Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1813/16.7T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR INDEPENDENTE
DEPENDÊNCIA ECONÓMICA
CONTRATO DE SEGURO
Nº do Documento: RP201811081813/16.7T8AGD.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º284, FLS.390-399)
Área Temática: .
Sumário: I - Está abrangido pelo regime legal de reparação dos acidentes de trabalho – Lei nº98/2009 de 04.09 – o sinistrado que, como trabalhador autónomo, se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.
II - O sinistrado só está obrigado a celebrar contrato de seguro de acidente de trabalho, nos termos do DL nº159/99 de 11.05, se se provar que à data do acidente era trabalhador independente, ou seja, sem subordinação jurídica nem subordinação económica à pessoa em proveito da qual prestava serviços.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº1813/16.7T8AGD.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1571
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B…, por si, e em representação de seus filhos menores C… e D… instauraram no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Águeda, acção emergente de acidente de trabalho, contra E… Lda. pedindo a condenação da Ré a pagar: a) €5.533,70, a título de subsídio de morte, cabendo à Autora o montante de €2.766,85 e a cada um dos Autores o montante de €1.383,43; b) A cada um dos Autores, a pensão anual, temporária e actualizável de €1.960,00, com início em 30.07.2015, até perfazerem 18,22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho; c) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €2.940,00, com início em 30.07.2015; d) €1.400,00 de despesas com o funeral do sinistrado; e) €20,00, a título de duas deslocações a Tribunal; f) Os juros de mora, à taxa legal, sobre as indicadas prestações, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
O sinistrado F…, marido e pai dos Autores, faleceu no dia 29.07.2015, sendo que à data do acidente o mesmo era trabalhador da Ré, exercendo a actividade de corte e empilhamento de madeira. Nesse dia, e quando aguardava, a cerca de 3/4 metros de distância de uma giratória com cabeça processadora, que o operador do referido equipamento terminasse a operação de processamento das árvores, ocorreu a quebra e a projecção da corrente metálica da serra da processadora, a qual atingiu o sinistrado na zona do tórax e originando a sua morte imediata.
A Ré veio contestar alegando a inexistência de qualquer vínculo laboral entre ela e o sinistrado. Mais refere a) a não verificação de qualquer projecção da corrente, pois a mesma partiu e caiu ao solo no sentido do corte (por força da protecção da cabeça da processadora); b) qualquer projecção de parte de elo ou limalha ocorreu fora e para além da protecção da cabeça processadora, não era previsível, e direccionou-se de forma aleatória e imprevisível para qualquer operador/trabalhador; c) todas as condições de segurança estavam reunidos, tinham sido avaliadas e integradas dentro da previsibilidade normal das incidências das operações em causa tendo em conta os mecanismos de protecção e segurança existentes. Refere, também, que o sinistrado usava capacete com viseira, luvas de protecção anti/corte e tinha vestido equipamento à prova de corte de lâminas de moto-serra, sendo que, o que se sabe é que o mesmo ajudava o operador a deslocar a madeira para o local de processamento mediante um guincho com que a enlaçava e que no acto da ocorrência se encontrava a cerca de 10 metros da máquina giratória. Conclui pela não violação de qualquer regra de segurança e pede a improcedência da acção.
O Mmº. Juiz a quo convidou os Autores a apresentarem nova petição onde especifiquem, essencialmente, o alegado nos artigos 5, 6, 13 e 31 da petição inicial, o que os mesmos cumpriram.
