Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5833/16.3T9MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: CRIME DE BURLA
CONTRATO PROMESSA
Nº do Documento: RP202005135833/16.3T9MTS.P1
Data do Acordão: 05/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O crime de burla protege o bem jurídico património e consuma-se com a saída das coisas ou dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou vítima.
II - A consumação passa pela verificação de um duplo nexo de imputação objetiva: uma primeira conexão entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do seu património (ou do património alheio); e uma segunda concatenação entre os atos do burlado e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial.
III - Se o prejuízo patrimonial do lesado teve origem no incumprimento parcial da obrigação de pagamento do preço de uma empreitada, por parte do empreiteiro, a circunstância de posteriormente, como modo de liquidar a dívida, empreiteiro e lesado outorgaram contrato promessa de compra e venda, também não cumprido, não se pode afirmar que o prejuízo decorreu da não outorga da escritura de compra e venda prometida.
IV - Com a celebração do contrato-promessa e subsequentes desenvolvimentos, nem o arguido ficou mais rico, nem o assistente mais pobre do que já estavam à data do vencimento da dívida, que já existia e continua a existir, porque nunca foi saldada por qualquer meio, nomeadamente, através da celebração do contrato prometido.
V - Não se apurando que o comportamento do arguido tenha criado qualquer novo prejuízo patrimonial atendível e não se verificando, assim, o indispensável nexo de imputação objetivo entre os atos do assistente, alegadamente tendentes à diminuição do seu património e a efetivação de qualquer novo prejuízo, carecem os factos realmente indiciados de relevância criminal, mormente no âmbito da previsão do tipo legal de crime de burla.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 5833/16.3T9MTS.P1
Origem: Comarca do Porto Este, M. Canaveses- Juízo de Instrução Criminal- Juiz 2
Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
Relativamente à factualidade participada por B… e C…, por si e na qualidade de sócios-gerentes da sociedade “D…, Lda., veio o Ministério Público, a final da fase de inquérito, a proferir o despacho de arquivamento de folhas 195-198, por entender, em resumo, que o que se indiciava nos autos era o não cumprimento – pelos denunciados E…, “F…, S.A” e “G…, S.A., – de obrigações contratuais assumidas, a resolver de acordo com as normas de direito civil, por não se encontrarem preenchidos os elementos constitutivos do crime de burla.
Discordando deste arquivamento, vieram os referidos queixosos B…, C… e D…, agora já constituídos assistentes, requerer a abertura de instrução.
Produzidas as provas julgadas pertinentes e realizado o debate instrutório, veio a ser proferida a decisão instrutória de folhas 614-650, na qual se decidiu pronunciar os mencionados arguidos (e ainda a sociedade H…, Lda., como sucessora da G…) como autores dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução (RAI) e dos dois crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º e 218º, n.º 2, al. a), ambos do C. Penal, que aí lhes vinham imputados pelos assistentes.
Quem, desta feita, não se conformou com tal decisão judicial foram os arguidos, que interpuseram o presente recurso, cuja motivação condensaram nas seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto do despacho de pronúncia proferido nos presentes autos pelo Tribunal de Instrução Criminal do Marco de Canavezes, na sequência do Requerimento de Abertura da Instrução, apresentado pela Assistente, pronunciando os Arguidos pela (alegada, mas inexistente) prática de dois crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, nº 1, e 218.º, nº 2, alínea a), do Código Penal.
B. Requerimento de Abertura de Instrução esse que, por sua vez, foi apresentado na sequência do despacho de arquivamento dos autos proferido pelo Ministério Público.
C. Com efeito, no final do Inquérito, entendeu o Ministério Público (e bem) que não se encontravam preenchidos os elementos de cuja verificação depende a imputação dos crimes de burla ou de qualquer outro ilícito criminal uma vez que, como então salientou, “o que está em causa, no caso concreto, e tudo o indicia nos autos, é o não cumprimento de obrigações assumidas, a resolver de acordo com as normas de direito civil”, (cfr. fls. 195 a 198 dos autos).
D. Não obstante não estar indiciariamente provada a prática de qualquer crime; não obstante a Assistente não ter trazido qualquer prova que o indiciasse (pelo contrário, a prova existente infirma-o); a verdade é que os Arguidos, na busca da verdade, lograram demonstrar, até por documentos e sem margem para qualquer dúvida, que não foi cometido qualquer crime.
E. A “colagem” da Decisão Instrutória ao teor do requerimento de abertura de instrução, diga-se, é não só muito significativa, como muito pouco crítica.
F. A mera leitura da factualidade mencionada pelo Tribunal, ainda que fosse verdadeira – que não é, como se viu – permite perceber a falta de suporte jurídico para o entendimento do Tribunal.
G. Desde logo, por uma razão muito simples: conforme resulta do documento de fls. 23 verso, a dívida em causa, no montante de 428.168,13€, que a Assistente e o Tribunal de Instrução alegam corresponder à “transferência patrimonial” (prejuízo), foi constituída entre 01.08.2008 e 30.11.2009.
H. Essa dívida (correspondente a obra feita, ou seja, à transferência de valor da Assistente para a Arguida H…) existia já no final de 2009, portanto, mais de meio ano antes da celebração do primeiro contrato promessa (assinado em meados de 2010), pelo que, jamais, em caso algum, se poderia considerar que a transferência patrimonial ocorreu por força dos contratos ou de quaisquer outros documentos posteriores.
I. E isto é o bastante para se concluir que a dívida não resultou de qualquer astúcia ou engano, pois todos os factos imputados são posteriores ao seu surgimento, pelo que não existe, obviamente, qualquer crime de dolo.
J. Dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos prestados e anteriormente identificados nos termos do disposto no nº 4 do artigo 412º do CPP, e parcialmente transcritos, não resulta de forma nenhuma provada, sequer indiciariamente, a factualidade mencionada nos pontos 3, 4, 8 (parcialmente), 10, 11, 12, 19, 20, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 40, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51, por não ter qualquer suporte documental e ser contrariada pelos documentos existentes e pelos depoimentos acima identificados, pelo que devem ser eliminados da factualidade indiciada.
K. Nunca ninguém, nem qualquer documento, mencionou pretensa relação de “Banco Bom/Banco Mau”, referida no facto indiciado 3, nem que a H… fosse (como não é nem nunca foi) uma “empreiteira fictícia, destituída de património, constituída com o único propósito de responder pelas obrigações do dono da obra”.
L. Como resulta até das palavras da denunciante C…, reproduzidas a fls. 53 da Decisão Instrutória e acima transcritas e identificadas, “a sociedade F… era a comercializadora”.
M. Por sua vez, a sociedade G… (atual H…), conforme resulta dos documentos de fls. 15 e 16, era a sociedade indicada para realizar a obra de construção dos edifícios para o Dono de Obra, F…, pois possuía alvará do IMPIC de construção, e foi constituída em 1996, cerca de 11 anos antes desta empreitada (facto público e notório, também confirmado pela consulta da certidão permanente através do código ….-….-….).
N. É também verdade que a 04.09.2007 a Arguida H… (que não era nenhum “banco mau”) adjudicou à Assistente D… uma parte da obra que lhe havia sido adjudicada pela F…, mais concretamente, a parte da obra relativa à escavação geral; bem como que no final da obra executada pela Assistente D…, a H… devia àquela cerca de €428.168,13;
O. Isto, num valor faturado de 1.126.558,93€ (cfr. facto indiciado 5), tendo sido, portanto, antes do final da obra, já paga a quantia de cerca de 700.000,00€ (facto indiciado 6).
P. É falso o que resulta do facto 11 da factualidade indiciada, na parte em que refere “sem alguma vez ter indicado que o dono da obra não seria a G…, mas sim a F…”, pois essa falsidade resulta dos documentos de fls. 15, 16, 17, do documento de fls. 547 a 553 dos autos, bem como dos contratos de subempreitada de fls. 479-494 e 495-510, em que a Arguida H… se assume como Empreiteira (perante a Dona da Obra F…) e a Assistente D… se assume como Subempreiteira, perante a Empreiteira H….
Q. É absolutamente falso que, para a celebração dos contratos-promessa, os Arguidos tivessem exigido da Assistente a declaração de fls. 23 dos autos e essa falsidade resulta dos próprios documentos.
R. Na, verdade essa declaração apenas foi emitida pela D… na data que da mesma consta, ou seja, 31 de março de 2011 (cfr. fls. 23 dos autos).
S. Assim, tendo os contratos-promessa sido assinados, um em 13.07.2010 (cfr. fls. 19-20 e vº) e o outro em 20.01.2011 (cfr. fls. 21-22 e vº dos autos), é completamente absurdo, ilógico e não foi mencionado por qualquer testemunha ouvida em instrução, que os Arguidos tivessem exigido, para a celebração dos contratos celebrados meses antes, uma declaração que apenas foi emitida meses depois!!
T. De resto, sempre se diga que a declaração de fls. 23 nada tem de problemático. Na mesma pode ler-se, claramente, que o recibo de quitação das quantias de que a Assistente D… era credora apenas seria entregue por esta à H… (então denominada G…s) “aquando da celebração da escritura das identificadas frações…”.
U. É verdade que, entretanto, as projetadas escrituras não se realizaram.
V. No entanto, ao contrário do referido no facto indiciado 23, nenhuma prova existe e é absolutamente falso e contrariado pelos contratos promessa de fls. 19 a 22 verso dos autos, que tenha sido acordado que as escrituras se fariam “no prazo de 30 dias” pois, na própria redação dos mesmos, citada pela decisão instrutória, consta que “a escritura definitiva de compra e venda terá lugar impreterivelmente até 30 de Junho de 2011”, ou seja, para cerca de 1 ano após a assinatura do primeiro contrato e meio ano após a assinatura do segundo. Não se percebe como o Tribunal deu isto como indiciado, em total contradição com tais documentos!!!!
W. Nenhuma prova existe e é absolutamente falso que a D… apenas em 2016 tivesse tomado conhecimento de que as frações em causa, relativamente às quais haviam sido celebrados os contratos-promessa, não eram de propriedade da H….
X. Ou seja, é falso o que consta dos pontos 28 a 33 da factualidade indiciada.
Y. Os autos dispõem de diversas provas documentais deste conhecimento.
Z. Em primeiro lugar, veja-se o documento de fls. 547 a 553 dos autos, datado de julho de 2014, que arrasa toda a história da Assistente e desmente, em absoluto, as conclusões da decisão instrutória e que os Arguidos lograram obter e juntar aos autos.
AA. Ou seja, em julho de 2014, a D… confessou que sempre soube que a F… era a dona da obra e proprietária das frações, bem como que a intenção da F… e da H… era a de que a F… transmitisse à H… e esta, depois, as transmitisse à D….
BB. De facto, não só a Assistente sabia que Dona de Obra era a F… e que a H… era a empreiteira (como resulta da Licença de obras de fls. 511 e ss, dos pontos 2 e 3 da denúncia, e dos contratos de subempreitada de fls. 479 a 510), como a Assistente declarou, nessa “reclamação de créditos” que elaborou, que, aquando da negociação dos contratos promessa, tinha conhecimento de tudo, ou seja, que sabia que o proprietário das frações era a F…, e não a H…, e que esta necessitava, para poder cumprir os contratos promessa, que adquirir previamente as frações à F….
CC. O que igualmente resulta do requerimento de fls. 94 dos autos, onde a Assistente refere, expressamente, que os contratos promessa foram assinados “nas instalações da empresa F…, SA, empresa do Grupo I…, à data com sede na Zona Industrial …, Lote .., …, …. - … Penafiel”.
DD. Ou seja, a Assistente e os denunciantes mentiram.
EE. E denunciaram os Arguidos, lançando sobre eles a falsa suspeita da prática de crime, com intenção de que contra eles fosse instaurado procedimento criminal.
FF. Lamentavelmente, no entanto, o Tribunal de Instrução não atentou no claríssimo teor deste documento, pelo qual a Assistente contava, noutro processo anterior (e já lá vão quase 5 anos), uma história totalmente diferente – de resto, factualmente diferente – da que veio inventar a estes autos.
GG. De resto, para além da “confissão” em que se traduz o documento de fls. 547 a 553 dos autos, diversa outra documentação consta dos autos que comprova que os Assistentes sabiam que a D… era um “subempreiteiro”, que trabalhava para um “Empreiteiro” (atual H…, anterior G…), e que este Empreiteiro trabalhava para o Dono de Obra.
HH. Na verdade, e em primeiro lugar, é de mencionar os dois contratos de subempreitada celebrados entre a G…, Lda. [atual H…], e a D…, que constam de fls. 479 a 494 e fls. 495 a 510.
II. Nesses contratos de subempreitada a D… apresenta-se como Subempreiteiro, atuando a G…, Lda. [atual H…], como empreiteiro.
JJ. Ou seja, as partes afirmam a existência entre si de uma relação de subempreitada, pela qual a Assistente D… é Subempreiteira, fazendo obras para o empreiteiro G…, Lda. [atual H…]; e este empreiteiro G… Lda [atual H…] fazendo as obras para o Dono de Obra (necessariamente outra entidade que não a H…, pois ninguém é empreiteiro de si próprio…).
KK. Na cláusula Sexta nº 3 desses Contratos (cláusula que o Tribunal de Instrução, na sua transcrição do teor dos contratos, lamentavelmente, se abstém de citar…) a Assistente D…, na sua qualidade de Subempreiteiro, declara o seguinte: “Para todos os efeitos, o Subempreiteiro declara ter perfeito conhecimento e entendimento do projeto e do caderno de encargos, que se dão por reproduzidos e integrados no presente contrato e que constituem o Anexo 2 e 3”.
LL. Ora, como é evidente, no projeto e no caderno de encargos da obra encontra-se identificado como Dono da Obra a F…, SA, e não a arguida G…, Lda [atual H…], pelo que, conhecendo necessariamente a D… o projeto e o caderno de encargos – pois de outra forma não conseguiria executar os trabalhos – sabia que o Dono da Obra era a mencionada F… e não a arguida H….
MM. Isso mesmo resulta também da Licença de Obras cuja cópia consta de fls. 511 a 513 dos autos, documento necessariamente do conhecimento do subempreiteiro/assistente D…, para desenvolvimento dos seus trabalhos, no qual se pode ler: “…é emitido o presente alvará de autorização de obras de construção em nome de F…”.
NN. De resto, durante os cerca de 3 anos que a obra durou esteve afixado na obra o habitual Aviso de Licenciamento, do qual também resultava que o Dono da Obra era a F… e não a G…, Lda. [atual H…].
OO. Este facto foi referido pela denunciante C…, no seu depoimento acima citado, entre os minutos 05m58ss e os minutos 06m30ss e minutos 14m35 a 15m35ss.
PP. De que se salienta a seguinte passagem:
C… [15m35ss]: Saber nós sabíamos, conhecíamos as duas empresas, até porque, quando nós começámos os trabalhos, temos uma declaração da F… a autorizar a G… a nós podermos trabalhar, portanto, isso estava tudo com conhecimento das três, de nós, do Sr. I…, da G… e da F….
QQ. Não é verdade que a H…, ao não conseguir fazer as escrituras prometidas, tivesse causado, por esse facto, qualquer prejuízo à Assistente D….
RR. Nem é verdade que a Assistente D… tivesse ficado, por causa disso, “sem frações” e “sem dinheiro”
SS. Perante a não realização das escrituras na data prevista nos contratos, a D…, com data de 14.10.2014, enviou à arguida H… as duas cartas juntas aos autos a fls. 514 a 515 e a fls. 516 a 517, pelas quais declarava que, não se realizando as escrituras no prazo aí estabelecido, considerava ambos os contratos-promessa resolvidos, manifestando a sua perda de interesse nas aquisições e reclamando uma indemnização.
Pelo que esta factualidade deve ser incluída nos factos provados.
TT. Perante as missivas de 14.10.2014 acima referidas e perante o teor das mesmas, veja-se que a atuação da Arguida H…: confrontada com as mencionadas cartas de 14.10.2014, a Arguida H… teve o cuidado de endereçar à assistente D…, com data de 07 de Novembro de 2014, uma nova carta, reconhecendo a D… como credora e convidando-a a participar nas negociações que estava a desenvolver com os seus credores – cfr. documento junto aos autos a fls. 518.
Sendo este também um facto que deve ser adicionado à factualidade provada.
UU. Por tudo isto se vê que é absolutamente falso, contrariado por documentos e resulta apenas de má-fé da Assistente e dos denunciantes, que os Arguidos tivessem, por um lado, em algum momento, escondido ser a H… empreiteira (e não Dona de Obra) e, por outro lado, pretendido causar à Assistente qualquer prejuízo patrimonial, pois a H… teve o cuidado de, em Novembro de 2014, imediatamente após a D… ter dito pretender resolver os contratos-promessa, convidá-la a salvaguardar o seu crédito nas negociações referidas, para ser tratada em igualdade com todos os credores.
VV. Até porque, mesmo seguindo o errado raciocínio do Tribunal, os Assistentes tinham um modo simplicíssimo de tomar conhecimento sobre o proprietário das frações: bastava, para tanto, se dúvidas tivessem, que consultassem as correspondentes certidões do Registo Predial das frações em causa.
WW. Quanto à questão de terem sido entregues as frações, é impossível – fisicamente impossível! – que a “entrega das frações” tivesse tido qualquer influência na confiança dos Assistentes aquando da celebração de dois contratos celebrados 3 meses antes…como é evidente!
XX. Sendo errada e contraditória com a factualidade indiciada pelo Tribunal a conclusão da decisão instrutória (na sua página 58) de que “com a celebração de tais contratos, foram aliás colocados à disposição
dos assistentes o uso e ocupação de tais apartamentos” e que “No caso, o arguido, celebrando tais contratos-promessa, entregando a chave dos apartamentos prometidos vender, quis fazer crer aos assistentes que pretendia efetivamente saldar a dívida que tinha para com aqueles”, pois essa colocação ocorreu posteriormente, como decorre dos pontos 15 e 18 da factualidade indiciada, mais concretamente “cerca de 3 meses” depois, como decorre das palavras da Assistente C…, citadas na página 53 da decisão instrutória.
YY. Não houve, assim, qualquer astúcia, mas antes o procurar, pelos Arguidos, de uma forma possível para extinção de uma dívida que, muito antes da celebração dos contratos-promessa, já existia e relativamente às quais se verificavam dificuldades de cumprimento em face das dificuldades de venda dos apartamentos pela comercializadora F… (em virtude da crise imobiliária que existia em 2010 e 2011 no mercado imobiliário e que é facto público e notório) e do pagamento por esta à H…, para efetuar os pagamentos à Assistente D….
ZZ. O que resulta dos documentos dos autos é que a (inexistente) “astúcia” não enganou os Assistentes, que, como resulta dos documentos juntos em instrução, e em especial do documento de fls. 547 a 553 – recorda-se, documento elaborado pelos Assistentes, no qual confessam que sabiam de tudo desde sempre – sempre souberam que a proprietária das frações era a F… e que a concretização das escrituras dependia de uma primeira transmissão da propriedade das mesmas da F… para a H… (anteriormente G…).
AAA. Como se disse, tendo os contratos-promessa sido assinados, um em 13.07.2010 (cfr. fls. 19-20 e vº) e o outro em 20.01.2011 (cfr. fls. 21-22 e vº dos autos), não poderia ser exigido, para a celebração dos contratos celebrados meses antes, uma declaração que apenas foi emitida meses depois (a declaração de fls. 23 dos autos).
