Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA MIRANDA | ||
Descritores: | CESSIONÁRIO DE DIREITO DE CRÉDITO CAUSA DE PEDIR DO CRÉDITO | ||
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Nº do Documento: | RP20250710610/24.0YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Compete ao autor demonstrar a qualidade de titular do direito de crédito. II - Tendo ocorrido a cessão dos créditos, a qualidade de cessionário reconduz-se à prova de ter substituído o credor na sua posição contratual, em resultado da transmissão dos créditos. II - O cessionário não está dispensado de provar a alegada causa de pedir que fundamenta o seu pedido, isto é, os factos que constituem o direito de crédito. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 610/24.0YIPRT.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda Adjunto: Lina Castro Baptista Adjunto: Alberto Taveira * Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I—RELATÓRIO “A..., S.A.” com sede na Av. ..., ..., ..., ... Lisboa, intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra AA e BB, ambos residentes em Rua ..., ... Penafiel, pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 7.323,09, acrescida de juros de mora no valor de € 4.342,05 e taxa de justiça no montante de € 153,00. Para tanto, alegou que os Réus são devedores do Banco 1... (doravante também Banco 1...), por terem celebrado um contrato de crédito ao consumo e um descoberto em conta de um depósito à ordem, mas cuja posição contratual foi cedida à B..., S.A.R.L. (doravante também B...) e, depois, à Autora. Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que nada devem à Autora, porquanto não aceitam a existência de qualquer dívida ao Banco 1... que pudesse sustentar a sua cedência. Por outro lado, invocaram a prescrição de qualquer eventual crédito, quer de capital, quer de juros, ao abrigo do disposto nos artigos 310.º, alíneas d) e e) do Código Civil. * A Autora respondeu pugnando pela improcedência da prescrição e juntou documentos, cujo teor, letra, efeito, sentido e alcance foi impugnado pelos Réus nos termos do disposto no artigo 444.º, n.º1 do Código de Processo Civil. * Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido. * Inconformada com a sentença a Autora interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões 1. O recurso em referência tem como objeto a sentença que julgou improcedente por não provado o pedido da Autora, porquanto, entende o Tribunal a quo, que “(…) não se pode considerar que o Banco 1... detivesse qualquer crédito sobre os réus, pelo que a presente ação terá de improceder. Ainda que assim não fosse, a falta de prova da cessão dos putativos créditos que seriam titulados pelo Banco 1... a uma outra sociedade que, por sua vez, os teria cedido à autora, sempre obstaculizaria que esta pudesse obter qualquer vencimento de causa, desta feita por falta de legitimidade substantiva 2. Ora, o Banco 1... S.A. e os Réus celebraram um Contrato de Crédito Pessoal destinado a multi-finalidades com o n.º ... e um contrato de abertura de uma conta de depósito à ordem solidária, à qual foi atribuído o n.º .... 3. O Tribunal a quo, e bem, deu como provada a celebração de ambos os contratos. 4. A 20/08/2015, os Réus deixaram de liquidar as prestações convencionadas, pelo que, foi o referido Contrato de Crédito Pessoal resolvido, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 6.653,23 (seis mil, quinhentos e cinquenta e três euros e vinte e três cêntimos). 5. Por sua vez, a 29/07/2015, existia um saldo a negativo de € 669,86 (seiscentos e sessenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), na conta com o nº .... 6. Devidamente interpelados para o efeito, os Réus não lograram proceder à regularização dos contratos, motivo pelo qual o banco procedeu à resolução do Contrato de Crédito Pessoal destinado a multi-finalidades com o n.º ..., nos termos e para os efeitos previstos no artigo 781.º do Código Civil, o que o fez. Sucede que, 7. Entende o douto Tribunal a quo que “Relativamente ao incumprimento do crédito ao consumo e à existência de um alegado descoberto em conta, prova alguma foi feita.”, uma vez que, “(…) impunha-se à autora que, pelo menos, juntasse documentação relativa aos alegados incumprimentos prestacionais, nomeadamente cartas de interpelação para pagamento com o valor das prestações em mora, em número e valor mínimos previstos (…)”. 8. Ora, salvo o devido respeito, não pode a aqui Recorrente concordar com tal posição. 9. Em sede de oposição, os Réus, essencialmente, invocaram a prescrição dos créditos peticionados. 10. Fazendo uso do seu direito ao contraditório a Autora, a aqui Recorrente, veio refutar o referido prazo prescricional, tendo arguido, entre outros, que o Banco 1..., S.A. tinha procedido à resolução do Contrato de Crédito Pessoal destinado a multi-finalidades com o n.º ... (vide artigo 10.º e seguinte do requerimento datado de 02/12/2024, com a Ref.ª 50645514). 11. Conforme se poderá verificar da análise dos autos, os Réus nunca contestaram expressamente a resolução do contrato. 12. Nesse sentido, sempre se dirá que a falta de contestação de tal facto culmina na confissão tácita dos Réus, aqui Recorrentes, o que, salvo o devido respeito, deveria ter sido reconhecido pelo Tribunal a quo. 13. Face ao exposto, entende a Recorrente que a falta de contestação dos Réus quanto a este ponto, importa a sua confissão, pelo que inexistia a necessidade da Recorrente juntar aos autos quaisquer cartas de interpelação e de resolução remetidas, porquanto a resolução dos contratos seria um facto assente. Por outro lado, 14. Os Réus, para além de invocarem a prescrição da dívida, alegaram, genericamente, que nada deviam por conta dos contratos peticionados. 15. Quanto a este facto, importa reiterar que o Tribunal a quo considerou como provada a celebração de ambos os contratos peticionados. 16. Assim, competia aos Réus o ónus de provar o facto impeditivo/extintivo do direito peticionado pela Autora, nos termos e para os efeitos previsto no nº 2 do artigo 342.º do Código Civil. 17. No entanto, e pelos Réus, aqui Recorrentes, a quem incumbia o ónus da prova do pagamento, não foi junto qualquer meio probatório que indicie o integral cumprimento das obrigações assumidas perante o Banco 1..., S.A. 18. Em temática semelhante, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, a 03-06-2014, no âmbito do processo nº 2583/11.0T2AGD-A.C1 que “Não cumprem o ónus de alegação do facto extintivo pagamento os executados/opoentes que se limitam a afirmar que nada devem.” 19. Portanto, e perante a ausência de prova do pagamento, entende a aqui Recorrente que andou mal o Tribunal a quo, pelo que se impunha decisão diversa, na qual fosse inequivocamente reconhecido o incumprimento dos Recorridos. Destarte, 20. Deu o douto Tribunal como não assente os seguintes factos: “a) Nos contratos a que se referem os factos provados 1 e 2 foram cedidos os créditos decorrentes dos contratos ... e .... b) As cessões foram notificadas aos réus nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil.” 21. Concluindo que “(…) a falta de prova da cessão dos putativos créditos que seriam titulados pelo Banco 1... a uma outra sociedade que, por sua vez, os teria cedido à autora, sempre obstaculizaria que esta pudesse obter qualquer vencimento de causa, desta feita por falta de legitimidade substantiva.” 22. A verdade é que aquele entendimento encontra-se desacompanhado de qualquer argumentação justificativa. 23. Desconstruindo, refira-se que Autora, aqui Recorrente, juntou aos autos os contratos de cessão celebrados. 24. Tendo o próprio Tribunal a quo dado como provada a celebração de tais contratos de cessão. 25. Quer isto dizer que o Tribunal deu como provada a celebração dos contratos de cessão, mas, sem qualquer argumento justificativo, considerou que não foi feita prova quanto à cedência à Autora, ora Recorrente, dos contratos de crédito peticionados nos presentes autos. 26. Conclusão essa que, salvo o devido respeito, não espelha a documentação probatória junta aos autos. 27. Ou seja, tendo sido juntos os contratos de cessão, os quais foram considerados válidos e eficazes, impunha-se, salvo o devido respeito, que o douto Tribunal a quo concluísse pela cedência à Recorrente dos contratos de crédito celebrados com os Recorridos e cujo incumprimento se alegam nos presentes autos. 28. Não obstante, considerou ainda o Tribunal a quo que as cessões de créditos não foram notificadas aos Réus, nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil. 29. Nos termos e para os efeitos previstos no nº 1 do artigo 853.º do Código Civil “A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.”. 30. Ou seja, o legislador admite que a notificação da cessão de créditos possa ocorrer judicialmente, nomeadamente, através da citação para uma acção. 31. Assim, e mesmo que, por mero dever de patrocínio, se possa equacionar que os aqui Recorridos não foram notificados extrajudicialmente das cessões de créditos, tal situação ficaria regularizada com a citação para os presentes autos. 32. Sendo tal questão pacificamente aceite na jurisprudência, como se pode observar pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 07-11-2024, processo nº 184/18.1T8OER-A.L3-6: “A notificação da cessão ao devedor pode ser feita por qualquer meio, inclusivamente pela citação do devedor cedido para a acção executiva.” 33. E ainda, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 22-11-2016, processo nº 3956/16.8T8CBR.C1: “A legitimidade activa para a ação executiva satisfaz-se com a alegação e prova da existência do acordo de cessão de crédito, independentemente da sua notificação ao devedor.” 34. Nesse sentido, e salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo ao decidir pela eventual ilegitimidade activa da Autora, porquanto, como se constatou, os contratos de cessão foram válida e eficazmente celebrados, tendo, por isso, sido transmitidos à aqui Recorrente os contratos de crédito peticionados nos presentes autos, constituindo, assim, a citação para os presentes autos uma forma eficaz de notificação da cessão aos devedores. * Os Réus apresentaram resposta sem conclusões. * II—Delimitação do Objecto do Recurso A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto no que concerne ao incumprimento dos contratos celebrados com os Réus e, na afirmativa, se os créditos foram cedidos à Autora. * III—FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS (elencados na sentença) 1. Por contrato denominado de “Acordo de Cessão de Crédito”, outorgado em 21-12-2018, o Banco 1..., S.A. e o Banco 2...., S.A. cederam à B..., S.A.R.L. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes. 2. Por sua vez, por contrato denominado de “Contrato de Compra e Venda Relativo a uma Carteira de Empréstimos”, outorgado em 31-03-2021, a B..., S.A.R.L. cedeu à A..., S.A., uma carteira de créditos, composta por mais de 50 créditos distintos, por valor superior a € 50.000,00, bem como todas as garantias a eles inerentes. 3. No exercício da sua atividade, em 20-02-2014, o Banco 1... celebrou com os réus um Contrato de Crédito Pessoal destinado a multifinalidades com o n.º ..., no âmbito do qual lhes emprestou a quantia de € 8.540,72, pelo prazo de 60 meses. 4. Os réus aceitaram reembolsar a referida quantia em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 194,37 cada. 5. No exercício da sua atividade, em 23-07-1992, o Banco 1... aceitou, a pedido dos réus, a abertura de uma conta de depósito à ordem, solidária, à qual foi atribuído o n.º .... * Factos não provados a) Nos contratos a que se referem os factos provados 1 e 2 foram cedidos os créditos decorrentes dos contratos ... e .... b) As cessões foram notificadas aos réus nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil. c) Em 20-08-2015, os réus deixaram de liquidar as prestações convencionadas no contrato referido em 3 dos factos provados, pelo que, foi o referido contrato resolvido, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 6.653,23 (seis mil, quinhentos e cinquenta e três euros e vinte e três cêntimos). * Da Impugnação da Decisão sobre a matéria de facto Nos termos do artigo 652.º, n.º 1, al. b) do C.P.Civil, cumpre verificar se existe algum obstáculo processual que obste ao conhecimento do recurso interposto pela Autora. Quando seja impugnada a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al.a)); os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al.b)) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al.c))—v. art. 640.º, n.º 1 do C.P.Civil. Da leitura das conclusões do recurso pareceu-nos que a Recorrente não concordou com a resposta negativa dada aos factos descritos nas alíneas a) a c) porquanto entende que os Réus nunca contestaram expressamente a resolução do contrato, pelo que tal facto deveria ter sido reconhecido pelo tribunal. No que concerne à alínea c) (Em 20-08-2015, os réus deixaram de liquidar as prestações convencionadas no contrato referido em 3 dos factos provados, pelo que, foi o referido contrato resolvido, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 6.653,23) o tribunal esclareceu que a Autora não fez prova do alegado pois “(…) impunha-se à autora que, pelo menos, juntasse documentação relativa aos alegados incumprimentos prestacionais, nomeadamente cartas de interpelação para pagamento com o valor das prestações em mora, em número e valor mínimos previstos (…)”. Da leitura dos articulados sobressai a falta de razão da Recorrente quando afirma que os Réus não contestaram expressamente o incumprimento dos contratos e a consequente resolução. Vejamos. No requerimento inicial a Autora alegou o seguinte: 5. No exercício da sua atividade, em 20/02/2014, o Banco cedente (Banco 1...) celebrou com os requeridos, um Contrato de Crédito Pessoal destinado a multifinalidades com o n.º ..., no âmbito do qual lhe mutuou a quantia de € 8.540,72 (oito mil, quinhentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos), pelo prazo de 60 (sessenta) meses. 6. Os Requeridos aceitaram reembolsar a referida quantia em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 194,37 (cento e noventa e quatro euros e trinta e sete cêntimos) cada. 7- Sucede que, em 20/08/2015, os Requeridos deixaram de liquidar as prestações convencionadas, pelo que, foi o referido contrato resolvido, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 6.653,23 (seis mil, quinhentos e cinquenta e três euros e vinte e três cêntimos). (ii) Do descoberto em conta de depósitos à ordem nº ...: 8. No exercício da sua atividade, em 23/07/1992, o Banco Cedente (Banco 1...) aceitou, a pedido dos Requeridos, a abertura de uma conta de depósito à ordem, solidária, à qual foi atribuído o n.º .... 9. Sucede que, em 29/07/2015 existia um saldo a negativo de € 669,86 (seiscentos e sessenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), não tendo os Requeridos cumprido a obrigação emergente do mencionado contrato, inclusive, a de terem a conta devidamente aprovisionada. 10. Ora, apesar de devidamente interpelados para regularizarem a dívida em que incorreram, os Requeridos não efetuaram, até à presente data, qualquer pagamento, nem prestaram qualquer justificação. 11. Atento o facto de os Requeridos terem deixado de aprovisionar a conta, regularizando assim o saldo devedor e cumprindo as obrigações a que estavam contratualmente vinculados, o dito contrato foi resolvido. Os Réus contestaram, separadamente, tendo o Réu declarado que “não é devedor da Requerente, e não aceita a existência de qualquer dívida, pois nada lhe deve (1.º); “não aceita a existência de qualquer dívida ao Banco 1... ou do Banco 2..., nem qualquer pretenso contrato de onde resultem as obrigações invocadas, nem reconhece qualquer alegada cedência de créditos, que não lhe foi dada a conhecer.” (2.º); “Vão expressamente impugnados por não corresponder à verdade o alegado nos art.os 1 a 13 do requerimento de injunção.” (3.º). (sublinhado nosso) A Ré, por seu turno, também contestou no mesmo sentido: 1.ºA Requerida nada deve à Requerente e não aceita a existência de qualquer dívida, nem a reclamada na ação nem qualquer outra, uma vez que nada lhe deve. 2.ºDe igual modo, a Requerida não aceita a existência de qualquer anterior dívida ao Banco 1... ou do Banco 2... que pudesse sustentar uma qualquer cessão de créditos destas à B... ou à A..., ora requerente, pelo que vai expressamente impugnado por falsidade o disposto no art.º 1, 2, 3 e 4 do requerimento de injunção (R.I.). 3.ºPor outro lado, não existe sequer qualquer raciocínio lógico ou plausível entre os valores parcialmente discriminados e o valor global em dívida, indicado em 12 do R.I., reclamado pela requerente. Portanto, é manifesto que os Réus impugnaram expressamente os créditos invocados pela Autora afirmando ambos não só que nada devem ao banco e, consequentemente, à Autora mas também fazendo referência expressa aos artigos da petição inicial que descrevem os alegados créditos. Os Réus tomaram posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir, e a sua defesa, na contestação, é oposta à tese dos Autores, pelo que, ao abrigo do art. 574.º, n.º 1 e 2 do C.P.civil o juiz não podia ter considerado admitidos por acordo tais factos. Assim sendo, a Recorrente carece de razão ao argumentar que estava dispensada de juntar aos autos quaisquer cartas de interpelação e de resolução remetidas aos Réus, porquanto a resolução dos contratos, na sua opinião, seria um facto assente. De harmonia com o estabelecido no artigo 342.