Foi proferido despacho saneador, consignada a matéria de facto já assente e elaborada a base instrutória. Procedeu-se a julgamento, respondeu-se aos quesitos e foi proferida sentença, em 18.05.2018, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar “1.À Autora B…: 1.1. do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €2.740,50, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice, sendo de 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, devida desde 30.07.2015; 1.2 de €2.766,85 a título de subsídio por morte; 1.3 de €1.400,00 a título de subsídio por despesas de funeral; 1.4. de €20,00 a título de reembolso das despesas por deslocações; 2. Aos Autores C… e D…: 2.1 da pensão anual e temporária de €3.654,00, a dividir em duas partes iguais até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado e curso de nível superior ou equiparado, ou sem limite de idade se afectados por deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, a ser paga em 1/14 até ao 3º dia de cada mês e ainda os subsídios de férias e de natal, de idêntico montante, a serem pagos em Junho e em Novembro (nº.1 e 2 do artigo 72º da Lei nº98/2009), com início em 30.07.2015 e sem prejuízo das legais actualizações; 2.2. de €2.766,85 a título de subsídio por morte, a dividir em duas partes iguais. 3. Aos Autores B…, C… e D…, os juros de mora sobre prestações pecuniárias em atraso, à taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento” (…).
A Ré veio recorrer da sentença pedindo a sua revogação – por violação do disposto no artigo 15º, nº1 da LAT, incorrendo nas nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 615º do CPC – e substituição por acórdão que a absolva dos pedidos,
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A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso referindo a) ser questão nova a invocada pela Ré de que o acidente teria ocorrido por motivo de força maior; b) a existência de matéria de facto reveladora da dependência económica do sinistrado face à Ré e a aplicação, ao caso, do determinado na al. c) do artigo 4º da Lei nº7/2009 de 12.02.
Admitido o recurso cumpre decidir.
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V
Da responsabilidade pelo pagamento das prestações devidas aos Autores.
Na sentença recorrida concluiu-se, em face da factualidade dada como provada, “encontrar-se elidida a presunção da existência de uma relação de subordinação laboral no exercício da actividade do sinistrado para a Ré”. No entanto, e referenciando o estatuído na al. c) do artigo 4º da Lei nº7/2009 de 12.02, no artigo 10º do CT e no nº2 do artigo 3º da LAT, escreveu-se na sentença o seguinte: (…) “O direito à reparação de um acidente de trabalho não depende necessariamente da celebração de um contrato de trabalho entre o sinistrado e a pessoa para quem presta a sua actividade. O legislador entendeu abarcar um leque mais abrangente de situações, bastando-se, para conceder a protecção da Lei nº98/2009, com a dependência económica do acidentado relativamente à pessoa para quem presta a actividade e dela é sua beneficiária. Partiu, por um lado, da ideia que há pessoas que, embora não juridicamente subordinadas ao beneficiário da actividade, por dele dependerem economicamente, merecem beneficiar do mesmo estatuto que os trabalhadores subordinados, pois que, pelo seu esforço físico, produzido em proveito de outrem, apenas procuram, tal como aqueles, obter o seu salário para fazer face às suas necessidades do dia-a-dia; e, por outro, da ideia da necessidade de responsabilização do beneficiário da actividade pelos riscos derivados da sua prossecução” (…) “Ao sinistrado laboral basta alegar e provar que presta o trabalho para outrem e que, no âmbito dessa actividade, sofreu um sinistro qualificável como acidente de trabalho para se presumir a dependência económica face à pessoa em proveito da qual presta a actividade sem subordinação jurídica. Já ao beneficiário da actividade cabe invocar e provar factualidade susceptível de elidir essa presunção. Regressando ao caso dos autos, o sinistrado exercia a sua actividade para a Ré, que é uma sociedade, pessoa colectiva, em conjunto e integrado em equipas com os colaboradores desta, utilizando, em regra, ferramentas fornecidas pela Ré. Integrava-se, assim, no processo empresarial da Ré, na sua estrutura produtiva, que englobava meios humanos e a utilização de pelo menos moto-serras e uma máquina pesada, com todos os riscos inerentes. Exercendo a sua actividade dentro dos mesmos períodos que os colaboradores da Ré (sendo que o período normal de trabalho é, no máximo, de oito horas por dia e quarenta por semana – nº1 do artigo 203º do CT), fazia-o há pelo menos dois anos e quatro a cinco dias em cada semana, ocupando, assim, ponderando que a semana tem cinco dias úteis, de 80% a 100% do seu tempo. Auferindo, em contrapartida, quantias monetárias, entre Junho de 2014 e Julho de 2015 recebeu valores que oscilaram entre um mínimo de €515,00 e um máximo de €885,00, quando, para os anos de 2014 e de 2015, a remuneração mínima mensal garantida estava fixada em €485,00 (até Setembro) €505,00 (Outubro a Dezembro de 2014 e 2015) por força dos Decretos-lei nº143/2010 de 31 de Dezembro e 144/2014 de 01 de Outubro. Por fim, era a Ré, sociedade comercial” (…) “quem se aproveitava, nessa sua actividade profissional, cuja natureza é manifestamente lucrativa” (…) “do labor do sinistrado, que este apenas poderia trazer vantagem à própria Ré. Todo este conjunto fáctico espelha uma integração, consistência, continuidade, constância e regularidade da prestação da actividade, num continuum e com uma expressão que, por um lado, afastam a possibilidade de aplicação do artigo 16º da Lei 98/2009 (e cujo ónus probatório sempre recairia sobre a Ré – nº2 do artigo 342º do Código Civil) e, por outro, vão no sentido da afirmação da dependência económica do sinistrado. E isto, note-se, pese embora não hajam sido feitos descontos para a Segurança Social pela Ré em nome do sinistrado. É certo que, estabelecia o nº1 do artigo 140º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, na redacção anterior ao DL nº2/2018 de 2 de Janeiro, que «as pessoas colectivas e as pessoas singulares com actividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil beneficiem de pelo menos 80% do valor total da actividade de trabalhador independente, são abrangidas pelo presente regime na qualidade de entidades contratantes». Acontece que, em primeiro lugar, e conforme explanado, a factualidade provada é reveladora da dependência económica do sinistrado ante a Ré. Em segundo lugar, mesmo que assim não fosse e estivéssemos unicamente ante o funcionamento da presunção consagrada no nº2 do artigo 3º da Lei nº98/2009, a Ré tinha era, conforme lhe impunham o nº2 do artigo 350º e nº1 do artigo 344º do Código Civil, de provar factualidade que permitisse concluir não ser essencialmente com os valores recebidos da Ré que o sinistrado fazia face às suas necessidades económicas e do respectivo agregado familiar. E a tal não se reconduzem o facto de apenas exercer a sua actividade para a Ré 4 a 5 dias por semana, ou a mera ausência de descontos em nome do sinistrado, mas mais espelham que o sinistrado podia, pontualmente, exercer outra actividade e um comportamento omissivo da Ré em termos contributivos, termos em que sempre não teria elidido a presunção legal” (…).
A apelante refere o seguinte: Os factos provados demonstram que o sinistrado apresentava declarações de rendimentos do tipo B, exactamente por auferir rendimentos como prestador de serviços, sendo que, nos termos do CIRS, são rendimentos de categoria B, entre outros, os auferidos no exercício por conta própria de qualquer actividade de prestação de serviços – artigos 1º, nº1 e 3º – em que se enquadrava a actividade pelo mesmo exercida para a Ré, mediante emissão e pagamento das respectivas facturas. A equiparação a trabalhador por conta de outrem no que respeita ao regime relativo a acidentes de trabalho por verificação do requisito de dependência económica não afasta o facto de o sinistrado ser um trabalhador independente obrigado, nessa qualidade, a celebrar o seguro a que se refere o artigo 1º do DL nº159/99 para, em caso de acidente de trabalho, garantir para si e para os seus familiares as indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares nos termos estabelecidos com as devidas adaptações definidas pela LAT, remetendo para ela muitos dos aspectos de regulamentação do regime de acidente de trabalho daqueles trabalhadores. Só estão dispensados dessa obrigação aqueles cuja produção se destine ao consumo/utilização própria e do agregado familiar – artigo 1º, nº2 da LAT – o que não se verificava no caso face ao tipo de acidente de trabalho contratualizado pelo sinistrado considerando a actividade para terceiros exercida pelo mesmo como decorre das declarações Modelo 3 de IRS relativas aos anos de 2012 e 2013, juntas a folhas 421 a 432, de onde se extrai que nesses anos – imediatamente anteriores à prestação de serviços para a Ré – auferiu rendimentos de outra entidade para a qual prestou serviços na mesma qualidade. Tendo ficado provado – N) – que aquele transferira a responsabilidade por acidentes de trabalho para entidade seguradora ainda que tendo por objecto a natureza de trabalhos de armador de ferro, tal facto não só era alheio à Ré como só significa que o sinistrado não dispunha de qualquer seguro de acidente de trabalho em que o risco transferido ocorresse ou cobrisse os riscos e danos decorrentes da concreta actividade de corte e empilhamento de madeira que exercia para a Ré há pelo menos 2 anos – O) e Q).