BBB. E, recorda-se, na declaração de fls. 23 pode ler-se, claramente, que o recibo de quitação das quantias de que a Assistente D… era credora apenas seria entregue por esta à H… (então denominada G…) “aquando da celebração da escritura das identificadas frações…”.
CCC. Ou seja, todas as partes sabiam que a extinção definitiva da dívida só ocorreria “aquando da celebração da escritura das identificadas frações”, pois, naturalmente, só a partir desse momento futuro é que a H… nada mais deveria à D….
DDD. Isto mesmo é expressamente referido pela testemunha, a Contabilista J…, com depoimento acima identificado minutos 04m50ss e minutos 11m40ss a 12m25ss e minutos 27m30ss a 27m41ss.
EEE. Não tendo sido realizadas as escrituras, obviamente que a D… nunca emitiu os recibos de quitação mencionados nessa declaração (cfr. fls. 23 dos autos).
FFF. Recordando-se também o documento de fls 518, pelo qual a H… convida a Assistente para salvaguardar o crédito no seu PER, se assim o entendesse.
GGG. Ou seja, nunca os Arguidos invocaram algo que seria absurdo e não se percebe como iludiu o Tribunal de Instrução: o de que a H… devia à Assistente nem frações nem dinheiro!?!? Isto nunca foi, obviamente, invocado pelos Arguidos. Muito pelo contrário!.
HHH. De resto, a testemunha J… refere expressamente que essa “anulação”, para efeitos contabilísticos, promovida pela D…, apenas ocorreu depois, quando a D… pretendeu lançar na sua contabilidade os valores das rendas que estava a receber, como senhoria, pelo arrendamento das frações que entretanto lhe foram entregues (e não, portanto, nem com a assinatura dos contratos nem com a emissão da declaração de fls 23). É o que resulta do seu depoimento atrás citado, minutos 25m40ss a 26m18ss.
III. Ou seja, o documento de fls 23 não é – nem nunca foi usado nem pela D… nem pelos Arguidos nesse sentido – um recibo de quitação das quantias devidas pela H… à D…. Essa quitação, como o próprio documento refere, apenas seria dada “aquando da celebração da escritura das identificadas frações” e por recibo de quitação próprio para o efeito.
JJJ. A D… não teve qualquer prejuízo com a factualidade descrita nos autos pois está hoje na situação em que estaria se não tivessem sido celebrados os contratos-promessa: o seu crédito sobre a H… foi pago nos termos determinados no PER da H…, como sucedeu com todos os credores.
KKK Em boa verdade, a D… teve até um benefício, pois durante cerca de 6 anos logrou receber rendas de contratos de arrendamento que fez das frações em causa a terceiros, e que, segundo o depoimento da testemunha K…, atrás citado (minutos 02m10ss), corresponderia a um valor total, para os dois apartamentos em causa nos autos, de cerca de 79.200€.
LLL. Ao que acresce o seguinte: ainda antes de qualquer atuação dos Arguidos, a D… havia já realizado a prestação pela qual se tornou credora da H… e que foi a realização de obras, entre 2007 e 2009, parcialmente não pagas, conforme documento de fls. 23 verso dos autos.
MMM. Assim sendo, como é evidente, não é possível imputar a qualquer comportamento posterior a 2009 (seja os contratos-promessa de 2010 e 2011, seja a declaração de março de 2011) a “saída de valores da esfera” da D…, pois tais valores já tinham sido anteriormente transmitidos pela D… à H….
NNN. Pelo que, desde logo por esta circunstância, não há crime de burla, pois não foram os atos imputados (datados de 2010 e 2011) que fizeram com que quaisquer valores tivessem passado, anos antes (entre 2007 e 2009), da disponibilidade da D… para a disponibilidade da H….
OOO. Dispõe o artigo 217º do Código Penal que “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido...”.
PPP. Sendo que, nos termos do disposto no 218º, nº 2, alínea a), do Código Penal “A pena é a de prisão de dois a oito anos se: a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado…”
QQQ. No caso sub judice, não estão minimamente preenchidos os elementos objetivos nem subjetivos do tipo legal imputado aos Arguidos.
RRR. A Assistente mais não era, à data da denúncia, do que titular de um direito de crédito sobre a Arguida H….
SSS. A conduta dos Arguidos, por não estar tipificada, não é suscetível de integrar a conduta da norma incriminadora do crime de abuso de burla (e de burla qualificada)!
TTT. A conduta dos Arguidos não preenche o tipo objetivo do crime de burla, porquanto:
a. Os Arguidos não enganaram a Assistente;
b. Muito menos o fizeram astuciosamente;
c. O inexistente engano não levou a Assistente a praticar atos que lhe causassem prejuízo patrimonial;
d. Pois nenhum ato praticado pela Assistente, na sequência e como consequência de atos dos Arguidos, lhe foi prejudicial;
e. A Assistente encontra-se atualmente na exata situação em que estaria se não tivessem sido celebrados os contratos promessa e se não tivessem outorgado os demais documentos e se não lhe tivessem sido entregues as frações em causa nos autos (rectius, está hoje melhor, pois recebeu rendas durante mais de 6 anos);
f. Não tendo tido qualquer prejuízo;
g. O crédito que a Assistente tinha sobre a Arguida H… é anterior (cfr. fls 23 verso) aos factos que são imputados aos Arguidos;
h. Os Arguidos não atuaram com dolo;
UUU. Com efeito, não foi feita prova, nem sequer indiciária, de tais elementos.
VVV. Pelo contrário, toda a prova produzida, em especial a abundante prova documental trazida pelos Arguidos, desmente totalmente a versão da Assistente constante da denúncia e do requerimento de abertura de instrução.
WWW. Em especial do documento de fls. 547-553, da autoria da Assistente, decorre que a Assistente e os denunciantes os mesmos sempre souberam que a H… não era proprietária das frações; que se previa a aquisição das frações pela H… e, só então, a sua possível transmissão para a Assistente D…; que a entrega das frações foi feita com o acordo da proprietária F…, que a Assistente sabia ser a proprietária das mesmas.
XXX. Desde logo, basta constatar que a dívida da Arguida H… à Assistente D… era muito anterior à data da celebração dos contratos-promessa (conforme resulta provado pelo documento de fls. 23 versos dos autos), pelo que a pretensa “saída de bens do património” dos Assistentes ocorreu muito antes, aquando da execução da subempreitada: a Assistente D… efetuou obra que, no âmbito da execução do contrato, não foi anteriormente paga, até porque, contratualmente, o seu pagamento estava previsto ser feito posteriormente.
YYY. Os Arguidos não tiveram qualquer vantagem patrimonial, e os Assistentes não tiveram qualquer prejuízo, com a celebração dos contratos-promessa e com a factualidade subsequente.
ZZZ. Pois se os contratos-promessa não tivessem sido celebrados, a Assistente D… estaria hoje na mesmíssima situação em que está.
AAAA. Se algum comportamento concludente se extraísse da matéria de facto sempre seria no sentido oposto, i.e. no sentido de não se ter verificado qualquer crime.
BBBB. Face a tudo quanto ficou exposto, não se encontra suficientemente (nem sequer minimamente) indiciada a verificação dos elementos objetivos do tipo, pressuposto essencial para a pronúncia dos Arguidos pelos crimes de burla qualificada, pelo que os Arguidos devem ser não pronunciados.
CCCC. Não resulta minimamente demonstrado nos autos nem no despacho de pronúncia que os Arguidos tivessem representado e querido os elementos objetivos do crime.
DDDD. Assim sendo, e por constituir momento essencial na imputação do facto ao agente, a falta de tipicidade subjetiva, rectius, a ausência de dolo na (alegada) comissão dos crimes de burla qualificada determina, em absoluto, a impossibilidade de imputar qualquer responsabilidade jurídico-penal aos Arguidos, pelo que os mesmos sempre deverão ser não pronunciados.
EEEE. Este Tribunal Superior pode reapreciar a matéria de facto indiciada, por dispor dos elementos legais para tanto, o que se requer.
FFFF. Ao pronunciar os Arguidos, o Tribunal de Instrução violou o disposto nos artigos 217.º, nº 1 e 218.º, nº 2, alínea a) e 16º, 1 do Código Penal, pois não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal imputado.
GGGG. E violou ainda o disposto no artigo 308º, 1, do Código do Processo Penal, pois pronunciou os Arguidos sem que, até ao encerramento da instrução, tivessem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos mesmos de uma pena ou de uma medida de segurança, quando, dos elementos constantes dos autos, impunha-se a respetiva não pronúncia.
HHHH. Violando, igualmente, o disposto no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP, porquanto, mesmo numa apreciação indiciária, está o Tribunal de Instrução submetido ao princípio in dubio pro reo, como uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência.»
Terminaram os arguidos o seu recurso pedindo a revogação do despacho de pronúncia e ordenada a sua substituição por outro que não os pronuncie pelos crimes de que vêm acusados.
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Em sede de resposta, o Ministério Público expressou a sua concordância com a decisão recorrida, entendendo que se deve negar provimento ao recurso.
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Por sua vez, os assistentes apresentaram resposta, onde acabaram por sintetizar a sua posição nos seguintes termos:
«1– Na Decisão Instrutória de 18/01/2019, foi proferido despacho de pronúncia relativamente aos arguidos, E…, H…, Lda. (anteriormente designada G…, Lda.), e F…, SA, a quem foi imputada a prática, em concurso real e na forma consumada, de 2 (dois) crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.°, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
2 – Inconformados com o predito despacho de pronúncia, os citados arguidos vieram dele interpor recurso, que culminou com 86 conclusões, delimitadoras do seu objeto, que aqui se consideram totalmente descritas, pugnando pela insuficiente indiciação dos elementos, objetivo e subjetivo, dos crimes de burla qualificada.
3 – Na motivação, sinalizou-se o itinerário percorrido pela Mmª Juíza de Instrução, em face da prova produzida no inquérito e na instrução – que aqui se dá por reproduzido –, que determinou a proferimento do despacho de pronúncia relativamente aos arguidos.
4 – O despacho de pronúncia embasou-se na particularidade de a Mmª Juíza de Instrução ter julgado indiciariamente demonstrados os factos integradores da astúcia, do erro e do engano e do elemento subjetivo do crime de burla.
5 – A Decisão Instrutória exarada, pelo seu detalhe, valência e judiciosidade, mostra-se paradigmaticamente densificada e, no substantivo, plenamente acertada – não merece, ipso facto, nenhum reparo, porquanto o Tribunal valorou, de forma atilada e crítica, a prova existente nos autos.
6 – Por tal motivo, o parecer que dela fazem os recorrentes, embora teoricamente admissível, não subverte a convicção do Tribunal, que se apresenta imperativa, categórica e inteiramente respaldada no acervo factual – diante disso, a Assistente, por alguma superfluidade, podia dispensar-se de considerações adicionais.
7 – Ainda assim, em vista do recurso interposto, foram indigitadas algumas nótulas no plano teórico-jurídico (que ora se dão por totalmente descritas) e no reduto factual.
8 – Neste último segmento, interessa avultar que no recurso se procura coonestar a conduta do arguido E…, por si e na qualidade de representante legal das arguidas; todavia, diga-se sem remora, não se pode legitimar o que, em termos nucleares, reverbera absoluta improbidade e desonestidade.
9 – Os primeiros documentos que coinquinam totalmente a tese dos arguidos são, de imediato, os próprios contratos-promessa. Na verdade, sendo certo que a G… não afirma, nos sobreditos contratos, ser proprietária legítima dos imóveis, é também incontrovertido que em parte alguma do correspondente texto se pode divisar que não o fosse. Pelo contrário: o que desponta do contrato é que a G… se comportava como proprietária, conquanto não assumisse explicitamente tal qualidade, e que, em conformidade, tinha reais e concretos poderes para dispor do imóvel – dessa forma, criou, astuciosamente, a ilusão de que era efetiva proprietária.
10 – Nos contratos-promessa, verifica-se que a G… pareceu ser, em absoluto, o que não era. Atendendo ao que se passou no terreno, questiona-se: Quem era o dono da obra? Quem contratou com a D…? Quem tinha a posse dos imóveis? Quem deu a posse dos imóveis à D…? Quem prometeu vender os imóveis à D…? Quem tinha de comprar, em nome da G…, os imóveis à F…? Quem tinha de vender os imóveis, em nome da F…, à G…, para que esta pudesse cumprir o contrato promessa?
11 – A resposta a todas essas perguntas tem um denominador comum: o arguido E…, que era, por conseguinte, o leitmotiv do negócio, ou seja, o negócio era inteiramente I1….
12 – Por que razão o arguido E…, tendo o domínio de ambas as sociedades, nunca procurou honrar os contratos? Precisamente porque nunca teve o desígnio de o fazer; para cumprir os contratos, apenas se requisitava a vontade do E…, mas ele assim não o quis.
13 – Outro facto que os documentos não refletem: então os contratos-promessa dispõem que a tradição do imóvel ocorreria na escritura, e a posse foi dada muito antes disso? Como explicam os documentos tal singularidade? Se se tratava de bem alheio, cuja posse seria entregue na data da escritura, como conseguiu a D… ter a posse dos imóveis? Terá sido esbulho violento?! Terá a chave sido subtraída da sede da F…?! Mistérios… do arguido E…!
Contratos-promessa celebrados entre a G… e a D….
15 – Os contratos promessas das frações AS e AE foram, celebrados respetivamente, em 13/07/2010 e 20/01/2011 e as escrituras deveriam ser outorgadas em 30/06/2011.
16 – Todavia, até hoje, jamais a G… adquiriu o imóvel à F… e inexiste documentação que ratifique que em alguma oportunidade a G… tenha tentado adquirir algum imóvel à F…; de facto, a G… nunca quis adquirir nenhum imóvel à F… – só queria mesmo enganar a D…!
17 – Os arguidos pretextaram que se tratava de uma promessa de bens futuros; não obstante, do contrato nada disso resulta – emerge exatamente o oposto.
18 – Os arguidos argumentam que a D… e os seus representantes sabiam, desde o início, que a G… não era a proprietária do imóvel – trata-se, porém, de uma impertinência; se isso correspondesse à realidade, por que motivo ignoto assinaram esses contratos, nos quais declararam, na cláusula terceira de ambos – a sublinhado e a negrito! –, que já receberam o preço? (na motivação, fez-se a transcrição da cláusula terceira dos contratos.)
19 – Aceita-se que os representantes da assistente não foram inteiramente idóneos na assinatura dos contratos-promessa, por não se terem certificado de que a promitente-vendedora tinha condições para cumprir as promessas; todavia, a incompetência tem limites.
20 – Na verdade, é completamente distinta a incompetência refletida pela assinatura de um contrato sem a certificação da atinente seriedade, da inidoneidade de, conscientemente, aceitar quitação de centenas de milhares de euros como contraprestação de promessas vazias de uma sociedade.
21 – Ninguém, de forma livre e esclarecida, aceita quitação dos apontados valores em compensação de promessas vãs!
22 – Na predita declaração, inserta na cláusula terceira, em concatenação com os demais dados sinalizados na decisão instrutória, conforma-se, assim, um elemento concludente para certificar o prejuízo patrimonial na esfera da assistente e a consequente consumação da burla.
23 – Os contratos-promessa em tela preveem, na cláusula nona, a possibilidade de execução específica! Como se isso fosse possível numa promessa de venda de bem alheio!
24 – No argumentário dos arguidos, pontificam ainda inúmeras falácias non sequitur, ou seja, falácias em que a conclusão não decorre, de forma alguma, da premissa.
Exemplificando:
- os assistentes assinaram em 2007 um contrato do qual consta que o dono da obra é a F… e a G… empreiteira; consequentemente, em 2010, os assistentes sabiam que a G… não era proprietária das frações AE e AS;
- em 2007, a D… assinou um contrato de subempreitada com a G…; por conseguinte, em 2010, a D… sabia que a G… não era proprietária das frações AS e AE;
- o alvará, concedido em 2007, declara que o dono da obra é a F…; logo, em 2010, a D… sabia que a G… não era proprietária das frações AS e AE.
- a Assistente enviou uma interpelação admonitória; consequentemente, a Assistente resolveu o contrato; a Assistente tinha de restituir os imóveis ao proprietário; a Assistente ratificou que os arguidos reclamassem a posse do imóvel; e a culpa por não ter sido ressarcida dos créditos é sua;
- em julho de 2014, a Assistente reclamou um crédito no processo 6187/13.0YYPRT; por isso, em 2010, a Assistente sabia que a G… não era proprietária da fração AE; e
- a arguida H…, Lda., enviou carta a convidar a Assistente para negociações no âmbito de um PER; logo, a Assistente foi reconhecida como credora nesse PER.
25 – Trata-se, pois, de um conjunto de falácias cristalinas, em que as premissas não legitimam/validam naturalmente a conclusão.
26 – Os arguidos curaram ainda de estabelecer uma falsa equivalência entre a interpelação admonitória e a declaração de resolução contratual. (na motivação, clarificou-se o equívoco dos arguidos, com a distinção das duas situações – dá-se aqui por descrita tal matéria.)
27 – Quando a D… comunicou que a partir de certa data considerará o contrato definitivamente incumprido, não estava a proceder a nenhuma resolução do contrato; pelo contrário, considerou que os contratos estavam definitivamente incumpridos!
28 – Apesar dessas falsidades, os arguidos ainda têm o atrevimento de dizer que os assistentes estão de má-fé, quando eles é que agiram de forma criminosa.
29 – De outro lado, a arguida H… tem a desfaçatez de dizer que a dívida à D… foi reconhecida quando objetivamente não o foi, pois a D… não consta da lista de credores abrangidos pelo PER.
30 – De resto, é revelador que venha agora a arguida H… alegar o pagamento de 10% do valor à D…! Em tantos anos, só depois de o Ministério Público, nas conclusões do primeiro debate instrutório, ter pedido a pronúncia dos arguidos é que a H… se lembrou de cumprir o PER em relação à D…? Terão todos os outros credores apenas recebido em setembro de 2018? Ou será que a D… apenas conseguiu ser ressarcida desse valor porque o Ministério Público pediu a pronúncia da arguida H…, e esta, mediante alguma contrição, decidiu mudar de estratégia? Obviamente, se o Ministério Público tivesse pedido a não pronúncia da arguida H…, a D… não teria recebido absolutamente nada, como nunca recebeu antes.
31 – É, assim, inequívoca a atuação criminosa dos arguidos. De uma tirada, conclui-se: a arguida H… logrou uma quitação da dívida que tinha com a D…; impediu a D… de recorrer a meios judiciais, fazendo constar dos contratos-promessa que a D… já havia recebido os valores e convencendo a D… de que essa
seria a realidade; e conseguiu aprovar um PER sem indicar a D… como credora, de forma a eliminar cerca de 1/3 dos votos a que o plano seria sujeito.
32 – Mudam as estratégias dos arguidos, mas a burla mantém-se, porquanto a atinente consumação se operou em tempo já muito distante.
33 – O excurso – sensato, criterioso, refletido e persuasivo – feito pela Mmª Juíza de Instrução permite afirmar a presença plena de indícios suficientes para submeter os arguidos a julgamento – conforma-se, por isso, acertada a decisão prolatada pelo Tribunal a quo.»
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Já nesta Relação, porém, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que sustentou que o recurso deve ser julgado procedente.
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Cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Assim sendo, as principais questões a decidir consistem em dilucidar:
- se existem ou não nos autos indícios suficientes para pronunciar o arguido pela prática dos factos levados aos pontos 3, 4, 8 (parcialmente), 10, 11, 12, 19, 20, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 40, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51 do despacho de pronúncia;
- se, mesmo dando como suficientemente indiciada a factualidade vertida no despacho recorrido, aquela não preenche os elementos objetivos típicos de qualquer tipo legal de crime, mormente os do crime de burla imputado aos arguidos.
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O despacho recorrido
Para um mais alargado esclarecimento das questões postas, passa a transcrever-se o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte:
«(…) Declaro encerrada a Instrução.
1. O Digno Magistrado do Ministério Público proferiu a fls. 195-198 despacho de arquivamento contra o arguido B… [2], considerando, em síntese, que o que se indiciava nos autos era o não cumprimento de obrigações assumidas, a resolver de acordo com as normas de direito civil, não se encontrando assim preenchidos os elementos constitutivos do crime de burla, sem prejuízo de os denunciantes recorrerem às instâncias civis para obterem o cumprimento dos seus direitos decorrentes da celebração de dois contratos de natureza civil.
2. Inconformados, B… e C…, por si e na qualidade de sócios-gerentes da sociedade “D…, LDA.” requereram a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia dos arguidos E…, “F…, S.A” e “G…, S.A.” pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º e 218º, n.º 2, al. a), ambos do C. Penal, com os fundamentos melhor exarados no requerimento junto a fls. 207-222.
3. A instrução foi declarada aberta por despacho de fls. 263-264, foi admitida a junção de documentos e a inquirição das testemunhas arroladas.
Realizou-se o debate instrutório, conforme se pode constatar da competente ata.
Todavia e aquando da prolação da decisão instrutória, apurou-se que a sociedade comercial “H…. LDA.”, outrora “G…, S.A.”, não havia sido constituída arguida, nem prestado o competente TIR, o que foi então determinado por despacho de fls. 441, realizando-se novo debate instrutório, a fim de sanar qualquer irregularidade ou vício que pudesse vir a ser invocado.
Na decorrência da produção de prova indiciária suplementar, foi requerida a inquirição dos assistentes e foram juntos aos autos documentos, conforme da competente ata consta.
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4. O Tribunal é o competente.
Não há nulidades, ilegitimidades, exceções ou questões prévias que cumpra conhecer.
Nada obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa limitado pelo objeto da instrução.
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5. FUNDAMENTAÇÃO
É apenas um, em síntese, o problema geral que em via de princípio importa tratar nesta fase, que é este: há ou não indícios suficientes da prática pelos arguidos, do crime pelo qual requerem os assistentes a sua pronúncia?
Para uma resposta a essa interrogação importará apurar se até ao encerramento da instrução se encontram ou não recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 308º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Abstendo-nos nesta ocasião de proceder a uma longa exposição teórica sobre o problema de saber o significado preciso do conceito de “indícios suficientes”, sempre diremos contudo que aderimos no essencial à argumentação expendida sobre o assunto pelo Prof. Castanheira Neves, segundo a qual na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final – a única especialidade em sede de instrução, como em sede de inquérito (artigo 283º, n.º 1 do Código de Processo Penal), é a de que a fase em que nos achamos não mobiliza em regra os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a condenação pode ser bastante para a acusação ou para a pronúncia (in “Sumários de Processo Criminal”, pág. 38 e 39).
Trata-se, na nossa perspetiva, da posição mais consentânea com os princípios da presunção da inocência do arguido e da necessidade na restrição dos seus direitos fundamentais, e com a própria dignidade do mesmo arguido (artigos 1º, 13º, n.º 1, 18º, n.º 2, 25º, n.º 1 e 32º da Constituição), princípios esses que impõem uma análise dos factos a partir de uma ótica à luz da qual, em suma, concluamos pela acusação ou pronúncia do arguido apenas se em face dos elementos de que dispusermos, não nos restar qualquer dúvida razoável sobre a responsabilidade e culpabilidade do mesmo.
Sendo este o critério legal em que deve assentar a prolação de um despacho de pronúncia ou não pronúncia, do mesmo resulta que o despacho de pronúncia só deve ser proferido se se puder formular um juízo de probabilidade de aplicação à arguida de uma reação criminal.
Será esse o caso?
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5.1. O CRIME
O crime em discussão é o de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º e 218º, n.º 1º, al. a), ambos do C. Penal.
Pratica o crime de burla “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial” – artigo 217º, n.º 1, do Código Penal.
E continua o n.º 1, do artigo 218º, do mesmo diploma legal que o crime é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias se o prejuízo patrimonial for de valor elevado.
Por fim, diz-nos a al. a) do artigo 202º do C. Penal, que valor elevado é aquele que exceder as 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto, in casu, €5.100,00.
Conforme resulta desta disposição normativa, a burla recobre situações em que o agente, com intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que a última, por esse motivo, pratique atos que causem a si mesma (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial. Ao invés do que sucede nos delitos contra a propriedade, que apenas tutelam a propriedade em si, o bem jurídico aqui protegido consiste no património, globalmente considerado.
A burla constitui, assim, um crime de dano, que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efetivo no património do sujeito passivo da infração ou de terceiro.
Acresce que, embora não diretamente relacionado com o critério do bem jurídico, a burla consubstancia, também, um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima e, assim, quando se dá um “evento” que, embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónomo em relação a ela. No contexto em apreço, a questão adquire, inclusive, contornos especiais: uma vez que se está perante algo que já se apelidou de “crime com participação da vítima”, isto é, de um delito onde a saída dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular decorre, em último termo, de um comportamento do sujeito passivo, a referida autonomização do evento reporta-se tanto à conduta do agente como à ação do próprio burlado. O que se afirma reflete-se na particular estrutura que o nexo de imputação objetiva reveste na órbita da infração em análise.
O crime em apreço representa um crime de resultado parcial ou cortado, caracterizando-se por uma “descontinuidade” ou “falta de congruência” entre os correspondentes tipos subjetivo e objetivo. Embora se exija, no âmbito do primeiro, que o agente atue com a intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objetivo, se observe o empobrecimento (dano) da vítima.
A consumação deste tipo legal de crime não deriva, apenas, do resultado consistente na saída dos bens ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular, exigindo-se, para além disso, a verificação de um efetivo prejuízo patrimonial do burlado ou de terceiro.
A determinação do que deve entender-se por “prejuízo patrimonial” encontra-se condicionada pelo conteúdo que se atribua ao património enquanto bem jurídico subjacente ao tipo legal da burla.
Debatem-se, na doutrina, três teses fundamentais: as conceções jurídicas, económicas e económico-jurídica.
Não entrando, por despiciendo, em tal discussão, sempre se dirá, porém, que seja qual for a conceção de património adotada, qualquer delas só releva desde que envolva um prejuízo de natureza económica para o sujeito passivo ou para terceiro.
Sendo embora um crime material ou de resultado, que se consuma com a saída das coisas ou dos valores da disponibilidade fáctica da vítima, ou seja, quando ocorre o empobrecimento patrimonial do lesado, a burla configura, também, um crime de resultado parcial ou cortado, “caracterizando-se por uma “descontinuidade” ou “falta de congruência” entre os correspondentes tipo subjetivo e objetivo (…). Embora se exija, no âmbito do primeiro, que o agente atue com intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objetivo, se observe o empobrecimento (=dano) da vítima” – cfr. Almeida Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 276 e 277.
Mas para que se verifique o crime, aquela intenção, tal como os demais elementos constitutivos do mesmo, terá de surpreender-se nos factos provados, pois que constitui matéria de facto.
A burla pressupõe um duplo nexo de imputação objetiva: enquanto delito de execução vinculada, ela pressupõe quer a existência de um nexo entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do seu património, quer a ocorrência de um nexo entre estes últimos e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial – cfr. Almeida Costa, ob. cit., págs. 298 e 293.
No domínio da ação do agente, na produção do resultado típico há que apurar pois, a amplitude da sua vontade na representação desse facto agravativo, de forma a poder definir-se a modalidade da sua responsabilidade criminal (dolo direto, necessário, eventual?)
A análise valorativa jurídico-criminal do “telos” da norma, perante a ação desenvolvida pelo arguido, reclama averiguação factual sobre o conhecimento do agente sobre essa factualidade agravativa, sob pena de a norma agravanda deixar de ter qualquer significado jurídico-penal.
Quanto à conduta, a burla constitui, como se disse, um crime material ou de resultado, cuja consumação depende da verificação de um evento que se traduz na saída dos bens ou valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do legítimo detentor dos mesmos ao tempo da infração.
Por outro lado, a burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento. Traduz-se ela na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar atos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
Para que se esteja em face de um crime de burla, não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efetiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos atos de que decorrem os prejuízos patrimoniais.
A consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objetiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial.
No quadro do que se acaba de deixar dito, a qualquer dos momentos em que se desdobra o duplo nexo de imputação objetiva subjazem os pressupostos da chamada teoria da adequação (artigo 10.º, n.º 1, do Código Penal), encontrando-se, por isso mesmo, dependente das concretas circunstâncias do caso, aí se incluindo as características do burlado.
A colocação da tónica no aludido “conteúdo comunicacional” da conduta implica relevantes consequências ao nível das soluções concretas. Assim, a afirmação da verdade pelo agente não exclui a punição a título de burla se, atento o contexto em que foi proferida, assumir o prevalente sentido de uma declaração não séria e, nessa medida, se mostrar insuscetível de colocar termo ao estado de erro em que se encontra o sujeito passivo. Por outro lado, tendo em atenção a particular ingenuidade ou falta de resistência do burlado (por exemplo, mercê de fragilidade intelectual) admite-se a possibilidade de concluir pela idoneidade de um meio enganador via de regra incapaz de persuadir a generalidade das pessoas.
Importa, ainda referir nesta sede, que o erro do sujeito passivo tem de ser provocado astuciosamente.
No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reações do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objetivo em vista. Por outro lado, a experiência de todos os dias revela que, longe de envolver, de forma inevitável, a adoção de processos rebuscados ou engenhosos, aquela sagacidade comporta uma regra de “economia de esforço”, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. Numa tal adequação de meios – adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o “ponto ótimo” no menos sofisticado dos procedimentos – radica, em suma, a inteligência ou astúcia que preside ao estereótipo social da burla e, sob pena de um divórcio perante as realidades da vida, tem de subjazer à “fattispecie” do n.º 1 do artigo 217.º.
Refira-se, por último, que só esta perspetiva se harmoniza com o entendimento pacífico de que a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente se afere tomando em consideração as características do concreto burlado.
De harmonia com o exposto, e na medida em que se exprime a adequação do comportamento do agente às características do caso concreto, o domínio-do-erro por parte do agente esgota o conteúdo útil da inclusão do advérbio “astuciosamente” no n.º 1 do artigo 217.º, do Código Penal, enquanto nota caracterizadora do “modus operandi” da burla: por referência ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º, do Código Penal. Ele exprime, no contexto de um “iter criminis” que comporta, de permeio, a intervenção de outra pessoa (sujeito passivo), a exigência de um rigor intensificado – o mesmo que se coloca na esfera da autoria mediata fundada no domínio-do-erro – ao nível da aplicação dos critérios gerais da imputação objetiva.
A burla integra um crime doloso, não tendo lugar o seu sancionamento na forma negligente (artigos 217.º, n.º 1, e 13.º, do Código Penal).
5.2. A PROVA
Olhando à prova disponível, que dizer?
Em substância, foi requerida a pronúncia dos arguidos pelos seguintes factos:
“1. B… e C… são sócios-gerentes da “D…, Lda.”, empresa que tem como objeto social: “limpeza de locais desmatações, abate de árvores, limpezas de terrenos, etc; demolições prédios, infraestruturas, pavimentos, muros, instalações diversas, etc. Estes trabalhos podem incluir desinfestações, terraplanagens, escavações a céu aberto, abertura de valas, movimento de terras, aterros, desmonte de rocha dura com ou sem explosivos, etc.; remoção de terras, solos rochosos, resíduos, fornecimento de inertes ou materiais, etc.; infraestruturas, tubagens de água, saneamento, eletricidade, gás, etc; aluguer de equipamento.
2. No dia 3 de Setembro de 2007, a sociedade “F…, S.A.”, pessoa coletiva n.º ………, legalmente representada pelo arguido E…, na qualidade de dono da obra, adjudicou à sociedade “G…, Lda.”, pessoa coletiva n.º ……… e igualmente representada pelo mesmo arguido E…, a execução de uma obra de construção de um edifício de habitação.
3. O negócio consigo mesmo indicado no ponto 2º, tinha como único objetivo criar um dueto “Banco Bom/Banco Mau”, no qual o banco bom seria a “F…”, dona da obra e do património, e o banco mau seria a “G…”, subempreiteira fictícia, destituída de património, constituída com o único propósito de responder pelas obrigações do dono da obra, sem que, legalmente, o dono da obra ficasse com qualquer parte do passivo da empreitada, pelo menos perante outros empreiteiros.
4. No dia 4 de setembro de 2007, o “Banco Mau” “G…, Lda.”, legalmente representada pelo arguido, na qualidade de empreiteiro geral, adjudicou à sociedade “D…, Lda.”, a empreitada de escavação geral da obra de construção de um edifício de habitação.
5. Ficando orçamentado e acordado como pagamento desses serviços o valor de €1.126.558,93 (um milhão, cento e vinte e seis mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e noventa e três cêntimos).
6. Dessa quantia, apenas foi liquidado o valor de €698.390,00 (seiscentos e noventa e oito mil, trezentos e noventa euros);
7. Permanecendo assim por liquidar, o montante de €428.168,13 (quatrocentos e vinte e oito mil, cento e sessenta e oito euros e treze cêntimos).
8. Apesar de inúmeras e diversas insistências para o seu pagamento, o arguido, em representação das suas sociedades, nunca pagou, até hoje, o remanescente.
9. Assumindo mesmo que estava impossibilitado de honrar os seus compromissos, pelas dificuldades de mercado e propondo aos participantes um pagamento em espécie.
10. Apesar de não ser esse o interesse dos representantes da “D…”, estes, receando o incumprimento definitivo, aceitaram.
11. Assim, para pagamento do remanescente, ficou acordado entre as partes que o arguido, que agia enquanto representante do dono da obra, sem alguma vez ter indicado que o dono da obra não seria a “G…” mas sim a “F…”, entregaria duas frações autónomas, ficando desta forma integralmente pago o valor acordado pela prestação de serviços contratada.
12. Em conformidade, foram celebrados dois contratos-promessa de compra e venda entre a “D…, Lda.” e a “G…, Lda.”, sem que desses contratos constasse qualquer menção que tais bens não eram da “G…” e que, portanto, seria uma promessa de venda de bens futuros.
13. O primeiro contrato foi celebrado no dia 13 de Julho de 2010, tendo por referência a fração autónoma designada pela letra “AS”, destinada a habitação de tipologia T2, quinto piso esquerdo, traseiras, com entrada pelo n.º …, da Rua…, incluindo ainda um lugar de garagem para dois veículos e um compartimento para arrumos no piso - …, com entrada pelo n.º … da Via do L…, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º 11142.
14. A este contrato promessa de compra e venda, foi atribuído o valor de €200.000,00 (duzentos mil euros), quantia que a promitente vendedora declarou ter já recebido.
15. Após a celebração do contrato-promessa foram entregues, pelo arguido, aos legais representantes da “D…”, as chaves do respetivo imóvel, adquirindo assim, a posse da referida fração.
16. Uma vez que o valor patrimonial desta fração era insuficiente para fazer face ao montante ainda em dívida, e alegando a “G…” não dispor de liquidez suficiente para fazer face a tal montante, foi também proposto o pagamento pela entrega de outra fração autónoma.
17. Nestes termos, no dia 20 de Janeiro de 2011, foi celebrado novo contrato promessa de compra e venda, tendo por referência a fração autónoma “AE”, destinada a habitação do tipo T3, quinto andar esquerdo, com entrada pelo n.º .. da Rua…, de que faz parte um lugar de estacionamento para dois veículos com acesso pelo n.º 35 da referida rua, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 400 e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º 11144.
18. Mais uma vez, após celebração do contrato promessa, foram entregues, pelo arguido, as chaves do respetivo imóvel, aos legais representantes da “D…”, que adquiriram, assim, a posse da referida fração.
19. Foi ainda estipulado em ambos os contratos, o benefício da execução específica, nos termos do artigo 830º do C. C., nunca tendo ficado registado no contrato que os imóveis não eram da “G…”.
20. Para celebração dos dois contratos, foi exigido pelo arguido declaração escrita a atestar que o montante em dívida pela “G…” estava compensado com a entrega das referidas frações “AS” e “AE”.
21. Ficou ainda acordado que, aquando da celebração da escritura de compra e venda, ficaria a “D…” credora, somente do valor remanescente de €9.331,87.
22. Tendo sido acordado que o restante valor nunca seria exigido.
23. Apesar de devidamente acordado que procederiam às escrituras no prazo de 30 dias, até à presente data ainda não foram celebradas as respetivas escrituras de compra e venda.
24. Contudo, desde a data em que recebeu os imóveis, a “D…” sempre atuou como sua legítima proprietária, tal como é do conhecimento do arguido.
25. Tendo inclusivamente arrendado os imóveis a terceiros, pago o condomínio e cumprido as obrigações fiscais, por haver o arguido transmitido que, como os imóveis já se encontravam com a D…, deveria ser esta a fazer o pagamento,
26. …uma vez que tinha havido a entrega das chaves.
27. Os legais representantes do ofendido, por confiarem no arguido, conceituado ex-jogador da Primeira Divisão e da Seleção Nacional, nunca agiram judicialmente para a celebração da escritura definitiva de compra e venda, pois sempre confiaram que o arguido estaria de boa-fé.
28. E pelas inúmeras promessas do arguido que iria proceder às escrituras no “próximo mês”, sempre que era interpelado.
29. Contudo, sem que nada fizesse prever, foi a “D…” confrontada com duas ações judiciais de reivindicação peticionando, entre outros, a restituição das frações autónomas supra identificadas.
30. Citados destas ações de reivindicação, a D…” tomou conhecimento das seguintes situações:
31. Os contratos promessa de compra e venda foram celebrados com quem não era proprietário dos imóveis – a “G…, Lda.”, legalmente representada para o ato pelo sócio-gerente E….
32. Ou seja, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, as frações autónomas “AE” e “AS” eram propriedade da “F…, S.A.”
33. Sociedade administrada, à semelhança da “G…”, pelo arguido E….
34. Assim, à data da celebração do contrato promessa de compra e venda, neste caso de bem futuro, era do conhecimento do arguido que estas frações não eram propriedade da sociedade “G…, Lda.”
35. E nunca comunicou, por qualquer meio, à “D…”, que o contrato promessa era apenas de bem futuro. Pelo contrário, fez incluir uma cláusula de execução específica no referido contrato-promessa, bem sabendo que tal cláusula seria de cumprimento impossível, exceto se a “F…” capitalizasse a “G…”, o que nunca sucedeu e que o arguido sabia que jamais sucederia.
36. Com a descrita conduta, o arguido fez os representantes da “D…” acreditar que estavam a celebrar um contrato, que seria honrado, e que até poderia ser alvo de execução específica em caso de incumprimento, o que o arguido sabia ser falso.
37. Até porque, na prática e independentemente da propriedade formal, o arguido sempre se apresentou como proprietário material dos imóveis, sempre omitindo dos legais representantes da “D…” a intrincada
rede societária que havia constituído para conseguir frustrar os créditos dos empreiteiros que contratava, num esquema “Banco Bom/Banco Mau”.
38. Acontece que, no dia 17.02.2012, por escritura pública, a “F…, S.A.”, ou seja, o arguido, vendeu a identificada fração “AS” à empresa “M…, S.A.”
39. Tal sociedade, com matrícula n.º ………, tem sede na Rua…, n.º…, …. - … …, a mesma sede da “F…, S.A.”
40. A “M…” tem como administrador o arguido E…, ou seja, naquela data, o arguido acrescentou mais uma barreira artificial que os seus credores teriam que ultrapassar caso tivessem pretensões de serem ressarcidos dos seus créditos pelo valor dos imóveis do dono da obra.
41. Ou seja, o arguido E…, enquanto representante da sociedade “G…”, prometeu vender um imóvel, fração “AS” à “D…”.
42. O mesmo arguido, enquanto representante da “F…”, que é legalmente administrada por si, celebrou escritura de compra e venda dessa mesma fração com a sociedade “M…”, também ela por si administrada, noutro negócio consigo mesmo que, à luz das regras da boa fé, não tem qualquer explicação racional.
43. Em relação à fração “AE”, do que se conseguiu apurar, o arguido E…, enquanto representante da sociedade “G…”, prometeu vender a mesma à “D…”, fração que é, até à presente data, propriedade da “F…”, legalmente administrada por si.
44. Com tal habilidade e astucia, o participado conseguiu obter, indevidamente, quitação das dívidas das suas representadas perante a “D…”.
45. Assim conseguindo anular o crédito da sociedade representada pelos participantes, com o correspondente enriquecimento.
46. Obteve assim um enriquecimento de mais de €400.000,00, fruto apenas do engano provocado nos representantes legais da “D…”.
47. O arguido não tem qualquer intenção de ressarcir os créditos cuja quitação obteve de forma fraudulenta, uma vez que, ao invés de instruir as suas sociedades para cumprirem a promessa efetuada, encontra-se a reivindicar judicialmente a posse dos imóveis que havia prometido vender à “D…” e cujo preço declarou ter recebido nos já aludidos contratos promessa.
48. Com o seu comportamento fraudulento, o arguido logrou enriquecer em valor superior a €400.000,00 às custas da “D…”.
49. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem ciente de que, com as suas condutas, estava a enganar os legais representantes da “D…” e que, assim, violava a lei.
50. Com esta atuação, o arguido quis lesar, como lesou, a “D…”, impossibilitando-a simultaneamente de receber os bens imóveis pretendidos vender e de reivindicar o valor dos seus créditos, uma vez que já havia dado quitação.
51. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de obter, para si e para as sociedades arguidas representadas, um enriquecimento ilegítimo à custa de património alheio, bem ciente de que, com as suas condutas, estava a enganar os legais representantes da “D…” e de que, assim, violava a lei.”
O que temos então?
Em sede de inquérito:
Foram juntos aos autos os seguintes documentos:
A) “Declaração
F…, S.A., pessoa coletiva n.º ………, com sede em …, …, …, …. - … Penafiel, na qualidade de DONO DE OBRA, declara ter adjudicado à firma G…, LDA., pessoa coletiva n.º ………, com sede na …, …, …. - … Penafiel, a execução da OBRA DE CONSTRUÇÃO DE UM EDIFÍCIO DE HABITAÇÃO localizada em Rua…, n.º , .., .., .., .. e .., freguesia de …, concelho do Porto, distrito do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob os n.ºs …. – freguesia de …, e, que face ao aparecimento de solo rochoso durante a Empreitada de Escavação Geral, necessita de recorrer ao uso de 3 500 Kg (três mil e quinhentos quilogramas).
…, 03 de setembro de 2007 (…)” – cfr. fls. 15.
B) “Declaração
G…, Lda, pessoa coletiva n.º ……… com sede em …, … …. - … Penafiel, na qualidade de Empreiteiro Geral, declara ter adjudicado à firma D…, LDA., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Rua…, …, …. - … …, a Empreitada de Escavação Geral, da Obra CONSTRUÇÃO DE UM EDIFÍCIO DE HABITAÇÃO localizada em Rua…, ns.º .., .., .., .., .. e .., freguesia de …, concelho do Porto, distrito do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob os n.ºs …. – freguesia de …, e, que face ao aparecimento de solo rochoso durante a Empreitada de Escavação Geral, necessita de recorrer ao uso de 3 500 Kg (três mil e quinhentos quilogramas).
…, 04 de Setembro de 2007 (…)”- cfr. fls. 16.
C) Fax enviado pela “F…” à “D…, Lda.”, datado de 4 de setembro de 2007, onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…) Assunto: Empreitada – Parcelas … e … – Porto
Exmºs Senhores,
Conforme combinado vimos pela presente adjudicar a V. Ex.a a Empreitada de Desaterro (Escavação geral para implantação de Edifícios, incluindo transporte de produtos sobrantes a vazadouro licenciado) dos lotes … e …, que terá início amanhã dia 05/09/2007.
Os preços acordados são os seguintes:
. Em terra compacta ou saibro -------------------- €4,00
. Em rocha ---------------------------------------------€14,50 (…)” – cfr. fls. 17.
D) Extrato de conta de clientes completo – cfr. fls. 18.
E) Cópia de contrato promessa de compra e venda celebrado entre a “G…, LDA.” representada pelo seu sócio gerente E… na qualidade de promitente vendedora e a “D…, LDA.”, representada pelo sócio gerente B…, na qualidade de promitentes compradores, do qual constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“1º Pelo presente contrato a representada da 1ª outorgante “G…” promete vender aos 2ºs outorgantes e estes prometem comprar aquela, uma fração autónoma, designada pela letra “AS”, destinada a habitação do Tipo T2, quinto piso esquerdo traseiras, com entrada pelo n.º 76-B da Rua…, de que faz parte um lugar de estacionamento para dois veículos automóveis e um compartimento para arrumos no piso -5, com entrada pelo n.º 627-C da Vila do L…, Freguesia de …, Concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º …. – … e inscrito na matriz sob o artigo 11142.
(…)
3º O valor global da compra e venda, para o conjunto da fração autónoma descriminada na anterior 3ª, ora prometida é de €200.000,00 (duzentos mil euros), preço este já integralmente pago pelos 2ºs outorgantes à 1ª Outorgante, de que esta lhe dá completa e definitiva quitação.
& Único – O preço indicado nesta cláusula é último e definitivo, prescindindo a 1ª outorgante da prerrogativa de invocar quaisquer alterações das circunstâncias e o disposto no artigo 437º do Cód. Civil, nomeadamente, além do mais, por força do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 830º do mesmo Diploma.
4º A 1ª Outorgante assume o compromisso de proceder à entrega aos 2ºs Outorgantes da fração objeto do presente contrato à data da escritura pública definitiva, a realizar até à data limite de 30 de junho de 2011.
5º A fração objeto do presente contrato será entregue pela 1ª Outorgante, promitente vendedora, aos 2ºs outorgantes, com as características, condições, equipamentos e acabamentos previstos no projeto iguais aos das restantes frações do prédio onde se integrem e livres de todos e quaisquer ónus ou encargos, pessoas e bens.
6º É desde já permitido aos 2ºs outorgantes disporem, no todo ou em parte, dos direitos que adquirem no que respeita à fração identificada na cláusula 3ª podendo, se tal vier a ser do seu interesse, delas dispor por qualquer meio legalmente admissível, nos termos condições que muito bem entenderem.
7º A escritura definitiva de compra e venda deverá ter lugar impreterivelmente até 30 de junho de 2011, obrigando-se até tal data a 1ª outorgante a confirmar a entrega da fração objeto do presente contrato aos 2ºs outorgantes, totalmente pronta, acabada e equipada e com todas as licenças administrativas, em especial, a licença de utilização.
8º Competirá à 1ª Outorgante, promitente vendedora, marcar data, local e hora para a realização da escritura definitiva, diligenciando e obtendo para o efeito a documentação necessária, devendo comunica-lo aos 2ºs outorgantes, por escrito, através de carta registada com aviso de receção, com pelo menos 10 dias de antecedência.
9º Os outorgantes clausulam neste contrato benefício de execução específica do presente contrato nos termos do artigo 830º do Código Civil.
(…)
11º As partes prescindem expressamente de quaisquer outras formalidades legais, reconhecendo a sua plena validade representando esta declaração também renúncia ao hipotético direito de invocar a invalidade do presente contrato por qualquer vício de forma.
12º Quaisquer alterações ao presente contrato só serão válidas se reduzidas a escrito e subscritas pelas partes.
Feito em 13 de julho de 2010
(…).” – cfr. fls. 19-20 e v.º
F) Cópia de contrato promessa de compra e venda celebrado entre a “G…, LDA.” representada pelo seu sócio gerente E…, na qualidade de promitente vendedora e a “D…, LDA.”, representada pelo sócio gerente B…, na qualidade de promitentes compradores, do qual constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“1º Pelo presente contrato a representada da 1ª outorgante “G…” promete vender aos 2ºs outorgantes e estes prometem comprar àquela, uma fração autónoma, designada pela letra “AE”, destinada a habitação do Tipo T3, quinto andar esquerdo, com entrada pelo n.º .. da Rua…, de que faz parte um lugar de estacionamento para dois veículos automóveis e um arrumo no rés-do-chão, com acesso pelo n.º 35, da dita Rua, Freguesia de …, Concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º …. – … e inscrito na matriz sob o artigo 11144 e que tem em vigor o Alvará de Utilização n.º ALV/…/../DMU, emitido em 2009/07/09.
(…)
3º O valor global da compra e venda, para o conjunto da fração autónoma descriminada na anterior cláusula, ora prometida é de €237.500,00 (duzentos e trinta e sete mil e quinhentos euros), preço este já integralmente pago pelos 2ºs outorgantes à 1ª outorgante, de que esta lhe dá completa e definitiva quitação.
& Único – O preço indicado nesta cláusula é último e definitivo, prescindindo a 1ª outorgante da prerrogativa de invocar quaisquer alterações das circunstâncias e o disposto no artigo 437º do Cód. Civil, nomeadamente, além do mais, por força do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 830º do mesmo Diploma.
4º A 1ª outorgante assume o compromisso de proceder à entrega aos 2ºs outorgantes da fração objeto do presente contrato à data da escritura pública definitiva, a realizar até à data limite de 30 de junho de 2011.
5º A fração objeto do presente contrato será entregue pela 1ª outorgante, promitente vendedora, aos 2ºs outorgantes, com as características, condições, equipamentos e acabamentos previstos no projeto iguais aos das restantes frações do prédio onde se integrem e livres de todos e quaisquer ónus ou encargos, pessoas e bens.
6º É desde já permitido aos 2ºs outorgantes disporem, no todo ou em parte, dos direitos que adquirem no que respeita à fração identificada na cláusula 3ª, podendo, se tal vier a ser do seu interesse, delas dispor por qualquer meio legalmente admissível, nos termos, condições que muito bem entenderem.
7º A escritura definitiva de compra e venda deverá ter lugar impreterivelmente até 30 de junho de 2011, obrigando-se até tal data a 1ª outorgante a confirmar a entrega da fração objeto do presente contrato aos 2ºs outorgantes, totalmente pronta, acabada e equipada e com todas as licenças administrativas, em especial, a licença de utilização.
8º Competirá à 1ª outorgante, promitente vendedora, marcar data, local e hora para a realização da escritura definitiva, diligenciando e obtendo para o efeito a documentação necessária, devendo comunica-lo aos 2ºs outorgantes, por escrito, através de carta registada com aviso de receção, com pelo menos 10 dias de antecedência.
9º Os outorgantes clausulam neste contrato o expresso benefício de execução específica do presente contrato nos termos do artigo 830º do Código Civil.
(…)
11º As partes prescindem expressamente de quaisquer outras formalidades legais, reconhecendo a sua plena validade, representando esta declaração também renúncia ao hipotético direito de invocar a invalidade do presente contrato por qualquer vício de forma.
12º Quaisquer alterações ao presente contrato só serão válidas se reduzidas a escrito e subscritas pelas partes.
Feito em 20 de janeiro de 2011
(…).” – cfr. fls. 21-22 e v.º
G) “DECLARAÇÃO
D…, Lda., NIPC ………, representada pela sócia gerente D. C…, declara para os devidos efeitos que o valor em dívida por parte da G…, Lda. e que totaliza €428.168,13, referente às faturas constantes da listagem anexa, foi compensado por parte da D…, através da aquisição por parte desta, das frações autónomas designadas pelas letras “AS” e “AE” descritas na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 4009-AS e 4000-AE.
Mais declara, que aquando da celebração da escritura das identificadas frações, vai ser entregue à G… o respetivo recibo de quitação, ficando esta credora da quantia de €9.331.87.
…, 31 de março de 2011
(…) – cfr. fls. 23.
H) Cópia da citação por carta registada com AR da sociedade “D…, LDA.” e N…, para querendo, contestarem, no prazo de 30 dias, a ação de reivindicação interposta, em 8.11.2016, pela sociedade “M…, S.A., e respetiva petição inicial, da qual constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…)
1º Encontra-se inscrito a favor da Autora, pela Ap. 3121 de 2012/02/17, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º …., correspondente à fração autónoma designada pela letra “AS”, no piso quinto (esquerdo traseiras), para habitação do tipo T-dois, com acesso pelo número … da Rua…, da qual é ainda parte integrante um lugar de estacionamento para dois veículos automóveis e um arrumo, no piso menos cinco, designado pelas letras “AS”, com acesso pelo n.º … da Via do L…, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua…, n.ºs … e … e Rua…, nºs …, …, … e …, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 11511, da freguesia de …, concelho do Porto, e ao qual foi atribuída pela Câmara Municipal do Porto a licença de utilização com o n.º 139 de 11/03/2010 (…).
2º O bem imóvel supra identificado adveio ao domínio da Autora por escritura pública de compra e venda, outorgada em 17 de fevereiro de 2012, no Cartório Notarial a cargo da Dra. O…, em Penafiel, pela qual a sociedade “F… S.A.” declarou vender à Autora, e esta declarou comprar, pelo valor de €157.500.00 (cento e cinquenta e sete mil e quinhentos euros), o prédio identificado em 1º (…)
3º Sob a mencionada fração, cuja titularidade encontra-se registada a favor da mesma A., recaem ainda dois ónus, a saber:
Servidão registada pela Ap. 2412 de 2010/03/22; e
Hipoteca voluntária registada pela Ap. 3121 de 2012/02/17 a favor do Banco P… S.A., tendo-se procedido posteriormente à transmissão do crédito para o Q…, a qual tem por sujeito passivo a aqui Autora.
4º Sucede que chegou agora ao conhecimento da Autora que a já identificada fração autónoma se encontra indevidamente ocupada pelo Réu N….
5º Tal ocupação resulta, ao que tudo indica, de um contrato de arrendamento celebrado entre a Ré “D…, Lda.”, a qual assume a posição de senhorio, e o Réu N…, que ocupa a posição de arrendatário.
6º Certo é que uma outra sociedade pertencente ao grupo da ora Autora havia prometido vender a mencionada fração, como bem futuro, mas sem que o negócio definitivo se viesse a concretizar.
7º Ou seja, por razões que não importa aqui ponderar, a fração autónoma em questão manteve-se na titularidade da A., sendo que qualquer negócio translativo ou de mera promessa de transmissão da propriedade feito por terceira e com intervenção da Ré “D…, Lda.”, sempre haveria de ter-se como nulo e de nenhum efeito.
Por isso que,
8º Terá de concluir-se que o putativo contrato de arrendamento celebrado entre os Réus foi um negócio jurídico a non domino, e por quem não tinha legitimidade para dar de arrendamento bem imóvel que não fazia parte do seu ativo.
9º Acresce ainda que a Ré “D…, Lda.”, encontra-se com Plano de Recuperação em Processo de Insolvência aprovado em assembleia de credores de acordo com anúncio publicado no portal Citius em 27-11-2015 (…).
10º Certamente terão sido consideradas as rendas provenientes deste arrendamento indevido como ativos da sociedade em recuperação, facto que não poderá ocorrer, uma vez que não é ela proprietária do bem, nem tão pouco lhe foi conferida qualquer legitimidade para dela recolher os correspondentes proventos.
11º O que se torna aqui inegável é que a Autora se encontra privada do seu gozo pleno e exclusivo sobre o bem imóvel.
(…)
13º Para tanto, deverão os Réus reconhecer a legítima propriedade da Autora sobre a fração autónoma, por não existir qualquer outro título que justifique o inverso.
(…) 15º Não obstante, e face à ocupação abusiva e ilegítima do bem imóvel, bem como à sua degradação que deriva do seu uso comum, pretende ainda a Autora ver o seu direito ressarcido por meio de uma indemnização, nos termos que vierem a ser liquidados em execução de sentença, face ao período de ocupação da ajuizada fração autónoma e ponderado o valor – que resulta do mercado de arrendamento – da renda mensal de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) (…) - cfr. fls. 26-29.
Com a junção da petição inicial, foi igualmente junta certidão permanente do registo predial relativa ao imóvel em questão [cfr. fls. 30-38] e caderneta predial urbana [cfr. fls. 39] e bem assim cópia do contrato de compra e venda celebrado entre a sociedade comercial “F…, SA.” e a sociedade “M…, S.A.” relativo à aludida fração autónoma objeto de ação de reivindicação [cfr. fls. 40-43].
I) Cópia da citação por carta registada com AR da sociedade “D…, LDA.” e S…, para querendo, contestarem, no prazo de 30 dias, a ação de reivindicação interposta em 8.11.2016 pela sociedade “F…, S.A., e respetiva petição inicial, da qual constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…)
1º A autora é legítima proprietária da fração autónoma designada pelas letras “AE”, no quinto andar esquerdo, para habitação do tipo T-três, com acesso pelo n.º .. da Rua…, da qual é ainda parte integrante um lugar de estacionamento para dois veículos automóveis, e um arrumo, no rés-do-chão, designados pelas letras “AE”, com acesso pelo n.º .. da Rua…, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua…, números .., .., .., .., .. e .., freguesia de …, concelho do Porto, registado na Conservatória do Registo Predial do Porto sob a descrição … (Ap. 22 de 2007/02/26), e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 11.483º, com o valor patrimonial de €197.073.13, e para a qual foi emitida, pela Câmara Municipal do Porto, a licença de utilização ALV/…/09/DMU de 16/07/2009 (…)
2º O bem imóvel supra identificado adveio ao domínio da Autora por compra, e na qual foi edificado o prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal registado pela Ap. 338 de 2009/07/21 (…).
3º Sob(re) a mencionada fração recaem ainda dois ónus, a saber:
Uma hipoteca voluntária, registada pela Ap. 31 de 2007/10/31, a favor do Banco T…, S.A., com o capital máximo assegurado de €8.220.000.00, o qual adveio da abertura de crédito para construção do edifício; e
Uma penhora registada, pela Ap. 2142 de 2016/01/28, a favor da U…, Lda., proveniente do processo executivo com o n.º 8568/15.0T8VNF da Comarca de Braga – Vila Nova de Famalicão, Instância Central – 2ª Secção, Execução – J1, a qual tem por sujeito passivo a aqui Autora.
4º Sucede que, chegou agora ao conhecimento da Autora que a já identificada fração autónoma se encontra indevidamente ocupada pela Ré S….
5º Tal ocupação resulta, ao que tudo indica, de um contrato de arrendamento celebrado entre a Ré “D…, Lda.”, a qual assume a posição de senhorio, e a Ré S… que ocupa a posição de arrendatário.
6º Certo é que uma outra sociedade pertencente ao mesmo grupo da ora Autora havia prometido vender a mencionada fração, como bem futuro, mas sem que o negócio definitivo se viesse a concretizar.
7º Ou seja, era pressuposto do negócio jurídico em causa a transferência da propriedade da autora para uma outra sociedade do grupo que, posteriormente, venderia a fração autónoma à Ré “D…, S.A.”, facto que, se reitera, nunca chegou a ocorrer.
8º Assim, dir-se-á que o contrato de arrendamento celebrado entre os Réus foi um negócio jurídico a non domino, e por quem não tinha legitimidade para dar de arrendamento bem imóvel que não fazia parte do seu ativo.
9º Acresce ainda que a Ré “D…, Lda.”, encontra-se com Plano de Recuperação em Processo de Insolvência aprovado em assembleia de credores de acordo com anúncio publicado no portal Citius em 27-11-2015 (…).
10º Certamente terão sido consideradas as rendas provenientes deste arrendamento indevido como ativos da sociedade em recuperação, facto que não poderá ocorrer uma vez que não é ela proprietária do bem, nem tão pouco lhe foi conferida qualquer legitimidade para dela recolher os correspondentes proventos.
11º O que se torna aqui inegável é que a Autora se encontra privada do seu gozo pleno e exclusivo sobre o bem imóvel.
(…)
13º Para tanto, deverão os Réus reconhecer a legítima propriedade da Autora sobre a fração autónoma, por não existir qualquer outro título que justifique o inverso.
(…)
15º Não obstante, e face à ocupação abusiva e ilegítima do bem imóvel, bem como à sua degradação que deriva do seu uso comum, pretende ainda a Autora ver o seu direito ressarcido por meio de uma indemnização, no valor que vier a ser apurado em liquidação a fazer-se em execução de sentença, assente no valor dos prejuízos causados, designadamente, os decorrentes da impossibilidade de vender ou arrendar a fração e tendo em consideração o valor de mercado de arrendamento, a renda mensal da fração em causa, nunca poderia ser inferior a €900,00 (novecentos euros)/mês (…)” - cfr. fls. 50-53.
Com a junção da petição inicial, foi igualmente junta certidão permanente do registo predial relativa ao imóvel em questão [cfr. fls. 54-60] e caderneta predial urbana [cfr. fls. 61] e bem assim cópia da publicação online de Ato Societário relativo às sociedades comerciais “G…”, “H…”, “F…” e “M…” [cfr. fls. 65-89].
J) Interrogado, o arguido E…, no uso de um direito que lhe assiste, optou por não prestar declarações [cfr. fls. 113-114].
K) Inquirido, B…, legal representante da sociedade “D…, Lda.”, confirmou a queixa então apresentada e mais esclareceu nunca ter intentado qualquer ação cível decorrente do incumprimento dos contratos-promessa de compra e venda, uma vez que o arguido garantia ser o representante das várias empresas do Grupo I…, necessitando apenas de regularizar uma situação no “Banco T…”, para que pudesse então outorgar as escrituras, confiando sempre que o arguido honrasse o compromisso assumido [cfr. fls. 189-190].
L) Inquirida, C…, legal representante da sociedade “D…, Lda.”, confirmou a queixa então apresentada e mais esclareceu nunca ter intentado qualquer ação cível decorrente do incumprimento dos contratos-promessa de compra e venda, uma vez que o arguido garantia ser o representante das várias empresas do Grupo I…, necessitando apenas de regularizar uma situação no “Banco T…”, para que pudesse então outorgar as escrituras, confiando sempre que o arguido honrasse o compromisso assumido [cfr. fls. 191-192].
M) Juntaram ainda os assistentes um documento relativo ao empréstimo bancário que contraíram junto da V…, no valor de €400.000,00, mercê do não pagamento daquela quantia por parte do arguido, confrontados que foram com a necessidade de pagar salários, créditos aos fornecedores, impostos e despesas de água e eletricidade [cfr. fls. 330-339] e bem assim uma carta subscrita, ao que tudo indica, por aquele E…, dirigida à “D…, Lda.”, datada de 2 de novembro de 2017, com os seguintes dizeres:
“ASSUNTO: Processo n.º 22022/16.0T8PRT
Fração autónoma com as letras “AE”, correspondente ao ..º andar esquerdo, com entrada pelo n.º .., da Rua…, Porto
EXMOS SENHORES,
Como bem conhecem, foi proferida sentença no processo judicial identificado, onde foi reconhecida para esta Sociedade a titularidade da propriedade e posse sobre a identificada fração autónoma.
Ainda que tenha aquela sentença sido objeto de recurso – que corre ainda os seus termos -, é facto que tal recurso tem mero efeito devolutivo, dele não resultando qualquer impedimento ao efetivo exercício por esta Sociedade da propriedade e posse sobre a mesma fração autónoma.
Teve agora esta Sociedade conhecimento de que a co Ré naquele processo – D. S… – procedeu, não se sabe a que título, à “entrega da mesma fração autónoma a essa Sociedade.
E isto após a condenação dela – aqui sem qualquer recurso – em proceder à entrega da dita fração, livre de pessoas e coisas, a esta Sociedade.
Aqui chegados,
Por forma a obviar a instauração de execução para entrega de coisa certa, vimos junto de V. Exas. interpelar, de forma expressa, para a entrega daquela identificada fração autónoma, livre de pessoas e coisas.
Tudo sem prejuízo da exigência quanto ao cumprimento de tudo o mais em que foi decidido na identificada sentença judicial, mesmo com recurso à pertinente demanda judicial.
(…)” – cfr. fls. 340.
Em sede de instrução, procedeu-se à realização dos seguintes atos instrutórios.
N) Inquirida a testemunha W…, amiga dos assistentes, esclareceu que teve conhecimento que aqueles ficaram com dois apartamentos juntos da Sociedade Protetora dos Animais, em troca de dinheiro, que vieram posteriormente a arrendar, tanto mais que procedeu à intermediação de tal negócio, no sentido de angariar inquilinos, sem que, contudo, tivesse recebido qualquer comissão.
Mais adiantou que viu que as chaves foram entregues à assistente C…, e depois aos inquilinos que foram viver para aqueles apartamentos e que pagavam renda e recebiam o recibo em conformidade.
Ademais, um dos inquilinos ainda se encontra a viver num desses apartamentos e o outro já o abandonou, tanto mais que a “D…” não chegou a efetuar a assinatura definitiva dos contratos.
Desconhece o valor que cada apartamento valia, mas pensa que rondaria os €200.000,00 cada um, sendo que ainda que não lhe tivesse sido entregue qualquer documento que atestasse que a “D…” detinha a propriedade dos aludidos apartamentos, certo é que quem lhe abriu a porta dos mesmos foram os vendedores do arguido, que lhe comunicaram que tais apartamentos eram do Sr. B….
Acresce ainda que minutou os contratos de arrendamento em questão, que foram depois vistos por um advogado e esteve presente no dia da assinatura dos mesmos. A assistente C… verbalizou-lhe ainda que pressionavam o arguido para que efetuasse as escrituras de compra e venda, mas, entretanto, ouviu dizer que os prédios tinham sido transmitidos para outra sociedade.
O) A testemunha X…, encarregado geral na sociedade “D…”, que acompanha as obras e gere o equipamento, esclareceu que acompanhou a obra de terraplanagem e demolição levada a cabo num terreno junto ao Estádio do Dragão, obra essa que terá custado cerca de um milhão de euros, e que foi contratualizada e encomendada pelo arguido.
Avançou ainda que chegou a acompanhar o assistente quando o mesmo procurou o arguido no sentido de o convencer a realizar as escrituras de compra e venda, sendo que, pese embora algumas dificuldades iniciais para o encontrar, acabaram por ser informados do seu paradeiro, e o arguido verbalizou ao assistente que podia ficar descansado que iria efetuar os contratos.
A determinada altura, o assistente arrendou os apartamentos, vindo mais tarde a ser informado que sobre os mesmos recaía uma hipoteca no Banco T….
Nesta ocasião, a sociedade “D…” gozava de boa saúde financeira, situação que veio a alterar-se pela falta de recebimento da quantia de cerca de €400.000,00, motivo pelo qual foi necessário contrair um empréstimo para fazer face às dificuldades.
P) A testemunha J…, contabilista na sociedade “D…” há cerca de 15 anos, esclareceu, quando confrontada com o documento junto aos autos a fls. 18, que o mesmo retrata o extrato de conta corrente com a “G…”, que procedeu ao pagamento da quantia de €698.390,80, faltando liquidar a quantia de cerca de €400.000,00.
Adiantou ainda ter alertado a assistente C… para os problemas que a sociedade “D…” estaria a atravessar e da necessidade de receber o valor em dívida, chegando a ver os contratos promessa então celebrados, mas avisou a assistente da necessidade de os converter em definitivos, motivo pelo qual acabaram por não ser registados.
Quanto à declaração de quitação junta a fls. 23, uma vez que os dois apartamentos tinham um valor superior à dívida para com a “D…”, havia um valor de que a “G…” ficava credora. Todavia, os assistentes arrendaram os apartamentos, pagavam condomínios, recebiam rendas, que não podiam ser contabilizadas, uma vez que os apartamentos não estavam registados em nome da sociedade, mas que acabou por lançar no imobilizado da empresa, cujo suporte documental era o contrato promessa.
Uma vez que o arguido havia entregado as chaves aos assistentes, estes acreditaram que o mesmo era o proprietário dos imóveis em causa, situação que terá durado cerca de 6 anos.
Q) A testemunha Y… esclareceu ter procedido ao arrendamento de um apartamento, tipo T3, na R. …, …, onde viveu desde Maio de 2011, até ao ano passado, pagando de renda a quantia de €550,00. O contrato de arrendamento então celebrado teve como intervenientes o próprio depoente e a sociedade “D…”, da qual recebia os recibos de quitação pelo pagamento da renda. A celebração do contrato foi intermediada por uma Sra. de nome W…, sendo que a celebração do mesmo foi realizada com a assistente C….
Entretanto, acabou por abandonar o apartamento, mercê dos problemas que da sua ocupação advieram, quando foi notificado pelo Tribunal, por parte de uma empresa que se arrogava proprietária do mesmo e designada “F…”.
Interpelou os assistentes, que o descansaram, verbalizando que tudo se resolveria, tanto mais que todos os documentos que tinha, designadamente atas de condomínio e recibos, estavam em nome da sociedade “D…”.
R) Foi igualmente junta aos autos uma missiva enviada à “D…” pela sociedade “H…, Lda.”, datada de 24 de setembro de 2018, onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…)
Assunto: Processo Especial de Revitalização
Exmos. Senhores,
Em execução do determinado no âmbito do PER desta sociedade, estamos a proceder ao pagamento aos credores da mesma dos montantes que a cada um cabe, tendo em conta os créditos existentes.
Nessa medida, efetuamos, via transferência bancária, na presente data, conforme comprovativo em anexo, o pagamento a que estávamos adstritos, no valor de €42.647,93.
Tendo em conta o pagamento em apreço, encontra-se extinto o crédito que V. Exas. detinham sobre esta sociedade (…)” – cfr. fls. 406 e respetivo comprovativo da transferência – cfr. fls. 407 e 459.
S) Foi junto aos autos ainda o “CONTRATO DE SUB-EMPREITADA CIVIL”, do qual constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“Primeira outorgante: “G…, LDA.” (…) devidamente representado pelo seu sócio gerente Sr. E…, “EMPREITEIRO” e daqui em adiante como tal designado
Segunda Outorgante: “D… LDA.” (…), devidamente representada pelo gerente, Sr. B…, com poderes para o ato, na qualidade de SUB-EMPRREITEIRO e daqui em diante como tal designado.
Entre as partes, aqui outorgantes, nas respetivas qualidades, celebra-se um contrato de subempreitada civil, reciprocamente querido e aceite nos termos e condições das Cláusulas seguintes: (…)
CLÁUSULA SEGUNDA
(Interpretação e Aplicação das disposições contratuais)
(…)
2- Para além das obrigações referidas neste contrato fica o SUBEMPREITEIRO obrigado ao pontual cumprimento de todos os regulamentos que se encontrem em vigor e se relacionem com os trabalhos a realizar.
(…)
7- Fica claro que o SUBEMPREITEIRO com a apresentação da sua proposta fez a adequada análise do caderno de encargos, não tendo quaisquer duvidas quanto à execução da subempreitada, pelo que, conforme consta da respetiva proposta, não há lugar a quaisquer alterações de erros e/ou omissões de nenhuma espécie, nesta medida se revogando qualquer ressalva que o haja previsto nas suas peças.
8- O EMPREITEIRO reserva-se o direito de executar ele próprio ou de mandar executar por outrem, conjuntamente com os da presente empreitada e na mesma obra, quaisquer trabalhos não incluídos no contrato, ainda que sejam de natureza idêntica à dos contratados.
(…)
CLÁUSULA SEXTA
(Objeto do contrato e consignação)
1- Os trabalhos objeto do presente contrato, a desenvolver pelo SUBEMPREITEIRO e que fazem parte da subempreitada, sita na Rua… nºs … e … e Via L… nº … a … (Lote …) e rua… n. … e Via L… n.º … a … (lote …), freguesia de …, concelho do Porto, consistem resumidamente no seguinte: (…)
CLÁUSULA NONA
(Pagamentos/Medições)
1- O valor dos trabalhos será determinado, provisoriamente, por autos de medição mensais, elaborados até ao último dia útil de cada mês e com referência aos trabalhos realizados até ao dia 25 do mesmo mês, autos esses subscritos pelas partes.
2- Com base pelo valor constante dos autos de medição devidamente assinados ou visados pelo fiscal e aprovadas pelo empreiteiro o subempreiteiro emitirá fatura, sendo os respetivos valores determinados pelas quantidades executadas e pelos preços unitários propostos, que entregará ao Fiscal no prazo de cinco dias e que se vencerá no prazo de sessenta dias após a data de emissão.
3- As faturas referidas no número anterior serão sempre e somente emitidas com base nos autos de medição, nos termos estabelecidos no número anterior.
4- O SUBEMPREITEIRO apresentará na sede do EMPREITEIRO as faturas, acompanhadas do original dos autos de medição, devidamente assinados conforme anterior número 2.
5- As faturas depois de conferidas, visadas e aceites pelo EMPREITEIRO serão pagas nos seguintes termos:
a) Os pagamentos efetuar-se-ão a 60 dias, após a data de registo de entrada na sede do Empreiteiro/Fiscalização, das respetivas faturas previamente aprovadas pelo empreiteiro, na qual é retido o valor de 10% sobre o valor da fatura, a título de caução.
b) Os 10% que o empreiteiro retém em cada fatura, só serão pagos 3 meses após a receção provisória da subempreitada.
c) As faturas poderão ser devolvidas, se o período decorrido entre a sua data de emissão e data de registo de entrada na sede do Empreiteiro/Fiscalização, for superior a oito dias.
6- O EMPREITEIRO poderá recusar-se a efetuar qualquer pagamento caso não se encontrem preenchidas as seguintes condições:
a) Cumprimento do presente contrato em todos os seus pontos;
b) Cumprimento das obrigações relativas ao seu pessoal, previstas na cláusula de “Pessoal” do presente contrato.
(…)
CLÁUSULA VIGÉSIMA TERCEIRA
1- Todas as comunicações ou notificações entre as partes deverão ser enviadas para as seguintes moradas:
EMPREITEIRO- “G…, LDA”, representada por: E…, …, …. - … … Penafiel
SUBEMPREITEIRO – “D…, LDA.”
Rua…, n.º …
Apartado ….
____-____ …
Matosinhos
(…)
Porto, 15 de novembro de 2007 (…) – cfr. fls. 479-494.
T) Foi junto aos autos ainda o “CONTRATO DE SUB-EMPREITADA CIVIL”, do qual constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“Primeira outorgante: “G…, LDA.” (…) devidamente representado pelo seu sócio gerente Sr. E…, “EMPREITEIRO” e daqui em adiante como tal designado
Segunda Outorgante: “D…, LDA.” (…), devidamente representada pelo gerente, Sr. B…, com poderes para o ato, na qualidade de SUB-EMPRREITEIRO e daqui em diante como tal designado
Entre as partes, aqui outorgantes, nas respetivas qualidades, celebra-se um contrato de subempreitada civil, reciprocamente querido e aceite nos termos e condições das Cláusulas seguintes:
(…)
CLÁUSULA SEGUNDA
(Interpretação e Aplicação das disposições contratuais)
(…)
2- Para além das obrigações referidas neste contrato fica o SUBEMPREITEIRO obrigado ao pontual cumprimento de todos os regulamentos que se encontrem em vigor e se relacionem com os trabalhos a realizar.
(…)
7- Fica claro que o SUBEMPREITEIRO com a apresentação da sua proposta fez a adequada análise do caderno de encargos, não tendo quaisquer duvidas quanto à execução da subempreitada, pelo que, conforme consta da respetiva proposta, não há lugar a quaisquer alterações de erros e/ou omissões de nenhuma espécie, nesta medida se revogando qualquer ressalva que o haja previsto nas suas peças.
8- O EMPREITEIRO reserva-se o direito de executar ele próprio ou de mandar executar por outrem, conjuntamente com os da presente empreitada e na mesma obra, quaisquer trabalhos não incluídos no contrato, ainda que sejam de natureza idêntica à dos contratados.
(…)
CLÁUSULA SEXTA
(Objeto do contrato e consignação)
1- Os trabalhos objeto do presente contrato, a desenvolver pelo SUBEMPREITEIRO e que fazem parte da subempreitada, sita na Rua… nºs … a … (Lote 6.6) e rua… (Lote …), freguesia de …, concelho do Porto, consistem resumidamente no seguinte:
(…)
CLÁUSULA NONA
(Pagamentos/Medições)
1- O valor dos trabalhos será determinado, provisoriamente, por autos de medição mensais, elaborados até ao último dia útil de cada mês e com referência aos trabalhos realizados até ao dia 25 do mesmo mês, autos esses subscritos pelas partes.
2- Com base pelo valor constante dos autos de medição devidamente assinados ou visados pelo fiscal e aprovadas pelo empreiteiro o subempreiteiro emitirá fatura, sendo os respetivos valores determinados pelas quantidades executadas e pelos preços unitários propostos, que entregará ao Fiscal no prazo de cinco dias e que se vencerá no prazo de sessenta dias após a data de emissão.
3- As faturas referidas no número anterior serão sempre e somente emitidas com base nos autos de medição, nos termos estabelecidos no número anterior. 4- O SUBEMPREITEIRO apresentará na sede do EMPREITEIRO as faturas, acompanhadas do original dos autos de medição, devidamente assinados conforme anterior número 2.
5- As faturas depois de conferidas, visadas e aceites pelo EMPREITEIRO serão pagas nos seguintes termos:
a) Os pagamentos efetuar-se-ão a 60 dias, após a data de registo de entrada na sede do Empreiteiro/Fiscalização, das respetivas faturas previamente aprovadas pelo empreiteiro, na qual é retido o valor de 10% sobre o valor da fatura, a título de caução.
b) Os 10% que o empreiteiro retém em cada fatura, só serão pagos 3 meses após a receção provisória da subempreitada.
c) As faturas poderão ser devolvidas, se o período decorrido entre a sua data de emissão e data de registo de entrada na sede do Empreiteiro/Fiscalização, for superior a oito dias.
6- O EMPREITEIRO poderá recusar-se a efetuar qualquer pagamento caso não se encontrem preenchidas as seguintes condições:
a) Cumprimento do presente contrato em todos os seus pontos;
b) Cumprimento das obrigações relativas ao seu pessoal, previstas na cláusula de “Pessoal” do presente contrato.
(…)
CLÁUSULA VIGÉSIMA TERCEIRA
1- Todas as comunicações ou notificações entre as partes deverão ser enviadas para as seguintes moradas:
EMPREITEIRO- “G…, LDA”, representada por: E…,
Zona Industrial …, Lote ..
…. - … …
Penafiel SUBEMPREITEIRO – “D…, LDA.”
Rua…, n.º …,
Apartado ….
____-____ …
Matosinhos
(…)
Porto, 03 de setembro de 2007 (…) – cfr. fls. 495-510.
U) Foi igualmente junto o “ALVARÁ DE OBRAS N.º ALV/…/07/DMU e “FOLHA ANEXA AO ALVARÁ DE OBRAS N.º ALV/…/07/DMU, do qual constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…)
Nos termos do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com redação dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), é emitido o presente alvará de autorização de obras de construção, em nome da F…, Lda., Pessoa Coletiva n.º ………, que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em Rua…, n.º … e à Via L…, nºs …, …, …, …, … e …, da freguesia de …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 4007/20041027 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 11139 da respetiva freguesia.
(…)” – cfr. fls. 511-513.
V) Foi igualmente junta aos autos cópia da missiva enviada pela assistente “D…” dirigida à “H…”, datada de 14 de outubro de 2014, onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…)
Assunto: Interpelação Admonitória
Exmºs. Senhores,
Como decerto é do conhecimento de V. Exas., uma vez que o vosso sócio gerente E… é co executado, pende na 1ª Secção do 2º Juízo de Execução do Porto (extinto), sob o processo n.º 6187/13.0YYPRT, execução movida pelo Banco T…, S.A., na qual foi penhorada a fração autónoma designada pelas letras “AE”, correspondente a uma habitação de tipologia T3, no 5º andar esquerdo, com lugar de estacionamento para dois veículos automóveis e um arrumo no rés do chão, integrada no prédio sito na Rua…, .., …, Porto.
Ora, o direito de propriedade dessa fração foi prometido vender pela G…, Lda. à D…, Lda., por contrato assinado em 20 de Janeiro de 2011.
Nesse contrato, ficaram V. Exas. incumbidos da marcação da escritura pública para que aquela transmissão, livre de ónus e encargos, se realizasse até 30 de junho de 2011.
Daí que, encontrando-se a G…, em mora desde 30 de Junho de 2011, vimos interpelar V. Exas. para que essa escritura de transmissão de direito de propriedade se realize até ao 15º dia posterior à comunicação da D…, Lda. da negação da existência do crédito que por esta foi reclamado naquela execução.
Declarando, desde já, que, não ocorrendo essa transmissão da fração AE, livre de ónus e encargos, até essa data, a D…, Lda., perde o interesse na prestação assumida por V. Exas. na aludida promessa e considera, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação pelo promitente vendedor.
Mais declara a D…, Lda, que nessa data, considera resolvido o aludido contrato, por impossibilidade absoluta e definitiva imputável à G…, Lda., e que exigirá o dobro do valor prestado, a perfazer €475.000,00 (quatrocentos e setenta e cinco mil euros), com o exercício do direito de retenção (…)” – cfr. fls. 514-515.
X) Foi igualmente junta aos autos cópia da missiva enviada pela assistente “D…” dirigida à “H…”, datada de 14 de outubro de 2014, onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…)
Assunto: Interpelação Admonitória
Exmºs. Senhores,
Por contrato-promessa de compra e venda celebrado a 20 de janeiro de 2011, ficaram V. Exas. – na qualidade de promitentes vendedores -, vinculados a transmitir a esta sociedade o direito de propriedade, livre de ónus e encargos, sobre a fracão autónoma designada pela letra “AS”, destinada a habitação, correspondente a um lugar de tipologia T2 no … piso esquerdo traseiras, com entrada pelo n.º … da Rua…, de que faz parte integrante um lugar de estacionamento para dois veículos e um compartimento para arrumos no piso -.., com entrada pelo n.º … da Via do L…, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de …, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º …. - … e inscrito na matriz sob o artigo 11142º (doravante, o “Contrato-Promessa”). Ao abrigo do referido “Contrato-Promessa, ficaram ainda V. Exas. obrigados a proceder à marcação da escritura pública da compra e venda prometida, a realizar até ao dia 30 de junho de 2011.
Decorrido que está aquele prazo sem que hajam procedido à marcação da escritura ou à transmissão, por qualquer forma, daquele direito a favor desta sociedade, verifica-se que V. Exas. se encontram em mora desde 30 de junho de 2011.
Nestes termos, vimos interpelar V. Exas. para, no prazo de 15 (quinze) dias contados da receção da presente comunicação, procederem à marcação da escritura prometida para data não posterior a 14 de novembro de 2014, notificando esta sociedade do dia hora e local designados com uma antecedência mínima de 5 (cinco) dias relativamente à data agendada para o efeito.
Fazemos notar que, não ocorrendo a marcação da aludida escritura, a comunicação da data, local e hora da respetiva realização e transmissão do direito de propriedade em conformidade com o acordado no Contrato-Promessa e dentro dos prazos supra concedidos, será o Contrato-Promessa considerado definitiva e absolutamente incumprido por motivo exclusivamente imputável a V. Exas., perdendo esta sociedade o interessa na prestação de que é credora.
Refira-se por fim que, verificando-se, naquela data, o mencionado incumprimento definitivo, a D…, Lda. considerará o Contrato Promessa imediatamente resolvido, exigindo o dobro do valor por si prestado, a totalizar €400.000,00 (quatrocentos mil euros) com o exercício do direito de retenção (…)” – cfr. fls. 516-517.
Y) Foi igualmente junta aos autos cópia da missiva enviada pela “H…” à “D…”, datada de 7 de novembro de 2014, onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“(…)
Assunto: Processo Especial de Revitalização
Exmos. Senhores,
Serve a presente para informar V. Exas. que, decorrente do atual contexto económico de forte recessão, é nosso intuito iniciar um processo negocial com os nossos credores, com vista à revitalização da H…, Lda., por meio da aprovação de um plano de recuperação que possibilite a reestruturação, designadamente através da consolidação do passivo e redimensionamento da sua atividade, adaptando-a ao contexto económico e social em que se encontra inserida.
Nesse sentido, deu entrada na Comarca de Vila Real, Instância Local de Chaves, Processo Especial de Revitalização, que corre termos na Secção Cível daquele Tribunal sob o n.º 1295/14.8T8CHV, e no qual encontrará, disponível para consulta, a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24º do CIRE.
Face ao exposto e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, fica v. Exa. convidado a participar, caso assim o entenda, nas negociações agora iniciadas, devendo, para o efeito, comunicar, por carta registada remetida para a nossa sede, a decisão em participar nestas negociações (…)” – cfr. fls. 518.
Z) Junta aos autos foi também a petição inicial subscrita pela assistente “D…” de reclamação de créditos, contra os executados E…, Z… e “F…, S.A.”, datada de 8.07.2014 e onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:
“ (…)
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
1. O edifício de que faz parte a fração AE penhorada foi construído por G…, Lda., de que era sócio-gerente, com poderes vinculativos para todos os atos e contratos o executado E….
2. Essa construção foi realizada ao abrigo do contrato de empreitada celebrado entre a executada F…, S.A. (doravante “F…”) como dona da obra e a referida G…, Lda., NIPC ………, sediada na …, …, em Penafiel (doravante “G…”) como empreiteira.
3. Para a construção do mencionado edifício, a “G…” contratou, em regime de subempreiteira, a ora reclamante, para a realização de escavações, com remoção de terras, e de infraestruturas.
4. Do preço contratado para esses trabalhos de escavações, com remoção de terras, e de infraestruturas, a “G…” ficou a dever à ora reclamante €437.500,00.
5. Esse preço ficou acordado ser pago em dinheiro no prazo de 30 dias a contar da emissão da respetiva fatura.
6. Fatura que seria emitida após auto de medição validado pela empreiteira e dona da obra.
7. A reclamante emitiu e entregou à “G…” faturas no valor de €437.500,00 que esta reconheceu dever, mas não pagou com a justificação de não ter recebido da dona da obra valor superior e de, no momento do vencimento dessas faturas, não ter disponibilidade de tesouraria para satisfazer o compromisso.
8. Face a essa situação, a “G…” propôs à reclamante extinguir essa obrigação através da entrega, em dação em cumprimento, de duas frações autónomas integradas no citado edifício.
9. Frações essas que, entre outras, a “F…”, como dona da obra, tinha prometido entregar à “G…” em dação em cumprimento, para extinguir a obrigação do pagamento do preço contratado na empreitada e que estava em dívida.
10. Assim, a “G… entregaria à reclamante essas duas frações em 30 de junho de 2011, data em que se outorgariam as respetivas escrituras públicas de compra e venda.
11. Apesar da dívida se encontrar vencida desde data anterior a 20 de janeiro de 2011, somente em 30 de junho de 2011 a “G…” se encontrava em condições de poder transmitir o direito de propriedade sobre as referidas frações livre de ónus ou encargos.
12. E isto porque a “G…” tinha estabelecido com a “F…” idêntico calendário.
13. Face ao acordo de dação em cumprimento entre a dona da obra e a empreiteira, por um lado, e desta com a reclamante, celebraram-se os respetivos contratos de promessa que, com ausência de rigor, se qualificaram de compra e venda.
14. Quanto à fração AE penhorada nos autos principais, a “G…” declarou em 20 de Janeiro de 2011 prometer vender à reclamante aquela fração pelo preço de €237.500,00, que tinha já recebido esse preço e que se comprometia a marcar a escritura pública para se realizar impreterivelmente até 30 de Junho de 2011. 15. Essas declarações foram reduzidas a escrito com os aludidos contratos promessa, tendo a reclamante, pela mesma forma, declarado comprar a citada fração AE e aceitar o teor do respetivo contrato promessa.
16. Este contrato promessa, bem como o referente à fração AS, foi feito com o reconhecimento e autorização da executada “F…”, tendo a administração desta garantido à reclamante que transmitiria, livre de ónus ou encargos, a propriedade das frações em causa à “G…” a tempo de esta cumprir o prometido.
(…)
18. No dia 30 de junho de 2011 as escrituras públicas não foram realizadas por a “F…” não ter libertado a fração AE (bem como a AS) desses ónus e encargos averbados na descrição da Conservatória do Registo Predial.
19. Apesar disso, com a autorização da executada “F…” a “G…” entregou as chaves das aludidas frações (onde se inclui a fração AE penhorada) à reclamante, para esta usar e fruir, alegando que em breve se outorgariam as prometidas escrituras públicas de transmissão do direito de propriedade.
20. Com esta autorização a “F…” assumiu o compromisso de transferir para a reclamante o direito de propriedade das referidas frações, livre de ónus e encargos.
21. Desde 30 de Junho de 2011, a reclamante, designadamente na fração AE penhorada, praticou reiteradamente, à vista de toda a gente e com o reconhecimento geral, os atos correspondentes ao exercício do direito de retenção.
22. Com efeito, a partir dessa data, a reclamante tem usado a fração AE e tem dela fruído, designadamente recebendo rendas dos inquilinos a quem cedeu o gozo temporário dela, sem nunca dela ter perdido a posse, derivada daquela tradição, como beneficiária da promessa de transmissão do direito de propriedade.
23. Do exposto, resulta que a “F…” e a “G…” se encontram em mora quanto ao cumprimento da obrigação resultante do contrato promessa dos autos.
24. Face a essa mora, desde 30 de junho de 2011 a reclamante vem, por este meio, interpelar a “F…” para libertar os ónus e encargos que impendem sobre a fração AE penhorada e para a transmitir à “G…”.
25. Simultaneamente, por via postal, a reclamante interpelou a “G…” para marcar dia , hora e local para a realização da escritura pública pela qual, livre de ónus ou encargos, o direito de propriedade da fração AE penhorada seja transmitido à reclamante.
26. Interpelando ambas para que realizem esses atos de forma a que a referida escritura pública de transmissão se realize dentro do prazo de 15 dias a contar da notificação à reclamante da negação da existência do crédito pela executada “F…”, caso este exista.
27. A reclamante desde já declara que, se não for realizada essa escritura pública relativa à fração AE dentro desse prazo, considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação, para efeitos, designadamente, de interposição de ação declarativa e para evitar a caducidade desta reclamação, prevista na alínea a) do n.º 7 do artigo 792º do C. P. Civil.
28. Esse não cumprimento é considerado absoluto e definitivo fundamentando a resolução do negócio e a faculdade de se exigir o dobro do que se prestou, ao abrigo do disposto nos artigos 442º-2, 801º e 808º do C. Civil.
29. Neste caso, o crédito da reclamante é de €475.000,00, o qual deve ser qualificado de privilegiado e graduado antes de todos os demais credores, prevalecendo sobre a hipoteca (cfr. artigos 755º-1f) e 759º, do C. Civil).
30. Acontece, porém, que a reclamante não tem ainda título exequível, no caso dos executados não reconhecerem a dívida (...) – cfr. fls. 547-553.
AA) Finalmente, foram inquiridos os assistentes a solicitação do digno Procurador da República.
Pelo assistente B… foi dito ser o representante da sociedade “D…”, tendo efetuado um trabalho de desaterro para uma sociedade do Sr. I…, cujo nome não recorda.
Inicialmente pagou-lhe o preço devido em dinheiro e posteriormente propôs a entrega de dois apartamentos para pagamento do remanescente.
Com a assinatura dos contratos, foram-lhe entregues as chaves dos apartamentos, sendo certo que jamais lhe foi comunicado que as escrituras definitivas não podiam ser realizadas, uma vez que os apartamentos não estavam em nome de quem celebrou o contrato.
A assistente C… esclareceu que a sociedade “D…” é uma empresa familiar, sendo que o seu marido se dedicava à parte técnica e a assistente à parte administrativa, e foi a primeira vez que trabalharam com o arguido I….
Todavia, não receberam a totalidade do valor pelo trabalho efetuado, ficando por liquidar a quantia de €428.000,00, sugerindo aquele I… que ficassem com dois apartamentos com a finalidade de pagar aquele valor. A escolha dos apartamentos foi feita pelos assistentes e o valor que lhes foi atribuído era o valor pelo qual estavam a ser vendidos.
Quem havia contratado os trabalhos com a “D…” foi a sociedade “G…”, sociedade aliás com quem igualmente celebraram os contratos-promessa relativos àqueles apartamentos. Aliás, toda a faturação foi feita à “G…”. A sociedade “F…” era a comercializadora, mas nem distinguiam as duas empresas.
A minuta dos contratos foi redigida pelos escritórios do arguido, tendo sido outorgados em momentos diferentes, pese embora tenham tomado posse de ambos os apartamentos na mesma altura.
Ao que julga, a marcação da escritura não estava dependente de qualquer condição, sendo que desde a celebração dos contratos-promessa até à entrega dos apartamentos mediaram cerca de 3 meses, tendo então subscrito um documento em que atestavam que a dívida estava saldada, mas não se recorda em nome de que sociedade estava o documento.
No ano de 2014 entraram com um PER, e solicitaram uma certidão à Conservatória, concluindo então que alguns dos apartamentos estavam em nome de uma sociedade “M…” e sobre outros impendia uma penhora do banco T….
A fim de outorgarem os contratos definitivos contactaram por diversas vezes o arguido, sendo que a determinada altura deixou de os atender.
Enviaram alguma correspondência para a “H…” que os informou que estavam com um PER e no ano de 2016/2017 receberam uma carta do Tribunal pedindo a restituição dos apartamentos.
Nunca foram informados, antes da celebração dos contratos, que a “G…” não era a proprietária dos apartamentos, aliás, foi celebrado um primeiro contrato em nome da “F…” que tiveram que retificar.
Adiantou ainda que sabia que o empreendimento era da “F…”, mas celebrar o contrato com a “G…” ou com a “F…” era-lhes indiferente, uma vez que o representante de ambas era o mesmo.
Por fim, esclareceu ainda que aquando do arrendamento dos apartamentos, não recebeu qualquer reclamação por parte do arguido.
Esta a prova produzida.
Questão que se coloca então é a de saber se da conduta do arguido podemos extrair a conclusão de que a celebração dos contratos-promessa com os assistentes entre a “G…”, que não a sua legítima proprietária, e a “D…” foi determinada por erro ou engano astuciosamente provocado pelo arguido, com intenção de enriquecimento ilegítimo para si ou para terceiro?
No comércio jurídico, a falta de cumprimento de obrigações assumidas é uma situação frequente, que não pode ser confundida com um crime de burla, embora um vulgar contrato possa ser usado para encobrir e concretizar este crime.
Ao concluir um acordo, um contraente pode assumir uma obrigação que no momento não está em condições de cumprir, mas que pensa conseguir satisfazer em momento posterior, o que não constitui crime, mesmo que as expectativas desse contraente se venham a frustrar e ele se veja colocado em situação de incumprimento.
Para que uma situação desta natureza possa configurar um crime de burla é necessário que, no momento da celebração do contrato, o agente tenha já a intenção de não cumprir, servindo-se do contrato, apenas, para levar o ofendido à disposição patrimonial.
Vejamos, então, se ocorrem no caso concreto os vários elementos caracterizadores deste crime:
A ASTÚCIA
Usa o preceito incriminador a expressão “factos que astuciosamente provocou”, desse modo unificando os vários modos de cometimento da burla.
Na sua formulação comum, a astúcia corresponde à habilidade para enganar, ao estratagema, ardil, maquinação. Para caracterizar a conduta astuciosa, não bastará qualquer mentira: terá de haver uma atuação sofisticada, um artifício ou mentira envolta num enredo que dê substrato à realidade apresentada.
A astúcia caracteriza-se pelo seu recorte objetivo, que haverá de ser reconstituído a partir de atos materiais que a revelem e não por referência a estados de espírito ao nível da motivação do agente, isto é, não basta que a atitude psicológica do agente seja astuciosa, é necessário antes que seja a conduta exterior deste que revele um quid de astúcia.
Por outro lado, para que um facto seja astucioso não basta qualquer mentira. É necessário um “especial requinte fraudulento” ou de uma “mentira qualificada”.
Neste sentido, Fernanda Palma/Rui Pereira concluem que “é este o entendimento que garante a plena observância do princípio da legalidade, uma vez que “astúcia” significa, como se viu, “manha” ou “ardil” – [cfr. O crime de Burla no Código Penal de 1982-95, RFDUL, Vol. XXXV, Lex, 1994, p. 322].
Ainda sobre o crime de burla José António Barreiros in “Crimes contra o património”, pág. 152/153 ensina que “Quanto ao elemento subjetivo exige-se também um “dolo específico”, no caso o dolo de enriquecimento ilegítimo, o qual haverá de animar a conduta do agente, embora não tenha que se verificar necessariamente tal resultado (…)”
E acrescenta, a este propósito, que “A exigibilidade do dolo específico faz com que, na ausência de intenção de enriquecimento, haja a inexistência do próprio crime e não uma mera tentativa do mesmo. Se a intenção do agente – que no mais pode praticar todos os atos executivos de burla – for outra que não a de enriquecer de modo ilegítimo, sendo, por exemplo, a de prejudicar – na forma de dolo de dano – a sua vítima, não há burla.”
É que este elemento configura, nas palavras de Souto de Moura, um dolo antecedente, ou pelo menos contemporâneo do início da ação (…). A intenção em foco tem que anteceder a entrega (ou transferência de bens ou valores), e tem também que presidir à atuação do arguido desde o seu início – cfr. Ac. STJ de 24/0/2008 in www.dgsi.pt.
Também Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal II, 19.ª Edição, pá. 297-8) e citado no Acórdão do STJ de 04.10.2007, in www.dgsi.pt lembra que foram sugeridos vários critérios para se fazer a distinção entre a fraude civil e a fraude penal.
“Afirma-se que existe esta (fraude penal) apenas quando: há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico; há um dano social e não puramente individual; há a violação do mínimo ético; há um perigo social, mediato ou indireto; há uma violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, tem como única sanção adequada a pena; há fraude capaz de iludir o diligente pai de família; há evidente perversidade e impostura; há uma mise-en-scène para iludir; há uma impossibilidade de se reparar o dano; há o intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio, etc. Afirma Hungria que, “tirante a hipótese de ardil grosseiro, a que a vítima se tenha rendido por indesculpável inadvertência ou omissão de sua habitual prudência, o inadimplemento preordenado ou preconcebido é talvez o menos incerto dos sinais orientadores na fixação de uma linha divisória nesse terreno contestado da fraude”. Na verdade; não há diferença de natureza, (o)ntológica, entre a fraude civil e a penal; Não há fraude penal e fraude civil, a fraude é uma só. Pretendida distinção sobre o assunto é supérflua, arbitrária e fonte de danosíssimas confusões.
E acrescenta este Autor, que “tem-se entendida que há fraude penal quando o escopo do agente é o lucro ilícito e não o do negócio (RT423/344). Isso, porque a fraude penal pode manifestar-se na simples operação civil, não passando esta, na realidade, de engodo fraudulento que envolve e espolia a vítima (RT329/121). Mas é comum nas transações civis ou comerciais certa malícia entre as partes, que procuram, por meio da ocultação de defeitos ou inconveniências da coisa, ou de uma depreciação, justa ou não, efetuar operação mais vantajosa. Mesmo em tais hipóteses, o que se tem é o dolo civil, que poderá dar lugar à anulação do negócio, por vício de consentimento, com as consequentes perdas e danos (artigos 147, II, e 1.103 do CC), não, porém, do dolo configurador do estelionato (RT 547/34g). Não há crime na ausência de fraude, e o mero descumprimento do contrato, mesmo doloso, é mero ilícito civil (JTACRSP 49/173, 50/79, 51/405, RT 423/394, RTJ 93/978) (...).
Configura-se o crime: (...) na obtenção de financiamento com garantia fiduciária inexistente; na compra a crédito com nome falso (JTACrSP 59/261, 62/171); na inadimplência contratual preconcebida (JTACRSP 44/166) etc.” – [cfr. Acórdão do STJ de 4.10.2007-relator: Juiz Conselheiro, Dr. Simas Santos].
Na distinção do ilícito civil, aquele mesmo relator Dr. Simas Santos conclui que há fraude penal:
- quando há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico;
- quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indireto; - quando se verifica uma violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena;
- quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scéne para iludir;
- quando há uma impossibilidade de se reparar o dano;
- quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio – v. Ac. STJ de 04/10/2007, in www.dgsi.pt/jstj.
No caso vertente, o que temos, e que resulta indiciado dos autos foi a celebração inicial de um contrato entre a “G…” e a “D…”, para que esta procedesse a um conjunto de trabalhos, mediante a entrega de um determinado preço, preço esse que apenas foi pago em parte, faltando liquidar a quantia de cerca de €400.000,00.
Para pagamento daquela quantia, propôs o arguido a aquisição por parte dos assistentes de dois apartamentos, para o que foram celebrados dois contratos-promessa entre a “G…” e os assistentes, na qualidade de legais representantes da “D…”. E com a celebração de tais contratos, foram aliás colocados à disposição dos assistentes o uso e ocupação de tais apartamentos, com a entrega das respetivas chaves.
Na concretização de negócios jurídicos é admissível alguma mentira como forma de convencer o outro contraente, nomeadamente através do chamado dolus bonus, a que se refere o artigo 253º, nº 2, do C. Civil, constituído por sugestões ou artifícios usuais para levar àquele convencimento, próprio do ramo de negócio em causa.
Apesar da imoralidade que pode acompanhar a celebração de certos negócios, não é de excluir a suficiência da análise do caso à luz do dolo civil, afastando-se o criminal. Este só se ajusta à fattispecie penal quando o agente, pelo recurso à mentira, à maquinação, no intuito de prejudicar o burlado ou terceiro, usa de astúcia, enquanto instrumento de deslocação patrimonial indevida.
A astúcia é, materialmente, algo mais que aquela mentira; é um plus que lhe acresce e que lhe empresta, sob a forma de cenário criado, uma mise-en-scène, que tem por fim dar crédito à mentira e inevitavelmente enganar – [cfr. neste sentido, Ac. do STJ de 17Jan.07, proferido no Pº nº3152/06 - 3.ª Secção, Relator Armindo Monteiro, sumário acessível em www.stj.pt].
No caso, o arguido, celebrando tais contratos-promessa, entregando a chave dos apartamentos prometidos vender, quis fazer crer aos assistentes que pretendia efetivamente saldar a dívida que tinha para com aqueles.
Todavia, resulta indiciariamente dos autos que nunca o arguido teve a intenção de cumprir o contratualizado, não só porque sabia que os apartamentos em questão estavam registados em nome de uma outra sociedade, mas que sobre os mesmos impendiam ónus e encargos que dificilmente conseguiria liquidar.
ERRO OU ENGANO
Para a burla ser punível, será também necessário que a vítima tenha sido induzida em erro ou engano. Mas não basta qualquer engano: é necessário que ele tenha sido provocado astuciosamente pelo agente. Ora, quer o erro, quer o engano, traduzem uma ideia de falsa representação da realidade, que levam o burlado a representar mentalmente os factos que lhe são apresentados por forma diversa da que eles tomam, agindo o enganado, por se encontrar falsamente convencido da realidade.
No caso, o arguido, aproveitando-se da circunstância de ser o legal representante de todas as sociedades envolvidas no negócio, fez crer aos assistentes que o contrato prometido seria realizado até ao dia 30 de junho de 2011, agindo assim os assistentes convencidos de que o arguido iria honrar a sua palavra e celebrar tais contratos no prazo acordado.
Tal não veio a acontecer, é esse o engano que se tem por verificado no caso.
Assim sendo, o engenho e astúcia utilizado pelo arguido determinou o erro e engano dos assistentes, que aceitaram contratar com o arguido julgando que existia de parte a parte vontade de contratar e de cumprir o estipulado, e nessa medida, acabaram inclusivamente por subscrever uma declaração em que atestavam que “valor da dívida por parte da G…, Lda., e que totaliza €428.168,13, referente às faturas constantes da listagem anexa, foi compensado por parte da D… através da aquisição por parte desta, das frações autónomas designadas pelas letras “AS” e “AE” descritas na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º ….-AS e ….-AE.
Mais declara, que aquando da celebração da escritura das identificadas frações, vai ser entregue à G… o respetivo recibo de quitação, ficando esta credora da quantia de €9.331.87.”
Temos então que o engenho e astúcia utilizado pelo arguido que determinou o erro dos assistentes, determinou ainda a ocorrência de um prejuízo na sua esfera jurídica, pois que não só não se vieram a realizar os contratos prometidos, como não foram ressarcidos do montante que havia ainda por liquidar.
Não olvidamos que os assistentes podiam ter recorrido à Conservatória do Registo Predial, aí indagando da propriedade dos respetivos apartamentos e de eventuais ónus que sobre os mesmos incidissem.
Sucede, porém, que todas as sociedades envolvidas neste “esquema” têm um só e único representante legal, a saber, o arguido, que aproveitando esta circunstância, credibilizava ainda mais os negócios por si celebrados. Note-se que em momento algum fez constar dos contratos promessa que, os bens prometidos vender eram bens alheios, ou, se quisermos, bens futuros, porque registados em nome de uma sociedade que não a outorgante do contrato, e que, por tal motivo, muito dificilmente conseguiria honrar os mesmos, celebrando a escritura definitiva.
Em momento algum dos autos resultam indícios de que o arguido tenha diligenciado no sentido de transferir a propriedade de tais apartamentos para a “G…”. Aliás, se era sua intenção proceder ao pagamento do remanescente em dívida aos assistentes, por que motivo não celebrou de imediato os contratos definitivos, vendo-se na contingência de celebrar previamente os contratos-promessa? Porque sabia que tais apartamentos, ainda que estivessem na sua disponibilidade, se encontravam registados em nome de uma outra sociedade que não aquela que outorgara os contratos-promessa, realidade que terá ocultado aos assistentes.
PRÁTICA DE ACTOS PELA VÍTIMA DE ENGANO
Outro dos elementos objetivos previstos para a perfeição da burla, é a prática de atos pela vítima, que haverão de ser aqueles que o agente nela determinou. Este tipo de ilícito não se consuma pois, com a prática de atos pelo agente, é também necessário que a vítima colabore, participe e pratique os atos predefinidos pelo burlão, sendo o enganado, o “protagonista da sua desgraça” e sem o que, o crime ficará no estádio da tentativa.
No caso, os assistentes declararam, pouco tempo depois da outorga dos contratos-promessa, que “o valor da dívida por parte da G…, Lda., e que totaliza €428.168,13, referente às faturas constantes da listagem anexa, foi compensado por parte da D… através da aquisição por parte desta, das frações autónomas designadas pelas letras “AS” e “AE” descritas na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º …-AS e ….-AE.”
E acreditando em tal compensação, chegaram a arrendar tais apartamentos, perante a iminência da outorga dos contratos prometidos, que junto do arguido insistiam para que os realizasse, convencidos que estavam que mais cedo ou mais tarde aquilo que não passava ainda de uma mera promessa no papel, uma mera formalidade, se viesse a concretizar.
PREJUÍZO PATRIMONIAL
O objeto do crime é o património do lesado, sendo este património que o agente agride com a sua conduta. A burla é um crime de dano e contra o património, porque à sua realização típica, é essencial o conceito de prejuízo patrimonial. O bem jurídico tutelado é o património em geral, no seu sentido económico-jurídico, incluindo a soma dos valores económicos e jurídicos protegidos, entendendo-se a determinação do valor do prejuízo do burlado pelo valor do dano provocado no momento da prática do facto.
Não havendo prejuízo, poderá haver burla, mas só na forma tentada.
No caso, esse prejuízo ocorreu, uma vez que os assistentes não obtiveram a celebração dos contratos definitivos relativos aos apartamentos em questão, como contrapartida dos trabalhos efetuados para aquela “G…”, ou seja, foram confrontados com ações de reivindicação peticionando a entrega dos apartamentos e não receberam o montante que aquela “G…” tinha que liquidar para saldar a dívida em causa, o mesmo é dizer que, nem apartamentos, nem dinheiro.
CONDUTA DOLOSA
O crime de burla apenas pode ser cometido dolosamente e em qualquer das modalidades de dolo (artigo13º do C. Penal).
Faltando uma previsão da punibilidade da negligência, o crime de burla é necessariamente doloso. O dolo abarcará todos os elementos da atividade do burlão: a atividade astuciosa, a indução da vítima em erro ou engano, a determinação desta à prática de atos e o prejuízo patrimonial causado.
No caso, estando indiciado que o arguido sabia ‘ab initio’ que não lograria honrar a sua palavra, celebrando os contratos prometidos e assim saldar a dívida que tinha para com os assistentes, convencendo-os a assinar uma declaração de que se consideravam compensados com tais apartamentos, e já nada mais tinham a exigir ao arguido, permite-nos afirmar a existência do dolo necessário ao preenchimento do tipo.
E foi assim, fora de qualquer dúvida que o arguido conseguiu obter um enriquecimento monetário indevido à custa de um correspondente prejuízo patrimonial determinado na esfera dos assistentes, o que logrou obter mediante um artifício traduzido nas circunstâncias agora analisadas, e só o tendo conseguido exatamente por essa via.
Reconhece-se que, em determinadas hipóteses, a linha divisória entre a burla e o simples ilícito civil não é fácil de estabelecer, devendo ser determinada com recurso a diversos índices [Neste sentido, Ac. do S.T.J. de 3.02.2005, Proc. nº 4745/04 - 5.ª Secção, Relator Cons. Simas Santos, sumário acessível em www.stj.pt.].
Assim, haverá burla:
- quando há propósito ‘ab initio’ do agente de não prestar o equivalente económico;
- quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indireto;
- quando se verifica uma violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena;
- quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scène para iludir;
- quando há uma impossibilidade de se reparar o dano;
- quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio.
No caso em apreço, afigura-se-nos estarem verificados quase a globalidade dos índices que ora elencamos, pelos motivos supra expostos.
Em conclusão, afigura-se-nos estarem indiciariamente demonstrados os factos integradores da astúcia, do erro e engano e do elemento subjetivo do crime de burla, pelo que se impõe a pronúncia do arguido.
*
6. DECISÃO
Pelo que antecede, o Tribunal decide pronunciar, para julgamento em tribunal constituído em estrutura coletiva, pela prática, em concurso real e na forma consumada, de dois crimes de BURLA QUALIFICADA, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a) do C. Penal:
E…, casado, empresário, filho de AB… e AC…, nascido a 09.12.1966, natural de …, Penafiel, e residente na Rua…, …, n.º …, Paredes;
“F…, S.A.”, pessoa coletiva com o NIPC n.º ………, com sede na Rua…, n.º …, …. - … …, Chaves e “G…, LDA”, NIPC ………, com sede na Rua…, n.º .., …. - … …, Chaves, atualmente, “H…, LDA.”, NIF ………, com sede na Rua…, …, …. Chaves,
Porquanto:
1. B… e C… são sócios-gerentes da “D…, Lda.”, empresa que tem como objeto social: “limpeza de locais desmatações, abate de árvores, limpezas de terrenos, etc; demolições prédios, infraestruturas, pavimentos, muros, instalações diversas, etc. Estes trabalhos podem incluir desinfestações, terraplanagens, escavações a céu aberto, abertura de valas, movimento de terras, aterros, desmonte de rocha dura com ou sem explosivos, etc.; remoção de terras, solos rochosos, resíduos, fornecimento de inertes ou materiais, etc.; infraestruturas, tubagens de água, saneamento, eletricidade, gás, etc; aluguer de equipamento.
2. No dia 3 de Setembro de 2007, a sociedade “F…, S.A.”, pessoa coletiva n.º ………, legalmente representada pelo arguido E…, na qualidade de dono da obra, adjudicou à sociedade “G…, Lda.”, pessoa coletiva n.º ……… e igualmente representada pelo mesmo arguido E…, a execução de uma obra de construção de um edifício de habitação. 3. O negócio consigo mesmo indicado no ponto 2º, tinha como único objetivo criar um dueto “Banco Bom/Banco Mau”, no qual o banco bom seria a “F…”, dona da obra e do património, e o banco mau seria a “G…”, subempreiteira fictícia, destituída de património, constituída com o único propósito de responder pelas obrigações do dono da obra, sem que, legalmente, o dono da obra ficasse com qualquer parte do passivo da empreitada, pelo menos perante outros empreiteiros.
4. No dia 4 de setembro de 2007, o “Banco Mau” “G…, Lda.”, legalmente representada pelo arguido, na qualidade de empreiteiro geral, adjudicou à sociedade “D…, Lda.”, a empreitada de escavação geral da obra de construção de um edifício de habitação.
5. Ficando orçamentado e acordado como pagamento desses serviços o valor de €1.126.558,93 (um milhão, cento e vinte e seis mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e noventa e três cêntimos).
6. Dessa quantia, apenas foi liquidado o valor de €698.390,00 (seiscentos e noventa e oito mil, trezentos e noventa euros);
7. Permanecendo assim por liquidar, o montante de €428.168,13 (quatrocentos e vinte e oito mil, cento e sessenta e oito euros e treze cêntimos).
8. Apesar de inúmeras e diversas insistências para o seu pagamento, o arguido, em representação das suas sociedades, nunca pagou, até hoje, o remanescente.
9. Assumindo mesmo que estava impossibilitado de honrar os seus compromissos, pelas dificuldades de mercado e propondo aos participantes um pagamento em espécie.
10. Apesar de não ser esse o interesse dos representantes da “D…”, estes, receando o incumprimento definitivo, aceitaram.
11. Assim, para pagamento do remanescente, ficou acordado entre as partes que o arguido, que agia enquanto representante do dono da obra, sem alguma vez ter indicado que o dono da obra não seria a “G…” mas sim a “F…”, entregaria duas frações autónomas, ficando desta forma integralmente pago o valor acordado pela prestação de serviços contratada.
12. Em conformidade, foram celebrados dois contratos-promessa de compra e venda entre a “D…, Lda.” e a “G…, Lda.”, sem que desses contratos constasse qualquer menção que tais bens não eram da “G…” e que, portanto, seria uma promessa de venda de bens futuros.
13. O primeiro contrato foi celebrado no dia 13 de julho de 2010, tendo por referência a fração autónoma designada pela letra “AS”, destinada a habitação de tipologia T2, quinto piso esquerdo, traseiras, com entrada pelo n.º …, da Rua…, incluindo ainda um lugar de garagem para dois veículos e um compartimento para arrumos no piso - …, com entrada pelo n.º … da Via do L…, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º 11142.
14. A este contrato promessa de compra e venda, foi atribuído o valor de €200.000,00 (duzentos mil euros), quantia que a promitente vendedora declarou ter já recebido.
15. Após a celebração do contrato-promessa foram entregues, pelo arguido, aos legais representantes da “D…”, as chaves do respetivo imóvel, adquirindo assim, a posse da referida fração.
16. Uma vez que o valor patrimonial desta fração era insuficiente para fazer face ao montante ainda em dívida, e alegando a “G…s” não dispor de liquidez suficiente para fazer face a tal montante, foi também proposto o pagamento pela entrega de outra fração autónoma.
17. Nestes termos, no dia 20 de Janeiro de 2011, foi celebrado novo contrato promessa de compra e venda, tendo por referência a fração autónoma “AE”, destinada a habitação do tipo T3, …, com entrada pelo n.º .., da Rua…, de que faz parte um lugar de estacionamento para dois veículos com acesso pelo n.º .. da referida rua, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 400 e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º 11144.
18. Mais uma vez, após celebração do contrato promessa, foram entregues, pelo arguido, as chaves do respetivo imóvel, aos legais representantes da “D…”, que adquiriram, assim, a posse da referida fracção.
19. Foi ainda estipulado em ambos os contratos, o benefício da execução específica, nos termos do artigo 830º do C. P. C., nunca tendo ficado registado no contrato que os imóveis não eram da “G…”.
20. Para celebração dos dois contratos, foi exigido pelo arguido declaração escrita a atestar que o montante em dívida pela “G…” estava compensado com a entrega das referidas frações “AS” e “AE”.
21. Ficou ainda acordado que, aquando da celebração da escritura de compra e venda, ficaria a “D…” credora, somente do valor remanescente de €9.331,87.
22. Tendo sido acordado que o restante valor nunca seria exigido.
23. Apesar de devidamente acordado que procederiam às escrituras no prazo de 30 dias, até à presente data ainda não foram celebradas as respetivas escrituras de compra e venda.
24. Contudo, desde a data em que recebeu os imóveis, a “D…” sempre atuou como sua legítima proprietária, tal como é do conhecimento do arguido.
25. Tendo inclusivamente arrendado os imóveis a terceiros, pago o condomínio e cumprido as obrigações fiscais, por haver o arguido transmitido que, como os imóveis já se encontravam com a D…, deveria ser esta a fazer o pagamento,
26. …uma vez que tinha havido a entrega das chaves.
27. Os legais representantes do ofendido, por confiarem no arguido, conceituado ex-jogador da Primeira Divisão e da Seleção Nacional, nunca agiram judicialmente para a celebração da escritura definitiva de compra e venda, pois sempre confiaram que o arguido estaria de boa-fé.
28. E pelas inúmeras promessas do arguido que iria proceder às escrituras no “próximo mês”, sempre que era interpelado.
29. Contudo, sem que nada fizesse prever, foi a “D…” confrontada com duas ações judiciais de reivindicação peticionando, entre outros, a restituição das frações autónomas supra identificadas.
30. Citados destas ações de reivindicação, a D…” tomou conhecimento das seguintes situações:
31. Os contratos promessa de compra e venda foram celebrados com quem não era proprietário dos imóveis – a “G…, Lda.”, legalmente representada para o ato pelo sócio-gerente E….
32. Ou seja, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, as frações autónomas “AE” e “AS” eram propriedade da “F…, S.A.”
33. Sociedade administrada, à semelhança da “G…”, pelo arguido E….
34. Assim, à data da celebração do contrato promessa de compra e venda, neste caso de bem futuro, era do conhecimento do arguido que estas frações não eram propriedade da sociedade “G…, Lda.”
35. E nunca comunicou, por qualquer meio, à “D…”, que o contrato promessa era apenas de bem futuro. Pelo contrário, fez incluir uma cláusula de execução específica no referido contrato-promessa, bem sabendo que tal cláusula seria de cumprimento impossível, exceto se a “F…” capitalizasse a “G…”, o que nunca sucedeu e que o arguido sabia que jamais sucederia.
36. Com a descrita conduta, o arguido fez os representantes da “D…” acreditar que estavam a celebrar um contrato, que seria honrado, e que até poderia ser alvo de execução específica em caso de incumprimento, o que o arguido sabia ser falso.
37. Até porque, na prática e independentemente da propriedade formal, o arguido sempre se apresentou como proprietário material dos imóveis, sempre omitindo dos legais representantes da “D…” a intrincada rede societária que havia constituído para conseguir frustrar os créditos dos empreiteiros que contratava, num esquema “Banco Bom/Banco Mau”.
38. Acontece que, no dia 17.02.2012, por escritura pública, a “F…, S.A.”, ou seja, o arguido, vendeu a identificada fração “AS” à empresa “M…, S.A.”
39. Tal sociedade, com matrícula n.º ………, tem sede na Rua…, n.º …, ….-… …, a mesma sede da “F…, S.A.”
40. A “M…” tem como administrador o arguido E…, ou seja, naquela data, o arguido acrescentou mais uma barreira artificial que os seus credores teriam que ultrapassar caso tivessem pretensões de serem ressarcidos dos seus créditos pelo valor dos imóveis do dono da obra.
41. Ou seja, o arguido E…, enquanto representante da sociedade “G…”, prometeu vender um imóvel, fração “AS” à “D…”.
42. O mesmo arguido, enquanto representante da “F…”, que é legalmente administrada por si, celebrou escritura de compra e venda dessa mesma fração com a sociedade “M…”, também ela por si administrada, noutro negócio consigo mesmo que, à luz das regras da boa fé, não tem qualquer explicação racional.
43. Em relação à fração “AE”, do que se conseguiu apurar, o arguido E…, enquanto representante da sociedade “G…”, prometeu vender a mesma à “D…”, fração que é, até à presente data, propriedade da “F…”, legalmente administrada por si. 44. Com tal habilidade e astucia, o participado conseguiu obter, indevidamente, quitação das dívidas das suas representadas perante a “D…”.
45. Assim conseguindo anular o crédito da sociedade representada pelos participantes, com o correspondente enriquecimento.
46. Obteve assim um enriquecimento de mais de €400.000,00, fruto apenas do engano provocado nos representantes legais da “D…”.
47. O arguido não tem qualquer intenção de ressarcir os créditos cuja quitação obteve de forma fraudulenta, uma vez que, ao invés de instruir as suas sociedades para cumprirem a promessa efetuada, encontra-se a reivindicar judicialmente a posse dos imóveis que havia prometido vender à “D…” e cujo preço declarou ter recebido nos já aludidos contratos promessa.
48. Com o seu comportamento fraudulento, o arguido logrou enriquecer em valor superior a €400.000,00 às custas da “D…”.
49. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem ciente de que, com as suas condutas, estava a enganar os legais representantes da “D…” e que, assim, violava a lei.
50. Com esta atuação, o arguido quis lesar, como lesou, a “D…”, impossibilitando-a simultaneamente de receber os bens imóveis pretendidos vender e de reivindicar o valor dos seus créditos, uma vez que já havia dado quitação.
51. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de obter, para si e para as sociedades arguidas representadas, um enriquecimento ilegítimo à custa de património alheio, bem ciente de que, com as suas condutas, estava a enganar os legais representantes da “D…” e de que, assim, violava a lei.”
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Prova: a indicada no RAI e ainda tomada de declarações aos assistentes B… e C… (fls. 221-222).
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Medidas de coação: nada a ordenar, face aos termos de identidade e residência prestados a fls. 117, 297, 305 e 478e à ausência de razões que tornem justificada medida mais gravosa.»
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A) O invocado erro sobre indiciação de alguns factos
Alegaram os recorrentes, como uma das vertentes do seu recurso, que os autos não contêm indícios suficientes para pronunciar o arguido pela prática dos factos levados aos pontos 3, 4, 8 (parcialmente), 10, 11, 12, 19, 20, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 40, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51 da enunciação factual do despacho de pronúncia.
Longe de querermos fazer uma confrontação exaustiva das provas com a totalidade dos itens factuais assim assinalados no recurso – até porque, como veremos, esse aspeto não é o único suscetível de influenciar a decisão – sempre nos referiremos a algumas das alegadas insuficiências de indícios.
Assim, quanto aos factos vertidos nos pontos 3 e 4, nada autoriza (nem a prova documental, nem qualquer outra) que aí se designe a arguida G…/H… como subempreiteira e a assistente D… como empreiteira, antes se impõe consignar exatamente o contrário – a arguida G… interveio como empreiteira e a assistente D… como subempreiteira (tal resulta direta e inequivocamente, desde logo, do próprio contrato de subempreitada celebrado entra a G… e a D…). Levam-se, porém, tais desconformidades (que têm origem no RAI dos assistentes) à conta de lapsos de escrita.
Quanto ao constante nos pontos 11, 12 e 19, se é certo que não é indicado nos contratos promessa de compra e venda que a G… não era a dona da obra, certo é que os assistentes tinham sérias razões para admitir que o não fosse e que se tratava da promessa de venda de bens futuros, pois tal decorria não só do contrato de subempreitada que anteriormente havia sido celebrado com a mesma G…, como do conhecimento dessa realidade demonstrado em diversos outros documentos juntos aos autos.
Exarou-se, no ponto 20 da matéria de facto dada como indiciada, que “(…) Para celebração dos dois contratos, foi exigida pelo arguido declaração escrita a atestar que o montante em dívida pela “G…” estava compensado com a entrega das referidas frações ‘AS’ e ‘AE’”, declaração essa que seria a junta a folha 23 dos autos.
No entanto, como bem assinalam os recorrentes, essa suposta exigência prévia é desmentida, desde logo, pelo teor dos próprios documentos juntos com a denúncia.
Na realidade, a declaração junta a folha 23 apenas foi emitida pela D… na data que da mesma consta, ou seja, 31 de março de 2011 e nada tem a ver com a declaração de quitação referida nas cláusulas 3ªs dos contratos promessa, que se refere, pelo contrário, à quitação dada pela G… do pagamento antecipado do preço da compra das frações por parte da D…, através do crédito obtido por força da realização das obras subempreitadas.
Aliás, tendo os contratos-promessa sido assinados, um em 13/07/2010 (cfr. fls. 19-20) e o outro em 20/01/2011 (cfr. fls. 21-22), é totalmente ilógico que os arguidos tivessem exigido, para a celebração dos contratos celebrados meses antes, uma declaração que apenas foi emitida meses depois e que, como adiante melhor se verá, só teria efetividade a partir do momento da celebração dos contratos prometidos.
Relativamente aos factos exarados nos pontos 29 a 33 e 35 a 37 – ainda que tudo indique que o arguido E… tenha agido com desconsideração da personalidade jurídica das diversas sociedades comerciais que criou e dominava, ao propor ações de reivindicação nas vestes de “F…” e “M…”, tornando claro que não pretendia honrar os compromissos que assumiu perante os assistentes, enquanto legal representante da “G…/H…” – mostra-se mais do que duvidoso que só então (em novembro de 2016, com a citação para as ações de reivindicação) a D… e os respetivos sócios tenham tido conhecimento de que a G… não era, à data da celebração dos contratos-promessa, a proprietária das frações “AE” e “AS”.
Na verdade, tal alegado desconhecimento não só se mostra pouco compatível com o teor do próprio contrato de subempreitada (onde a G… figurava como mera empreiteira geral), como se revela inconciliável com o alegado, designadamente, na petição inicial da reclamação de créditos de 8/7/2014 e seus artigos 9 a 13, onde a assistente D… afirma ter tido conhecimento prévio da contextura societária subjacente (relembre-se o artigo 13, onde se conclui “13. Face ao acordo de dação em cumprimento entre a dona da obra e a empreiteira, por um lado, e desta com a reclamante, celebraram-se os respetivos contratos de promessa que, com ausência de rigor, se qualificaram de compra e venda.”).
Diz-se, nos pontos 44, 45, 46, 47 e 48 que o arguido E… conseguiu obter indevida e fraudulentamente quitação das dívidas das suas representadas perante a D… e que assim conseguiu anular o crédito desta.
No entanto, também esta conclusão carece de apoio nas provas existentes, não tanto por a dívida ser anterior aos contratos-promessa, mas sobretudo porque a declaração de quitação invocada só seria válida e invocável civilmente, como nos seus termos se expressa, se e quando as escrituras de venda das frações prediais fossem realizadas, o que não ocorreu, mantendo-se, pois, no mínimo, tal dívida da G…. Diz-se “no mínimo”, pois consta – designadamente da ‘interpelação admonitória’ de 14/10/2014 e da ‘petição inicial’ de reclamação de créditos de 8/7/2014 (juntas aos autos e parcialmente transcritas – que a assistente D… se pretende ressarcir “em dobro”, face ao incumprimento dos contratos-promessa.
Tudo isto significa que não existem indícios suficientes dos pressupostos factuais acima assinalados, sem alguns dos quais não poderia ser reconhecida relevância criminal aos comportamentos ajuizados.
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B) A irrelevância criminal da factualidade indiciada
No despacho recorrido faz-se um alargado excurso exegético sobre os pressupostos gerais – objetivos e subjetivos – necessários para que se possa afirmar a existência do crime de burla, citando alguma doutrina e jurisprudência.
Sobre essa abordagem genérica, nenhum reparo se nos oferece fazer.
Todavia, quando aí se pretende afirmar o preenchimento, pela factualidade indiciada nos autos, dos diversos requisitos do tipo criminal em causa, já se nos afigura menos avisada a argumentação do Tribunal recorrido.
Seguindo a ordem por que foram sendo analisados, no despacho recorrido, os requisitos da tipicidade criminal da conduta dos arguidos (ou seja, do arguido E… e das sociedades por si criadas ou detidas), entende o Tribunal recorrido como presente o requisito da astúcia, dizendo que o arguido, ao celebrar os contratos-promessa de compra e venda dos apartamentos, quis fazer crer aos assistentes que pretendia efetivamente saldar a dívida que já tinha para com aqueles, o que não corresponderia à verdade, pois nunca teve a intenção de cumprir.
A factualidade dada como indiciada na decisão recorrida permite, com efeito, configurar a criação de um cenário destinado a criar falsas expetativas e a “entreter” os credores ora assistentes, admitindo-se que o grau de sofisticação utilizado possa ser considerado como astucioso.
Já no que respeita ao requisito erro ou engano, face ao que acima se expendeu em sede de análise da matéria de facto, mostra-se pouco ou nada provável que os assistentes desconhecessem que os apartamentos não se encontravam registados em nome da promitente à data da celebração dos contratos-promessa. Tudo indica que os assistentes não valorizaram, então, a circunstância de se omitir a realidade registral dos imóveis, porquanto, embora não podendo deixar de saber quem era a dona da obra, consideraram atenuada essa desconformidade pela confiança que ainda depositavam no arguido E…, que estaria em posição suficientemente ubíqua que lhe permitiria viabilizar a efetiva dação em pagamento.
Em todo o caso, sempre se dirá que, ainda que se tivesse verificado tal engano, o mesmo não seria suscetível de, por si só, alterar a sorte da lide criminal.
Idênticas considerações são cabidas sobre o requisito típico da prática de atos pela vítima de engano.
Para o Tribunal recorrido, o ato praticado pela assistente D… que seria relevante para a prática do crime seria a emissão, por esta, alguns meses depois da celebração dos contratos-promessa, de uma declaração de compensação de créditos.
Mas, como vimos, nem tal declaração foi condição da celebração dos contratos-promessa, nem os seus efeitos se produziriam antes das previstas escrituras de compra e venda, que nunca se chegaram a realizar.
O ponto decisivo do caso que nos ocupa centra-se, porém, necessariamente, na concreta verificação – ou não – do requisito do prejuízo patrimonial.
Protegendo o crime de burla o bem jurídico património (globalmente considerado) e tratando-se de um crime material ou de resultado, o mesmo apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera da disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou vítima.
Tal consumação passa, assim, segundo a doutrina mais avisada, pela verificação de um duplo nexo de imputação objetiva, a que subjazem os pressupostos da chamada teoria da adequação: uma primeira conexão entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do seu património (ou do património alheio); e uma segunda concatenação entre os atos do burlado e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial ([3]).
Na situação ajuizada, o prejuízo patrimonial da assistente D… teve origem no incumprimento parcial da obrigação de pagamento do preço estipulado em contratos de subempreitada, a cargo da empreiteira G…, cifrando-se o crédito da assistente (nunca posto em causa por esta arguida) em 428.168,13 euros.
Só posteriormente, com vista a liquidar a totalidade de tal dívida, a G… [promitente-vendedora] e a D… [promitente-compradora] celebraram dois contratos-promessa de compra e venda, com o benefício da execução específica, de duas frações do referido edifício, em 13.7.2010 e 20.01.2011, a que deram o valor de 200.000,00 e 237.500,00 €, livres de quaisquer encargos, com o compromisso de as escrituras dos contratos prometidos ocorrerem até 30 de junho de 2011; as chaves dos dois imóveis foram entregues à D… que deles tomou posse; à data, os referidos imóveis estavam registados a favor da F… que, mais tarde [Fevereiro de 2012], vendeu um deles a uma terceira sociedade, a M…, de que é administrador também o arguido E…; os imóveis em causa foram objeto de ações de reivindicação, instauradas em novembro de 2016, pela M… e pela F… contra a D… e pessoas singulares que os ocupavam, por contratos de arrendamento celebrados com a D….
Tudo indica, assim, que o arguido E… mostrou não ter interesse em criar as condições indispensáveis ao cumprimento dos contratos-promessa, contratos esses que a D…, considerou resolvidos, por incumprimento definitivo da G…/H….
No despacho recorrido considera-se que o prejuízo patrimonial consistiu em os assistentes não terem obtido a celebração dos contratos definitivos relativos à transmissão dos apartamentos objeto dos contratos-promessa e em não terem também recebido o montante que a G… (ora H…) lhes devia por incumprimento parcial do pagamento do preço da subempreitada.
Curiosamente, não argumenta, nesta sede, com a existência da declaração escrita de compensação de créditos elaborada pela D… e junta a folha 23 dos autos, decerto por saber que a mesma tinha uma eficácia condicionada à realização da transmissão definitiva das frações ‘AS’ e ‘AE’.
Este ponto é importante, na medida em que, a existir uma declaração incondicional de compensação de créditos, estaria encontrado um verdadeiro e quantificado prejuízo patrimonial para a D….
Todavia, não tendo essa compensação chegado a existir, deve perguntar-se se, face aos factos alegados no requerimento de abertura de instrução, se verifica o alegado prejuízo.
Ora, no caso dos autos, o prejuízo patrimonial nasceu com o incumprimento do contrato por parte da empreiteira, estando estabelecido muito antes do alegado engano de que terá sido vítima a subempreiteira ao subscrever os contratos-promessa de compra e venda (ou de prometida dação em cumprimento).
Salvo melhor opinião, entendemos que o prejuízo não decorreu da não outorga das escrituras de compra e venda, como prometido – os contratos-promessa, pela sua própria natureza, configuram meros projetos dos negócios definitivos, sujeitos às consequências que a lei civil prevê – mas já era uma realidade desde muito antes da celebração dos contratos-promessa.
Com a celebração dos contratos-promessa e subsequentes desenvolvimentos, nem os arguidos ficaram mais ricos, nem a assistente mais pobre do que já estavam à data do vencimento da dívida, uma vez que a dívida já existia antes e continua a existir, porque nunca foi saldada por qualquer meio, nomeadamente, através da celebração dos contratos prometidos.
Assim, não se apurando que o comportamento dos arguidos tenha criado qualquer novo prejuízo patrimonial atendível e não se verificando, assim, o indispensável nexo de imputação objetivo entre os atos dos assistentes alegadamente tendentes à diminuição do seu património e a efetivação de qualquer novo prejuízo, carecem os factos realmente indiciados de relevância
criminal, mormente no âmbito da previsão do tipo legal de crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, al. a) do Código Penal.
Isto, sem prejuízo da eventual relevância cível dos comportamentos dos arguidos, de que nesta sede se não cuidará.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento o recurso interposto pelos arguidos, revogando o douto despacho da 1ª instância e determinando agora a não pronúncia criminal dos mesmos.
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Custas a cargo da assistente D…, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça.
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Porto, 13 de maio de 2020
Vítor Morgado
Maria Joana Grácio
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[1] Tal decorre, desde logo, de uma interpretação conjugada do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Tratar-se-á de manifesto lapso de escrita, pois o único arguido (pessoa singular) constituído nos autos é E….
[3] Neste sentido, ver, por todos, A.M. Almeida Costa, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo II, Coimbra Editora, 1999, § 13 da anotação ao artigo 217º, página 293.