º, n.º 1 do C.Civil competia à Autora provar os factos constitutivos do direito alegado no requerimento inicial, ou seja, os factos reveladores do seu crédito. No caso concreto, impendia sobre a Autora a prova do contrato de mútuo bancário e do descoberto em conta e, naturalmente, o incumprimento contratual que determinou a sua extinção, mediante o envio das declarações resolutivas, tal como alegou no seu articulado. Na verdade, segundo o art. 406.º, n.º 1 do C.Civil, o contrato só pode extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. Um desses casos é justamente o direito à resolução do contrato previsto no art. 432.º, n.º 1 do C.Civil, direito potestativo com eficácia extintiva, o qual depende do incumprimento definitivo (ou defeituoso) decorrente de uma cláusula resolutiva expressa no contrato ou na lei, como sucede no caso de impossibilidade de cumprimento da prestação, por culpa do devedor. Estamos perante uma acção através da qual a Recorrente pretende obter o pagamento de determinadas quantias pecuniárias alicerçadas na resolução de contratos bilaterais (mútuo bancário e na modalidade de descoberto em conta) por incumprimento da contraparte, concretamente por falta de satisfação das prestações do mútuo e de provisionamento da conta bancária com fundos monetários suficientes. O exercício deste direito potestativo pressupõe, como se sabe, a verificação de um fundamento enquadrável no inadimplemento, grave e relevante, da obrigação a que o devedor se encontra adstrito, de forma a se poder concluir que a relação contratual não poderá subsistir. No caso de resolução do contrato, os efeitos são equiparados à nulidade ou à anulabilidade dos negócios jurídicos, devendo as partes ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato, não abrangendo, nos contratos de execução continuada ou periódica, as prestações já efectuadas-cfr. arts. 433.º e 434.º, n.º 2 do C.Civil. Acresce que nos termos do artigo 801.º, do C.Civil tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, o credor, no contrato bilateral, pode resolver o contrato, independentemente do direito à indemnização. Cumpre salientar, nas palavras de Carlos Alberto Mota Pinto,[1]que “A resolução dum contrato não extingue a relação contratual como um todo; extingue apenas os deveres de prestação ainda não cumpridos, bem como os deveres secundários de indemnização dirigidos à reparação do interesse na prestação, isto é, à cobertura dum dano ligado ao inadimplemento definitivo ou à mora.” (sublinhado nosso) De acordo com os ensinamentos de A. Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora[2] “Cada uma das partes terá assim (o ónus) de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção. E citando A. dos Reis acrescentam “Cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável.”. Nesta conformidade, a Autora tinha o dever de alegar e provar os créditos que constituem a causa de pedir da presente acção. A saber, o incumprimento definitivo dos contratos que o cedente celebrou com os Réus, decorrente da falta de pagamento das prestações acordadas e do descoberto em conta, a extinção dos acordos em causa, por resolução, e o valor em dívida. Não tendo a Autora produzido meios de prova destinados a convencer o juiz sobre a realidade que alegou na petição, impunha-se uma resposta negativa a essa factualidade, como acertadamente foi decidido. Mas não só. Justificou a sua legitimidade (substantiva) arrogando-se cessionária, referindo, a este respeito, que os créditos em causa lhe foram transmitidos pelo anterior credor. Concretamente, alegou o seguinte: 1. Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 21 de dezembro de 2018, o Banco 1..., S.A. e o Banco 2...., S.A. cederam à B..., S.A.R.L. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, incluindo o crédito decorrente dos contratos n.sº ... e ...; 2. Por sua vez, por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 31 de março de 2021, a B..., S.A.R.L. cedeu à A..., S.A., uma carteira de créditos, composta por mais de 50 créditos distintos, por valor superior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como todas as garantias a eles inerentes, incluindo o crédito decorrente dos contratos n.sº ... e ...; 3. Cessão essa notificada aos requeridos nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil. A lei permite a cedência a terceiro de uma parte ou da totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor-cfr. art. 577.º, n.º 1 do C.Civil. Antunes Varela[3] explicita que “o termo cessão, tanto designa o acto (contrato) realizado entre cedente e cessionário, como o efeito fundamental da operação (a transmissão da titularidade do crédito)”, sendo que esta pode ser operada não só por via convencional, ou contrato de cessão, mas também por disposição de lei ou por decisão judicial (cf. o artigo 588.º CC). O efeito típico principal da cessão de contrato, segundo Carlos Alberto Mota Pinto,[4]”caracterizador da sua função económico-social, é a transferência da posição contratual, no estádio de desenvolvimento em que se encontrava no momento da eficácia do negócio, de uma das partes do contrato para outra.” No quadro jurídico vigente, “…o cessionário adquire o poder de exigir a prestação, em seu nome e no seu próprio interesse, ao mesmo tempo que o cedente o perde.”[5] Ora, não tendo a Autora logrado provar os créditos invocados na petição, a questão de facto sobre a cessão desses créditos, dada como não provada, impugnada nesta sede, nenhuma utilidade reveste para a decisão da causa. Essa questão só teria interesse se a Autora tivesse provado os créditos que alegadamente lhe foram transmitidos por contrato de cessão. De qualquer modo, sempre se dirá que a Autora circunscreveu a sua actividade instrutória à mera junção do contrato de cessão de créditos do qual resulta que a identificação dos créditos transmitidos onerosamente estão identificados no anexo 3. Porém, neste anexo apenas consta que cada uma das partes ficou com um CD na sua posse com a discriminação desses créditos. Por outras palavras, não é possível, através da documentação junta aos autos, atestar que os créditos articulados como causa de pedir foram incluídos nessa cessão. Por esse motivo, e bem, o tribunal não deu como provado esse facto. Acompanhando o aresto da Relação de Lisboa, de 28/09/2017[6] “…a decisão corresponde à lógica das coisas: é titular do direito a pessoa em cuja esfera jurídica ele se constituiu ou a pessoa para cuja esfera jurídica ele foi transmitido depois de constituído. Neste caso, aquele que invoca a transmissão, tem que a provar (art. 342/1 do CC), sob pena de não se poder considerar como titular do mesmo. Ora, invocando a autora um contrato escrito de venda de dívida como causa daquela transmissão (arts. 577/1 e 578/1, ambos do CC), tem logicamente de provar que a dívida em causa engloba a dívida do réu. Não se podendo retirar tal conclusão do contrato em causa, não se pode concluir que a autora é titular do crédito, porque não se prova que ele tenha sido transmitido.” O credor, ou o terceiro que o substituiu na hipótese de ter ocorrido a cessão do crédito, tem de provar que é titular da relação jurídica nascida com o contrato sinalagmático, objecto do litígio. Numa palavra, cumpre ao autor, cessionário, demonstrar a qualidade de titular do direito de crédito, por ter substituído o credor na sua posição contratual, em resultado da transmissão do crédito. A Autora não provou o pressuposto substantivo referente à titularidade dos créditos por ter omitido a listagem na qual os mesmos se integram. Por último, a Recorrente argumentou ainda que competia aos Réus provar o pagamento dos créditos por se tratar de um facto extintivo do direito (art. 342.º, n.º 2 CC). Teria toda a razão se os Réus tivessem alegado o pagamento, o que não sucedeu. Na verdade, limitaram-se a declarar que nada deviam porque não aceitam a existência da dívida e não por terem procedido ao pagamento, o que é uma questão totalmente diferente. Numa fórmula resumida podemos finalizar nos seguintes termos: I-Compete ao autor demonstrar a qualidade de titular do direito de crédito. II-Na hipótese da cessão de créditos, a qualidade de cessionário reconduz-se à prova de ter substituído o credor na sua posição contratual, em resultado da transmissão do crédito. II-O cessionário não está dispensado de provar a alegada causa de pedir que fundamenta o seu pedido, isto é, os factos que constituem o direito de crédito. Pelas razões aduzidas, conclui-se que a sentença julgou os factos de acordo com as regras materiais e adjectivas probatórias, impondo-se a sua confirmação. * V-DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença. Custas pela Autora. Notifique. |