A apelante não «questiona» a equiparação do sinistrado [constante da sentença recorrida], por verificação do requisito de dependência económica, a trabalhador por conta de outrem no que respeita ao regime relativo a acidentes de trabalho. Contudo, entende que dessa equiparação não decorre que o sinistrado fosse trabalhador por conta de outrem da Ré, e que independentemente da mesma [equiparação], sendo trabalhador independente, tendo em conta a factualidade provada, estava obrigado a celebrar contrato de seguro nos termos do artigo 1º do DL 159/99 de 11.05.
Analisemos então.
Antes do mais, cumpre referir que na sentença recorrida se concluiu pela inexistência de um contrato de trabalho. Esta parte da decisão transitou em julgado tendo em conta que os Autores não vieram requerer a ampliação do âmbito do recurso nesta parte.
Tendo em conta a data do acidente – 29.07.2015 – ao caso é aplicável a Lei nº98/2009 de 04.09 [LAT].
Afastada que está a existência de um contrato de trabalho cumpre ainda analisar se no caso se verifica a situação prevista no artigo 3º, nº2 da referida Lei.
Nos termos do artigo 4º, nº1, al. c) da Lei nº7/2009 de 12.02 – que aprovou a revisão do CT – “ O regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283º e 284º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente: a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10º do Código do Trabalho”. O artigo 10º do CT – sob a epígrafe “Situações equiparadas” refere “As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”.
Determina o nº2 do artigo 3º da LAT “Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços”.
O artigo 3º, nº2 da referida Lei corresponde ao que determinava o artigo 12º, nº3 do DL nº143/99 de 30.04.
Em comentário a este artigo [artigo 12º, nº3 do DL nº143/99] refere Carlos Alegre que no mesmo se estabelece “a presunção legal da situação destes trabalhadores como trabalhadores por conta de outrem. À pessoa servida (que não é entidade empregadora, no sentido normal do termo) compete provar que assim não é” – Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 191.
Importa, igualmente, aqui citar as considerações feitas por Manuela Bento Fialho, no que à questão em apreço respeita, a saber: “Assim, para efeitos de abrangência do regime legal aplicável, os trabalhadores presumem-se na dependência económica da pessoa para quem prestam serviço. Esta presunção reveste-se de grande utilidade para efeitos de qualificação de um sinistro ocorrido na pessoa de trabalhadores que, embora prestando serviços, não estão vinculados por contrato de trabalho, já que o direito à reparação é atribuído aos trabalhadores por conta de outrem. Desta forma, este conceito é alargado também a prestadores de serviço, que, por efeito da aplicação da norma, podem beneficiar de toda a protecção legal a que nos reportamos e, bem assim, a todos os que, na acção respectiva, não consigam provar a existência de contrato de trabalho” (…) – Boletim da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, 5ª série, nº5, Dezembro de 2007, página 160.
No sentido ora defendido é o acórdão do STJ de 09.05.2007 onde se refere: “Trata-se de situações em que há uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade. Ou seja, relações de trabalho formalmente autónomo, mas que se encontram materialmente próximas das de trabalho subordinado, a exigir, por isso, a mesma protecção”, sendo que, ainda que no âmbito da Lei nº100/97, aí se defendeu “a equiparação estabelecida no artigo 2º, nº2 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, entre o contrato de trabalho e as situações de prestação de serviço em dependência económica, para os efeitos previstos nesse diploma, tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que não se encontrem juridicamente bem definidas como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto nessa Lei” (…) – Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, 2000-2007, página 175/176.
A interpretação firmada no citado acórdão tem pleno cabimento em face da conjugação do disposto nos artigos 4º, nº1, al. c) da Lei nº7/2009, 10º do CT e 3º, nº2 da actual LAT [que neste particular não sofreram alteração relativamente ao anterior regime].
E posto que na sentença recorrida, como já referido, se concluiu pela inexistência de um contrato de trabalho, cumpre analisar se a relação estabelecida entre a Ré e o sinistrado [que é o que aqui releva] se traduz num contrato de prestação de serviço, na medida em que se assim for podemos concluir que o sinistrado prestava a sua actividade para a Ré como trabalhador independente, por conta própria.
Ora, inexiste factualidade provada que nos leve a concluir que entre as partes vigorou um contrato de prestação de serviço, tal como vem definido no artigo 1154º do C. Civil. Na verdade, não se provou que entre a Ré e o sinistrado tivesse sido celebrado um contrato de empreitada, modalidade do contrato de prestação de serviço – artigo 1155º do C. Civil – posto que, em face da factualidade provada, não se nos afigura que a actividade prestada pelo sinistrado pudesse integrar qualquer outra modalidade do contrato de prestação de serviço [o mandato ou o depósito].
Em suma: está já decidido, pela sentença transitada em julgado nessa parte, a inexistência de um contrato de trabalho entre as partes e não resulta da factualidade provada que tivesse sido celebrado um contrato de prestação de serviço.
Admitindo que o sinistrado executava para a Ré actividade caracterizada por trabalho autónomo, para que lhe fosse aplicável o regime previsto no DL nº159/99 de 11.05 [Regulamento do seguro de acidentes de trabalho para os trabalhadores independentes] necessário seria provar a sua não dependência económica relativamente à Ré. Na verdade, a Lei nº7/2009 de 12.02 e a actual LAT consagram – como já ocorria na vigência da Lei nº100/97 de 13.09 e no DL nº143/99 de 30.04 – uma protecção mais abrangente ao trabalhador/sinistrado: protege não só o trabalhador vinculado por contrato de trabalho, como também por contrato equiparado “entendendo-se, como tal, aquele a que falta a subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra na dependência económica do beneficiário da actividade” – acórdão desta Secção Social de 13.05.2013, na CJ, ano 2013, tomo 3, página 208.
E se assim é, passemos à análise do disposto no artigo 3º, nº2 da LAT, posto que – e como já referido – para efeitos do direito à reparação ao sinistrado e aos seus beneficiários, não é determinante que aquele esteja vinculado a um típico contrato de trabalho, dado estarem também abrangidos os trabalhadores “na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços”, ou seja, os trabalhadores sem subordinação jurídica mas com subordinação económica à pessoa a quem prestam a sua actividade.
Deste modo, e em face do indicado preceito, os Autores gozam da presunção – juris tantum – de que na data do acidente o sinistrado era um trabalhador por conta da Ré, competindo a esta ilidir a referida presunção.
Vejamos se a Ré logrou fazer a prova em contrário, ou seja, de que o montante auferido pelo sinistrado não constituía a totalidade ou a parte principal dos seus meios de subsistência – artigos 349º e 350º do C. Civil.
Provou-se a seguinte factualidade: M) F… celebrou com a G…, S.A. o contrato de seguro titulado pela apólice nº../………/…, com as menções «âmbito do seguro: pedreiros; riscos seguráveis: extra-profissional». N) F…, por contrato de seguro titulado pela apólice nº………, transferiu para a H… – Sucursal em Portugal, a responsabilidade por acidentes de trabalho, contendo as menções «natureza de trabalhos armador de ferro; quadro de pessoal: F…» e «salário 505,00». O) No dia 29.07.2015 F… desenvolvia a actividade de corte e empilhamento de madeira para a Ré. P) F… recebia, como contrapartida da sua actividade para a Ré e mediante emissão de factura, quantia monetária cujo montante variava, tendo sido, no período de Junho de 2014 a Julho de 2015, de: €800,00 em Junho de 2014; €730,00 em Julho de 2014; €515,00 em Agosto de 2014; €865,00 em Setembro de 2014; €810,00 em Outubro de 2014; €740,00 em Novembro de 2014; €760,00 em Dezembro de 2014; €885,00 em Janeiro de 2015; €770,00 em Fevereiro de 2015; €870,00 em Março de 2015; €680,00 em Abril de 2015; €760,00 em Maio de 2015; €750,00 em Junho de 2015. Q) F… exercia a actividade de corte e empilhamento de madeira para a Ré desde há pelo menos dois anos, quatro a cinco dias por semana. V) O sinistrado, por regra, desenvolvia a sua actividade para a Ré quatro a cinco dias por semana em cada semana, dentro dos mesmos períodos que os colaboradores da Ré. X) O sinistrado, em regra, actuava inserido em equipas de colaboradores da Ré. AS) O sinistrado encontrava-se colectado para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, como categoria B – Rendimentos Profissionais.
Tal factualidade é insuficiente para que se possa concluir que a Ré ilidiu a presunção de dependência económica do sinistrado da pessoa servida, a Ré.
Começando pelos seguros efectuados pelo sinistrado, os mesmos reportam-se, quanto ao seu âmbito, a actividades que não a de corte e empilhamento de madeira [actividade que o sinistrado prestava para a Ré].
Mesmo a entender-se que a diferente actividade «segurada» pelo sinistrado não releva para o caso, certo é não ter resultado provado que para além da actividade de corte e empilhamento de madeira que exerceu para a Ré, entre Junho de 2014 a Julho de 2015, o sinistrado exerceu para terceiros, nesse mesmo período, essa mesma actividade ou outras actividades e que estas constituíam a principal fonte de rendimento para si [sinistrado] e para o seu agregado familiar. O mesmo se diga quanto ao facto de o sinistrado estar colectado na categoria B – Rendimentos Profissionais, já que do que aqui estamos a tratar é da não existência de dependência económica do sinistrado relativamente à Ré.
A apelante faz alusão às declarações de rendimentos constantes dos autos, referentes aos anos de 2012 e 2013. Contudo, tais declarações reportam-se a períodos anteriores ao início da actividade prestada pelo sinistrado para a Ré, e como tal não relevam [dessas declarações não resulta que o sinistrado tivesse continuado a trabalhar para terceiros, para além da Ré, e no referido período de Junho de 2014 a Julho de 2015].
Deste modo, podemos afirmar que a Ré não logrou fazer a prova do contrário, ou seja, que o sinistrado não estava na dependência económica da pessoa servida, a Ré, a significar que não ilidiu a presunção estabelecida no artigo 3º, nº2 da LAT, e como tal há que considerar o sinistrado trabalhador por conta de outrem para efeitos de beneficiar do regime de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho.
Aliás, e independentemente da presunção a que aludimos, mostra-se provada factualidade que nos permite concluir pela dependência económica do sinistrado, já que a actividade prestada por ele à Ré é caracterizada por uma evidente regularidade, quer na duração da actividade prestada [mais de 80% do trabalho prestado por um trabalhador por conta de outrem, considerando que este presta cinco dias de trabalho por semana] quer no valor dos pagamentos efectuados pela Ré pelos serviços prestados [P) F… recebia, como contrapartida da sua actividade para a Ré e mediante emissão de factura, quantia monetária cujo montante variava, tendo sido, no período de Junho de 2014 a Julho de 2015: €800,00 em Junho de 2014; €730,00 em Julho de 2014; €515,00 em Agosto de 2014; €865,00 em Setembro de 2014; €810,00 em Outubro de 2014; €740,00 em Novembro de 2014; €760,00 em Dezembro de 2014; €885,00 em Janeiro de 2015; €770,00 em Fevereiro de 2015; €870,00 em Março de 2015; €680,00 em Abril de 2015; €760,00 em Maio de 2015; €750,00 em Junho de 2015. Q) F… exercia a actividade de corte e empilhamento de madeira para a Ré desde há pelo menos dois anos, quatro a cinco dias por semana. V) O sinistrado, por regra, desenvolvia a sua actividade para a Ré quatro a cinco dias por semana em cada semana, dentro dos mesmos períodos que os colaboradores da Ré].
E se há que considerar o sinistrado trabalhador por conta de outrem – por força da presunção estabelecida no nº2 do artigo 3º da LAT, não ilidida – improcede a pretensão da apelante no sentido de ao caso ser aplicável o regime relativo a acidentes de trabalho previsto para os trabalhadores independentes, nomeadamente, a obrigação de celebrar contrato de seguro – artigo 4º, nº2 da Lei nº7/2009 de 12.02.
Finalmente cumpre dizer, em face da conclusão a que chegamos, não ter a apelante razão quando refere: Não dispondo a Ré, como entidade beneficiária da prestação do sinistrado, nem este, como prestador de serviços independente, de contrato de seguro de acidentes de trabalho, a que ambos estavam obrigados por lei, está-se na presença de 2 vínculos e não de uma só obrigação, vínculos que todavia estão ligados entre si havendo entre eles um nexo que procede não só da identidade da prestação como da comunhão de fim das várias obrigações, pelo que, provando-se que o acidente ocorreu quando o sinistrado exercia funções de trabalhador independente, a entidade presumida como responsável, que suporte os danos inerentes ao sinistro, adquire o direito de regresso face à natureza conjunta das suas obrigações.
Com efeito, toda a argumentação da apelante baseia-se no facto de considerar o sinistrado trabalhador independente, o que, como já referimos, não ficou provado [mesmo a admitir-se que ele é trabalhador autónomo não goza ele de independência económica relativamente à Ré].
Aliás, o que a apelante invoca é a aplicação do disposto no artigo 7º do DL nº159/99 de 11.05. Contudo, os pressupostos previstos no citado artigo não se verificam como vamos explicar.
Determina o artigo 7º do DL nº159/99 de 11.05 “1. Quando o sinistrado de acidente de trabalho for, simultaneamente, trabalhador independente e trabalhador por conta de outrem e havendo dúvida sobre o regime aplicável ao acidente, presumir-se-á, até prova em contrário, que o acidente ocorreu ao serviço da entidade empregadora. 2. Provando-se que o acidente de trabalho ocorreu quando o sinistrado exercia funções de trabalhador independente, a entidade presumida como responsável nos termos do número anterior adquire direito de regresso contra a empresa de seguros do trabalhador independente ou contra o próprio trabalhador”.
Como já atrás referimos não se provou que entre a Ré e o sinistrado existisse um contrato de trabalho e igualmente não se provou que aquando do acidente o sinistrado exercesse a sua actividade para a Ré como trabalhador independente [posto que a Ré não logrou fazer a prova de que o sinistrado não estava economicamente dependente dela]. Não se verificam, assim, os pressupostos para se aplicar o nº2 do citado artigo.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da Ré/apelante.
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Porto, 08.11.2018
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho