Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5214/22.0T8MTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
DIREITO LEGAL DE PREFERÊNCIA DO ARRENDATÁRIO
MANUTENÇÃO DE POSSE DE IMÓVEL ARRENDADO
Nº do Documento: RP202403045214/22.0T8MTS-B.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I -. O julgamento de facto a efetuar pelo Tribunal da Relação, dentro dos limites definidos pelo recorrente na sindicância da decisão de facto, assenta na autonomia decisória daquele Tribunal, podendo conduzir à correção de erros ou à materialização de, objetiva, fundada e livre, divergência na apreciação probatória, ainda que na ausência dos relevantes fatores da imediação e da oralidade.
II - Os procedimentos cautelares, pela sua própria natureza, visam, a obtenção de uma medida cautelar que é uma solução provisória, tendente a evitar prejuízos que a demora da resolução da ação principal pode ocasionar ao requerente.
III - O procedimento cautelar comum tem como requisitos:
i) - não estar a providência a obter abrangida por qualquer procedimento cautelar especificado (nº 3, do art. 362º, do CPC), sendo este procedimento destinado a fazer face a situações de “periculum in mora” não especialmente acauteladas através dos procedimentos cautelares especificados na lei;
ii) - a existência de um direito (satisfazendo-se a lei com um juízo de probabilidade ou verosimilhança mas exigindo que tal probabilidade seja forte (v. nº 1, do art. 368º, do CPC, que estatui “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito”- “fumus boni iuris”);
iii) - o atual e fundado ou sério receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação (“periculum in mora”) - (v. nº 1, do art. 362º e nº 1, do art. 368º, do CPC);
iv) - a adequação da providência solicitada a evitar a lesão e a assegurar a efetividade do direito ameaçado (parte final do nº 1, do art. 362º, do CPC);
v) - não resultar da providência prejuízo consideravelmente superior ao dano que ela visa evitar, pois, conforme estabelece o nº 2, do art. 368º, do CPC, a providência deve “ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela adveniente para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.
IV - O direito cuja existência se discute – o direito legal de preferência do arrendatário à data da venda (al. a), do nº1, do art. 1091º, do Código Civil) –, sendo uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário, transmuta-se, com a prática do negócio translativo da propriedade sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, num direito potestativo daquele, a implicar, uma vez exercido, no seu reconhecimento, sujeição deste.
V - É admissível, em procedimento cautelar comum, providência de manutenção da posse de imóvel arrendado até à definitiva decisão da questão do direito legal de preferência do arrendatário, a apreciar na ação principal, para acautelar custos e prejuízos derivados de transferência da atividade profissional da requerente - contabilista - para outro local, impendendo sobre esta o ónus de alegar e provar, não só o risco de prejuízos graves que sofrerá na ausência de tal medida cautelar, como todos os demais requisitos do referido procedimento, ocorrendo, in casu, fumus boni iuris, periculum in mora, adequação e proporcionalidade, não sendo o prejuízo da requerida resultante do decretar da providência consideravelmente superior ao dano que com ela se visa evitar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5214/22.0T8MTS-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto:  Des. Fernanda Almeida
2º Adjunto: Des. Ana Paula Amorim

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: A..., LDA

Recorrida: AA


AA intentou procedimento cautelar comum contra A..., LDA, por apenso à ação que havia proposto contra esta, a atuar direito de preferência na aquisição de imóvel, solicitando se decrete a manutenção da posse e fruição do imóvel correspondente à fração “B” do prédio sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., nos termos previstos no contrato de arrendamento celebrado a 01 de junho de 2013, até à data em que venha a ser obtida uma decisão, com carácter definitivo, na ação principal.
Alegou, para tanto e em síntese, que, na pendência da ação de preferência, onde está a exercer o direito de preferir na compra daquele imóvel, que intentou contra a aqui requerida e a anterior proprietária do identificado bem, aquela lhe comunicou a sua oposição à renovação automática do contrato de arrendamento que as vincula, com efeitos a 31 de maio de 2023, que explora a referida fração no exercício da sua  atividade profissional de contabilista, e que a transferência do estabelecimento para outro local importaria, para si, graves inconvenientes e avultados custos.
A requerida apresentou oposição, pugnando pelo não decretamento da providência requerida dada a falta de verificação dos requisitos legais. Alegou, em síntese, a caducidade do direito de ação de preferência e que o negócio em relação ao qual a requerente pretende exercer o invocado direito se tratou apenas da transferência do património pessoal de BB, sócia e gerente da requerida, para a esfera jurídica desta, alegando que a requerente tinha conhecimento de tal facto. Alegou, ainda, que a manutenção da posse e fruição do imóvel pela requerente lhe provoca prejuízos sérios dado ser desajustada a quantia paga pela requerida a título de renda.
Realizada a audiência final, com observância das formalidades legais, foi proferida sentença com a seguinte, e já com a retificação decretada introduzida no local próprio, parte dispositiva:

“… decide-se decretar a providência cautelar requerida, nos seguintes termos:

a) a partir do dia 1 de junho de 2023 e até transitar em julgado a decisão a proferir na ação principal, à requerente assistirá o direito de usar e fruir do imóvel correspondente à fração autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na Rua ..., Matosinhos, com entrada pelo n.º ..., rés-do-chão, aí exercendo a sua profissão;

b) em contrapartida, a requerente pagará mensalmente à requerida a quantia de 212,00 € (duzentos e doze euros);

c) o pagamento das quantias referidas em b) será realizado no primeiro dia do mês a que respeitar, por transferência bancária realizada para o IBAN da requerida, que a requerente conhece.

Custas pela requerida”.


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Apresentou a requerida recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por acórdão que conheça dos factos demonstrados nos termos sobreditos e não decrete a providência cautelar requerida, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

“1) Andou mal o tribunal a quo com a prolação da sentença, notificada a 02/05/2023 (Refª Citius 447915539), pela qual foi decretada a providência cautelar requerida, tendo sido determinado que, a partir do dia 1 de junho de 2023 e até transitar em julgado a decisão a proferir na ação principal, à Requerente assistirá o direito de usar e fruir do imóvel correspondente à fração autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na Rua ..., Matosinhos, com entrada pelo n.º ..., rés-do-chão, sendo que em contrapartida, a Requerente pagará mensalmente à Requerida a quantia de 212,00 € (duzentos e doze euros), no primeiro dia do mês a que respeitar, por transferência bancária realizada para o IBAN da requerida, que a requerente conhece;

2) Ao facto de que não logrou a Requerente demonstrar a necessidade de sair da área comercial num raio inferior a quinhentos metros da sua residência nem o transtorno alegado com o transporte de pastas de clientes e computador, acresce o facto de a mesma não ter diligenciado, a partir da receção da oposição à renovação, a 01/02/2023, no sentido de cumprir com o contrato e entregar o locado livre de pessoas e bens no prazo acordado;

3) Andou mal o tribunal a quo quando julgou indiciariamente provado o facto “9) Caso a requerente tenha que abandonar a referida fração, terá que transferir o seu negócio para outro local, procurando um outro espaço adequado para o efeito e para aí transportando todos os seus instrumentos de trabalho, nomeadamente equipamentos tecnológicos e arquivo documental”, impondo os seguintes meios de prova decisão distinta;

4) Os concretos meios de prova depoimento da Requerente (concretas passagens de minutos 2:15 a 2:34, 6:24 a 6:54, 9:08 a 9:09, 12:18 a 13:45 e 15:18 a 15:34), depoimento da testemunha CC (concretas passagens de minutos 2:46 a 3:24, 4:16 a 4:19, 4:26 a 4:35, 5:22 a 5:39, 5:47 a 6:30, 7:17 a 7:19 e 9:20 a 9:27) e depoimento da testemunha DD (concretas passagens de minutos 10:04 a 10:23 e 11:01 a 11:32) impõem que os concretos pontos de facto “terá que transferir o seu negócio para outro local, procurando um outro espaço adequado para o efeito e para aí” do facto indiciariamente provado “9)” sejam removidos daquele elenco, e substituídos pelo facto demonstrado “Caso a requerente tenha que abandonar a referida fração, terá que transportar todos os seus instrumentos de trabalho, nomeadamente equipamentos tecnológicos e arquivo documental”;

5) Da prova produzida resulta que a representante legal da Requerida (na altura, senhoria da Requerente) fez uma primeira comunicação, em março de 2023, da intenção da transmissão do antigo locado para o filho da mesma, sem que concretizasse os pormenores da referida transmissão, na sequência do falecimento da sua mãe;

6) Aquando da constituição da ora Requerida, foi feita nova comunicação, agora já com os trâmites procedimentais concretizados, os quais recusou a Requerida conhecer, tendo manifestado, desde logo, o seu desinteresse na aquisição do imóvel, por alegada falta de capital, a qual era manifesta, nos constantes atrasos de pagamento da renda;

 7) Neste seguimento, andou mal o tribunal a quo quando julgou indiciariamente não provado o facto “a) A requerente sempre teve conhecimento da realização do negócio referido em 4) e das condições do mesmo, bem sabendo que se tratava da mera transferência do património pessoal de BB, sócia e gerente da sociedade requerida, para a esfera jurídica desta”, impondo os referidos meios de prova decisão distinta;

8) Os concretos meios de prova documento 2 junto com a PI nos autos principais (refª Citius 33691736), depoimento da Requerente  (concretas passagens de minutos 17:11 a 19:43, 24:02 a 25:52, 26:50 a 27:20 e 27:24 a 28:22), declarações da representante legal BB da Requerida (concretas passagens de minutos 2:02 a 4:06, 5:11 a 6:08, 6:59 a 8:44, 9:07 a 10:39), declarações do representante legal EE da Requerida (concretas passagens de minutos 5:24 a 6:08, 6:30 a 7:12 e 33 7:24 a 8:05) e depoimento da testemunha FF (concretas passagens de minutos 5:38 a 6:05 e 6:56 a 8:19) impõem que o concreto ponto de facto “a” indiciariamente julgado não provado seja removidos daquele elenco;

9) Mais impõem, os referidos meios de prova que sejam julgados indiciariamente provados os factos “BB, sócia e gerente da sociedade requerida, comunicou à requerente, em março de dois mil e vinte, a intenção de negócio pelo qual operasse a transferência do património pessoal para a gerência do seu filho, sócio gerente da requerida” e “Aquando da constituição da Requerida, a representante BB, comunicou a intenção da realização do negócio pelo qual transmitiria património da própria para a sociedade, para que fosse gerido pelo filho, sócio gerente da Requerida, através do negócio referido em 4), tendo a Requerente recusado perentoriamente a eventual aquisição do locado”;

10) Deve o facto indiciariamente não provado “a) A requerente sempre teve conhecimento da realização do negócio referido em 4) e das condições do mesmo, bem sabendo que se tratava da mera transferência do património pessoal de BB, sócia e gerente da sociedade requerida, para a esfera jurídica desta” ser substituído pelos seguintes factos, a aditar ao elenco dos factos indiciariamente provados: “BB, sócia e gerente da sociedade requerida, comunicou à requerente, em março de dois mil e vinte, a intenção de negócio pelo qual operasse a transferência do património pessoal para a gerência do seu filho, sócio gerente da requerida”; e “Aquando da constituição da Requerida, a representante BB, comunicou a intenção da realização do negócio pelo qual transmitiria património da própria para a sociedade, para que fosse gerido pelo filho, sócio gerente da Requerida, através do negócio referido em 4), tendo a Requerente recusado perentoriamente a eventual aquisição do locado”;

11) Não foi valorada a demonstração dos constantes incumprimentos de pagamento da renda prévios ao presente litígio nem o facto de que ambos os representantes legais da Requerida terem interpelado a Requerente para o cumprimento pontual do contrato de arrendamento, com vista à manutenção da relação arrendatícia;

12) Os concretos meios de prova declarações da representante legal BB da Requerida 30 (concretas passagens de minutos 3:07 a 4:06, 5:11 a 6:08, 6:59 a 8:44 e 10:05 a 10:39), declarações do representante legal EE da Requerida 31 (concretas passagens de minutos 5:24 a 6:08, 6:30 a 7:12 e 7:24 a 8:05) e depoimento da testemunha FF 32 (concretas passagens de minutos 5:38 a 6:05 e 6:56 a 8:19) impõem que seja julgado indiciariamente provado o seguinte facto, o qual deve ser aditado ao elenco dos mesmos: “Apesar do historial de incumprimento pontual das obrigações da Requerente, ambos os representantes legais da Requerida interpelaram a Requerente para o cumprimento pontual das mesmas, com vista à manutenção da relação arrendatícia”;

13) Não foi valorada a demonstração do valor médio do preço praticado nas lojas da área comercial na qual o antigo locado se insere, o qual foi avançado pelas testemunhas da Requerente, tendo avançado com o valor médio entre os trezentos e os trezentos e cinquenta euros;

14) Pelo exposto, as concretas passagens de minutos 4:16 a 4:19, 4:26 a 4:35, 5:22 a 5:39, 5:47 a 6:30 e 9:20 a 9:27 do depoimento da testemunha CC 33 e as concretas passagens de minutos 7:24 a 7:37 do depoimento da testemunha DD impõem que se considere indiciariamente julgado provado o concreto facto “O locado insere-se numa zona comercial com várias lojas similares ao locado, a cerca de quatrocentos metros da residência da Requerente, com maior acessibilidade que o locado, nas quais se pratica o valor médio de renda mensal entre os trezentos e os trezentos e cinquenta euros”, e que seja o mesmo aditado ao elenco dos factos indiciariamente julgados provados;      

15) Ainda que a instrução seja restringida em razão da celeridade pretendida com o presente procedimento, um juízo perfunctório e indiciário da prova produzida não se compadece com a obliteração do conhecimento dos factos demonstrados e atendíveis, como sucedeu aquando da prolação da decisão recorrida;

16) Não só não se demonstrou qualquer lesão grave e irreparável do pretenso direito da Requerente, como, pelo contrário, se demonstrou ter sido aquela a dar causa à presente situação na qual se encontra hoje, designadamente, na iminência de ter de entregar o locado que arrendou para a prestação de serviços;

17) O tribunal a quo não enquadrou a obrigação da Requerente de entregar o locado livre de pessoas e bens como mera vicissitude do contrato de arrendamento que titulava o uso e fruição do locado pela Requerente, cujo conteúdo consta do facto “1)” dado como indiciado;

18) A Requerente conformou a sua vontade e comportamento tendo em conta as declarações de vontade expressas no referido contrato, tendo a Requerida se conformado como mesmo e com tal atuação, não lhe podendo ser oponível tout court, o transtorno que a Requerente terá – como teria sempre aquando da cessação do contrato ao qual se vinculou – com o cumprimento da obrigação de entrega do locado livre de pessoas e bens;

19) Não valorou o tribunal a quo, aquando da prolação da decisão recorrida que, conforme resulta do facto provado “7)”, teve a Requerida conhecimento da oposição à renovação pela Requerente no dia 1 de fevereiro de 2023, cerca de 4 meses (!!) antes do cumprimento da obrigação de entrega do locado, e cerca de 2 meses (!!) antes do período de acréscimo, mais que previsível, certo e conhecido da Requerida, da sua atividade profissional;

20) A Requerida beneficia de facilidades de logística e proximidade com o anterior locado, não usuais para um arrendatário que se vê na obrigação de o entregar, uma vez que reside numa área bastante centralizada, com boa acessibilidade de transportes, e a menos de quatrocentos metros da área comercial onde se situa o locado, que até apresenta lojas com as mesmas características daquele para arrendar;

21) Previamente à constituição da Requerida, a sua representante legal comunicou à Requerente que pretendia avançar com o negócio de transmissão do locado, que aquela teria direito a adquiri-lo, tendo avançado com os elementos do negócio, os quais apenas não foram recebidos pela Requerente na medida em que a mesma se recusou a recebê-los, tendo manifestado, desde logo, que não pretendia exercer tal direito de preferência na aquisição do imóvel, uma vez que não tinha poder monetário para o fazer;

22) Ao se recusar receber os elementos essenciais do negócio, deu causa à sua não comunicação integral, não podendo agora, pretender exercer o direito ao qual renunciou, alegando a não comunicação daqueles, por lhe impedir o ordenamento em razão da violação do Princípio da Boa Fé;

23) Acresce que a Requerente apenas o fez a 27/10/2022 e, portanto, mais de um ano e três meses depois de ter dado causa à não receção dos elementos essenciais do negócio sub judice, ao arrepio do prazo de caducidade de 6 meses fixado no n.º 1 do art.º 1410.º do CC;

24) Mesmo que assim não se entenda – o que apenas por cautela de patrocínio se concebe – o simples facto do decurso de tal período de tempo desde a alienação, bem como a ausência de qualquer reivindicação ou constrangimento em manter a relação arrendatícia com a ora Requerida, demonstra que a Requerente manteve a posição assumida de não exercer qualquer pretensão de aquisição do locado, tendo a Requerida se conformado com a mesma, consubstanciando a conduta da Requerente, abuso de Direito, nos termos e para os efeitos do art.º 334.º do CC;

25) Nesta sequência, privar a Requerida do uso e fruição da loja sua propriedade, em razão da falta de diligência objetivamente devida e absolutamente exequível, e até negligente, da Requerente, para o cumprimento da obrigação de entrega do locado não só padece de qualquer fundamento legal, como se mostra completamente desfasado da realidade conhecida nos presentes autos;

26) Nunca teve a Requerida intenção de cessar o contrato referido, tendo sido a própria Requerida, com a deturpação dos factos ocorridos vertidos no articulado que deu início à Ação principal, a qual consubstanciou a pretensão ilegítima do direito de preferência, quem deu causa à absoluta impossibilidade de manutenção da relação arrendatícia;

27) Quanto às comunicações da legal representante da Requerida à Requerente, foram as mesmas descritas e corroboradas pelos demais meios de prova, revelando as mesmas que a Requerida se recusou, perentoriamente, a receber os elementos essenciais na íntegra, tendo justificado tal posição com o facto de não ter dinheiro suficiente para a aquisição do imóvel – compatível e concludente com o contínuo incumprimento pontual do pagamento da renda de valor de € 212,00 (duzentos e doze euros);

28) Por tudo o exposto, mostra-se multiplamente fundamentada, excecionada e ilegítima a pretensa “expectativa de vir a adquirir a propriedade do imóvel em causa, por via da procedência da ação de preferência intentada”, sendo ilegítimo o exercício do direito do qual a Requerente/Recorrida se arroga, tanto nos presentes autos, como nos da ação principal, devendo não ser decretada a providência requerida;

29) Caso assim não se entenda, deve ser valorado o facto pelo qual se demonstrou ser o valor de renda média mensal a pagar por um locado com aquelas características entre os € 300,00 e os € 350,00 ser valorado no sentido de fixar em € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) a quantia a pagar mensalmente à Requerida, em razão do direito de uso e fruição do anterior locado.

30) Com a prolação do despacho do qual se recorre, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 334.º, 341.º, 342.º, n.º 1 e 1410.º, n.º 1 do CCiv, e artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 2, 362.º, n.º 1, 365.º, n.º 1, 368.º, n.º 1, 410.º, 411.º, 413.º, 417.º, n.º 1, 607.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 do CPCiv”.


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A Requerente apresentou-se a responder pugnando por que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto;
1.2- Da modificabilidade da decisão de facto:
1.2.1 - Dos critérios do julgamento a efetuar pelo Tribunal da Relação; e
1.2.2 - Das alterações ao decidido.
2ª- Da falta de preenchimento dos requisitos do procedimento cautelar não especificado.
3ª – Da responsabilidade tributária.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS SUMARIAMENTE PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados sumariamente provados pelo tribunal de primeira instância (transcrição):

1) Por documento escrito e assinado datado de 01 de junho de 2013, entre a requerente («segundo outorgante») e GG e AA («primeiras outorgantes») foi celebrado um acordo, que as partes designaram «CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO COM PRAZO CERTO», com o seguinte teor:

«No dia 1 de Junho de 2013 é celebrado, livremente e de boa fé e ao abrigo de preceituado nos artigos 1095° e sgs. do Código Civil na redação introduzida pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, o presente contrato entre:

PRIMEIRAS OUTORGANTES

GG, viúva, portadora do cartão cidadão nº ..., NIF. n° ..., na qualidade de Cabeça de Casal da Herança Indivisa de HH à qual foi atribuido o nº ... BB, divorciada, na qualidade de herdeira da mesma herança, portadora do cartão de cidadão n° ..., com o Nif.s n° ..., residentes na Av. ..., ... 2° Dto nascente, na qualidade de SENHORIAS

SEGUNDO OUTORGANTE,

AA, casadatitular do B.I n° ..., emitido em15/07/2004, pelo SIC de Lisboa, com o Nif. n° ..., residente na Rua ..., 4465- ..., na qualidade de ARRENDATÁRIO.

O qual se rege nos termos e pelas cláusulas seguintes:-

I As primeiras outorgantes são donas e legitimo possuidoras da fracção autónoma designada pela letra "B", correspondente a um estabelecimento comercial no R/c, com entrada pelo nº ..., do prédio sito na Rua ... nº ... a ... e Rua Vilarinho de Freires, n° 25, na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ... a fls 44v do livroB-....-

II Pelo presente contrato, as primeiras outorgantes dão de arrendamento ao segundo outorgante, que toma de arrendamento, a fracção autónoma identificada na clausula anterior.-

III O presente contrato é celebrado nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 1108° e 1110 do alterado pela Lei 6/2006, de 27/Fevereiro sendo COM PRAZO CERTO pelo período de cinco anos em 1 de Junho de 2013 e termo a 01 de Junho de 2018.-

IV Findo o prazo referido na cláusula anterior, o contrato renova-se automática e sucessivamente por períodos de um ano.-

V 1-A renda anual é de 2400,00 (dois mil e quatrocentos) euros.-

2-A renda em duodécimos de 200,00 (duzentos) euros cada, será paga mensalmente até ao dia 1 do mês anterior a que respeitar, e será paga por transferência bancária para a conta com NIB n° ... Banco 1....-

3-Nesta data será efectuado, pelo segundo outorgante, o pagamento de dois meses de renda no montante de 400 (quatrocentos) euros.-

3-As primeiras outorgantes deverão comunicar à segunda, mediante carta registada com aviso de enviar com a antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente a aplicar, bem como o valor da nova renda.-

VI

O local arrendado destina-se exclusivamente ao comércio e escritório e não poderá ser utilizado para nem sublocado, no todo ou em parte ou, por qualquer outra forma cedido gratuita ou onerosamente, consentimento escrito das primeiras outorgantes.-

[…]

XII

Dada a natureza temporária do presente contrato e à faculdade conferida por lei de a senhoria deduzir oposição à sua renovação no termo do-presente contrato ou em qualquer uma das suas renovações, esta deverá notificar a arrendatária para esse efeito com a antecedência de três meses, por carta registada com aviso de recepção.-

XIII

A Oposição à renovação efectuada pela senhoria não confere à arrendataria o direito a qualquer indemnização.

XIV

Em tudo quanto o presente contrato seja omisso rege a legislação em vigor. O presente contrato é composto por duas páginas que, após o lerem e por estarem expressamente de acordo com o nele previsto, vão rubricar e assinar.-»;

2) Por apresentação datada de 10 de agosto de 2020, foi inscrita no registo comercial a constituição da sociedade por quotas com a firma «A... LDA.», NIPC ..., sede na Rua ..., n.º ..., 2.º Esquerdo, e objeto «investimentos imobiliários; Administração de imóveis; Compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim; Prestação de serviço de designer e remodelagem; Prestação de consultoria a empresas e particulares, exceto a jurídica e a contabilística e de revisão oficial de contas. Consultoria em engenharia, reabilitação e construção civil.»;

3) No registo referido em 3), fez-se constar como sócios e gerentes da identificada sociedade BB e EE, cada um com uma quota de 500,00 €, obrigando-se aquela com a intervenção de um deles;

4) Por documento escrito e assinado datado de dia 29 de julho de 2021, entre AA e a sociedade identificada em 2) foi celebrado um acordo, que as partes designaram «TÍTULO DE COMPRA E VENDA», com o seguinte teor:

«A.1. Data do ato - Vinte e nove de julho de dois mil e vinte e um.

A.2. Local- Segunda Conservatória do Registo Predial da Maia.

A.3. Oficial público - II, Conservadora de Registos, em substituição.

B. IDENTIFICAÇÃO DOS INTERVENIENTES-

B.1. PRIMEIRO - PARTE VENDEDORA

BB, NIF ...natural da freguesia e concelho de Matosinhos, divorciada, titular do cartão de cidadão nº ... válido até 23-08-2022, residente no Caminho ..., ..., freguesia ..., concelho de Loulé.

B.2. SEGUNDO - PARTE COMPRADORA A..., LDA com sede na Rua ..., nº ..., 2º esquerdo, freguesia ... e ..., concelho de Matosinhos, com o capital social de mil euros, matriculada sob o número ..., que é simultaneamente o seu número de identificação fiscal, representada neste ato por:

BB, acima identificada, que intervém na qualidade de sócia gerente.

[…]

D. IDENTIFICAÇÃO DOS PRÉDIOS-

D.1ELEMENTOS DESCRITIVOS DOS PRÉDIOS

Prédio um

Natureza e Composição: Urbano - Fração autónoma designada pela letra "B" - Rua ...-Estabelecimento comercial, no rés-do-chão;

Situação: Rua ..., nºs ..., ..., .... e ... e Rua ..., nº ..., freguesia ..., ... e ..., concelho de Matosinhos;

Inscrição matricial: 8328;-

Valor patrimonial: €38.317,98 e valor atribuído de trinta e oito mil trezentos e vinte euros;-

D.2 SITUAÇÃO REGISTAL

Fração que faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o número ..., da freguesia ..., sobre a qual incidem os seguintes registos:---

- Constituição da Propriedade Horizontal - apresentação vinte e nove de vinte e oito de janeiro de mil novecentos e oitenta e três;

- Aquisição a favor de HH e GG, já falecidos - apresentação vinte e cinco de onze de outrubro de mil novecentos e oitenta e três;

[…]

E. COMPRA E VENDA

E.1. A PRIMEIRA interveniente, vende à SEGUNDA interveniente, sua representada, os prédios atrás identificados pelo preço global de CENTO E OITENTA E SETE MIL OITOCENTOS E CINCO MIL EUROS, que será pago da seguinte forma:-

E.2. MEIOS DE PAGAMENTO:

a) A quantia de €1.805,00 será paga em cinco prestações mensais, no valor de €361,00, cada, entre os dias 01 e 08, de cada um dos próximos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro, através de transferências bancárias do IBAN da sociedade ordenante ...-Banco 2..., S.A, a favor a IBAN da beneficiária - ...-Banco 3...;

b) A quantia de €186.000,00, será paga em cento e vinte e quatro prestações mensais, no valor de €1.500,00cada, entre os dias 01 e 08, de cada mês, a partir do mês de janeiro de 2022, através de transferências bancárias do IBAN da sociedade ordenante -  ...-Banco 2...S.A, a favor a IBAN da beneficiária -  ...-Banco 3...;-

E.3. OUTRAS CLÁUSULAS

a) As partes declaram que no negócio não houve intervenção de mediação imobiliária.

b) A PARTE VENDEDORA declara que os imóveis são vendidos livres de ónus ou encargos.

c) A PARTE VENDEDORA declara que os prédios fazem parte das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de HH (NIF ...) e GG (NIF ...) sendo dispensado o registo intermédio a seu favor, nos termos do artigo 35° do Código de Registo Predial.

d) A interveniente em nome da sociedade sua representada declara que a presente compra visa a prossecução do objeto social.

E.3. ACEITAÇÃO

As partes declaram aceitar o negócio nos termos exarados.-

[…]»;

5)  No dia 29 de julho de 2021, BB enviou um email à requerente com o assunto «Aditamento ao contrato de arrendamento» e com o seguinte teor:

«Boa tarde

Conforme conversa telefónica a nova proprietária do escritório que alugou é a empresa: A..., Lda com sede na Rua ... esq. Matosinhos, a partir do dia 1 de Agosto.

A empresa é minha e do meu filho: EE, sendo eu gerente da mesma. Sendo assim, a partir dessa data, os recibos serão por esta empresa emitidos e a renda será paga no seu NIB:  ...

O contrato mantém-se mas agora com novo proprietário.

Cumprimentos.»;

6) No dia 27/10/2022 deu entrada neste Juízo Local Cível uma ação de processo comum intentada pela aqui requerente contra BB e a sociedade «A... LDA.» (aqui requerida) na qual aquela formulou o seguinte pedido:
«Termos em que e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá:
a) -Ser considerado procedente por provado o Direito de Preferência da Autora na transmissão, sob qualquer forma contratual do imóvel referente à fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial no r/c com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., n.º ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., a fls. 44vº do livro ...;
b) Deverá a Autora ser notificada para preferir no contrato celebrado entre as Rés nos mesmos termos que ali se encontram descritos;
c) Ser decretado o cancelamento de quaisquer registos a favor da Segunda Ré no tocante ao imóvel referente à fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial no r/c com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., n.º ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., a fls. 44vº do livro ...;
d) Ser decretado o registo da presente ação na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos no tocante ao imóvel acima descrito;
e) Que as rendas pagas pela Autora desde a celebração do contrato de transmissão e as que se forem vencendo até decisão dos presentes autos transitada em julgado, sejam deduzidas ao depósito do preço efetuado.»;

7) No dia 01 de fevereiro de 2023, a requerente recebeu uma carta registada com aviso de receção registo remetida pela sociedade requerida com o seguinte teor:

«Assunto: oposição à renovação do contrato de arrendamento outorgado no dia de Junho de 2013 relativo à fração ... imóvel sito à Rua ... nº ..., r/c, freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ....

Exma. Senhora,

Serve a presente para comunicar que nos opomos à renovação do contrato arrendamento ora celebrado e que teve o seu início no dia 01 de Junho de 2013 o qual terminará no próximo dia 31 de Maio de 2023.

Assim sendo, queria V. Exa. informar hora da sua conveniência para, no próximo dia de Maio, efetuar a entrega das chaves do imóvel bem como para procedermos à visto do mesmo.

Com os meus cumprimentos,

A gerência»;

8) A requerente utiliza o imóvel objeto do acordo referido em 1) no exercício da sua atividade profissional, aí tendo instalado um escritório em que presta serviços de contabilidade e fiscalidade, tanto a empresas como a pessoas singulares;

9) Caso a requerente tenha que abandonar a referida fração, terá que transferir o seu negócio para outro local[1], procurando um outro espaço adequado para o efeito e para aí transportando todos os seus instrumentos de trabalho, nomeadamente equipamentos tecnológicos e arquivo documental;

10) Os prazos para entrega de declarações tributárias e cumprimento de outras obrigações fiscais pelos contribuintes correm e terminam no período compreendido entre abril e julho de cada ano, crescendo, nesse intervalo, o volume de trabalho da requerente;

11) Uma vez desocupada a fração em causa pela requerente, é intenção da requerida dá-la de arrendamento a outrem.


*

2.  FACTOS NÃO SUMARIAMENTE PROVADOS

Considerou o Tribunal de primeira instância não sumariamente provados os seguintes factos:

a) A requerente sempre teve conhecimento da realização do negócio referido em 4) e das condições do mesmo, bem sabendo que se tratava da mera transferência do património pessoal de BB, sócia e gerente da sociedade requerida, para a esfera jurídica desta;

b) O valor de mercado para tomar de arrendamento um imóvel com características semelhantes ao que é objeto do acordo referido em 1) é superior a 500,00 € (quinhentos euros).


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º.  Da impugnação da decisão de facto

1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto
Cumpre decidir da impugnação da decisão de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito. Antes, porém, cabe analisar a questão, de conhecimento oficioso, da observância dos ónus, para tanto, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto (questão adjetiva, prévia à análise da apreciação de mérito da impugnação). Encontram-se tais ónus enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório e constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação. Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º), e o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, verificando-se, no caso, que cumpriu a apelante os ónus, que lhe estão cometidos pelo nº1, do referido artigo 640º, pois que especificou, nas conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, os concretos pontos de facto considera incorretamente julgados (al. a)) e deu, também, nas alegações (podendo fazê-lo no seu corpo), cumprimento aos demais ónus impostos, pacífico vindo a ser, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos, apenas, no corpo das alegações[2]. Assim sendo, manifesto é que a Recorrente cumpriu aqueles ónus, ao indicar, nas conclusões do Recurso, que apresentou, a matéria de facto que pretendia impugnar, como se pode verificar de uma leitura das conclusões, supra citadas, mostrando-se os demais ónus, também, observados nas alegações oferecidas. Com efeito, apresentou a Autora alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrados no nº 1, do artigo 639º, e deu cumprimento aos ónus impostos pelo nº1 e 2, do artigo 640.º, referindo os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (e tal é efetuado nas conclusões, assim delimitado estando o âmbito do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto), indicando elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados (prova testemunhal produzida e documentos juntos) e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e exarando, ainda, passagens da gravação, preenchidos se mostrando os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, os requisitos habilitadores a tal conhecimento. Tem de se entender que a Recorrente, ao cumprir esses ónus, circunscreveu o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, sendo, por isso, de apreciar, o recurso, na vertente de mérito, da  impugnação.


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1.2. Do mérito da impugnação da decisão de facto / modificabilidade de tal decisão:

1.2.1. Critérios do julgamento (âmbito da apreciação e autonomia decisória).
Antes de entrarmos na decisão de mérito da impugnação, vejamos os parâmetros e balizas do julgamento a efetuar por este tribunal.
Havendo impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação pode alterar a decisão, nesta vertente, de facto, a:
i) padecer a mesma de determinadas patologias (podendo elas corresponder a erros de apreciação ou de julgamento ou a outros erros, também estes, lato senso, de julgamento, como seja caso a envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art. 5º e situações de se não estar perante relevante matéria de facto e questões de facto);
ii) formar diversa convicção sobre a matéria fáctica impugnada. 
Em matéria de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, para o caso de erro, estatui o nº1, do art. 662º, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto: “… se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, podendo, como referido, ainda, a decisão da matéria de facto sofrer alterações (para além das situações de erro) no caso de divergência na apreciação probatória, sendo que, “dentro dos limites definidos pelo recorrente, a Relação goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais. Ou seja, (…) a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão (cf. Abrantes Geraldes, ob. cit. , pp. 288-293)”.[3].
Os objetivos visados pelo legislador com o duplo grau de jurisdição em matéria de facto “designadamente quando esteja em causa decisão assente em meios de prova oralmente produzidos, determinam o seguinte: reapreciação dos meios de prova especificados pelo recorrente, através da audição das gravações (…); conjugação desses meios de prova com outros indicados pelo recorrido ou que se mostrem acessíveis, por constarem dos autos ou da gravação; (…) formação de convicção própria  e autónoma quanto à matéria de facto impugnada, introduzindo na decisão da matéria de facto que se considere erradamente julgada as modificações que forem consideradas pertinentes (cf. STJ 14-5-15, 260/70, STJ 29-10-13, 298/07, STJ 14-2-12, 6823/09 e STJ 16-12-10, 170/06). Cf. ainda Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, pp. 187-189, no sentido de que a Relação pode fazer uso de presunções judiciais que o Tribunal de 1ª instância não utilizou, bem como que alterar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida com base em presunções judiciais”[4].    
Deste modo, “a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o Tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levaram a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância[5], sendo que “a Relação goza dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607º, nº5, e a que especificamente se alude no arts. 349º (presunções judiciais), 351º (reconhecimento não confessório), 376º, nº3 (certos documentos), 391º (prova pericial) e 396º (prova testemunhal), todos do CC, bem assim nos arts. 466º, nº3 (declarações de parte) e 494º, nº2 (verificações não qualificadas) do CPC”[6].
Cumpre referir que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve obedecer ao seguinte: i) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições); ii) sobre essa matéria, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento; iii) nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). E dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, como verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, e, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas se distinguindo dele quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Devido a estes fatores, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, tem de ser efetuado na consideração de a convicção do julgador em 1ª Instância ter sido construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade, fatores estes que, muitas vezes, se revelam de grande valia para dar mais relevo a um depoimento do que a outro.
Assim, a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a julgamento de facto não subverte o, vigente, princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC), que está atribuído quer ao tribunal da 1ª instância quer ao Tribunal de recurso, sendo que, contudo, na formação da convicção do julgador podem intervir elementos que escapam à gravação e, para a valoração de um depoimento são de grande relevo elementos que só a imediação e a oralidade trazem. Neste sistema, da livre apreciação da prova, o julgador goza do poder de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base, apenas, no juízo adquirido no processo, bastando-lhe indicar, objetivamente, fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção[7]. A lei determina a exigência dessa objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4), sendo, contudo, esta, livre. E o princípio da livre apreciação de provas encontra-se conexionado, em termos lógicos, com os princípios da imediação, da oralidade e da concentração das provas sendo da conjugação de todos eles que, depois de toda a prova produzida decorrem as conclusões a que o julgador chega, em conformidade com todas as impressões geradas no seu espírito, de acordo com as regras da normalidade, da experiência e da ciência[8].
E, como vimos, na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância, revisitando as provas produzidas, procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição nessa vertente da decisão - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, impondo-se, assim, ao Tribunal da Relação, que analise criticamente as provas indicadas pelo impugnante, como fundamento da impugnação (sejam elas as declarações de parte/depoimento de parte não confessório, a testemunhal, a documental, a pericial ou outra, de livre apreciação, conjugando-as entre si,  e contextualizando-as, se necessário, no âmbito da, demais, prova produzida, de modo a formar a sua autónoma convicção, que não pode deixar de ser fundamentada.
Ao Tribunal da Relação competirá apurar, no confronto das provas, da falta de razoabilidade da convicção formada pelo julgador. E, como vimos, norteando-se o julgamento pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, que continuam vigorantes no nosso direito adjetivo, e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve ser atuado sempre que diversa convicção forme, nos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[9], devendo ser usado quando se possa concluir, de modo fundado e seguro, por outra convicção relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Assim, deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação a, após audição da prova gravada e da reanálise de toda a prova convocada para a decisão dos concretos pontos impugnados, concluir, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova, apontarem para direção diversa e justificarem, objetivamente, outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, quanto ao seu valor e à credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova pelo Tribunal da Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. Por estas razões, está, muitas vezes, em melhor situação o julgador de primeira instância, relativamente ao da Relação, para apreciar os depoimentos prestados, uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos (pese embora devam, se de relevo, ser sempre esclarecidos na decisão de facto).
E cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação com os demais, sendo que o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida, pelo que toda ela tem de ser revisitada e sopesada.

Ponderando os critérios e balizas que deverão conduzir o julgamento da Relação, os argumentos apresentados pela apelante e, ainda, os da parte contrária e debruçando-nos sobre a parte da sentença onde vem motivada a decisão de facto, entendemos não se justificar alterar a decisão de facto pelas razões que se passam a expor.


*
1.2.2 - Das alterações ao decidido pelo tribunal de primeira instância.

Revisitada a prova, adianta-se não ser a prova produzida, a indicada pela apelante e toda a restante, suficiente para dar uma resposta diversa aos factos impugnados e não poder deixar de se considerar que bem decidiu o Tribunal a quo a matéria que, agora, vem impugnada, não podendo, por isso, a impugnação da decisão de facto deixar de improceder.
Analisemos.
Impugna a Requerida a decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida pretendendo que:

i)- do facto constante do ponto 9)[10], considerado indiciariamente provado, seja removido “terá que transferir o seu negócio para outro local, procurando um outro espaço adequado para o efeito e para aí”  e passe tal ponto a ter a seguinte redação: “Caso a requerente tenha que abandonar a referida fração, terá que transportar todos os seus instrumentos de trabalho, nomeadamente equipamentos tecnológicos e arquivo documental”, impondo essa alteração o depoimento da Requerente e os depoimentos das testemunhas CC e DD.

ii)- o facto considerado não provado na alínea a)[11] seja eliminado do elenco dos factos indiciariamente não provados e substituído pelos seguintes factos, a aditar ao elenco dos factos indiciariamente provados: -“BB, sócia e gerente da sociedade requerida, comunicou à requerente, em março de dois mil e vinte, a intenção de negócio pelo qual operasse a transferência do património pessoal para a gerência do seu filho, sócio gerente da requerida”; e - “Aquando da constituição da Requerida, a representante BB, comunicou a intenção da realização do negócio pelo qual transmitiria património da própria para a sociedade, para que fosse gerido pelo filho, sócio gerente da Requerida, através do negócio referido em 4), tendo a Requerente recusado perentoriamente a eventual aquisição do locado”, impondo tal alteração o doc. 2 junto com a PI nos autos principais, o depoimento da Requerente, as declarações da representante legal da requerida, BB e o depoimento do legal representante da requerida, EE, e, ainda, o depoimento da testemunha FF.

iii)-  o facto Apesar do historial de incumprimento pontual das obrigações da Requerente, ambos os representantes legais da Requerida interpelaram a Requerente para o cumprimento pontual das mesmas, com vista à manutenção da relação arrendatícia” seja aditado ao elenco dos factos sumariamente provados. Sustenta que não foi valorada a demonstração dos constantes incumprimentos de pagamento da renda, prévios ao presente litígio, nem o facto de que ambos os representantes legais da Requerida terem interpelado a Requerente para o cumprimento pontual do contrato de arrendamento, com vista à manutenção da relação arrendatícia, mas que  as declarações da representante legal da requerida, BB, declarações do representante legal da Requerida, EE e depoimento da testemunha FF impõem que seja julgado indiciariamente provado.

iv)-  o facto O locado insere-se numa zona comercial com várias lojas similares ao locado, a cerca de quatrocentos metros da residência da Requerente, com maior acessibilidade que o locado, nas quais se pratica o valor médio de renda mensal entre os trezentos e os trezentos e cinquenta euros”, seja aditado ao elenco dos factos sumariamente provados, pois não foi valorada a demonstração do valor médio do preço praticado nas lojas da área comercial na qual o antigo locado se insere e tal valor foi avançado pelas testemunhas da Requerente, CC e DD.
Cumpre apreciar das pretendidas alterações aos factos indiciariamente provados constantes do ponto 9 e aos factos não provados constantes da al. a) dos factos não indiciariamente provados e, ainda, dos, solicitados, aditamentos aos factos indiciariamente provados.
Conhecendo.
Julgou o Tribunal a quo indiciariamente provado que: Caso a requerente tenha que abandonar a referida fração, terá que transferir o seu negócio para outro local, procurando um outro espaço adequado para o efeito e para aí transportando todos os seus instrumentos de trabalho, nomeadamente equipamentos tecnológicos e arquivo documental”,
fundamentando ter tal sido considerado sumariamente provado com base nas declarações da requerente e no depoimento da testemunha DD, irmã da requerente e colaboradora no escritório desta, que descreveram, de forma coerente e detalhada, as funções por ambas desempenhadas, os clientes que recorrem aos seus serviços, os meios de que dispõem e as dificuldades advenientes da circunstância de terem de abandonar o imóvel em que se encontra instalado o estabelecimento que a requerente explora e que tais factos são, mesmo de conhecimento geral, principalmente entre quem trabalha em áreas ligadas à contabilidade ou ao Direito, e consonantes com as regras de experiência comum, sendo, efetivamente credível e convincente o depoimento da testemunha DD, que corroborou as declarações da requerente.
Com efeito, quer a requerente quer a testemunha DD, ambas contabilistas a exercer funções no local em causa nos autos, bem explicaram que assim sucede e o transtorno e a gravidade das consequências de terem de deixar o espaço que foi o locado (a implicar a, necessária, mudança do escritório para um outro local), quer por terem de proceder à mudança de todo o arquivo documental do gabinete de contabilidade e restante material, como computadores, quer por a referida mudança implicar, para além de transtornos, com a deslocação de bens, efetiva perda de clientes e, por isso, custos e prejuízos. Também a testemunha CC, marido da requerente, mostrou conhecer o trabalho que é desenvolvido no escritório de contabilidade em causa e o que lá existe e explicou o grande prejuízo e transtorno que a requerente teria se tivesse de retirar do sítio, arrendado há cerca de dez anos, todo o arquivo e demais material e o que a saída, a implicar mudança de local do gabinete de contabilidade, representaria em termos de tempo, custos e de perda de clientes. Nenhuma alteração cabe introduzir ao referido ponto que, na verdade, bem foi esclarecido pelas declarações da requerente e pelo depoimento das suas testemunhas DD e CC, bem tendo o tribunal a quo fundado a sua convicção, que também é a nossa, o que é consentâneo com a normalidade e as regras da experiência comum.

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Considerou o Tribunal a quo não indiciariamente provado que “A requerente sempre teve conhecimento da realização do negócio referido em 4) e das condições do mesmo, bem sabendo que se tratava da mera transferência do património pessoal de BB, sócia e gerente da sociedade requerida, para a esfera jurídica desta”,
 fundando tal decisão no seguinte: “insuficiência da prova produzida para o corroborar. Sobre tal matéria, as partes expõem versões perfeitamente antagónicas.

Por um lado, a requerente afirma nunca lhe haver sido comunicada a intenção de celebrar qualquer negócio relativamente ao imóvel que neste momento se lhe encontra arrendado, muito menos os seus termos e condições.

Por oposição, os representantes da requerida referem ter comunicado verbalmente à requerente tal intenção, que desde logo lhes terá transmitido não ter interesse em adquirir o imóvel, por incapacidade económica. Admitiram, contudo, que não chegaram a comunicar à requerente as condições de venda da fração em causa, nomeadamente o preço, justificando tal facto com a alegada perentória manifestação de falta de interesse daquela.

Diga-se, a breve trecho, que a nenhum dos referidos meios probatórios se conferiu a credibilidade necessária para formar uma convicção segura quanto à verificação ou não verificação do referido facto. Com efeito, nenhum dos mencionados depoimentos se mostrou propriamente isento…” (negrito nosso).

Também não ficou este Tribunal convencido de que tenha sido comunicado à requerente qualquer intenção de realização de específico e concreto negócio de transferência/venda do património pessoal de BB e, na falta de prova credível e convincente, tem a decisão do tribunal a quo de ser mantida por este Tribunal, por ser essa, também, a nossa autónoma convicção, nenhuma prova, suficientemente credível e convincente, tendo sido produzida que permita resposta diversa.


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Quanto à matéria pretendida aditar aos factos indiciariamente provados relativa a atrasos no pagamento de rendas e interpelações, levadas a cabo por ambos os representantes legais da Requerida, para o cumprimento pontual da Requerente, com vista à manutenção da relação arrendatícia, tal nenhuma relevância tem para a decisão do presente procedimento, não se prendendo com matéria que possa conduzir à recusa da providência solicitada, já que a mesma não é suscetível de impedir, modificar ou extinguir o direito da requerente da providência, sendo absolutamente inócua e, por isso, inútil o aditamento, a indeferir o pretendido, dada a proibição da prática de atos inúteis (art. 130º, do CPC).

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E nunca poderia ser aditado aos factos indiciariamente provados que o locado se insere numa zona comercial com várias lojas similares ao locado, a cerca de quatrocentos metros da residência da Requerente, com maior acessibilidade que o locado, nas quais se pratica o valor médio de renda mensal entre os trezentos e os trezentos e cinquenta euros, pois que, como bem refere o Tribunal a quo, se verifica falta de prova. Na verdade, ocorre, como refere o Tribunal de 1ª instância, “ausência de matéria factual alegada a esse respeito bem como de elementos probatórios adequados e suficientes para formar um juízo de convicção minimamente seguro quanto à sua correspondência à verdade. Com efeito, ficou desde logo por alegar e apurar as características do imóvel em causa, por forma a que se pudesse aquilatar os valores de mercado das rendas cobradas pelo gozo de imóveis semelhantes. Neste ponto, resumiu-se a requerida a alegar que a renda nunca deveria ser inferior a 500,00 € e, em sede de declarações de parte, a afirmar que efetuou pesquisas num sítio de internet de referência, sem que circunstanciasse minimamente os pressupostos em que assentou tal pesquisa”.

Desconhece-se, pois, da existência de lojas similares e de valores de rendas praticados por lojas similares, sendo, até, tal conclusivo.
As declarações de parte da Requerida e depoimento de parte não confessório da mesma, porque interessados e, por conseguinte, pela normalidade, não isentas não mostram, como regra, aptidão para fundamentar a prova da versão dos factos apresentada pela própria declarante em seu benefício, sem que tais declarações ou depoimento sejam corroborados por outros elementos de prova.

O artigo 466º, consagra um “direito potestativo de natureza processual conferido a qualquer das partes, permitindo-lhe oferecer-se para prestar declarações[12], de livre apreciação pelo Tribunal.

Na verdade, quanto “à livre valoração das declarações de parte, a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo três posições essenciais: tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos, tese do princípio de prova e tese da autossuficiência ou valor autónomo das declarações de parte. Segundo a primeira, as declarações de parte têm uma natureza essencialmente supletiva, sendo insuficientes para fundamentar, por si só, um juízo de prova, salvo nos casos de prova única, em que inexiste outra prova. A tese do princípio de prova propugna que as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo apenas coadjuvantes da prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova, ou seja, as declarações de parte terão de ser corroboradas por outros meios de prova (RP 23-4-18, 482/17 e RP 20/11/14, 1878/11). Para a terceira tese, as declarações de parte, pese embora a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo”[13].

Explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa os argumentos da escolha por esta última solução, que entendem ajustada, indicando:

“a) Paridade face a outros meios de prova de livre apreciação com base nos quais pode ser considerado provado o facto (art. 607º, nº5), e necessidade de o juiz expor os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (nº4 do mesmo artigo);

b) O interesse da parte na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada, sendo a diferença apenas de grau;

c) A parte é quem, em regra, tem melhor razão de ciência; o nº3 do art. 466º não degrada o valor probatório das declarações de parte;

d) Simetricamente, no processo penal, as declarações do assistente e das partes civis podem, por si só, sustentar a convicção do tribunal;

e) Há que valorar em primeiro lugar as declarações de parte e só depois a pessoa do depoente, porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e só depois a declaração) implica prejulgar as declarações de parte e incorrer no viés confirmatório”[14].

 A jurisprudência vem atribuindo às declarações de parte valor de livre apreciação, o que aconteceu designadamente no Ac. da Relação de Guimarães de 1/2/2018, proc. 103509/16.4YIPRT.G1, em que a ora relatora foi adjunta, onde se escreve (citando-se as respetivas notas no local próprio para melhor perceção) “Na verdade, no que respeita ao valor probatório do depoimento e das declarações de parte sem valor confessório mas utilizado em benefício do próprio depoente ou declarante, embora se reconheça que esse elemento probatório fica sujeito à livre apreciação do tribunal, desde cedo a jurisprudência vem alertando para a necessidade de serem adotadas especiais cautelas nessa valoração favorável, uma vez que esses depoimentos ou declarações são sempre parciais, não isentos, em que quem os produz tem manifesto interesse na ação e, por isso, embora possam ajudar a suportar a formação do convencimento do julgador, esse convencimento nunca poderá assentar, única e exclusivamente, nesses depoimentos ou declarações, mas apenas quando conjugados com outros elementos de prova que os corroborem[15].

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, que entendeu que “a confissão (…) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor[16].

No mesmo sentido se pronunciam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[17], ao escreverem que “a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.

Também Carolina Henriques Martins[18] assinala que “…não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado”.

Significa isto, que as declarações de parte da legal representante da apelante nunca poderão de per si servir de fundamento probatório à matéria que aquela apelante pretende seja julgada como provada.

Essas declarações podem apenas servir de início de prova, ou seja, podem servir de fundamento à prova dos factos declarados por aquela legal representante da apelante e que redundam em benefício da própria apelante, desde que corroboradas por outros elementos de prova que as corroborem, elementos de prova esses que, contudo, inexistem”.

Pese embora nos inclinemos mais para a posição seguida por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa e, efetivamente, aberta aos supra referidos argumentos, considere que as declarações de parte, não obstante a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo, livremente apreciável pelo juiz, no caso concreto as declarações de parte e depoimento não confessório da requerida não foram completamente espontâneas, antes tendenciosas e interessadas, tendo a parte absoluto interesse em fazer valer a posição que assumiu no processo, o que transpareceu das suas declarações/depoimento.

Com efeito, as declarações de parte da Requerida, e depoimento de parte não confessório, não convincentes, não são isentas bem resultando serem interessadas ao desfecho do procedimento favorável à requerida.

E nada resulta que permita fundamentar qualquer resposta positiva aos factos impugnados, dados como indiciariamente não provados pelo Tribunal de 1ª instância, como bem transparece da análise de toda a prova produzida. A requerente, nas suas declarações de parte, e as testemunhas da requerente não o afirmaram, antes o negaram, e, também, o não afirmou a testemunha da requerida, que bem revelou não o saber, a nada tendo assistido, e não havendo prova documental ou outra suscetível de fundamentar, com segurança, uma resposta positiva, bem tendo sido considerado não provado que a requerente tenha tido conhecimento da realização do negócio referido em 4) e das condições do mesmo e que soubesse que se tratava da mera transferência do património pessoal de BB, sócia e gerente da sociedade requerida, para a esfera jurídica desta e o valor de mercado para tomar de arrendamento um imóvel com características semelhantes ao que é objeto do acordo referido em 1).
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, integralmente revisitada a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe o erro de julgamento que a recorrente aponta, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.

Efetuou este Tribunal a análise da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida nos termos que bem refere.
 Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência, bem tendo, por falta de prova, a matéria em causa, sido julgada não provada.
Tendo a convicção do julgador para as respostas negativas, apoio nos ditos meios de prova produzidos e na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo e genérico da Apelante, fundado nas suas declarações de parte e no seu depoimento de parte não confessório.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), que também é, como vimos, a nossa, havendo concordância entre a apreciação probatória do Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Não estamos perante erro de julgamento, mas, sim, ante livre convicção do julgador de 1ª instância que, também, é a nossa.

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Improcede, pois, na totalidade, o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto.

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2º - Do erro da decisão de mérito: do não preenchimento dos requisitos consagrados para o procedimento cautelar comum.

Insurge-se a apelante contra a decisão que, no âmbito de procedimento cautelar comum, decretou o direito de a requerente usar e fruir da fração referida nos autos, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal, aí podendo exercer a sua profissão, em contrapartida do pagamento, à requerida, da quantia mensal de 212,00€.
Procedimentos cautelares são instrumentos processuais dirigidos à obtenção de uma providência ou medida para acautelar a eficácia de uma decisão judicial (sendo a vertente adjetiva das medidas cautelares, estas tendentes à obtenção da satisfação da pretensão de direito material solicitada, da providência tida como necessária para acautelar o direito material a definir na ação principal).
Destinam-se a assegurar o direito à efetiva tutela jurisdicional evitando danos que possam advir da demora da decisão da ação principal, sendo, pois, instrumentos de eficácia do processo principal, a que se recorre quando a regulação dos interesses não pode aguardar pela decisão definitiva, mostrando-se necessária, para assegurar a utilidade da decisão final e a efetividade da tutela jurisdicional, uma composição provisória do litígio.
O processo cautelar é o instrumento de preservação do fim do processo – tutela jurisdicional cautelar do caso concreto. É “…na expressiva síntese de CALAMANDREI, “garantia da garantia”, caracterizando-se a sua natureza por uma dupla instrumentalidade”, tendo por fim a proteção da garantia, isto é, através da sua garantia, do seu fruto (a providência cautelar), garantir a produção do efeito útil final – a decisão da ação principal[19].
Permite assegurar a validade e eficácia da decisão através da adoção de medidas (providências) que atuam ao nível da realidade prática por forma a preservar, a acautelar, o efeito útil a produzir pela ação principal. A decisão cautelar não traduz, em regra[20], uma  antecipação da decisão principal, embora possa, conduzir à produção de alguns dos efeitos próprios desta. Antes tem uma natureza preventiva, pois visa acautelar e prevenir que, no período que decorre entre o momento em que a providência é proposta e aquele em que a decisão da ação principal produz efeitos, não ocorra situação que inviabilize a utilidade da mesma.
A reger os procedimentos cautelares temos o princípio da legalidade, consagrando a lei um comum, de aplicação subsidiária.
O procedimento cautelar comum tem como requisitos:
- Não estar a providência a obter abrangida por qualquer procedimento cautelar especificado, acima referido (nº 3, do art. 362º), sendo este procedimento destinado a fazer face a situações de “periculum in mora” não especialmente acauteladas através dos procedimentos cautelares especificados na lei (prevenidas no Capítulo II ou em legislação avulsa), sendo uma “verdadeira ação cautelar geral”;
- A existência de um direito (satisfazendo-se a lei com a emissão de um juízo de probabilidade ou verosimilhança, mas exigindo que tal probabilidade seja forte, pois consagra (nº 1, do art. 368º) que “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito…” (fumus boni iuris);
- O atual e fundado ou sério receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora) - (nº 1, do art. 362º e nº 1 do art. 368º);
- A adequação da providência solicitada a evitar a lesão e a assegurar a efetividade do direito ameaçado (parte final do nº 1, do art. 362º);
- Não resultar da providência prejuízo consideravelmente superior ao dano que ela visa evitar, pois, conforme estabelece o nº 2, do art. 368º, a providência deve ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
Dentro dos procedimentos cautelares regulados no Código de Processo Civil, as providências cautelares não especificadas surgem como um procedimento cautelar subsidiário, só aplicável quando o caso se não subsumir a qualquer outro. Só pode recorrer-se ao procedimento cautelar comum quando a situação de “periculum in mora” não esteja especialmente tutelada por medida prevista nos procedimentos cautelares típicos nem por medida prevista em legislação avulsa. A subsidiariedade pressupõe que não haja nenhuma providência nominada que abstratamente seja aplicável[21]. Consagra-se “a vigência de uma “cláusula geral” em sede de justiça cautelar, implicando a atribuição às partes de um poder genérico de requerer as medidas cautelares mais adequadas à garantia da efectividade de todo e qualquer direito ameaçado, com o consequente poder-dever do juiz de decretar a providência concretamente mais adequada à prevenção do risco de lesão invocado”[22].
Destinam-se a tutelar o efeito da ação, a assegurar o direito à efetiva tutela jurisdicional, isto é, a garantir o efeito útil da ação principal que vai regular definitivamente o direito.
O nº1, do art. 362º, consagra, que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
E o nº 1, do artigo 364º, que “Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva”.
Todos os procedimentos cautelares, salvo decretação da inversão do contencioso, estão numa relação de dependência perante uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado, pois que visa acautelar os efeitos da decisão definitiva favorável a proferir no processo principal.
A providência pode ser conservatória ou antecipatória. Por providência conservatória entende-se aquela que visa manter inalterada a situação, de facto ou de direito, existente, evitando alterações prejudiciais[23]. Por providência antecipatória entende-se aquela que antecipa a decisão ou uma providência executiva futura, sem prejuízo de, no primeiro caso, poder também antecipar, de outro modo, a realização do direito acautelado[24]. Existe, pois, dependência do procedimento cautelar, expressa através da identidade entre o direito ou interesse acautelado e aquele que se faz valer na ação. A causa de pedir do procedimento e a da ação coincidem, ao menos em parte, sendo que, por definição, não coincide, normalmente, o pedido formulado. Os procedimentos cautelares, pela sua própria natureza, visam, apenas, uma solução provisória, tendente a evitar prejuízos que a demora da resolução da ação principal pode ocasionar ao requerente.
Os requisitos de procedência de uma ação cautelar analisam-se na reunião de três condições: fumus boni iuris, periculum in mora e princípio da proporcionalidade, sendo que os dois primeiros permitem aferir da necessidade de decretamento da medida cautelar e o último da adequação ao fim que se propõe obter.
Analisemos os referidos requisitos:
 1º- O requisito do fumus boni iuris “torna a concessão de uma providência cautelar dependente da possibilidade de se discernir a aparência de titularidade de bom direito por parte do requerente. Visando o processo cautelar salvaguardar o efeito útil de um processo principal, importa indagar se este efeito útil se revela susceptível de vir a ser produzido, sob pena de, vindo a concluir-se em sentido negativo, passar a carecer de justificação a concessão da providência cautelar requerida.
O pressuposto em causa constitui, nesta medida, reflexo da natureza duplamente instrumental do processo cautelar (aqui se revelando a segunda dimensão da instrumentalidade), da natureza hipotética dessa instrumentalidade e da recíproca relação de dependência entre processo principal e processo cautelar. (…) Incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da ação principal (…) a perfunctoriedade da análise e do grau de convencimento respeita aos factos correspondentes à titularidade do direito, considerando-se suficiente que se gere no tribunal a convicção, não de que o requerente é titular do direito que invoca, mas de que é verosímil ou altamente provável que assim venha a ser declarado, pelo que importará que, quanto a este requisito, assim atenuado (por respeitar à aparência de titularidade do direito e não à efetiva titularidade do direito), se forme no espírito do julgador o grau de certeza especial, que permite a pronúncia no sentido de que os factos que lhe estão associados se consideram provados”[25].
2º - O requisito do periculum in mora “corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária da probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar (…). O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto.
Tratar-se-à, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto). (…) Importa que o julgador se convença de que existe perigo, isto é, que considere provados factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que torna altamente possível a ocorrência de um dano futuro.
Dir-se-ia que no espírito do julgador não deve remanescer qualquer dúvida razoável relativamente à verosimilhança do futuro dano. O mesmo é dizer que o decretamento da providência cautelar deverá pressupor que o juiz fique especialmente convencido da existência de perigo formulando, embora, um juízo de mera verosimilhança quanto à ocorrência futura de dano”[26].
3º- O requisito do princípio da proporcionalidade demanda “avaliar se a medida requerida é adequada à prossecução do fim cujo alcance se visa e, na hipótese afirmativa, se é a mais adequada.
Concluindo-se em sentido negativo, poderá, ainda assim, o decisor conceder uma outra providência que não a requerida.
Tudo por forma a (atenta a natureza puramente hipotética – e, portanto, incerta do direito invocado) assegurar a tutela dos alegados interesses do requerente, mediante a mínima ingerência possível na esfera jurídica do requerido.
Na hipótese de se concluir estarem verificados todos os mencionados pressupostos, cumprirá indagar se a medida a decretar se revela proporcional, o que se aferirá sopesando os prejuízos que resultariam, para o requerente, da não concessão da providência cautelar e as desvantagens que decorreriam, para o requerido, da concessão da providência cautelar, sendo que a medida não será decretada se este último prejuízo for consideravelmente superior ao primeiro”[27].
Cumpre, pois, analisar, no confronto dos factos sumariamente provados, se se encontram não demonstrados os factos constitutivos do direito alegado e, como tal, se a decisão de mérito do procedimento cautelar deve ser alterada e a providência solicitada não decretada.
Vejamos a fundamentação da decisão recorrida, ressaltando, desde logo, que considerou o Tribunal a quo verificados os requisitos quer do fumus boni iuris quer do periculum in mora, quer os demais enunciados, bem referindo:
i) Quanto ao primeiro requisito referido (fumus boni iuris):
 “resulta que entre a requerente e AA foi celebrado um contrato de arrendamento urbano com fim não habitacional (cfr. arts. 405.º e 1022.º, 1023.º, 1064.º, 1067.º do Código Civil), cuja validade se não discute.

Resulta ainda que, na vigência do referido contrato de arrendamento, a senhoria celebrou um contrato translativo da propriedade do locado, vendendo-o à sociedade requerida.

Ora, dispõe o art. 1091.º n.º 1, al. a) do Código Civil que «[o] arrendatário tem direito de preferência [n]a compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos […]». O direito de preferência consagrado na norma vinda de citar encontra-se ainda sujeito ao regime geral desta figura, previsto nos arts. 416.º a 418.º do Código Civil.

Assim, impõe-se àquele que pretende vender uma coisa sobre a aquisição da qual outrem é titular de um direito de preferência que comunique a este «o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato» (cfr. art. 416.º n.º 1 do Código Civil). No que respeita concretamente ao direito de preferência dos arrendatários de prédios urbanos com fim não habitacional, a referida comunicação deve ser «expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção» (cfr. art. 1091.º nº 4 do Código Civil.

Atenta a matéria factual considerada indiciariamente provada e não provada, forçoso é concluir que o imóvel em causa estava arrendado à requerente há mais de dois anos e que a senhoria - à data - vendeu o imóvel locado a terceiros sem comunicar à requerente «o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato».

Assim, pelo menos aparentemente, a requerente era titular de um direito de preferência cujo exercício lhe foi vedado, atenta a não comunicação, formal e substancialmente válida e eficaz, da intenção de vender o locado por parte da proprietária.

Intentou, pois, a aqui requerente uma ação de preferência, prevista e regulada no art. 1410.º do Código Civil (aplicável por via do disposto no art. 1091.º n.º 5 do mesmo diploma legal). Este tipo de ação visa permitir ao titular de um direito de preferência cujo exercício lhe foi vedado, a aquisição coerciva da coisa objeto do direito, «contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção».

Diga-se, muito brevemente, que:

- tendo sido concluído que não foram comunicados à requerente os elementos essenciais do negócio translativo da propriedade celebrado pela senhoria – à data –,

- e não tendo sido alegado outra data em que a mesma tenha tido conhecimento dos mesmos (o que era ónus da requerida), é manifesto inexistir matéria factual suficiente para concluir pela verificação do decurso do prazo de caducidade do direito de ação previsto na norma acabada de citar.

Por tudo o exposto, crê-se ser de concluir que se encontra verificado o primeiro dos mencionados requisitos do decretamento de uma providência cautelar (fumus boni iuris).

Cumpre, contudo, atenta a singularidade da situação fático-jurídica, concretizar qual se entende ser esse direito. É que, no caso, não se trata propriamente de um direito de propriedade, nem tampouco do direito de gozar temporariamente de uma coisa, na qualidade de arrendatário.

Com efeito, por um lado, a requerente não é, atualmente, proprietária do imóvel em causa (nem se arroga de tal qualidade), nem será, a partir de 1 de junho de 2023, arrendatária do mesmo (uma vez que também não contesta a iminente caducidade do contrato de arrendamento, atenta a oposição à renovação do mesmo que lhe foi comunicada pela requerida).

Assim, o direito/interesse em causa consubstancia-se na legítima expectativa de vir a adquirir a propriedade do imóvel em causa, por via da procedência da ação de preferência intentada contra a senhoria – à data – e a aqui requerida. Obviamente, o direito em causa apenas tem relevância atentos os poderes de uso e fruição (nomeadamente) que assistirão à requerente se vier a assumir a qualidade de proprietária do referido imóvel.

Ressalta-se, uma vez mais, que nesta sede apenas cumpre apreciar de forma perfunctória os pressupostos fático-jurídicos do direito de que a requerente se arroga titular. Neste caso, haverá questões que carecerão de mais aprofundada discussão e análise na ação principal, nomeadamente:

- a de apurar se a alienação do imóvel constituiu um mero expediente de otimização da administração do património imobiliário da antiga proprietária do imóvel, e se a aqui requerente tinha conhecimento disso,

- ou se corresponde à verdade que a requerente manifestou inequívoca e perentoriamente à antiga proprietária do imóvel a ausência de interesse na aquisição do mesmo, casos em que poderemos estar perante uma situação de abuso de direito. Contudo, neste momento, inexiste matéria factual alegada (nesta sede) ou elementos probatórios suficientes para retirar tais conclusões.

Crê-se, portanto, existir a aparência do direito/interesse da requerente correspondente à legítima expectativa de adquirir o imóvel em causa e vir a usar e fruir do mesmo na qualidade de proprietária, por via da procedência da ação de preferência intentada contra a senhoria – à data – e a aqui requerida”.

E face à decisão de facto, que se mantém, e nos termos supra referidos, o efeito útil do processo principal, onde se atua o direito legal de preferência em causa, revela-se suscetível de vir a ser produzido. Demonstrada se encontra a probabilidade de procedência da ação principal, onde o direito potestativo está a ser exercido, sendo que é verosímil ou altamente provável que venha a ser efetivado.

A lei reguladora do direito legal de preferência é a vigente na data em que se concretizou o ato de transmissão[28] (29-7-2021, cfr. f.p.nº4), bem resultando assistir à arrendatária o direito legal de preferência, que lhe foi concedido pelo art. 1091º, com a redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 64/2018, de 29/10.

Como se analisa no Ac. do STJ de 27/11/2018, 14589/17.1T8PRT.P1.S1, in dgsi.pt, “O direito legal de preferência, conforme qualificação da doutrina, acolhida na jurisprudência deste tribunal, constitui-se como direito potestativo, com eficácia real, enquanto fundado em razões de interesse e ordem pública (…) os direitos legais de preferência implicam uma limitação à liberdade contratual e ao próprio exercício do direito de propriedade (…) natureza do direito: «Por um lado, o preferente é titular de um verdadeiro direito de crédito, quer a preferência tenha, quer não tenha, eficácia real. Por outro lado, gozando de eficácia real, como sucede com os direitos legais de preempção, a preferência atribui ainda a esse sujeito a titularidade de um direito real de aquisição» (Antunes Varela, RLJ, 105, pp. 12/3). (…) “O direito de preferência do arrendatário, previsto na alínea a) do nº 1 do art. 1091º do CC (encurtado o prazo de arrendamento para a constituição do direito, na redação da Lei 64/2018) é um elemento do regime geral do contrato de arrendamento, contrato cuja celebração é inteiramente determinada pela livre iniciativa das partes”.

E bem se analisa no Ac. da RL de 12/7/2023, proc. 4357/19.1T8LSB.L2-7, in dgsi.pt “o direito legal de preferência configura uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário que só a prática do negócio translativo da propriedade, sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, o transforma em direito potestativo - cf., entre outros, o ac. Acs. STJ de 05.05.1994, in BMJ 437-477; de 09.03.1995, CJ, STJ, II, 1, 118-II; de 28.01.1997, processo n.º 87557 e 12.11.2009, processo n.º 1842/04.3TVPRT.S1, ambos in www.dgsi.pt.; de 21.01.2016, proc. nº 9065/12.1TCLRS.L1.S1 e o de 7-11-2019 desta mesma secção no proc. 14276/18.3T8PRT.P1.S2, in dgsi.pt.

No caso, como referido, encontra-se a requerente na ação principal a atuar um direito seu, um direito potestativo que implica que, uma vez exercido, a requerida fique numa situação de sujeição, sendo a ação de preferência de “natureza constitutiva, mediante a qual o Tribunal se substitui à declaração de vontade do obrigado à preferência. Deste modo, procedendo a ação, a sentença produz o efeito translativo do direito …, sem necessidade de qualquer forma adicional”[29].

E, não provado se encontrando que à requerente tenha sido dado conhecimento das condições do negócio referido no f.p. nº4 e não resultando recusa desta a receber tais elementos, nenhuma violação do princípio da boa fé ou situação a configurar abuso de direito se podendo configurar, antes sumariamente demonstrada está a invocada situação de aparência do direito afirmado pela arrendatária/requerente, como fundamento da tutela cautelar que pede ao tribunal, legitimamente exercido e justificativo da providência solicitada - até que se mostre definitivamente decidido, na ação principal, da sua existência -, verificado se tem de considerar o requisito do fumus boni iuris

ii) Quanto ao segundo dos mencionados requisitos (periculum in mora), tendo resultado sumariamente provado que: - atenta a iminente caducidade do contrato de arrendamento, vigente há cerca de 10 anos (e por decorrência do qual a requerente é, aparentemente, titular de um direito de preferência na aquisição do imóvel), a requerente terá que abandonar o imóvel no dia 31 de maio de 2023; - a requerente exerce a sua atividade profissional de contabilista na fração em causa, tendo como clientes não só empresas como pessoas singulares e, caso tenha que abandonar a fração, terá que instalar o seu negócio noutro local, com a inerente logística e custos associados a tal mudança; - é intenção da requerida dar de arrendamento a fração em causa a outrem, uma vez desocupada a fração em causa pela requerente,
refere o Tribunal a quo:

“encontra-se iminente a necessidade de desocupação, pela requerente, da fração em que exerce a sua atividade. Ora, tal situação implicará substanciais operações logísticas associadas à alteração do local onde se encontra instalado o estabelecimento explorado pela requerente, conforme decorre das regras de experiência comum. De facto, esta terá, nomeadamente, que procurar um novo local disponível e adequado ao exercício da sua profissão, transferir para este local os seus instrumentos de trabalho - incluindo arquivo documental -, comunicar tal situação aos seus clientes, eventualmente perdendo alguns deles (designadamente as pessoas singulares que recorrem pontualmente aos seus serviços). Obviamente, tal enumeração não é exaustiva, sendo praticamente impossível prever todas as questões logísticas implicadas na deslocalização do estabelecimento em causa.

Ainda que não seja possível quantificar ou qualificar com certeza a dimensão de tais inconvenientes e os custos inerentes para os ultrapassar, resulta claro que os mesmos não são despiciendos.

A tudo isto acresce o facto de ser previsível, atenta a intenção manifestada pela atual proprietária do imóvel, que este venha a ser arrendado a outrem quando for desocupado pela requerente.

Ora, tal implicará, necessariamente, que esta, vindo a adquirir a propriedade do imóvel em causa por via da procedência da ação de preferência intentada, veja limitado o seu direito de usar e fruir daquele, atenta a sucessão nos direitos e obrigações do locador previstos no art. 1057.º do Código Civil.

Constata-se, pois, que caso a requerente tenha que abandonar o imóvel em causa e venha a adquirir a sua propriedade (procedendo a ação de preferência), poderá este direito estar, nessa altura, sujeito a uma limitação considerável, concretamente nas faculdades de uso e fruição que normalmente assistem aos proprietários (cfr. art. 1305.º do Código Civil)”.

Ora, pode “o justo receio resultar objetivamente da matéria de facto apurada, em conjugação com as regras da experiência. Mas tanto podem valer os efeitos negativos de ordem patrimonial como não patrimonial, desde que a sua gravidade, projetada pelo que já ocorreu ou possa vir a ocorrer o justifique[30].

Resultam provadas circunstâncias que tornam altamente possível a ocorrência de um dano futuro, pois que a mudança de local é suscetível de causar prejuízos patrimoniais à requerente.   

iii) E relembrando-se que a requerente solicitou, como medida cautelar, a manutenção na posse e fruição do imóvel em causa, nos termos previstos no contrato de arrendamento, até à definitiva decisão da ação principal, analisando dos demais pressupostos de decretamento da providência, considerou o Tribunal a quo ser, também, a providência cautelar requerida necessária e adequada à remoção do perigo concretamente verificado e a assegurar a efetividade do direito ameaçado e, por não exceder o prejuízo resultante para a requerida do decretamento de tal providência o dano que com ela se pretende evitar (proporcionalidade), entendeu que a restrição, mas atenuada pelo pagamento de contrapartida pecuniária que vinha a ser praticada na vigência do contrato de arrendamento, se justifica e impõe para evitar superiores danos.

E, na verdade, a medida requerida é a mais adequada à prossecução do fim cujo alcance se visa, revelando-se proporcional, pois que não resulta serem as desvantagens para a requerida da concessão da providência consideravelmente superiores aos prejuízos que resultariam para a requerente da não concessão.

Justificando-se que se mantenha a requerente no imóvel até definitiva decisão da ação principal, outro superior valor não resultando da prova produzida, tem a decisão de mérito da providência de ser mantida.
Assim, na inexistência de providência específica para acautelar o direito invocado, cumpre, na verificação dos requisitos do decretamento de procedimento cautelar não especificado: i) – verificação do direito invocado pela requerente (fumus boni iuris); ii) fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito (periculum in mora); iii)- da adequação da providência requerida a remover o perigo de lesão existente; iv) – não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar, manter o decidido.
Bem decidiu o Tribunal a quo ao julgar terem ficado sumariamente demonstrados os, invocados, previsíveis, danos, como alegado pela requerente, considerando estarem verificados todos os requisitos exigidos para poder ser decretada a providência requerida.
A providência cautelar só deveria ser recusada se o tribunal adquirisse a convicção de o seu decretamento ser suscetível de causar à requerida um prejuízo que excedesse consideravelmente o dano que se pretende evitar, em aplicação do princípio da adequação ou da proporcionalidade (v. nº2, do art. 368º). Em causa estão desvantagens de ordem patrimonial, quer do lado da requerida quer do lado da requerente, e só uma considerável desproporção relativamente às consequências para a requerida seria capaz de justificar a recusa da providência[31].
Sendo certo dever prevenir-se “o risco inerente a uma utilização abusiva de medidas de natureza cautelar cujo decretamento, fora do quadro de razoabilidade que a lei supõe, é suscetível de determinar um desequilíbrio entre as partes, levando o requerente a obter benefícios injustificados na medida equivalente à cedência a que a contraparte é forçada. Os instrumentos processuais devem estar ao serviço do direito de ação, mesmo na sua vertente provisória, mas não mais do que isso, sob pena de reverterem contra o outro sujeito”[32], entendemos, contudo, ser de deferir a pretensão da requerente, pois que preenchidos se encontram, como bem foi decidido, todos os supra referidos requisitos consagrados na lei, que, por verificados, determinam que decretada tenha de ser a providência solicitada, necessária, adequada e proporcional a acautelar os graves, potenciais e muito prováveis danos que resultaram demonstrados, acima referidos.
Por integralmente preenchidos todos os requisitos de que depende o decretar da providência requerida, perfeitamente adequada e proporcional, cumprida se mostrando a regra do ónus da prova consagrada no nº1, do art. 342º, do Código Civil, mantida tem de ser a decisão recorrida.
Não tendo sido alterada a decisão de facto e bem resultando o caso subsumido juridicamente, na verificação dos referidos requisitos, cumpre manter a providência decretada, que é uma mera medida cautelar destinada a evitar graves prejuízos para a requerente, não podendo estes deixar de ser acautelados. 

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.


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3. Da responsabilidade tributária.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).


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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 4 de março de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Ana Paula Amorim
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[1] Acrescentou-se a palavra “local”, em falta.
[2]Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações” - AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 e v., ainda, Decisão do STJ de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 823 e seg.
[4] Ibidem, págs 824 e seg.
[5] Ibidem, pág, 825.
[6] Ibidem, pág, 825.
[7] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[8] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, Almedina, pag.635.
[9] Cfr. Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e v., ainda, Ac. RP de 13/11/2023, proc. 12254/19.4T8PRT.P1 (Relatora: Ana Paula Amorim). Sobre a questão da alteração da decisão da matéria de facto pela Relação v., entre muitos, os Acórdãos desta Relação, em que a ora relatora foi adjunta, com os seguintes sumários: - proc. 4201/22.2T8PRT.P1, “O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas” (Relator: Manuel Fernandes); - proc. 124/18.8T8PVZ.P1: “I. Tendo em vista alcançar o duplo grau de jurisdição ao nível da decisão de facto, incumbe ao Tribunal da Relação proceder à reanálise crítica e autónoma da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância, convocando, para o efeito, todos os meios de prova disponíveis no processo (e não apenas os que foram convocados pelo apelante).II. Os poderes de alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um remédio a utilizar apenas nos casos em que os meios probatórios apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pelo Tribunal de 1ª instância e já não naqueles (como é o caso) em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, logrou firmar a sua convicção quanto à demonstração de determinado quadro factual, sem que se evidencie nesse seu juízo algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, assumindo uma opção que justificou de forma consonante, lógica e racional com toda a prova produzida nos autos” (Relator: Jorge Seabra); - proc. 9648/21.9T8PRT.P1:“… II- O tribunal de 1ª instância é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos em detrimento de outros, desde que na explicitação do iter formativo da sua convicção evidencie de forma coerente e convincente a adoção de uma das teses em confronto, mormente estribando-se na coerência e consistência dos elementos probatórios que a sustentam. III- Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância e já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum” (Relator: Miguel Baldaia Morais).
[10] “9) Caso a requerente tenha que abandonar a referida fração, terá que transferir o seu negócio para outro local, procurando um outro espaço adequado para o efeito e para aí transportando todos os seus instrumentos de trabalho, nomeadamente equipamentos tecnológicos e arquivo documental”.
[11] “a) A requerente sempre teve conhecimento da realização do negócio referido em 4) e das condições do mesmo, bem sabendo que se tratava da mera transferência do património pessoal de BB, sócia e gerente da sociedade requerida, para a esfera jurídica desta”.
[12] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 529.
[13] Ibidem, pág. 532
[14] Ibidem, pág. 532
[15] Ac. STJ. de 25/11/2010, Proc. 3070/04.9TVLSB, in base de dados da DGSI.
[16] Ac. TC. n.º 504/2004, D.R., II Série de 02/11/2004, pág.16.093.
[17] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 309.
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, onde, a pág. 278, escreve: “… importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas…”.
[18] Carolina Henriques Martins, in “Declarações de Parte”, pág. 58.
[19] Lucinda D. Dias da Silva, Processo Cautelar Comum, Princípio do Contraditório e dispensa de audição prévia do requerido, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 113.
[20] Cfr, contudo, o art. 369º, do Código de Processo Civil, com a epígrafe “Inversão do contencioso”
[21] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/04/97, processo 96A940, in www.dgsi.pt.
[22] Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I, Coimbra, Almedina, 2004, p. 341.
[23] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, 2017, Almedina, pag. 10
[24] Ibidem, pag. 10
[25] Lucinda D. Dias da Silva, Idem, pág. 141 e segs
[26] Ibidem, pág. 146
[27] Ibidem, pág. 146
[28] Ac. da RP de 12/4/2021, Proc. 8950/20.1T8PRT.P1
[29] Elsa Sequeira Santos, Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 222.
[30] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 4ª ed., pág. 237 e ss..
[31] Ibidem, pág. 245 e seg,
[32] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 429.