicá-lo, o cliente está tranquilo no sentido de que com isso, não ser cometido crime». Estaríamos assim neste âmbito perante um caso de comparticipação, ou seja, duma acção conjunta do mandante e mandatário na realização de um tipo legal de crime. Ora, como explica Maia Gonçalves nas suas anotações aos art.ºs 115º a 117º, Código Penal Anotado e Comentado, Almedina, Coimbra, «consagrou-se e generalizou-se o princípio da indivisibilidade das consequências do não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes do crime. Em matéria criminal não se pode escolher quem deve ser perseguido no caso de comparticipação; o que está em causa é o crime». Assim sendo, a renúncia de queixa e a falta de acusação contra o advogado subscritor da peça processual implica, nos termos das disposições legais citadas dos art.ºs. 115º, nº 2 a 117º do Cód. Penal, a desistência da queixa contra os arguidos. Neste sentido decidiu o Tribunal da Rel. de Coimbra, em Acórdão de 1 de Março de 1989 já supra citado: «a difamação em articulado em processual é ou de autoria exclusiva do advogado ou deste e do mandante; se for exercido o respectivo procedimento criminal apenas contra o mandante, dado o disposto no nº 3 do art. 114º do Cód. Penal de 1982, - actualmente nº 2 do art. 115º - é de concluir pela desistência da queixa se excedido o prazo da queixa contra o mandatário». O que é o caso dos autos. Os assistentes apenas apresentaram queixa contra o mandante, cliente, e não, também, contra o advogado, mandatário, sendo que está, em muito, precludido o prazo para apresentar a respectiva queixa. Do exposto se conclui que o procedimento criminal nunca poderia ter lugar. Em suma: Por desistência do direito de queixa decido não pronunciar o arguido e ordeno o arquivamento do processo”. * Inconformados com tal despacho, os assistentes interpuseram o presente recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões, que são tão extensas como a motivação (!):1. Na peça processual “Resposta” constante dos autos de Inventário - Proc. n.º ../.. -ª Secção, -º Juízo Cível desta Comarca do...., junta a fls. 73 a 77, no n.º 19, a fls. 75, foi expresso: “Na medida em que, algum tempo depois do seu casamento, o casal foi expulso da Casa de..... após o Daniel (marido da Ilda) Ter agredido o Eng. Pedro (marido da D. Fernanda), na altura pessoa de avançada idade, que em consequência dessa agressão caiu pelas escadas abaixo e ficou diminuído fisicamente para sempre”. 2. A “Ilda”, aí referida, é a assistente, e o “Daniel” aí mencionado, o assistente, sendo “o casal” os assistentes. 3. Tal texto daquela “Resposta” foi subscrito pelo Distinto Mandatário do arguido. 4. As alegações, expressões ou imputações constantes de peça processual subscrita por mandatário, não são do mandatário, mas antes da parte que o mesmo patrocina, 5. Ou seja, não são para ele mandatário que as mesmas são produzidas mas tão só para a parte ou para quem o mesmo representa. 6. Quer isto significar que o mandatário age em nome de alguém e para alguém, 7. E o que transmite por escrito, vincula a parte ou a pessoa que patrocina. 8. Logo ele (mandatário) corporiza em articulado ou peça processual o que o seu patrocinado lhe transmitiu e que entende ser útil na defesa dos interesses deste. 9. Se actua para além disso, para além do que lhe é transmitido e desejado pelo seu patrocinado, então e só aí se poderá falar em acto próprio e exclusivo seu (com as respectivas consequências). 10. No caso dos autos, não ia - seguramente - o Distinto Mandatário do arguido inventar factos, como os alegados no n.º 19 da Resposta junta aos autos nem, 11. Seguramente iria em peça processual incorporar tais factos se soubesse que os mesmos eram falsos, 12. Tanto mais que os mesmos poderiam ser ofensivos da honra e consideração da parte contrária. 13. Se o Distinto Mandatário do arguido escreveu tais afirmações e imputações foi porque o arguido as transmitiu e quis que as mesmas constassem de peça processual, desconhecendo naturalmente o Mandatário a falsidade das afirmações ou imputações pois se assim fosse, não as teria escrito, tanto mais como se referiu que as mesmas seriam susceptíveis de ofender a parte contrária na sua honra e consideração. 14. O arguido nunca retirou ou disse que não eram suas aquelas expressões e que eram antes do seu mandatário (da sua autoria e responsabilidade). 15. Pelo contrário, o arguido, nas suas declarações procura até explicar aquelas expressões e imputações. 16. Os recorrentes apresentaram queixa contra o arguido, pelo facto deste ter proferido aquelas expressões e ter feito aquelas imputações - apesar de saber que as mesmas eram falsas - com o propósito conseguido de ofender os assistentes na sua honra e consideração. 17. Essa queixa foi feita tempestivamente. 18. Como a conduta ilícita é do arguido, naturalmente, os assistentes agiram (apresentaram queixa) contra este. 19. Não sendo, ao caso, aplicável o disposto no art.º 115º n.º 2 do C. Penal, 20. Ou seja, a queixa, não tinha também que ser apresentada contra o Distinto Mandatário do arguido. 21. Não podendo o arguido aproveitar-se dessa “não queixa” contra o seu Mandatário para dizer que, por isso mesmo, relativamente a si está extinto o direito de queixa. 22. Com as expressões proferidas pelo arguido e as imputações constantes daquele n.º 19 da Resposta, quis – como se referiu - o arguido e conseguiu, ofender os recorrentes na sua honra e consideração e ainda denegrir a imagem dos recorrentes perante o Tribunal onde correm os autos de Inventário. 23. Para “uma defesa” da sua posição ou para “contrariar os factos alegados pelos assistentes” nos supracitados autos de Inventário não era, para o efeito, necessário que o arguido utilizasse aquelas expressões e fizesse aquelas imputações constantes do mencionado n.º 19 da “Resposta” que, como se referiu são falsas, não desconhecendo o arguido essa falsidade. 24. No caso não se tratou de uma defesa mais arrojada do arguido, ou de uma defesa viva, antes passou o arguido para a ofensa ao transmitir factos falsos e que sabia serem falsos, não desconhecendo também que com os mesmos iria magoar (como magoou) e ofender (como efectivamente ofendeu) os assistentes na sua honra e consideração, tanto mais que estes tinham uma relação como a de filhos para com pais com os falecidos Eng. Pedro e D. Fernanda, pessoas a quem devotavam especial carinho ou afecto, afecto esse recíproco e que levou até que a referida D. Fernanda outorgasse testamento pelo qual instituiu como sua universal herdeira a assistente. 25. Não podendo colher também a pretensão do arguido de que tais expressões e imputações “são inofensivas” e que com as mesmas não quis ofender os assistentes na sua honra e consideração. 26. Na verdade, se não quis ofender, então por que as proferiu se ele arguido sabia que eram falsas? Com que finalidade? 27. A outra conclusão - crê-se - não se pode chegar, até pelo conteúdo daquelas expressões e natureza das imputações de que indubitavelmente o arguido quis e conseguiu ofender os assistentes na sua honra e consideração, 28. Pelo que, existindo indícios suficientes, deve ser pronunciado pela prática do crime de difamação p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 181º n.º 1 e 183º n.º 1 al. b) do Cód. Penal. 29. No despacho de não pronúncia fez-se uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 115º n.º 2 do C. Penal e violou o disposto no art.º (…?) do C. Penal. * Responderam o M.º P.º e o arguido, sem formular conclusões.Aquele, apesar de se haver conformado com o despacho de não pronúncia, entende que o mesmo deve ser revogado. Este, pugna pela manutenção do julgado. * O Sr. Juiz sustentou a sua decisão.* Nesta Relação, o Ex.mo PGA acompanha a resposta do M.º P.º na 1ª Instância.* Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.* 1. Da responsabilidade do Ilustre MandatárioConsta da acusação particular: “Com o sobrescrito datado de 20 de Abril de 2001 o mandatário do arguido nos Autos de Inventário n.º ../.. que correm os seus termos pela -ª Secção do -.º Juízo Cível desta Comarca do....., endereçou ao mandatário da assistente carta registada, notificando-o - nos termos e para os efeitos do disposto do art.º 229º-A do C.P.C. - da apresentação naqueles autos de dois requerimentos (respostas) - incluída a de fls. 73 a 77 dos presentes autos cujos duplicados juntou, comunicação essa por este recebida em 24 de Abril de 2001, e de cujo conteúdo os assistentes tomaram conhecimento 2 ou 3 dias depois. No n.º 19 da peça processual denominada “RESPOSTA” junta com a queixa e também constante de fls. 73 a 77 destes autos (de Inquérito) a fls. 75 - foi claramente expresso: «Na medida em que, algum tempo depois do seu casamento o casal foi expulso da Casa de..... após o Daniel (marido da Ilda) ter agredido o Eng. Pedro (marido da D. Fernanda), na altura pessoa de avançada idade, que em consequência dessa agressão caiu pelas escadas abaixo e ficou diminuído fisicamente para sempre». Essa expressão/imputação e como resulta dos autos, apesar de constar daquela processual subscrita pelo seu mandatário é do arguido e este, ao proferi-la - ou ao pretender que a mesma fosse expressa - fê-lo com o propósito conseguido de ofender os assistentes na sua honra e consideração, não ignorando a falsidade das imputações dela constantes”. Dúvidas não há, in casu, que o Ilustre Mandatário do arguido é o autor material do escrito. A este respeito é possível configurar três situações distintas, como aliás, bem se refere no Ac. da RC de 1.03.89, in CJ, Ano XIV, tomo 2, p. 76): - Uma em que o advogado transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse depois de o advertir expressamente das consequências que daí podem ocorrer; - Outra em que o autor do escrito é apenas o advogado, sem qualquer interferência do cliente, que, inclusive, é surpreendido por aquilo que é difundido; - Finalmente, aquela em que o cliente relata factos que sabe não serem verdadeiros para que o advogado os verta para o articulado, no convencimento de que correspondem à verdade. Nesta última hipótese, ao agir no convencimento de que os factos que lhe foram relatados pelo cliente correspondem à verdade, o advogado não tem a intenção - e nem sequer configura a possibilidade - de preencher o (tipo de) ilícito (do art. 180º). Falta-lhe, portanto, o dolo (do tipo) - cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, trad. Esp., 4ª ed., Granada, 1993, ps. 263 e ss.. O cliente será, então, autor mediato do crime de difamação (art. 26º) e o advogado um seu instrumento. É apenas nesta hipótese que se admite a possibilidade de o cliente ser o único agente do ilícito. Com efeito, mesmo na primeira hipótese, está-se perante um caso de comparticipação criminosa (cfr. Ac. RL de 17.01.96, http://www.dgsi.ptl/). E, na segunda, perante um ilícito cometido apenas pelo advogado. A responsabilidade exclusiva do cliente deve, pois, ser liminarmente excluída quando na peça processual seja relatado um facto ofensivo da honra de outrem. Isto porque o advogado, profissional forense com a responsabilidade de conduzir técnica e processualmente a lide, em nome e em representação dos seus constituintes, está vinculado por um dever geral de urbanidade (art. 89º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL n.º 84/84, de 16.03), devendo, no exercício da sua actividade, evitar a prolação de factos susceptíveis de ofender a honra e a consideração de outrem. Aliás, «melhor do que ninguém o advogado deve saber em que consiste o crime de difamação e avaliar quando esta não é necessária para a defesa da causa que lhe foi confiada» (L. da Silva Araújo, Crimes Contra honra, Coimbra, 1957, pgs. 66-67). Assim, cabe-lhe a função de filtrar aquilo que lhe é relatado pelo cliente, não deixando transparecer quaisquer expressões que se não contenham dentro das margens da veemência e da energia que a defesa dos interesses daquele exigem - cfr. Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, VIII, Coimbra, 1933, pgs. 513 - 514, e Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Coimbra, 1996, pgs. 79 e 55.. Ora, dando de barato que os factos referidos na douta acusação particular são ofensivos da honra dos assistentes, nenhuma prova (nem sequer alegação) foi feita nos autos no sentido de se concluir que o arguido relatou factos que sabe não serem verdadeiros para que o advogado os vertesse para o articulado, no convencimento de que correspondem à verdade. E, de resto, nem sequer tal consta da dita acusação particular (consta apenas das conclusões da motivação), como deveria constar, para afastar a responsabilidade do Ilustre Mandatário. O que vale por dizer que os factos da acusação, tal como dela constam, são de imputar ao arguido e seu Mandatário. Consequentemente, há um caso de comparticipação criminosa. Na realidade, o art.º 26º do C. Penal, sob a epígrafe de autoria, estatui que “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. O preceito engloba, indubitavelmente, a figura da comparticipação criminosa. A este respeito, escreveu o Dr. Faria da Costa, in “Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal”, pg. 169 e segs.: “Todavia, para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outro ou outros. É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio – podendo mesmo ser tácito – que tem igualmente de se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio, cada co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica...”. No caso dos autos, dúvidas não há que o articulado foi elaborado pelo Ex.mo Mandatário, de acordo com informações prestadas pelo arguido. O seu conteúdo é o resultado do trabalho intelectual do Ex.mo Advogado, em conformidade com as ditas informações. Assim, se este é ofensivo da honra dos assistentes, não tendo sido alegado (mesmo na acusação particular) que o Ex.mo Advogado agiu no convencimento de que os factos que lhe foram relatados pelo cliente correspondem à verdade, a responsabilidade criminal será de imputar a ambos. Ao invés, e textualmente, se diz na acusação que “Essa expressão/imputação e como resulta dos autos, apesar de constar daquela processual subscrita pelo seu mandatário é do arguido e este, ao proferi-la - ou ao pretender que a mesma fosse expressa - fê-lo com o propósito conseguido de ofender os assistentes na sua honra e consideração, não ignorando a falsidade das imputações dela constantes”. Presumindo-se que entre Advogado e Mandatário há uma relação de lealdade, e afirmando-se que a expressão é falsa, o arguido assim o terá comunicado àquele. E, se assim não era, tal deveria constar da acusação particular, e não consta. Estamos, pois, perante uma situação de comparticipação criminosa. 2. O não exercício do direito de queixa O crime de difamação é de natureza particular - art.ºs 180º e 188º, n.º 1 do C. Penal. O que vale por dizer que, para instauração do procedimento criminal, é necessária queixa; e, posteriormente, acusação particular. A queixa deveria ter sido apresentada contra todos os comparticipantes. Na realidade, o sistema penal português consagrou o chamado princípio da indivisibilidade, quando refere que “O não exercício do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa” – n.º 2 do art.º 115º do C. Penal. O princípio está consagrado porque “Em matéria criminal não se pode escolher quem deve ser perseguido em caso de comparticipação; o que está em causa é o crime” - Maia Gonçalves in “Código Penal Português”, 13ª ed., pg. 391. Quanto ao exercício do direito de queixa, a lei faz estender os efeitos da apresentação desta contra um dos comparticipantes aos restantes – art.º 114º do C. Penal. Daí que não se possa afirmar, como se faz no despacho recorrido, que não foi exercido o direito de queixa relativamente aos restantes comparticipantes. Antes, tem de considerar-se que a queixa foi tempestivamente apresentada contra todos os comparticipantes, como se considerou relativamente ao arguido. 3. Não exercício da acusação particular contra o co-autor Acontece, porém, que a acusação particular foi deduzida apenas contra o arguido, olvidando o Ilustre Mandatário. Que consequências da não dedução da acusação particular contra os restantes comparticipantes? O art.º 117º do C. Penal estipula que “O disposto nos artigos deste título é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular”. O Prof. Figueiredo Dias, in “Das consequências jurídicas do crime”, pg. 681 escreveu sobre a matéria, no domínio de anterior legislação: “Susceptível de alguma dúvida é saber se devem considerar-se correspondentemente aplicáveis à acusação particular as normas e princípios que vimos (supra § 1087) aplicar-se à queixa em matéria do seu alcance ou da extensão dos seus efeitos (art.º 113º - hoje 114º). Parece, tudo ponderado, dever negar-se uma tal aplicabilidade e considerar-se que o titular do direito de acusação pode exercê-lo só contra algum ou alguns dos comparticipantes; até por aquele entender, mesmo discordando do MP, que só quanto a esse ou esses existem indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem é (são) o(s) seu(s) agente(s). Já todavia se compreenderá que, uma vez deduzida acusação contra certos arguidos, a desistência dela relativamente a um aproveite aos restantes que também não poderiam ser perseguidos sem acusação particular (art.º 114º-3 – hoje 116º-3)”. Relativamente às considerações do Prof. Figueiredo Dias, importa, em primeiro lugar, salientar que foram produzidas no domínio do C. Penal de 1982, onde não havia preceito equivalente ao do n.º 2 do art.º 115º do C. Penal vigente, e cuja redacção resultou da revisão operada em 1995, que introduziu, como se referiu, o princípio da indivisibilidade. Em segundo lugar, se bem interpretamos o raciocínio do referido Mestre, ele não coloca, sem mais, na disponibilidade do titular do direito à acusação, o exercício dele contra um ou todos os participantes. Antes fá-lo depender da existência de razões justificativas, como por ex. da falta de indícios. Em abono da tese expendida, que sufragamos, há que referir que, após a introdução do princípio da indivisibilidade não faz sentido defender-se entendimento diverso, sob pena de deitarmos pela janela o que o legislador quis que entrasse pela porta. Na realidade, se o direito de queixa contra todos os comparticipantes é obrigatório, como poderia depois, após a realização do inquérito, fazer-se a selecção, obrigando-se a praticar actos inúteis no inquérito? Não foi isto, seguramente, o que legislador quis. Antes, do princípio têm de extrair-se todas as consequências, desde a queixa à acusação: não escolha de quem deve ser perseguido, isto é, ou são perseguidos todos os comparticipantes conhecidos, ou não é nenhum. Porque os assistentes não deduziram acusação particular contra ambos os comparticipantes, falta nos autos uma condição legal de procedibilidade, imposta pelo art.º 115º, n.º 2, aplicável ex vi do art.º 117º, ambos do C. Penal, o que importa a declaração de extinção do procedimento criminal. O que sempre levaria a que o despacho tivesse de ser, como foi, de não pronúncia. Prejudicada fica, por isso, a análise das restantes questões do recurso, designadamente da existência de indícios. DECISÃO: Nestes termos, ao abrigo das disposições legais supra citadas, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o douto despacho recorrido. Fixa-se em 5 Ucs a tributação. Porto, 05 de Março de 2003 Francisco Marcolino de Jesus Fernando Manuel Monterroso Gomes José Carlos Borges Martins |