Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
108145/16.2YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CONTRATOS DE EMPREITADA E SUB-EMPREITADA
Nº do Documento: RP20170530108145/16.2YIPRT.P1
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º 772, FLS.86-89)
Área Temática: .
Sumário: I A competência material dos tribunais judiciais define-se residualmente, para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – artºs 66º CPCiv e 40º LOSJ.
II Nos termos do actual ETAF, resultante da revisão operada pelo D-L nº 214-G/2015 de 28/9, entrado em vigor em 2/12/2015, e do actual artº 4º nº1 al.e), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto apenas a matéria derivada de contratos administrativos ou dos contratos celebrados “nos termos da legislação sobre contratação pública”.
III A subempreitada constitui um contrato subordinado, ou subcontrato, mantendo a sua distinção ou individualidade em relação à empreitada, daí decorrendo que o subempreiteiro não mantém qualquer vínculo contratual com o dono da obra.
IV - O Código dos Contratos Públicos (D-L nº18/2008 de 29/1) define contrato administrativo, no seu artº 1º nº6, como o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, excluindo o acordo entre privados.
V - A submissão de um contrato de subempreitada, celebrado entre privados, a normas de direito público consiste apenas na faculdade genérica, atribuída às partes pelo disposto no artº 405º CCiv, de fixarem livremente o conteúdo do contrato, incluindo neste as cláusulas que lhes aprouver, normas essas que se não aplicam por imposição legal, mas em virtude da estipulação contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 108145/16.2YIPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida de 22/03/2017.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Notícia Explicativa
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias nº108145/16.2YIPRT, da Comarca de Porto Este, Juízo Local de Paredes.
Autora – B…, Sociedade Unipessoal, Ldª.
– C…, Unipessoal, Ldª.
Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de €9.726,38, acrescida de juros, à taxa comercial aplicável, liquidando-se os vencidos em €127,54, e ainda a quantia de €100,00, relativa a despesas de cobrança.
Tese da Autora
No exercício da sua actividade de construção de edifícios, e no âmbito de um contrato de subempreitada que as partes classificaram como “subempreitada de obras públicas”, celebrou, na qualidade de subempreiteira, com a Requerida, um contrato de subempreitada, tendo ficado por pagar, do preço, o correspondente a fornecimentos e trabalhos medidos, constantes de determinadas facturas, bem como o preço de equipamentos que desapareceram da obra.
Reconhece ainda que as partes previram no contrato a aplicação supletiva do regime das empreitadas de obras públicas
Tese da Ré
Trata-se, nos autos, de um contrato de subempreitada de obras públicas, como tal classificado pelas partes, celebrado em 23/5/2016, do qual consta uma cláusula 17ª que prevê a aplicação supletiva ao contrato do regime das empreitadas de obras públicas, mais tendo as partes acordado que, para a execução de qualquer conflito resultante da interpretação e execução do contrato, o foro competente era a comarca de Paredes.
No mais, impugna motivadamente a alegação da Autora.
Sentença Recorrida
Com fundamento no disposto no artº 4º nº1 al.f) ETAF e na competência da jurisdição administrativa e fiscal para resolver os litígios que se prendam com a interpretação, validade ou execução de contratos de subempreitada de obras públicas, a Mmª Juiz a quo julgou verificada a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria e absolveu o Réu da instância.
Conclusões do Recurso:
A. Na relação jurídica em discussão nos presentes autos, a Requerente/Autora/Recorrente, subempreiteira, pretende a condenação da Requerida/Ré/Recorrida, empreiteira, no pagamento de parte do preço dos trabalhos prestados na subempreitada e que não lhe foram pagos.
B. A causa de pedir em que a Autora baseia o pedido traduz-se no incumprimento de um contrato de subempreitada que celebrou com a Ré.
C. Contrato esse mediante o qual a Autora se obrigou a realizar alguns dos trabalhos ajustados entre a Ré e o Município D… no âmbito de um contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre estes, encontrando-se por liquidar diversas facturas.
D. Contrariamente ao contrato de empreitada de obra pública celebrado entre a Ré e o dono da obra, o Município D…, o contrato de subempreitada celebrado entre a Autora e a Ré não é um contrato administrativo, pelo que a relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial.
E. Não obstante a invocação do regime do DL nº 55/99 no contrato de subempreitada, entende a Recorrente que o mesmo é inaplicável à presente situação, uma vez que não está em causa a interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, conforme estipula o artigo 253º do mencionado diploma.
F. Mas antes a ausência de pagamento de diversas facturas emitidas ao empreiteiro geral, ainda que de uma obra pública se trate.
G. Mas ainda que no contrato de subempreitada se faça referência ao citado DL 55/99, isso não significa que possa haver submissão à jurisdição administrativa, mas apenas significa que a relação das partes se rege, nos casos omissos, por aquele diploma, não podendo decorrer nunca a sua submissão à jurisdição administrativa, porquanto esta não está dependente da vontade das partes, pelo que, em caso de litígio, teria sempre de recorrer à jurisdição comum, para utilização dos normativos que ao caso fossem aplicáveis;
H. O contrato de subempreitada não deriva de um acto de direito público, como acto administrativo, concessão ou outro, pelo que deve concluir-se pela sua sujeição ao direito privado.
I. A relação existente entre a Autora e a Ré não emerge do direito público, mas antes do direito privado.
J. Não existe norma legal pública para submeter o presente litígio a julgamento nos Tribunais de jurisdição administrativa, pelo que a análise do mesmo se defere à jurisdição comum.
K. No caso presente, está em causa uma acção de responsabilidade civil emergente do defeituoso cumprimento de um contrato de subempreitada celebrado entre a Autora e a Ré, no que tange às cláusulas relacionadas com o pagamento.
L. Os Tribunais Administrativos seriam competentes para dirimir esses conflitos se aquele contrato pudesse ser qualificado como administrativo, isto é, como contrato em que foi constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa – artigo 178º nº 1 do CPA – e isto porque, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea f) do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos o julgamento das acções que tenham por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.
M. Analisando o conteúdo do contrato de subempreitada a conclusão que se retira é que o mesmo não pode ser qualificado como administrativo uma vez que através dele não foi constituída, modificada ou extinta qualquer relação jurídica administrativa.
N. Os elementos caracterizadores da competência dos Tribunais Administrativos - a qualidade dos sujeitos da relação jurídica litigiosa, os poderes com que nela intervêm e a finalidade que visam alcançar – não se encontram plasmados no referido contrato de subempreitada e, assim, ter-se-á de concluir que o litígio que a Autora apresentou no Juízo Local Cível de Paredes, Comarca do Porto Este não decorre de um contrato administrativo.
O. A Ré submeteu, a resolução de litígios decorrentes do contrato de subempreitada aos Tribunais Comuns - ao Tribunal da Comarca de Paredes – conforme consta da clausula 17.ª do contrato de subempreitada.
P. A questão da competência material deve ser resolvida tendo em conta a relação jurídica a discutir na acção, mas à luz do “retracto”, da estruturação concreta apresentada pelo autor, e, logicamente, dando especial atenção à natureza intrínseca e aos fundamentos da pretensão deduzida, embora, sem avaliar o seu mérito, isto é, sem logo apreciar se o lesado tem ou não razão face ao direito substantivo.
Q. Tendo em conta a relação jurídica em causa resulta com clareza que a pretensão do pagamento de parte do preço das obras que a Recorrente realizou como subempreiteira versa sobre uma relação jurídica de natureza privada; e assim, tendo a autora submetido a juízo uma “questão de direito privado”, a respectiva apreciação encontra-se, pela sua própria natureza, subtraída à jurisdição administrativa, sendo competentes os tribunais comuns, pelo que não têm aqui aplicação as alíneas e) e f) do nº 1 do art. 4º do ETAF.
R. Assim, é o tribunal comum o competente para julgar a acção em que a Requerente/Autora/Recorrente pede a condenação da Requerida/Ré/Recorrida empreiteira no pagamento de determinada quantia proveniente de serviços que lhe prestou no âmbito de um contrato de subempreitada, sabendo-se que Autora e Ré são pessoas colectivas (sociedades) de direito privado, independentemente dessa subempreitada ter sido adjudicada à autora na sequência de um contrato de empreitada de obras públicas.
S. A relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial.
T. Entendendo que a Recorrente que a Sentença, com o devido respeito, que é muito, não interpreta nem aplica devidamente o disposto nos artigos 101º, 102º, nº 1, 105º, nº 1, 288º, nº 1 alínea a), 493º, nº 2 e 494º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, artigos 1º, nº 1, e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigos 211º, nº 1, e 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
43. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 101º, 102º, nº 1, 105º, nº 1, 288º, nº 1 alínea a), 493º, nº 2 e 494º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, artigos 1º, nº 1, e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigos 211º, nº 1, e 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, revogando-se a sentença recorrida;
U. E consequentemente, ser substituída por outra que julgue competente em razão da matéria o Juízo Local Cível de Paredes, Comarca do Porto Este, para conhecer e julgar a presente acção.

A Requerida apresentou nos autos as respectivas contra-alegações, nas quais, em resumo, pugna pela confirmação da sentença recorrida.
Factos Provados
Encontram-se provados os factos atinentes à tramitação processual e demais alegações constantes do processo, para além do teor da sentença impugnada, acima resumidamente expostos.
Fundamentos
A questão em causa no presente recurso cinge-se a saber se se verifica a incompetência em razão da matéria, por parte do tribunal comum, para conhecer da responsabilidade do Réu empreiteiro, no contrato que as partes classificaram como “subempreitada de obras públicas”.
Vejamos pois.
I
Como é sabido, a competência do tribunal comum retira-se do disposto nos artºs 40º Lei da Organização do Sistema Judiciário e 64º CPCiv, ou seja, das normas segundo as quais “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Desta competência residual resulta que se deveria descortinar que, na matriz do contrato dos autos (que incidentalmente foi classificado pelas partes como “subempreitada de obras públicas”, classificação que, como se sabe, não vincula o julgador), se encontravam em causa normas de direito público, como supunha o artº 4º nº 1 al.f) ETAF.
A Mmª Juiz a quo elencou a competência dos tribunais administrativos, para o efeito transcrevendo a norma do artº 4º nº1 al.f) do ETAF (Lei nº 13/2002 de 19/2), norma na qual se fundamenta, da seguinte forma:
“f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.”
E expressamente salientou também que, do contrato, constava expressamente a aplicação da legislação em vigor para as empreitadas de obras públicas, ou seja, o D-L nº 18/2008 de 29/1 que regula este tipo de contrato (cláusula 17ª do contrato de subempreitada).
Acontece que o D-L nº 214-G/2015 de 28/9, entrado em vigor em 2/12/2015 (artº 15º nº1 – em momento anterior à entrada da presente acção em juízo), tendo visado, como se lê no preâmbulo, redefinir os termos da relação entre o artº 1º e o artº 4º, no que respeita à determinação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, alterou as redacções dos sobreditos normativos, passando a dispor:
“1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”
Isto quando a redacção anterior era: “1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Percebe-se a eliminação do conceito constante da redacção anterior de relação jurídica administrativa, como própria da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, em benefício da pura e simples enumeração casuística do artº 4º.
Acontece também que, neste último referenciado normativo, foi eliminada completamente a redacção da anterior al.f) do nº1, proveniente da redacção inicial do ETAF, a qual, em parte, passou a constar da redacção da al.e) do nº1, nos seguintes termos:
“Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a” - e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.”
Como se vê facilmente, a lei passou agora a incluir na competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal apenas a matéria derivada de contratos administrativos ou dos contratos celebrados “nos termos da legislação sobre contratação pública”.
Eliminou a nova lei, por completo, o segmento da anterior al.f), no sentido de englobar na competência da jurisdição administrativa e fiscal as matérias relativas a “contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo”.
Era este segmento da norma que, como vimos atrás, permitiu à Mmª Juiz a quo, nos termos da douta sentença proferida, afirmar a competência dos tribunais administrativos e fiscais.
Isto é, em termos práticos e para aquilo que nos ocupa, eliminou o legislador a possibilidade de englobar indistintamente quaisquer contratos “a respeito dos quais existissem normas de direito público que regulassem aspectos específicos do respectivo regime substantivo” – como seria o caso do contrato dos autos – na competência dos tribunais administrativos.
E ainda, diga-se, porque, nos termos da lei actual, também o contrato dos autos não pode ser visto como um “contrato administrativo”, nem “contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública”.
II
Segundo a definição legal, contrato de subempreitada é aquele pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado ou uma parte dela – artº 1213º CCiv.
E como se exarou no Ac.R.P. 26/10/2010 Col.IV/195, relatado pelo Desemb. Henrique Araújo, e subscrito pelo aqui relator, “na subempreitada criam-se novas relações obrigacionais entre empreiteiro e subempreiteiro, mas mantêm-se as existentes entre o dono da obra e o empreiteiro (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol.II, 1968, pg. 557). Por isso é que, não existindo relação directa entre o dono da obra e o subempreiteiro, se a obra apresentar defeitos por culpa do subempreiteiro, nem por isso o dono da obra lhe poderá exigir a reparação ou a eliminação desses defeitos, apenas o podendo reclamar do empreiteiro. Só este poderá exigir do subempreiteiro a reparação ou a eliminação dos defeitos da obra (cf. Ac.S.T.J. 28/4/09, pº 09B0212, relatado pelo Consº Santos Bernardino).”
“Trata-se pois de um contrato subordinado, ou subcontrato, mantendo a sua distinção ou individualidade em relação à empreitada, daí decorrendo que o subempreiteiro não mantém qualquer vínculo contratual com o dono da obra.”
O Código dos Contratos Públicos (D-L nº18/2008 de 29/1) define contrato administrativo, no seu artº 1º nº6, como “o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias”:
“a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;”
“b) Contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;”
“c) Contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;”
“d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.”
Não existe forma de integrar o contrato dos autos na definição de contrato administrativo porque não está em causa a limitação do proémio da norma citada, isto é, que o contrato tenha sido “celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos”.
Assim, a submissão do contrato a normas de direito público consiste apenas na faculdade genérica, atribuída às partes pelo disposto no artº 405º CCiv, de fixarem livremente o conteúdo do contrato, incluindo neste as cláusulas que lhes aprouver – simplesmente, para que tal ocorra, aquelas normas não se aplicam por imposição legal, mas sim em virtude da estipulação contratual que para elas remete (assim se escreveu no Ac.S.T.J. 5/11/02 Col.III/123, relatado pelo Consº Silva Paixão, em doutrina que permanece actual).
No sentido de que o contrato de subempreitada celebrado entre empresas privadas não é um contrato administrativo, nem celebrado “nos termos da legislação sobre contratação pública”, ou seja, porque forçosamente submetido a tal legislação, cf., entre outros, A.R.G. 3/4/2014 Col.II/302, relatado pelo Des. António Sobrinho, e Ac.R.G. 10/4/2012, pº 2321/11.8TBBRG.G1, relatado pela Desª Eva Almeida, este último aliás defrontando-se com uma hipótese idêntica, em termos gerais, à dos presentes autos.
Nessa medida, impõe-se a revogação da douta sentença recorrida.
Resumindo a fundamentação:
I – A competência material dos tribunais judiciais define-se residualmente, para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – artºs 66º CPCiv e 40º LOSJ.
II – Nos termos do actual ETAF, resultante da revisão operada pelo D-L nº 214-G/2015 de 28/9, entrado em vigor em 2/12/2015, e do actual artº 4º nº1 al.e), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto apenas a matéria derivada de contratos administrativos ou dos contratos celebrados “nos termos da legislação sobre contratação pública”.
III – A subempreitada constitui um contrato subordinado, ou subcontrato, mantendo a sua distinção ou individualidade em relação à empreitada, daí decorrendo que o subempreiteiro não mantém qualquer vínculo contratual com o dono da obra.
IV - O Código dos Contratos Públicos (D-L nº18/2008 de 29/1) define contrato administrativo, no seu artº 1º nº6, como o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, excluindo o acordo entre privados.
V - A submissão de um contrato de subempreitada, celebrado entre privados, a normas de direito público consiste apenas na faculdade genérica, atribuída às partes pelo disposto no artº 405º CCiv, de fixarem livremente o conteúdo do contrato, incluindo neste as cláusulas que lhes aprouver, normas essas que se não aplicam por imposição legal, mas em virtude da estipulação contratual.
Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Na procedência da apelação, julga-se improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal comum, e, em consequência, revoga-se a douta sentença recorrida, determinando o ulterior prosseguimento dos autos.
Custas pela Ré/Apelada, em ambas as instâncias.

Porto, 30/V/2017
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença