Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1928/07.2TBVRL-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FALSIDADE
DOCUMENTO
Nº do Documento: RP201411031928/07.2TBVRL-B.P1
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O documento a que alude a al. c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, só pode servir de fundamento ao recurso de revisão se fizer prova, sem o auxílio de outros meios de prova, de um facto que seja incompatível, no todo ou em parte, com a base factual que serviu de fundamento à sentença, de forma que tal facto, só por si, conduzirá a uma decisão, no mínimo, mais favorável ao recorrente.
II – Para o pedido de revisão proceder tem de existir um nexo de causalidade entre a falsidade do depoimento e o desfecho da acção uma vez que na al. b) do artigo 696.º do Código de Processo Civil se exige que a falsidade tenha «determinado a decisão a rever», não bastando, por isso, verificar que algumas das afirmações das testemunha não correspondem à realidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 1928/07.2TBVRL-B do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – 1.º Juízo.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I – O documento a que alude a al. c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, só pode servir de fundamento ao recurso de revisão se fizer prova, sem o auxílio de outros meios de prova, de um facto que seja incompatível, no todo ou em parte, com a base factual que serviu de fundamento à sentença, de forma que tal facto, só por si, conduzirá a uma decisão, no mínimo, mais favorável ao recorrente.
II – Para o pedido de revisão proceder tem de existir um nexo de causalidade entre a falsidade do depoimento e o desfecho da acção uma vez que na al. b) do artigo 696.º do Código de Processo Civil se exige que a falsidade tenha «determinado a decisão a rever», não bastando, por isso, verificar que algumas das afirmações das testemunha não correspondem à realidade.
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Recorrentes…………………...B… e marido C…, residentes em Rua …, n.º .., Rés-do-Chão, …, ….-… Valongo.
Recorrido……………………...D…, melhor identificado nos autos.
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I. Relatório.
a) O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente o recurso de revisão que os Recorrentes formularam ao abrigo do disposto nos artigos 771.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Como fundamento para a revisão alegaram a existência de um filme que mostra o estado do seu prédio e do espaço em disputa na acção principal, na qual foram Réus e lhes foi desfavorável, o qual, no entender dos requerentes, é suficiente para abalar a credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor e em cujos depoimentos se fundamentou a convicção do juiz quanto às respostas que deu aos quesitos, as quais, por sua vez, vieram a ditar a sorte da acção, favorável ao Autor e da reconvenção dos ora recorrentes que foi julgada improcedente.
A pretensão dos recorrentes no sentido de obterem a revisão da sentença foi desatendida fundamentalmente sob a argumentação de que (1) as respostas aos quesitos não se basearam em exclusivo na prova testemunhal, mas também nas fotografias juntas aos autos, certidões, designadamente do processo administrativo relativo à construção da casa dos recorrentes e inspecção judicial e (2) que a visualização do filme não permite concluir que as testemunhas arroladas pelo Autor prestaram depoimentos falsos.
b) Como se referiu, os Recorrentes interpuseram recurso desta decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:
«Mal esteve o Tribunal a quo a dar sentença a considerar procedentes os pedidos do Autor, bem como a considerar que o novo documento não é susceptível de alterar a decisão tomada.
I – O Autor veio alegar ser proprietário do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº 00682/080199 sito em …, …, composto de casa de loja e 1º andar, com 101 metros 2; logradouro com 68 metros 2; confrontando a norte com E…, do sul com caminho público e F…; nascente com G…; poente com D…, inscrito na matriz sob o artigo 25º, o qual se mostra inscrito pela quota G-1 a favor de D…, solteiro, por usucapião, abrange 2 prédios – cfr. certidão de fls. 21 a 24 - FACTO ASSENTE A:;
II – O que se contrapõe ao FACTO ASSENTE D: “Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº 00930/050330, o prédio urbano sito em …, composto de casa de rés-do-chão e 1.º andar, com a área de 65 metros 2, confrontando a norte com I…; sul, J…; nascente, caminho público; poente, K…, inscrito na matriz sob o art.º 26, sendo que por averbamento 1 – correspondente à apresentação 11/050603 – se fez constar casa de rés-do-chão e 1.º andar – 65 m2 – logradouro – 12 m2, o qual se mostra inscrito pela quota G-1 a favor de B… casada com C…, na comunhão de adquiridos, por sucessão hereditária deferida em partilha extrajudicial por óbito de L… e marido, M…, casados em regime de comunhão geral.
III – Reclamando Autor e RR. / Reconvintes a propriedade do logradouro entre ambos esses prédios.
IV - Mostra-se apenso aos presentes procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova, nos termos e com os fundamentos do mesmo constantes, que obteve a decisão de indeferimento que dele consta, com recurso interposto, mas não admitido, nos termos e com os fundamentos do despacho que nele consta, tudo o que se dá por reproduzido.
V – Para justificar a sua propriedade, o Autor alegou, nos QUESITOS 1º A 15º:
a) Que há mais de 15, 20 e 30 anos, que o autor, por si (desde a doação verbal que lhe foi feita pelos pais em 1977) e seus antecessores, vêm limpando, reparando, incluindo substituindo telhas, guardando os seus haveres, pagando impostos, nomeadamente contribuição autárquica e IMI, confeccionando refeições e dormindo, descansando e recebendo visitas no urbano referido em A)
b) E nos baixos ou loja do mencionado prédio estava instalada a adega, onde fabricavam o vinho proveniente das videiras de alguns prédios dos pais do Autor, arrumavam lenhas, estrumes, gado bovino, batatas, feijões, feno e palha, ininterruptamente, com conhecimento e à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que são os seus proprietários.
c) Há mais de 20, 30, 40 e 60 anos, que o autor, por si e seus antecessores, vêm criando galinhas e coelhos, plantaram uma videira, uma laranjeira e uma figueira, esta ainda existente e aquelas cortadas a mando do autor, há cerca de 10 anos, no logradouro referido em A).
d) E no logradouro existia desde tempos imemoriais um conjunto de pés de Canas das Índias cortados também a mando do autor há cerca de 10 anos.
e) Canas que estavam no patamar inferior do referido logradouro e encostadas à parede que delimitava o referido prédio
f) Que eram utilizadas para fazer estacas para feijões e canas de pesca.
g) E o autor e seus antecessores guardavam os seus haveres, designadamente ferramentas e utensílios domésticos no referido logradouro, ininterruptamente, com conhecimento e à vista de toda a gente, e sem oposição de quem quer que seja.
h) Na convicção de que é seu proprietário com a área e delimitações que constam de 1).
VI – Foi ainda alegado e dado como provado – quesitos 16º a 18º, que:
a) a coberto de licença camarária os réus no primeiro semestre de 2006 demoliram o urbano referido em 4).
b) E a partir de Junho reconstruíram-nos.
c) O urbano referido em D) era composto apenas de primeiro andar e loja ou corte, sem qualquer logradouro.
VII – Foi dado como provado – 19º a 22º, no que respeita à altura do telhado dos RR. que:
a) E a sua cobertura era feita com telhado de 3 águas, uma pendendo para o lado norte, outra para o lado sul e outra para o lado nascente. b) Do lado sul, a cobertura terminava junto à parede do prédio referido em 1) e por baixo da janela, situada no canto norte/poente do mesmo.
c) Bem como das duas aberturas ou seteiras para entrada de ar e luz existentes na mesma parede.
d) A ligação ou local de encosto do telhado à parede do prédio referido em 1) era feita abaixo do nível da janela e das seteiras mencionadas.
VIII – O Autor veio ainda alegar que não havia acesso para o logradouro por parte do prédio dos RR., para tal foi quesitado de 23º a 29º:
a) O prédio referido em 4), na parte que confronta a sul e poente com o prédio referido em 1), não tinha quaisquer janelas, aberturas ou varandas susceptíveis de constituir servidão de vistas ou outras.
b) Do lado que confronta a poente com o prédio referido em 1) existia uma reentrância, pelo interior, na parede de pedra antiga que era usada como armário ou pilheira.
c) Em 2006 os réus suprimiram a referida reentrância em 2006 com a intenção de demonstrarem a existência de uma porta no local.
d) Retirando daí a parede mais fina colocada na face do exterior e do lado do logradouro do prédio referido em 1).
e) Há mais de 30, 40 e 50 anos até 2006, do lado do prédio referido em 1) não existia qualquer porta ou janela.
f) Sendo a casa referida em 4) totalmente fechada do lado sul e poente.
g) O logradouro referido em 1) é constituído em dois patamares e estava totalmente delimitado do prédio referido em 4) através de uma parede em pedra situada no estremo poente do patamar inferior, com início no canto norte – poente do mesmo e até à parede da casa de habitação deste, mais precisamente na parede situada junto à janela sobredita.
IX – O Autor veio ainda afirmar que a parede poente dos RR. avançou sobre a sua alegada propriedade, o que foi quesitado em 30º a 34º:
a) A referida parede tinha 5 metros de comprimento por 2,80m de altura e foi destruída pelos réus em finais de 2005 e início de 2006 quando procederam às escavações destinadas aos alicerces da casa.
b) Pelo que o autor, em início de 2006 fez um novo muro no local.
c) Aproveitando o facto de o autor estar ausente, em 27 de Junho de 2006 os réus destruíram na totalidade o referido muro que delimitava e sustentava o logradouro e fazia a estrema do seu imóvel.
d) Retirando e levando daí todas as pedras e blocos que constituíam tal muro de forma a eliminar os sinais da demarcação existentes.
e) Sabendo que tal muro e espaço onde estava edificado integrava o prédio referido em A) e que era propriedade do autor.
X – Tendo o Autor vindo alegar servidão de vistas de uma janela do prédio do Autor virada a norte, sob o prédio dos RR. que reclamou estar acima do telhado dos RR., nos quesitos 35º a 43º e 47º:
a) Durante o processo referido em 5) os réus acabaram de erigir a parede do lado sul do prédio referido em 4) e dessa forma tapando completamente a janela do prédio referido em 1), com cerca de 90 cm de largura e 1,20 metros de altura.
b) Bem como os dois janelos ou seteiras que no mesmo plano da parede e a cerca de 1m e 2 m, respectivamente, da mesma janela.
c) Janela que deita directamente para o prédio referido em D), permitindo a vista e entrada directa de luz.
d) Desde 1920 que existem ao nível do primeiro andar as referidas janelas e janelos ou seteiras com as dimensões e localizações referidas.
e) E desde então o autor e seus ascendentes vêm usando a mencionada janela e janelos ou seteiras para vista, iluminação e arejamento da casa referida em A), ininterruptamente e com conhecimento e à vista de toda a gente, incluindo dos réus e anteriores proprietários do prédio referido em 4)., sem oposição de quem quer que seja.
f) Na convicção de serem titulares de uma servidão de vistas, arejamento e entrada de luz;
g) Com a construção da parede pelos réus o autor não mais usufruiu de luz solar, arejamento e vistas.
XI – Procurando o Autor justificar-se para o motivo da janela se encontrar fechada, através dos quesitos 44º a 46º:
a) Em 1997/1998 o autor para evitar a intromissão de terceiros no seu prédio colocou tijolos na janela, do seu lado exterior, de forma a impedir ou dificultar a entrada na moradia em causa.
b) O que este fez, mantendo aí os ditos tijolos até meados de 2006.
c) Logo que os réus iniciaram em 2006 a construção da sua nova casa deixou de ser possível o acesso da via pública àquela janela.
XII – O Autor, ao alegar a propriedade do terreno em causa, veio ainda querer ver provado a matéria que consta dos quesitos 49º a 57º, a saber:
a) No desenvolvimento da referida construção os réus implantaram a parede poente da sua nova casa dentro do terreno que constituía parte do mesmo logradouro.
b) Ocupando cerca de 2 metros quadrados do prédio referido em 1).
c) E nessa parede abriram, ao nível do primeiro andar uma janela com cerca de 1,20 metros de largura e 1,20 metros de altura.
d) E uma porta com cerca de 2,100 metros de altura por 1m de largura.
e) E abriram ao nível do rés-do-chão, na mesma parede duas portas com cerca de 0,80cm de altura por 0,73cm de largura.
f) As referidas janela e portas mantiveram-se encerradas até Agosto de 2007, tanto mais que não tinham qualquer saída ou terreno para além do prédio.
g) Em Agosto de 2007 os réus invadiram e ocuparam parte do logradouro do prédio referido em 1).
h) E construíram um patamar em cimento e umas escadas que ligam, pelo exterior, o primeiro andar ao rés-do-chão da sua moradia.
i) Ocupando 12 metros 2 do prédio referido em 1), mormente na parte que constituía o patamar inferior do logradouro.
j) E erigiram no mesmo um pedaço de muro com cerca de 60 cm de altura e 40 metros, em direcção a poente.
XIII – Os Recorrentes impugnaram e reconvieram, alegando:
a) Deve ser reconhecido aos RR. o direito de propriedade sobre o logradouro com 23m2;
b) Ser o A./reconvindo condenado a pagar a título de indemnização valor não inferior a €3.000,00 por danos patrimoniais e €1.000,00 por danos não patrimoniais.
c) Impugnam ainda os factos invocados pelos AA..
d) Pela confrontação a poente que é com E… o limite do logradouro dos réus é nesse extremo poente e não apenas os 12 metros 2.
e) Incluindo a restante área com cerca de 23 metros 2.
f) O autor tinha uma pequena entrada para o seu quintal.
g) Aproveitando-se do prédio dos réus estar desabitado, deitou abaixo a parede que delimitava desse mesmo lado o prédio dos réus.
h) Para assim fazer seu o logradouro.
XIV Em súmula, o Tribunal ad quo entendeu, que:
a) O Autor é proprietário do logradouro em causa;
b) Que os Recorrentes subiram o telhado, privando-o de servidão de vistas da sua janela virada a norte, sob o prédio dos RR.;
c) Avançaram com a sua construção pelo terreno do Autor; devendo a mesma ser demolida.
XV – Com o que, salvo respeito por melhor opinião, não se pode concordar porquanto, a devida análise da matéria de facto, leva a que não se possa dar credibilidade ao depoimento das testemunhas do Autor, atendendo que depõem de forma contraditória, pouco credível, tendo algumas manifesto interesse na causa.
II – NOS TERMOS DO ARTIGO 639º, Nº 2 ALÍNEA A) C.P.C., FORAM VIOLADAS AS SEGUINTES NORMAS JURÍDICAS:
a) Artigo 696º, do C.P.C. (fundamentos do recurso)
b) Artigo 699º do C.P.C. (da admissão do recurso)
c) Artigo 700º do C.P.C. (Julgamento da revisão)
d) Artigo 701º do C.P.C. (Termos a seguir quando a revisão é procedente)
e) Artigo 607º, nº 3, 4 e 5 do C.P.C (Sentença)
f) Artigo 341º do C.C. (Prova)
g) Artigo 342º C.C. (Ónus de Prova)
h) Artigo 1360, nº 1 do C.C. (Extinção de Servidão de Vistas por Renúncia)
i) Artigo 334º do C.C. (Abuso de Direito)
j) Artigo 335º do C.C. (Colisão de Direitos)
k) Artigo 617º do C.P.C. (Impedimento de Depoimento).
III – NOS TERMOS DO ARTIGO 639º, Nº 2 ALÍNEA B) C.P.C., O SENTIDO QUE, NO ENTENDER DOS RECORRENTES, AS NORMAS JURÍDICAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO DA DECISÃO DEVERIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS:
a) Atendendo à nova prova e aos factos que na mesma constam, deveria ter o Tribunal a quo verificado que as testemunhas, onde se baseou a convicção do Tribunal para fundamentar a Sentença, faltaram à verdade. E, atendendo que estas constituíram uma parte considerável da prova dada como boa para a decisão da causa, tal implica que a prova – no seu todo – teria de ser novamente analisada face aos novos factos e proferida nova Sentença mais favorável aos Recorrentes.
Ou seja, pese se aceite que a convicção do Tribunal a quo foi baseada também na prova documental que consta dos autos e numa inspecção ao local, tal prova, para factos de extrema relevância para a boa decisão da causa, teve de ser necessariamente completada pelo depoimento de testemunhas (caso de janelas, utilização de terrenos, aberturas, servidões de vistas, áreas de construção, etc). E esses depoimentos, bem como a inspecção ao local, são totalmente desmontados pela nova prova, onde se mostra a realidade tal como efectivamente era antes da reconstrução do prédio dos Recorrentes, colocada em causa pelo Autor.
b) A admissão e procedência do Recurso de Revisão não está dependente, ao contrário do que é fundamentado pelo Tribunal a quo, de que a nova prova abale a decisão no seu todo (o que efectivamente sucede) bastando porém que: “por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida” – Alínea c) do Artigo 771º, do (antigo) C.P.C., conforme proferido em Sentença.
Abstendo-se o julgador de analisar a nova prova e decidir, sendo essa nova prova capaz de, por si só, alterar a decisão de forma mais favorável aos recorrentes e não a analisando devidamente, porque capaz de alterar a decisão em parte ou no seu todo, negou a aplicação da justiça e a boa decisão da causa.
c) Sem desmerecer, deve ser entendido que - ainda que a nova prova possa ser considerada como insuficiente - face aos factos e interesses em causa, deveria ter sido atendido os institutos de Colisão de Direitos, Abuso de Direito, o licenciamento camarário, a extinção de servidão de vistas por renúncia, a falta de ónus de prova e o facto de ser atendido o depoimento de testemunhas com notório interesse na causa, implicando a perda de uma habitação condigna por parte dos RR./ Recorrentes sem que possa existir idêntico ou superior interesse do Autor.
IV – NOS TERMOS DO ARTIGO 640º, Nº 1 ALÍNEA A) C.P.C. OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS:
Face à nova prova devem ser alteradas as respostas aos quesitos 1º a 57º, como não provados, sendo dados como provados os quesitos 58º a 67º, com as devidas consequências, alterando-se a decisão ora recorrida nos pedidos formulados contra os demandados, de forma favorável aos ora Recorrentes, nos seguintes termos:
a) Quanto à decisão em que: “Reconhece-se que o autor, D…, por via da presunção registral que milita a seu favor e usucapião é proprietário legítimo e exclusivo do prédio urbano com a composição e área constante da descrição predial respeitante ao mesmo, incluindo, portanto, o logradouro, conforme identificado e constante dos factos provados de A) e B).
Tal é contrariado pela correcta apreciação dos depoimentos produzidos, pelo vídeo ora junto e pela prova existente como os autos da providência cautelar, com a inspecção ao local aquando da obra em curso, bem como pelo processo de licenciamento camarário.
b) Da decisão em que: “Reconhece-se que os RR., B… e N…, destruíram o muro de pedra antiga que suportava e delimitava, do lado nascente, o logradouro do prédio do autor e que era exclusiva deste, bem como o que ali foi edificado no mesmo lugar, em tijolo e pedra.”
E
Da decisão em que: “Reconhece-se que os RR. edificaram a sua nova moradia ocupando, do lado poente, o espaço de terreno onde estava o aludido muro do autor.”
A correcta apreciação do depoimento das testemunhas, nomeadamente de O... e P…, revela que não foram demolidas as paredes exteriores da casa dos rr. sendo esse o limite para o logradouro, inexistindo qualquer muro.
Tal é igualmente confirmado pelo vídeo ora junto onde se verifica que a parede limite do logradouro é a parede poente do prédio dos recorrentes.
c) Da decisão em que: “Reconhece-se que o patamar e escadas em cimento, que os RR. construíram no exterior, do lado poente do seu prédio estão implantadas e a ocupar espaço do logradouro do prédio do autor.”
E
Da decisão em que: “Que, por via disso, estão a ocupar prédio alheio, neste caso do a. numa área de 14m2.”
A correcta apreciação do depoimento das testemunhas, nomeadamente de Q… e S…, revela que todo o logradouro pertence aos RR.
Tal é igualmente confirmado pelo vídeo.
d) Da decisão em que: “Reconhece-se que a servidão de vistas, através da janela e servidão inominadas por via das seteiras ou janelos mencionadas em 40) e ss dos factos provados, foi constituída a favor do prédio do autor, a onerar o prédio dos RR, por usucapião.”
E
Da decisão em que: “Reconhece-se que, em consequência da construção da sua nova moradia e parede sul da mesma, o autor ficou, de forma ilícita, privado de exercer as aludidas servidões.”
A correcta apreciação do depoimento das testemunhas do autor revela que as mesmas depõem de forma errónea e interessada, chegando ao ponto de dizer que não havia quaisquer tijolos a tapar a janela em causa (T…).
Tal é igualmente confirmado pelo vídeo, aos 06M00S aos 06M20S, onde se verifica que as paredes nascente e poente estão definidas, bem acima da janela, encontrando-se a mesma emparedada.
e) Da decisão em que: “Condena-se os RR. a desocupar a parte do logradouro do prédio do autor que ocuparam ilicitamente com a construção da sua nova moradia, devendo para tanto proceder à demolição da obra que se encontra implantada (14m2) dentro do espaço do prédio do autor, retirando daí o cimento e demais materiais que ali colocaram na feitura de tal obra.”
Da decisão em que:“ Condenam-se os RR a demolirem a parede sul e telhado do mesmo prédio até ao nível da soleira da janela e janelos mencionados, de forma a permitir a utilização dos mesmos para o fim que sempre tiveram, ou seja, para o exercício das alegadas servidões.
Da decisão em que: “Condena-se os RR. a efectuar, após o afastamento da sua obra, a construção de novo muro, com as dimensões referenciadas em 35) dos factos provados, no local e com o mesmo material, ou seja, em pedra de granito, de forma a manter a delimitação e vedação do lado poente do logradouro do prédio do autor.”
Da decisão em que: “Condena-se os RR. a pagar ao autor a indemnização que se apurar em execução de sentença por via dos danos provocados.”
Da decisão em que: “Condena-se os os RR., doravante, a jamais ocuparem ou invadirem sob qualquer forma ou espécie o aludido logradouro, devendo a nova parede da sua moradia, que terão erigir do lado poente do seu prédio do seu prédio, ser feita sem abertura, janela ou porta para o lado do prédio do autor, mormente do logradouro e, se o fizerem, de forma que fique afastada pelo menos um metro e meio daquele, isto é, do muro que terão executar no lugar onde se encontrava e por si demolido.”
Ficarão obrigatoriamente prejudicadas, atendendo que, pela correcta apreciação da prova supra indicada, verifica-se que o logradouro pertence aos demandados, não destruíram qualquer muro, não subiram o telhado acima do que era original na casa em causa e, consequentemente, não poderão ser condenados nesses pedidos.
f) Da decisão em que:” Julga-se improcedente o pedido reconvencional e dele se absolve o A./reconvindo.”
Com a alteração da matéria de facto dada como provada, atendendo à correcta apreciação da prova ora indicada, deverá o pedido reconvencional ser dado como procedente por provado.
g) Da decisão de não considerar procedente o Recurso de Revisão por a prova nova só afectar o depoimento das testemunhas e a convicção do Tribunal a quo não se ter reduzido apenas a esse meio de prova.
O vídeo junto como prova nova coloca em causa de forma contundente o depoimento das testemunhas do Autor, depoimento esse que serviu como principal fundamento para a motivação da Sentença dada, fazendo com que dessa produção de prova se tirassem conclusões da demais, nomeadamente com a segunda inspecção ao local, efectuada quando já estavam concluídas as obras de reconstrução colocadas em causa.
Tal é esclarecido pelo vídeo, demonstrando que as testemunhas faltaram à verdade, existindo factos:
- Servidão de vistas;
- Utilização do logradouro;
- Muros;
- Aberturas e Portas;
- Área reconstruida face à área existente antes da reconstrução;
Que não podem ser provados pela demais prova documental, sendo a inspecção ao local necessariamente insuficiente por não ter pontos de referência que não os das testemunhas a que deu credibilidade.
V – NOS TERMOS DO ARTIGO 640º, Nº 1 ALÍNEA B) C.P.C. ESTES SÃO OS CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS, CONSTANTES NO PROCESSO OU DE REGISTO OU DE GRAVAÇÃO NELE REALIZADA, QUE IMPUNHAM DECISÃO SOBRE OS PONTOS DE MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADAS:
a) Certidões das Finanças juntas pelos Recorrentes a 1 – 10 – 2012, com a referência 805146, em que se verifica que o Autor, entre 1985 e 1998, sempre se arrogou como titular perante as Finanças dos prédios vizinhos ao seu, fazendo desaparecer ou aparecer confrontações conforme o seu interesse, quase ficando com a casa do seu primo, a Testemunha E…, porém, reconhecendo o terreno dos herdeiros de U… (que deu origem à casa dos Recorrentes).
O Tribunal a quo não deu qualquer resposta, nem considerou os documentos juntos, mantendo a sua ideia pré-concebida em retirar credibilidade às testemunhas E…, sem motivar a sua posição, e à testemunha S…, esposa de E…, ambos residentes e vizinhos, dos prédios em discussão.
b) Escritura de Usucapião do Prédio do Autor, junta pelos Recorrentes a 1 – 10 – 2012, com a referência 805146, em que se verifica que a aquisição de propriedade foi efectuada por usucapião, sendo baseada em declarações de uma procuradora, instrumento utilizado com regularidade pelo Autor já que se encontra nos Estados Unidos da América desde os seus onze anos, e de testemunhas;
c) Relação de bens da Avó do Autor, J…, mãe de V…, que alegadamente doou ao seu filho prédio identificado em…. – na verba nº 7, página 2 do Documento 4;
d) Decisão da providência Cautelar;
e) Inspecção ao Local na Providência Cautelar, efectuada com a reconstrução em curso, sendo capaz de demonstrar o que estava a ser feito, dentro dos limites do Licenciamento, o que não sucedeu aquando da segunda inspecção ao local quando a obra já se encontrava concluída, sem quaisquer pontos de referência
f) Informações do Município;
g) Do vídeo junto com o Recurso de Revisão, onde se demonstra:
I - Quanto à utilização do logradouro por parte do Autor, os depoimentos das Testemunhas do Autor são totalmente desmontados, com o visionamento de todo o vídeo ora junto, pois pela análise de todo o vídeo, verifica-se que o prédio dos RR. se encontra totalmente deixado ao abandono, estando o logradouro sem quaisquer canas da índia ou árvores de fruto com mais de 20 anos, ou com a guarda de quaisquer objectos, provando-se as declarações das testemunhas manifestamente falsas;
-Todo o vídeo;
II - Quanto à existência de um muro a delimitar o prédio dos RR do logradouro, sendo a reconstrução do mesmo reclamada pelo Autor tal se comprova ser uma notória inverdade, atendendo que se verifica inexistir qualquer muro, sendo a única construção a parede poente da casa dos RR., parede essa que é a mesma que foi reconstruída (voltas 00m25s a 01m07s e 05m22s a 05m30s).
III - Quanto às inverdades no que respeita da servidão de vistas da janela do autor, virada a sul, para o prédio dos RR tal é bem demonstrado pelo vídeo, verificando-se que as paredes – a nascente e poente - da estrutura da casa dos RR estão acima dessa janela, conforme (voltas 04m39s a 04m58s; - voltas 05m39s a 05m43s; e - voltas 06m05s a 06m35s, do vídeo ora junto);
O que é igualmente comprovado quando existe prova documental a dizer que a casa dos RR. é composta por dois pisos (Rés do Chão e primeiro Andar) o que corresponde ao que foi reconstruído;
IV – Quanto ao facto de não existirem aberturas do prédio dos RR. para o logradouro pelo visionamento do vídeo, verifica-se que existia sim uma porta, bem definida e delimitada por pedras cortadas para o efeito; (voltas 02m53s a 02m59s e 04m25s a 04m34s)
V- Sobre o facto também falso dado como provado de que os RR. avançaram sob o terreno do Autor com a sua construção, tal é igualmente desmontado pelo vídeo junto e pela área de implantação actual da casa.
V – NOS TERMOS DO ARTIGO 640º, Nº 1 ALÍNEA C) C.P.C. A DECISÃO QUE, NO SEU ENTENDER, DEVE SER PROFERIDA SOBRE QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS:
a) Atendendo à nova prova, por ser clara, dinâmica, capaz de demonstrar ambos os prédios em causa, esclarecendo áreas, alturas, servidões, aberturas e utilização do logradouro, tudo factos de extrema importância para a boa decisão da causa, tem obrigatoriamente de implicar uma nova decisão, caso contrário não se estará a aplicar o direito, nem a fazer-se a devida Justiça;
b) A nova prova tem obrigatoriamente de ser atendida, pois coloca em causa o depoimento das Testemunhas do Autor – essencial para a fundamentação da Sentença – e que implicou que a demais prova fosse considerada de forma favorável aos pedidos do Autor/recorrido, auxiliando a interpretar prova documental como fotografias (estáticas e sem ponto de referência e comparação como no vídeo), Inspecção ao Local (efectuada depois da obra concluída baseando-se nas declarações das testemunhas para poder aferir como era o prédio antes da reconstrução), Escrituras de Usucapião e certidões das Finanças (efectuadas por declaração de testemunhas e do próprio Autor no seu interesse) e demais prova, condicionando obrigatoriamente a convicção do Tribunal.
c) Sendo a posição do Tribunal a quo de mera recusa em analisar a nova prova pois considera que não é o bastante colocar em causa o depoimento das testemunhas atendendo que há mais prova. Ora esquece-se que, mesmo que fosse só em parte, com a alteração da validade de um depoimento, tal implica uma alteração na decisão, devendo ser esta mais vantajosa aos RR./Recorrentes.
DEVENDO TER SIDO CONSIDERADO O VÍDEO ORA JUNTO E SIDO, NOS TERMOS DO ARTIGO 701º DO C.P.C., SENDO A REVISÃO PROCEDENTE.
NESTES TERMOS E, SOBRETUDO, NOS QUE SÃO OBJECTO DO DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, POR OUTRA QUE ABSOLVA OS RÉUS/RECORRENTES DOS PEDIDOS CONTRA ESTES FORMULADOS E QUE CONSIDERE A RECONVENÇÃO POR ESTES APRESENTADA COMO PROCEDENTE, SENDO IGUALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DE REVISÃO COM AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS
ASSIM SE FAZENDO SÃ, SERENA E INTEIRA JUSTIÇA!!!
c) O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
Finalizou as contra-alegações da seguinte forma:
«I- A douta decisão do recurso de revisão, foi decidida com justiça e pleno acatamento das Leis e do Direito aplicável, não merecendo, na nossa modesta opinião, qualquer censura.
II - Os recorrentes não podem vir em sede de recurso de decisão de revisão, sindicar aquela outra sentença já transitada.
III - Os recorrentes, sendo os protagonistas do dito filme, não poderiam ignorar a sua existência
IV - Só a si lhes cabe responsabilidade pelo não uso do mesmo como elemento probatório no processo onde foi proferida a decisão que pretendem seja revista.
V - O vídeo não abala o teor dos documentos considerados e da inspecção judicial, incluindo as fotografias juntas, não beliscando o documento em causa não demonstra factualidade diversa da que foi provada, nem implica a falsidade dos depoimentos de testemunhas, sendo certo que a decisão baseou-se em vários meios de prova, não só testemunhal, como documental e ainda inspecção judicial, o que determina que a condição de revisão também alegada pelos recorrentes.
VI - E também não se afigura legítimo retirar do seu conteúdo existir falsidade de depoimento de determinadas testemunhas.
VII - Sendo que, como de forma clara expressa o Juiz “a quo”: “ o julgador convenceu-se da sua credibilidade numa análise conjunta dos depoimentos com a demais prova existentes nos autos-documental, como fotografias, certidões do procedimento administrativo, certidões registrais - bem como o que verificou no local e que fez constar no auto de inspecção e motivou porque assim se convenceu, motivação esta que aliás não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso final”.
VIII - Pelo que, não se encontram verificados pressupostos de revisão alegados, designadamente os previstos nas al. b) e c) do art.696 do CPC.
IX - Devendo a sentença do recurso de revisão, manter-se na íntegra, por cuja bondade se pugna.
TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO…»
II. Objecto do recurso.
As questões que se colocam no recurso são as seguintes:
1 - Em primeiro lugar cumpre verificar se no recurso de revisão se procede a uma alteração da matéria de facto declarada provada na sentença já transitada em julgado.
Esta questão coloca-se na medida em que os Recorrentes nos pontos «IV», «V», «V» (corresponde na realidade ao «VI», mas por lapso os Recorrentes repetiram o «V») e conclusão final, agem como se estivessem a recorrer da decisão tomada na sentença relativamente à matéria de facto.
Com efeito, escreveram (a transcrição será feita em letras minúsculas):
«IV – Nos termos do artigo 640º, nº 1 alínea A) C.P.C. os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados: …»;
«V – Nos termos do artigo 640º, nº 1 alínea B) C.P.C. estes são os concretos meios probatórios, constantes no processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de matéria de facto impugnadas: …»;
«V – nos termos do artigo 640º, nº 1 alínea C) C.P.C. a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre questões de facto impugnadas: …»; e
«Nestes termos e, sobretudo, nos que são objecto do douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, por outra que absolva os réus/recorrentes dos pedidos contra estes formulados e que considere a reconvenção por estes apresentada como procedente, sendo igualmente procedente o recurso de revisão com as devidas e legais consequências».
2 - Em segundo lugar, se a análise da questão anterior não ditar só por si a improcedência do recurso, cumpre analisar, de seguida, a questão de saber se o conteúdo do documento apresentado, que é um filme com 08:04 minutos de duração, que reproduz o espaço onde foi reconstruída a casa dos recorrentes e o espaço situado a poente (logradouro), tem poder para, como se dispõe na al. c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, só por si, modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
3 - E, em terceiro lugar, se o documento em questão preenche a previsão da alínea b) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe que a decisão pode ser objecto de revisão quando «Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida».
III. Fundamentação.
a) Matéria de facto provada.
1- Nos autos principais, um acção declarativa com processo ordinário foi proferida, em 30 de Outubro de 2012, decisão de resposta aos factos da base instrutória e respectiva motivação, nos termos que constam de fls. 551 a 560, da qual não houve qualquer reclamação.
2- Conclusos os autos para esse efeito em 26 de Novembro de 2012, foi proferida sentença nos referidos autos que se mostra datada de 21 de Dezembro de 2012, a qual notificada às partes, mereceu da parte dos réus o requerimento que se mostra a fls. 585, datado de 9 de Janeiro de 2013, em que os mesmos manifestam a sua intenção de recorrer da sentença e requerem as gravações das audiências para recurso da matéria de facto.
3- Em 14 de Janeiro de 2013 foram entregues as gravações.
4- Em 19 de Fevereiro de 2013 os referidos réus vieram requerer a junção aos autos de documento, vídeo, “que consta no recurso enviado via electrónica que pelo seus extenso tamanho não permite ser enviado com a peça processual”, sendo que após contraditório do autor que se mostra a fls. 592, datado de 28 de Fevereiro, foi proferido o despacho de fls. 594, em que se convidou a parte a esclarecer o que pretendia pois que não se mostrava nos autos qualquer requerimento de interposição de recurso nos autos.
5- A referida sentença transitou em julgado, sem que da mesma tenha sido interposto qualquer recurso.
b) Apreciação das questões objecto do recurso.
1 – A primeira questão a apreciar, como acabou de se referir, consiste em saber se no recurso de revisão se procede a uma alteração da matéria de facto declarada provada na sentença já transitada em julgado.
Como se disse, esta questão coloca-se na medida em que os Recorrentes nos pontos «IV», «V», «V» e conclusão final, agiram como se estivessem a recorrer da decisão tomada na sentença relativamente à matéria de facto, como se estivessem a impugnar a matéria de facto e quisessem ver aqui alterada a matéria de facto declarada provada na sentença, o que não é possível no recurso de revisão.
A resposta é negativa.
Com efeito, quando o pedido de revisão é julgado procedente, a solução legal, consoante os fundamentos do recurso, encontra-se prevista no artigo 701.º (Termos a seguir quando a revisão é procedente) do novo Código de Processo Civil (corresponde ao anterior artigo 776.º do CPC, com actualização das remissões legais constantes dos nºs 1 e 2 resultantes da renumeração do novo Código de Processo Civil):
«1 - Nos casos previstos nas alíneas a) a f) do artigo 696.º, se o fundamento da revisão for julgado procedente, é revogada a decisão recorrida, observando-se o seguinte:
a) No caso da alínea e) do artigo 696.º, anulam-se os termos do processo posteriores à citação do réu ou ao momento em que devia ser feita e ordena-se que o réu seja citado para a causa;
b) Nos casos das alíneas a), c) e f) do artigo 696.º, profere-se nova decisão, procedendo-se às diligências absolutamente indispensáveis e dando-se a cada uma das partes o prazo de 20 dias para alegar por escrito;
c) Nos casos das alíneas b) e d) do artigo 696.º, ordena-se que sigam os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, aproveitando-se a parte do processo que o fundamento da revisão não tenha prejudicado.
2 - No caso da alínea g) do artigo 696.º, se o fundamento da revisão for julgado procedente, anula-se a decisão recorrida».
O fundamento da revisão que consiste na apresentação de documento com capacidade, só por si, para alterar os factos julgados provados, vem previsto na alínea c) do artigo 696.º do novo Código de Processo Civil, pelo que a solução prevista consiste, no caso de procedência do recurso de revisão, em proferir «…nova decisão, procedendo-se às diligências absolutamente indispensáveis e dando-se a cada uma das partes o prazo de 20 dias para alegar por escrito».
E no caso da falsidade de depoimento(s), a que se refere a alínea c) do artigo 696.º do mesmo código, a solução consiste em instruir e julgar novamente a causa aproveitando-se o que não se mostre inquinado pela falsidade.
Por conseguinte, improcedem as questões colocadas nas conclusões e subconclusões dos pontos «IV», «V», «V» e conclusão final, por não respeitarem ao objecto do recurso de revisão, sem prejuízo do que aí consta implícito relativamente aos fundamentos do recurso de revisão resultantes da apresentação do filme (alínea c) do artigo 696.º do novo Código de Processo Civil) e da alegada demonstração da falsidade dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo autor (alínea b) do artigo 696.º do novo Código de Processo Civil).
2 – A segunda questão que se coloca consiste em saber se o filme (vídeo) apresentado tem potencialidade, só por si, para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, aos Réus.
Vejamos.
I – Os fundamentos do recurso de revisão constam actualmente do artigo 696.º do Código de Processo Civil, cuja redacção é a seguinte:
«A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude».
Trata-se de norma idêntica à do anterior artigo 771.º do Código de Processo Civil.
O filme junto pelos Recorrentes apenas pode integrar a previsão da alínea c), pois constitui, sem dúvida, um documento (artigo 362.º do Código Civil).
Um dos requisitos previstos nesta alínea c) exige, como se vem referindo, que o documento «por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida».
Vejamos então o que determina a lei com as palavras «por si só».
II – O Prof. Alberto dos Reis indagando da justificação para a existência do recurso de revisão ponderou que «O recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspecto duma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado. Há uma sentença transitada em julgado, cercada, portanto, da força, do prestígio e do respeito que merecem as decisões que atingiram tal grau de segurança. Como se compreende, então, que seja lícito pôr novamente em causa a exactidão dessa sentença? Como se justifica que seja admitida a impugnar esse acto jurisdicional uma pessoa para quem ele constitui caso julgado?» [1].
Continuando, este autor referiu que o fundamento do instituto em causa reside no conflito sempre latente entre as exigências da justiça e as necessidades da segurança ou certeza jurídicas.
O equilíbrio entre estas duas forças no interior da ordem jurídica não pode ser indiferente a quaisquer circunstâncias, pelo que, «…pode haver circunstâncias que induzam o quebrar a rigidez do princípio [o autor refere-se ao caso julgado]. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio (…), pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença» [2].
Relativamente ao requisito que o conteúdo do documento deve possuir para fundamentar a revisão, este autor, escrevendo, à época, acerca de um texto legal idêntico referiu:
«A lei francesa, a lei espanhola e a lei italiana exprimem a mesma ideia pelo vocábulo decisivo. Admitem a revisão ou revogação quando a parte tenha obtido um documento decisivo.
A lei alemã não é tão categórica; fala de documento capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida. Por isso é que Schönke observa: deve tratar-se de documento que, por si só ou em conjugação com os elementos do processo anterior, devesse determinar decisão mais favorável ao vencido.
É claro que esta doutrina não é aplicável entre nós. O documento há-de ser tal, que por si só tenha a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença; quer dizer, o documento deve impor um estado de facto diverso daquele em que a sentença assentou» [3].
«A exigência de que o documento seja, por si só, suficiente para destruir a prova em que a sentença se fundou obsta a que ao documento se atribua somente idoneidade para provocar a reabertura de novo período de instrução, como quer Mortara. Como já frisámos o documento há-de ser tal, que crie um estado de facto diverso daquele sobre que assentou a sentença; se o documento tem de destruir a prova em que a sentença se fundou, é claro que desaparece o estado de facto, a base da sentença, substituindo-se-lhe outro estado diferente» [4].
Compreende-se a exigência feita quanto à força probatória do documento em relação ao estado de facto que sustenta a decisão de direito tomada na sentença.
Com efeito, como sustentou Castro Mendes, «O caso julgado é um instituto destinado à resolução de situações de incerteza» [5] cujas finalidades são a certeza, a segurança, a paz social, a prevenção de futuros litígios, pelo que quanto maior for o domínio do caso julgado, maior é essa certeza e segurança jurídicas [6], sendo ainda certo, como nos diz o mesmo autor, que a «…verdade não desempenha em processo civil um papel essencial, embora desempenhe um papel normal, preferencial e prototípico. À ordem jurídica, designadamente através da instituição processo civil, interessa mais preparar o futuro do que reconstituir o passado. Essencial é apenas a justificabilidade da opção como base de conduta; a verdade é uma razão de justificabilidade – razão normal, preferencial, prototípica – mas ao lado de outras, a vontade das partes, designadamente» [7].
Atendendo a relevância do caso julgado, necessário para superar situações de incerteza e construir o futuro sobre situações de facto e de direito firmes, a ordem jurídica tem de impedir que através de um remédio extraordinário se vulgarizem ou multipliquem as situações em que a certeza e a segurança jurídicas resultantes da decisão tomada num processo judicial, por vezes longo e dispendioso, possam ser desconsideradas e voltar a ser questionadas.
Só, pois, em casos excepcionais isso pode ocorrer.
Daí que não baste para a eventual procedência do recurso de revisão qualquer documento com capacidade para intervir na formação da convicção do juiz, o qual se tivesse sido do conhecimento do tribunal no âmbito do respectivo processo poderia ter servido de base à convicção do julgador.
Exige-se mais do que isto, ou seja, o documento há-de conter em si mesmo um facto que, provado e sem auxílio de outros factos probatórios, seja incompatível, no todo ou em parte, com a base factual que sustenta a decisão de direito, de forma que tal facto só por si teria sido suficiente para alterar a decisão a favor do recorrente, senão na sua totalidade, pelo menos em parte, se tivesse sido conhecido do tribunal.
E compreende-se que assim seja, pois, a base factual de um processo pode manter relações com vários documentos e, em regra, consegue-se com facilidade arquitectar uma qualquer relação com valor probatório entre um documento e os factos do processo, ainda que a relação seja remota.
Pode, pois, assentar-se no seguinte: o documento só pode servir de fundamento ao recurso de revisão se fizer prova, sem o auxílio de outros meios de prova, de um facto que seja incompatível, no todo ou em parte, com a base factual que serviu de fundamento à sentença, de forma que tal facto, só por si, conduzirá a uma decisão, no mínimo, mais favorável ao recorrente.
Vejamos agora o conteúdo do filme.
III – Verificando o que consta do filme, atendendo só ao seu conteúdo, não se detecta qualquer facto que seja incompatível, no todo ou em parte, com a base factual que serviu de fundamento à sentença.
Verifica-se que o conteúdo do filme não difere no essencial do conteúdo das fotografias juntas aos autos, podendo dizer-se que o mesmo não mostra algo de novo que as fotografias não tenham mostrado no âmbito da acção, salvo o que a seguir se dirá.
A diferença mais relevante consiste em que no filme é possível visionar uma vegetação mais espessa no interior do logradouro, assim como a face das paredes que estão voltadas para o interior do logradouro, o que não é visível nas fotografias.
Na análise da questão seguinte poderá avaliar-se de forma mais substancial a relevância do que acaba de ser referido.
Improcede, por conseguinte este fundamento do recurso.
3 – A terceira questão colocada consiste em saber se através do documento em questão (filme) é preenchida a hipótese prevista na alínea b) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe que a decisão pode ser objecto de revisão quando «Se verifique a falsidade (…) de depoimento (…)», que possa, «…em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida».
Vejamos, então, se o filme mostra a falsidade dos depoimentos das testemunhas.
I – Visionado o filme, verifica-se, como já se disse, que o mesmo tem fundamentalmente o conteúdo que já consta das fotografias juntas aos autos, podendo dizer-se que o mesmo não mostra algo relevante que as fotografias não tenham mostrado no âmbito da acção.
Como se acabou de referir, a diferença mais significativa consiste em que no filme é possível visionar uma vegetação mais espessa no interior do logradouro, assim como a face das paredes que estão voltadas para o interior do logradouro.
Temos no processo 16 fotografias a preto e branco, juntas com a petição da providência cautelar, mais 11 com a respectiva oposição e mais 5 com o requerimento de fls. 105, através do qual o requerente do embargo se referia ao avanço das obras.
Temos ainda mais 3 fotografias juntas com a petição da acção principal, 13 fotografias juntas com a sua contestação, mais 18 fotografias juntas na fase da instrução do processo e ainda 5 fotografias tiradas durante a inspecção ao local no decurso da audiência de julgamento (fls. 403 a 407).
Ou seja, as fotografias juntas ao procedimento cautelar e à acção mostram todas as paredes exteriores existentes relativamente à casa dos Réus antes desta ter sido reconstruída e mostram também o logradouro em disputa, existindo três fotografias mais antigas, a cores, que mostram a parede que existiu entre a casa dos Réus e o logradouro.
Estas três fotografias encontram-se a folhas 83, 84 do Vol. I do procedimento cautelar, como documentos 8 e 9 da respectiva oposição dos Réus e a terceira a fls. 225 da acção principal.
O filme incide sobretudo no espaço correspondente ao logradouro, que se mostra preenchido com vegetação, com destaque para uma figueira.
Embora as fotografais incidam sobretudo no espaço relativo à casa dos Réus e parede norte da casa do Autor, o filme não mostra algo de relevante que não se encontre já nas fotografias, existindo também fotografias relativas ao espaço ocupado pelo logradouro como aquelas onde aparece um bidão, que se pode ver nas fotografias de fls. 171 do Vol. I e fls. 269 do Vol. II, da acção, e que também aparece no filme, havendo fotografias de espaços situados para poente que não aparecem no filme, ou, pelo menos, estão encobertos pela vegetação e não são visíveis, como é o caso das fotografias de fls. 176, 177, 178, 179, e 183 (docs. 19, 20, 21, 22 e 25 da contestação reconvenção), que mostram um espaço limpo do logradouro (?) e construções adjacentes.
Vejamos agora o que consta do filme.
O filme começa com a fachada de uma casa [pelo teor do processo vê-se que é a casa dos Réus recorrentes], voltada a nascente, feita em blocos de granito, onde se vê uma entrada larga ao nível do rés-do-chão e uma escada do lado esquerdo, dirigida ao primeiro andar, considerando a posição de quem está voltado de frente para a fachada, bem como a abertura de uma janela ao nível do 1.º andar, por cima da dita porta (até ao minuto 00:20).
Esta parte do filme mostra a situação que consta da fotografia junta a fls. 80 do procedimento cautelar, identificada como «doc. 5» da oposição.
Do minuto 00:20 até ao minuto 00.27 as imagens não permitem identificar a parte da construção que aí aparece, parecendo uma filmagem acidental feita por alguém que estava a tentar ganhar uma posição de estabilidade para depois continuar com o filme.
Do minuto 00.27 ao minuto 02:10 aparece uma senhora a subir para uma abertura que dá acesso ao interior de um espaço situado entre edificações [pelo conhecimento que se retira do processo este espaço é o logradouro que ambas as partes alegaram pertencer-lhes em exclusivo], onde se vê vária vegetação com realce para uma figueira com folhas bem desenvolvidas (não se tratando, por isso, de fotografia tirada no período que vai sensivelmente de Novembro a Março).
Esta abertura é a que está representada na fotografia de fls. 170 do Vol. I, da acção, como se pode confirmar pela presença de um objecto, que será de madeira, encostado a um umbral da abertura, no qual a senhora apoiou uma mão após ter subido e que poderá ser a extremidade da viga de madeira que se vê no final do filme e na qual a senhora se apoiou para descer para o interior da casa dos Réus, a partir da mesma abertura.
Tal abertura e parede também constam das fotografias de fls. 83 e 84 do Vol. I do procedimento cautelar.
Trata-se da parede oposta à da fachada da casa dos Réus, portanto da parede situada para poente.
A partir do minuto 02:10 aparece vegetação variada que encobre as paredes, pelo que estas não são visíveis com proveito identificativo; ao minuto 02.39 a mesma senhora aparece no interior do logradouro, junto a uma parede em ruína, que se situa à esquerda da abertura por onde entrou (ver minuto 02:55), sendo, por isso, a parede que fica do lado norte considerando a casa dos Autores.
Ao minuto 03.20 e 04.35 aparece nas fotografias um bidão que tudo indica ser o mesmo que se vê nas fotografias de fls. 171 (doc. 14) do Vol. I e fls. 269 do Vol. II, da acção, que se encontra junto à parede norte que delimita o logradouro.
Entre o minuto 04.40 e o minuto 05:23 surge uma parede em ruína que corresponde com exactidão, mesmo em termos de perspectiva, com a fotografia de fls. 168, do Vol. I da acção (doc. 11), tratando-se de parte da parede que encostava à parede norte da casa dos Autores, a qual também é visível nesta parte do filme, na qual se encontram as aberturas que originaram o pedido relativo à servidão de vistas.
Do minuto 05.23 e até ao minuto 08:04, termo do filme, a filmagem segue focando o topo de uma parede, tratando-se da parede que separava o espaço do logradouro do espaço ocupado pela casa dos Réus e onde se situa a abertura através da qual a mencionada senhora entrou para o logradouro, vendo-se depois a mesma senhora a descer dessa abertura até ao chão em terra da casa dos Réus, bem como a parede norte da casa do Autor e a parede nascente e norte da casa dos Réus, filmadas pelo interior, tal como se podem ver nas fotografias de fls. 81, 82, 85, 86, 88, 91 do Vol. I do procedimento cautelar e 244, 256, 260, 269, 271, 275, 277, 283, 289 e 295.
II – Vejamos agora em que medida o filme mostrará a falsidade do depoimento das testemunhas indicadas pelo Autor.
E, mais que isso, que falsidade poderá revelar o filme além daquela que já foi objecto de apreciação na acção, quer quando as partes se pronunciaram ou puderam fazê-lo, oralmente, sobre a força probatória dos diversos meios de prova produzidos e o juiz os apreciou ao decidir a matéria de facto?
Com efeito, como se disse, o filme pouco ou nada adianta em relação à realidade que é visível através das fotografias.
Os Recorrentes realçam o aspecto dinâmico do filme, mas este aspecto não tem relevância por se tratar de uma dinâmica aparente, já que os únicos elementos dinâmicos que surgem nas fotografias são as pessoas; os restantes são estáticos, tais como as fotografias, pelo que visionando as fotografias pela ordem correspondente ao local obtém-se o mesmo conhecimento da realidade que o filme mostra.
Voltando à falsidade do depoimento das testemunhas.
Em que consiste segundo os Recorrentes?
Essencialmente no alegado nos pontos 11.2., 11.3, 11.6 a 11.11 das alegações:
«11.2 A prova ora descoberta tem a capacidade de ser o elemento bastante para que se possa colocar em causa o depoimento das testemunhas do Autor, abalando a sua credibilidade, sendo a chave para demonstrar que as Testemunhas do Autor induziram o Tribunal em erro quando, fazendo a livre apreciação da prova, sustentou a sua decisão com base em inverdades;
11.3 Pois provaram estar bem ensaiadas, com pontos de referências previamente estabelecidos, nomeadamente: “as canas da índia”; “a figueira e a laranjeira”, a “janela com vistas”, os “arrumos”, a “limpeza e manutenção do logradouro por parte do autor, sem interrupção” e a “inexistência de aberturas da casa dos RR/Reconvintes para o logradouro”».
«11.6 Mais é categórico, quando, pelo documento ora junto, verifica-se que o prédio do Autor está arranjado e cuidado e o logradouro totalmente votado ao abandono,
11.7 Estando a janela que tinha vistas tão importantes, emparedada, o que no mínimo constitui uma renúncia as mesmas;
11.8 E que ainda assim o Tribunal a quo considerou ser um direito a respeitar, nem que para isso tivesse que reduzir a habitação dos RR./Recorrentes a um Rés-do-chão, demolindo o seu telhado;
11.9 Confirmando-se também a propriedade do logradouro, pois com o visionamento do vídeo confirma-se que o estado do logradouro é idêntico ao estado da casa dos RR./Reconvintes, isto é, votado ao abandono.
11.10 O que se explica, pois trata-se do mesmo prédio, das mesmas pessoas!
11.11 Sendo igualmente notória a inverdade quando se afirma, sob juramento, que não havia aberturas para o logradouro, quando as mesmas são notórias!».
Passando à análise desta argumentação.
III – Pela análise dos autos é possível verificar que a documentação existente revela três aspectos factuais que fornecem informação relevante acerca da probabilidade de cada uma das hipóteses factuais alegadas por Autor e Réus poderem corresponder à realidade.
Sendo a realidade uma só e as versões das partes antagónicas, só uma delas pôde ter existido no passado histórico.
Vejamos.
Uma das questões que opõe as partes respeita à questão de saber a quem pertence o logradouro situada nas traseiras da casa dos Réus.
A favor da tese do Autor temos três factos independentes uns dos outros, com diversa origem, que transmitem informação considerável sobre esta questão.
Um deles consiste no teor da antiga matriz predial do prédio dos Réus, de 1937 (artigo 26 da freguesia … – ver a fls. 75-76 do procedimento cautelar e 142 da acção), do qual não consta indicação acerca de qualquer logradouro ou parte descoberta, mas apenas um edifício constituído por loja e 1.º andar, constando da descrição o seguinte «Casa superfície coberta 52m2 [8]. Confrontações: Nascente – Caminho Público, Poente – K…, Norte – I…, Sul – J…».
Só através do requerimento que consta a fls. 249, dirigido à Sra. conservadora do registo predial, com carimbo de entrada nos respectivos serviços de 3 de Junho de 2005, os Réus solicitaram que fosse averbada à descrição predial um «logradouro com 12 m2», tendo tal averbamento sido efectuado na respectiva ficha do registo predial, como se vê de fls. 75 da acção e 69 do procedimento cautelar.
Esta alteração foi justificada e admitida no registo predial com base em rectificação da escritura de partilha de 30 de Dezembro de 2004, a qual havia servido de base à descrição predial já existente, lavrada em 30 de Março de 2005 (cfr. despacho de fls. 252 da acção e descrição predial de fls. 59 da providência cautelar).
Na nova matriz predial (ver fls. 27 da acção) consta que o ano de inscrição do prédio na matriz foi «1937».
Ora, o facto de inicialmente não constar do teor da matriz predial que o prédio dos Réus tinha um «logradouro», um «quintal» ou uma «parte descoberta» e de não existir nos autos documentação que mostre um facto com relevância jurídica capaz de explicar a aquisição da parte descoberta, implicam que a convicção do julgador se forme no sentido do logradouro não fazer parte da casa dos Réus.
Com efeito, o proprietário não deixa de documentar nos serviços oficiais, designadamente na caderneta predial, o que é seu, julga ou quer que seja seu.
Porém, embora seja pouco significativo, da matriz predial relativa ao artigo 25 da matriz predial do prédio do Autor, de 1998, consta que este tem um logradouro com 68 m2 (fls. 26 da acção).
Sendo assim, o julgador é levado a concluir que não constando da matriz predial qualquer área descoberta é porque o prédio não tinha área descoberta, mas apenas os 52 m2 de área coberta que figuram na descrição do prédio.
Outro facto consiste em não existir passagem a poente da casa dos Réus para o logradouro.
O único local por onde se poderia passar, em caso de necessidade, consistia na abertura que se vê nas fotografias de 83 e 84 do procedimento cautelar e que também se vê no filme (por exemplo ao minuto 00:29), como acima se referiu.
Tanto quanto é possível verificar pelo filme, da soleira da abertura até ao chão do logradouro existe um desnível considerável, pois a senhora que se vê nessa abertura ficou em pé e não avançou devido ao desnível existente e mais tarde sentou-se na soleira da abertura, com as pernas pendentes para o lado do logradouro, não sendo possível verificar a altura a que se encontrava do chão do logradouro devido à vegetação, nem mostrando o filme como foi que a senhora desceu (nem como depois subiu), mas é bem visível que não existem escadas, nem quaisquer vestígios, para aceder ao logradouro.
Perante este facto, o julgador tem de formar a sua convicção no sentido do logradouro existente à retaguarda da casa dos Réus não pertencer a esta casa, pois se pertencesse teria de existir uma acesso minimamente apropriado e cómodo e não existe.
Um terceiro facto consiste no teor das plantas que constam do processo de licenciamento camarário que se encontram no apenso à acção.
A fls. 32 do apenso consta um espaço identificado como «logradouro», situado nas traseiras da casa cuja área, face ao projecto de licenciamento, é de 12m2.
Com efeito, na «folha de identificação do projecto», a fls.4 do apenso, consta que a área do lote é de «77 m2» e a área de implantação de «65m2», o que significa que o logradouro tem os 12m2 que figuram na matriz e no registo predial.
Na contestação e reconvenção os Réus não alegam que são donos apenas de 12 m2, mas de todo o logradouro que dizem ter ainda mais 23 m2 (ver artigos 60 e 61 da contestação/reconvenção).
Verifica-se face a este facto que os elementos do licenciamento camarário desmentem o afirmado pelos Réus nos artigos 60 e 61 da contestação/reconvenção, no sentido de serem ainda donos de mais 23 m2.
Com efeito, se eles fossem donos do resto do logradouro com toda a certeza isso constaria das plantas juntas ao processo de licenciamento onde se identifica topograficamente o prédio onde a construção vai ser executada e em vez de um logradouro com 12 m2, constaria um logradouro com 35 m2 (12+23), mas não consta.
Este facto também contribui para a formação da convicção do juiz de que o logradouro não pertence, todo ele e não apenas 12 m2 ao prédio dos Réus.
Com efeito, esta contradição relativa à afirmação da propriedade das áreas do logradouro, revelada entre o processo camarário e a contestação reconvenção impedem o julgador de formar a convicção no sentido dos Réus estarem a fazer afirmações correspondentes à realidade.
Conjugando estes três factos e só havendo duas hipóteses factuais, sendo, por isso, uma delas verdadeira e a outra falsa, a convicção do julgador tinha de se formar obrigatoriamente no sentido de que todo o espaço à retaguarda da parede poente da casa dos Réus não pertence seguramente aos Réus, restando a hipótese sustentada pelo Autor.
O facto do filme mostrar que o estado do logradouro, com muita vegetação desordenada é idêntico ao estado da casa dos Réus antes da reconstrução, não legitima concluir que ambos os espaços pertencem ao mesmo dono, pois donos diferentes podem ter espaços contíguos abandonados.
Além disso, o indício que pudesse ser retirado dessa semelhança é destruído pelo que acabou de ser referido.
Ora, os três aspectos factuais referidos favorecem a credibilidade dos depoimentos que se harmonizam com eles e descredibilizam os que entram em contradição com eles.
Como se vê pela fundamentação da convicção do juiz de fls. 551 a 560 da acção, este deu crédito às testemunhas indicadas pelo Autor e não o deu às indicadas pelos Réus.
Na sequência do que fica referido, os meios probatórios considerados no seu conjunto mostram que tal procedimento é o racionalmente correcto.
Esta conclusão mostra que não é possível formular um juízo de falsidade acerca do depoimento das testemunhas susceptível de levar à procedência do pedido de revisão.
Com efeito, tem de existir um nexo de causalidade entre a falsidade e o desfecho da acção [9], como não pode deixar de ser, pois na al. c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil exige-se que a falsidade tenha «determinado a decisão a rever», não bastando, por isso, verificar que algumas das afirmações das testemunha não correspondem à realidade.
A falsidade apontada às testemunhas indicadas pelo Autor respeita à afirmação por parte destas de que não havia qualquer abertura na parede da casa dos Réus voltada a poente, o que de facto não se afigura verdadeiro face às fotografias juntas aos autos onde se vê claramente uma abertura adequada a suportar uma janela, não se afigurando provável a existência de um «nicho» como sustenta o Autor.
Relativamente às «canas da Índia» o Autora alega na petição que foram cortadas (definitivamente) há dez anos, considerando a data da petição, portanto pelo ano de 1997, pelo que é irrelevante que algumas testemunhas tenham referido que foram os Réus a cortá-las, pois tal facto não foi alegado pelo Autor, podendo apenas concluir-se que neste aspecto o depoimento das testemunhas em causa não correspondeu à realidade.
Porém, não raro num depoimento se surpreendem afirmações factuais que não correspondem à realidade, sem que isso implique que é falso na sua totalidade.
Ora, mesmo considerando que tal facto (corte das canas pelos Réus) não pode ser verdadeiro, pois os próprios autores o negaram, tal falsidade não tem qualquer implicação sobre a formação que levou à prova dos factos favoráveis ao Autor quanto à disputa do logradouro.
Quanto à limpeza e manutenção do logradouro por parte do Autor, cumpre referir que estando em causa a posse e sabendo-se que esta aglomera factos ocorridos ao longo de 10, 15 ou 20 anos, não é pelo facto de as fotografias e o filme mostrarem um espaço invadido por vegetação que se conclui que são falsos os depoimentos que afirmam que o logradouro era limpo e usado pelo Autor.
Com efeito, a situação actual de um espaço com vegetação não permite tiram conclusões sobre o seu estado nos 5, 10, 15 ou 20 anos anteriores, salvo eventualmente quanto à idade das árvores ou arbustos, pois a vegetação cresce rapidamente de um ano para o outro, principalmente quando as condições climatéricas são favoráveis.
Por isso, este aspecto revelado no filme e mesmo nas fotografias não é relevante para mostrar a falsidade dos depoimentos.
Sendo ainda certo que alguém pode possuir um terreno e decidir deixar crescer a vegetação (se é uma atitude correcta ou não, é outra questão), sem que isso implique menos «posse» ou «perda» de posse.
Quanto às aberturas na parede norte da casa do Autor.
As fotografias e o filme mostram claramente as «seteiras» existentes na casa do Autor e mostram que em nível inferir ao destas ainda havia vestígios da união entre o telhado da casa dos Réus e a parede da casa do Autor.
Podem ver-se tais vestígios, provavelmente restos de uma caleira metálica (os Réus afirmaram tratar-se de uma caleira – artigo 22 da contestação), nas fotografias de fls. 164, 165, 166 (metades esquerdas), 275 (quadrante superior esquerdo), 227 e 295 (metades esquerdas) e aos minutos 05:41 e 06:15 do filme.
Prolongando a linha recta formada por estes vestígios em direcção a poente, a linha corta o espaço identificado como janela da casa do Autor, sensivelmente a meio da sua altura, mas não acima da janela, como afirmam os Réus no artigo 23.º da sua contestação, pelo que é improvável que o telhado chegasse à mencionada abertura (janela), por não ser funcional e prática a existência de uma janela cortada a meio da sua altura pela extremidade de um telhado.
Quanto à existência da abertura qualificada como janela, na extremidade poente da parede da casa dos Réus voltada para norte, ela está lá.
Digam o que disserem as testemunhas, a abertura está lá e os Réus não alegam que foi executada recentemente, mas apenas que o antigo telhado da sua casa a tapava (artigo por completo – ver artigo 21.º da contestação), o que se afigura improvável.
Com efeito, ou a janela foi aberta depois do telhado cair, o que não foi dito, ou coexistiu com o telhado, o que não é apropriado, pois nenhuma casa tem uma janela a abrir para o interior de uma outra casa alheia, ou para uma parede que a tapa.
Por conseguinte, a existência da janela é um facto inegável.
O facto da janela se encontrar tapada também é um facto inegável e verificável pelas fotografias, justificado pelo Autor como meio destinado a impedir a entrada de assaltantes (ver artigo 49 da petição), tendo referido que a janela se encontra tapada desde 1997/98.
Ora, face a estes factos não pode qualificar-se de falso o depoimento das testemunhas que se referiram à existência da janela.
Com efeito, ela está lá [10].
Não há, pois, fundamento para qualificar os depoimentos das testemunhas indicadas pelos Autores como falsos.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Porto, 3 de Novembro de 2014.
Alberto Ruço.
Correia Pinto.
Ana Paula Amorim.
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[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI (reimpressão). Coimbra Editora, 1985, pág. 335.
[2] Ob. cit. pág. 336-337.
[3] Ob. cit. pág. 356.
[4] Ob. cit. pág. 357-358. A jurisprudência tem-se pronunciado no mesmo sentido: assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5 de Novembro de 1987 decidiu-se que «O “...documento…põe si só suficiente para modificar a decisão em sentido favorável à parte vencida…” tem de fazer prova de um facto inconciliável com a decisão a rever» (Colectânea de Jurisprudência. Ano XII, Tomo V, pág. 255); no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Dezembro de 1992, ponderou-se que «O documento só é suficiente para modificar a decisão a rever quando, só por si, provar um facto inconciliável com essa decisão, não bastando que conjugado com as provas que foram produzidas em juízo, pudesse determinar outra mais favorável ao requerente» (Colectânea de Jurisprudência. Ano XVII (1992), Tomo V, pág. 72); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 1998, estabeleceu-se que «Para que a decisão recorrida seja objecto de revisão, não basta qualquer documento, mas apenas o que seja, em si mesmo, dotado de tal força que possa conduzir o juiz à persuasão de que só através dele a causa poderá ter solução diversa daquela que teve» (Colectânea de Jurisprudência (S.T.J.). Ano VII, Tomo I, pág. 29) e no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2012, decidiu-se que «Igualmente é necessário que o documento tenha uma força probatória tal que, sem o concurso de qualquer outro meio, destrua a prova que sustentou a decisão a rever ou demonstre a realidade das pretensões que não tiveram acolhimento (Colectânea de Jurisprudência. Ano XXXVII, Tomo II, pág. 5) e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2013, no processo 3061/03.7TTLSB-B, onde se decidiu que «O segundo dos enunciados requisitos tem de ser entendido como exigência de que o documento apresentado disponha, por si só, de total e completa suficiência probatória, no sentido de que, se esse documento tivesse sido tomado em consideração pelo tribunal que proferiu a decisão revidenda, essa decisão nunca poderia ter sido aquela que foi – e isto sem apelar a outros meios de prova, sejam eles documentais, testemunhais ou periciais –, por constituir prova plena de um facto inconciliável com a decisão a rever» (em www.dgsi.pt).
[5] Limites Objectivos do Caso Julgado. Lisboa: Edições Ática, 1968, pág. 15
[6] Ver Castro Mendes. Ob. cit., 81-82.
[7] Ob. cit., pág. 15.
[8] Referem-se 52m2 e não 65m2, como consta da mova matriz de fls. 27 da acção e consta da descrição do registo predial, porque na antiga matriz vê-se claramente no espaço das unidade o número «2» e não um «5» e no espaço das dezenas está um «5» e não um «6» como se pode verificar comparando a homogeneidade da grafia de todos os números existente no mesmo texto, constando um número «5» e um número «6» no mesmo texto, na parte relativa ao «valor locativo – 60.00» e «Rendimento colectável – 54.00».
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-02-2013, no processo n.º 877-B/2002, onde se decidiu que «A invocação da falsidade de documentos, declarações ou depoimentos para efeitos de recurso extraordinário de revisão não prescinde da verificação de um nexo de causalidade adequada relativamente à decisão revidenda» (em www.dgsi.pt).
[10] A questão de saber se a tapagem da janela admitida pelo Autor, pelo menos desde 1997/98, implica renúncia ou perda de servidão de vistas é uma questão de direito e não de facto, sendo certo que no recurso de revisão estão apenas em causa os factos, sendo a questão de direito assunto subsequente.