Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
370/22.0YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO CARNEIRO DA SILVA
Descritores: ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
ÁRBITROS
IMPARCIALIDADE
DEVER DE REVELAÇÃO
Nº do Documento: RP20230629370/22.0YRPRT
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O dever de revelação, a que se refere o art. 13º da Lei de Arbitragem Voluntária, não abrange toda e qualquer circunstância, mas apenas a suscetível de originar fundada dúvida, ou seja aquela que, de forma imediata e segura, logo seja associada a uma forte possibilidade de influência indevida na atuação dos árbitros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 370/22.0YRPRT

Acordam os Juízes que integram a 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto



Relatório:

“A..., SA”, com sede na Avª. ..., ..., ..., intentou perante este Tribunal da Relação do Porto a presente acção de anulação de decisão arbitral, nos termos do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária [Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro], contra “B..., Ldª”, com sede na rua ..., ..., Porto.
Alegou a autora, em súmula, na petição inicial, que, no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre autora e ré tendo por objecto a execução do projecto de arquitectura de interiores relativo ao navio de cruzeiro denominado “embarcação ...”, e por ter surgido litígio quanto ao pagamento pela aqui autora da factura nº ...54 emitida pela aqui ré, esta, nos termos acordados, deu início ao procedimento arbitral destinado a dirimir tal litígio, na sequência do que autora e ré procederam à indicação dos respectivos árbitros, e o Exmº Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto procedeu à nomeação do Presidente do Colégio Arbitral, tendo todos subscrito a respectiva declaração de aceitação, independência, imparcialidade e disponibilidade, nenhuma reserva fazendo constar.
Afirma que, na sequência, foi dado início ao processo arbitral, tendo as partes apresentado os respectivos articulados, culminando o processo com a realização da audiência de julgamento a 04 e 08 de Abril de 2022.
Invoca que, não obstante o encerramento da audiência de julgamento a 08 de Abril de 2022, a aqui requerida fez juntar ao processo, a 12 e 26 de Abril de 2022, requerimentos acompanhados de um total de 14 documentos, o que mereceu a oposição da aqui autora, pedindo o seu desentranhamento, pretensão que foi apreciada, e indeferida, pelo tribunal arbitral apenas no acórdão final, prolatado com os votos favoráveis do Sr. Presidente do Tribunal Arbitral e do Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida, tendo o votado vencido o Sr. Árbitro indicado pela aqui requerente.
Considera ter a decisão que fez vencimento incorrido em erros grosseiros na apreciação e decisão sobre a matéria de facto.
Afirma que apenas após a prolação do acórdão final a aqui requerente tomou conhecimento de diversas circunstâncias que entende porem em crise a idoneidade e imparcialidade dos Srs. Árbitros – designadamente, que o Sr. Presidente do Tribunal Arbitral, o Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida e o mandatário que representou esta no âmbito do processo arbitral possuíram o estatuto de árbitros do Tribunal Arbitral do Desporto entre Maio de 2015 e Novembro de 2017, período em que, em 06 ocasiões, pelo menos 2 participaram em processos e decisões arbitrais; que, após Novembro de 2017 e até esta data, o Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida e o mandatário que representou esta no âmbito do processo arbitral mantiveram o estatuto de árbitros do Tribunal Arbitral do Desporto, período em que, em 14 ocasiões, participaram em processos e decisões arbitrais.
Daí retira a autora que o Sr. Presidente do Tribunal Arbitral, o Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida e o mandatário que representou esta no âmbito do processo arbitral se conhecem perfeitamente desde 2015.
Alega, ainda, que o Sr. Presidente do Tribunal Arbitral e o Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida são árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, e que, juntamente com o mandatário que representou a requerida no âmbito do processo arbitral, são todos advogados.
Invoca que, no âmbito do processo arbitral nº 02/2021, em que são partes a aqui requerida e uma sociedade que integra o grupo que engloba a aqui autora, aquela nomeou o mesmo árbitro e constituiu o mesmo advogado.
Entende que todas as circunstâncias indicadas geraram grande proximidade entre os referidos árbitros e o Exmº. Mandatário da aqui requerida, que redundou em convívio e amizade entre todos, entendendo justificar-se que a aqui requerente considere suspeita tal proximidade/amizade, designadamente quanto à independência e imparcialidade que o artigo 9º da Lei da Arbitragem Voluntária exige aos árbitros.
Considera deverem aplicar-se, como mecanismo de densificação do dever de independência e imparcialidade dos árbitros, no âmbito do processo de arbitragem, as regras e princípios fixados no Código Deontológico do Árbitro aprovado pela Associação Portuguesa de Arbitragem, bem como as directrizes da International Bar Association, entre elas, com especial relevância no caso que nos ocupa, o dever de o árbitro revelar as circunstâncias da sua vida que num dado processo arbitral sejam susceptíveis de levantar suspeita sobre quanto à sua actuação.
Recorda que a independência e a imparcialidade do árbitro constituem requisitos da natureza equitativa do processo arbitral, concretização do princípio definido no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, e que, em concretização, o nº 1 do artigo 13º da Lei da Arbitragem Voluntária, impõe aos árbitros o dever de prontamente revelar todas as circunstâncias susceptíveis de gerar dúvida quanto à sua imparcialidade e independência, dever para cuja densificação afasta um critério objectivista, antes defendendo uma perspectiva subjectiva, centrada na posição das partes – na sua perspectiva constituirá circunstância carecedora de relevação aquela que aos olhos e na visão das partes em presença sejam susceptíveis de suscitar dúvida na matéria, sendo certo que, na dúvida, segundo as regras de soft law cuja aplicação defende, entende impor-se a revelação.
Alega que a violação do dever de revelação determina a anulabilidade da decisão arbitral, nos termos do iv) da alínea a) do nº 3 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária.
Defende que a conduta do Sr. Presidente do Tribunal Arbitral, do Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida e do mandatário que representou esta no âmbito do processo arbitral, nos termos acima descritos, configura violação do referido dever de revelação, na perspectiva da requerente para si daí resultando fundada dúvida quanto à independência e imparcialidade dos árbitros nomeados, criando pelo menos a aparência do comprometimento dos interesses da aqui requerente.
Após discorrer sobre o princípio constitucional da igualdade, cuja concretização no âmbito do processo de arbitragem é feita através da alínea b) do nº 1 do artigo 30º da Lei da Arbitragem Voluntária, considera no caso ocorrer violação de tal princípio, na medida em que, entende, da apontada relação de proximidade entre os árbitros decorre a inexistência de relação de equidistância entre si e face às partes.
Após enunciar e caracterizar o princípio do contraditório enquanto trave mestra do funcionamento do aparelho de justiça, designadamente na sua faceta de abrir às partes a participação na conformação do processo que conduz à decisão.
Defende que a actuação do Sr. Presidente do Tribunal Arbitral e do Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida traduziu violação do princípio do contraditório ao deferirem a junção dos documentos que acompanharam os requerimentos de 12 e 26 de Abril de 2022, por inviabilizar à aqui requerente o seu confronto com as testemunhas inquiridas em audiência de julgamento.
Considera, de todo o modo, que a junção da documentação em causa não deveria ter sido admitida, por força do disposto no artigo 423º do Código de Processo Civil.
E alega que a decisão de admissão de tal documentação releva a parcialidade do Sr. Presidente do Tribunal Arbitral e do Sr. Árbitro indicado pela aqui requerida, e traduziu-se na indevida decisão quanto aos pontos 31- e 37- da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal Arbitral, designadamente tendo em conta, quanto ao ponto 37-, documentação junta pela aqui requerida que classifica de falsa.
Defende que a posição que no tribunal arbitral logrou vencimento não se encontra sustentada na prova produzida, considerando que tal resulta evidenciado da fundamentação apresentada.
Considera inexistir regular fundamentação da decisão proferida pelo tribunal arbitral, não sendo de admitir fundamentações fantasiosas, desconexas ou em contradição com a decisão, entendendo ocorrer violação do disposto no nº 3 do artigo 42º da Lei da Arbitragem Voluntária.
Conclui pedindo a anulação da decisão arbitral em causa.
Juntou cópia certificada da decisão arbitral em crise.
Citada, a requerida apresentou contestação, na qual, em súmula, principia por invocar que as circunstâncias que a requerente invoca como fundamento do pedido de anulação da decisão arbitral são prévias à prolação desta, devendo, na perspectiva da própria requerente, ter fundado um pedido de recusa dos árbitros na pendência do procedimento arbitral.
Defende que as regras de soft law invocadas pela requerente não constituem normas jurídicas vinculativas aplicáveis ao caso dos autos.
Reconhece a prestação, pelos árbitros cuja actuação a ré censura e pelo mandatário da ré, de serviço no âmbito do Tribunal Arbitral do Desporto, intervindo em variados processos, o que afirma constituir facto público e notório, e sempre foi do conhecimento da aqui autora, ou, pelo menos, sempre esteve na disponibilidade da autora conhecer.
Nega existir qualquer facto ou evento susceptível de objectivamente colocar em dúvida a isenção e imparcialidade de qualquer dos árbitros.
Defende em qualquer caso não se preencher a hipótese legal da norma consagrada no nº 1 do artigo 13º da Lei da Arbitragem Voluntária.
Nega que os árbitros, entre si ou com o Exmº. Mandatário da autora, mantenham ou tenham mantido relação de amizade pessoal, ou sequer que conheçam as respectivas famílias.
Afirma que a autora lançou mão do presente expediente apenas porque a decisão arbitral lhe foi desfavorável.
Entende não ter ocorrido qualquer violação do princípio do contraditório.
Defende não ocorrer o vício de falta de fundamentação da decisão arbitral invocado pela autora, tratando-se antes de um caso em que a autora, compreendendo o sentido e alcance da decisão, com eles não concorda.
Defende que a autora litiga de má fé, agindo apenas para se eximir ao cumprimento da decisão arbitral, por isso pretendendo a sua condenação no pagamento de indemnização a favor da ré, nos termos do artigo 542º do Código de Processo Civil.
Conclui pedindo a improcedência da acção.
Notificada para o efeito, a autora apresentou novo articulado, pronunciando-se quanto à questão da extemporaneidade da alegação de falta de independência e imparcialidade dos árbitros designados pela Demandante e pelo Presidente do Tribunal da Relação, defendendo que apenas após a prolação da decisão arbitral teve conhecimento dos factos que invoca como fundamento do pedido de anulação, sendo por isso tempestiva a sua alegação.
Re-afirma ter sido violado pelos árbitros o dever de revelação e repete o que no concretamente processado considera revelador da sua falta de imparcialidade e independência.
Nega actuar de má fé.
Conclui pedindo a improcedência da excepção suscitada, bem como de pedido de condenação da autora como litigante de má fé, pedindo antes que seja a ré como tal condenada.
A ré pronunciou-se em requerimento autónomo quanto ao pedido da sua condenação como litigante de má fé.
Foi produzida a prova requerida pelas partes.
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Saneamento:
Não se verifica qualquer excepção, nulidade ou questão prévia de que cumpra conhecer.
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Questões a solucionar
A) Violação, pelos árbitros nomeados para dirimir o conflito entre a aqui autora e a aqui ré, surgido no âmbito da execução de projecto de arquitectura de interiores e respectiva execução de material referente à construção do navio-cruzeiro denominado «embarcação ...», do dever de revelação consagrado no artigo 13º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro];
B) Violação, na tramitação do processo arbitral, do princípio da igualdade;
C) Violação, na tramitação do processo arbitral, do princípio do contraditório;
D) Omissão de fundamentação do acórdão arbitral.
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Fundamentação:
Provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir:
1- Autora e ré acordaram submeter à decisão de árbitros qualquer litígio emergente do contrato de prestação relativo à execução do projecto de arquitectura de interiores e respectiva execução de material referente à construção do navio-cruzeiro denominado «embarcação ...» [artigo 1º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
2- Tendo surgido litígio entre as partes quanto ao pagamento da factura nº ...54 emitida pela ré, esta comunicou à autora o início do procedimento arbitral, e indicou AA como seu árbitro, por sua vez tendo a autora indicado BB como seu árbitro [artigos 1º a 3º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 6º da contestação].
3- O Exmº. Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto nomeou CC como presidente do colégio de árbitros [artigo 4º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 6º da contestação].
4- Na sequência, os 3 árbitros subscreveram declaração de aceitação do cargo, afirmando-se independentes e imparciais face aos interesses das partes, comprometendo-se a assim se manterem ao longo do procedimento arbitral, e declarando desconhecer qualquer circunstância cuja revelação se impusesse como forma de garantir a sua independência e isenção [artigos 5º a 11º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
5- Instalado o tribunal arbitral e fixadas as respectivas regras processuais [entre o mais declarando-se aplicáveis as regras de processo constantes do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, e, subsidiariamente, a Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 63/2011, de 04 de Dezembro], a 18 de Maio de 2021 a aqui ré deu início ao procedimento arbitral, apresentando a sua petição inicial, nela concluindo por pedir a condenação da aqui autora no pagamento de €90.708,09, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos [artigos 11º, 12º e 91º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
6- Citada para os termos do procedimento arbitral, a aqui autora apresentou contestação, em que deduziu reconvenção, concluindo pedindo a
a. a improcedência da acção; e
b. a procedência da reconvenção,
i. com a condenação da reconvinda a pagar à reconvinte a quantia de €3.760,06, acrescida de juros de mora calculados à taxa comercial desde a data da citação;
subsidiariamente, entendendo-se ser a aqui ré titular de um crédito perante a aqui autora,
ii. reconhecendo-se ser a reconvinte titular do referido crédito de €3.760,06 perante a reconvinda, e operando-se a correspondente compensação;
iii. reconhecendo-se ser a reconvinte titular perante a reconvinda de um crédito no montante de €39.406,74, acrescido de juros de mora contados à taxa legal, e operando-se a correspondente compensação [artigo 13º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
7- O procedimento arbitral seguiu os seus termos, tendo a produção de prova tido lugar nos dias 04 e 08 de Abril de 2022 [artigos 14º a 22º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
8- Por requerimentos de 12 e 26 de Abril de 2022, a aqui ré requereu a junção de diversos documentos ao procedimento arbitral, declarando destinarem-se a «fazer prova da razão de ciência e fundamentar os respectivos depoimentos das testemunhas inquiridas», e ainda a comprovar a veracidade das afirmações proferidas pelas testemunhas arroladas pela aqui requerida [artigos 23º e 25º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
9- Na sequência, a aqui autora declarou no processo arbitral considerar extemporaneamente apresentados os requerimentos da aqui ré, peticionando a sua não admissão, com o seu consequente desentranhamento [artigos 24º e 26º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
10- O tribunal arbitral, por despacho de 14 de Maio de 2022, fixou em 20 dias o prazo para a apresentação de alegações escritas pelas partes, e remeteu para o acórdão final a sua decisão quanto aos requerimentos acima referidos em 8- e 9- [artigo 27º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
11- Após apresentação das alegações escritas, a 30 de Setembro de 2022 o tribunal arbitral proferiu o seu acórdão [lavrado por maioria, com voto de vencido do Sr. Árbitro indicado pela aqui autora], no qual, entre o mais, admitiu a junção ao processo arbitral dos documentos apresentados pela aqui ré através dos requerimentos de 12 e 26 de Abril; considerou demonstrado, como ponto 31-, que da necessidade de construção de novos armários decorreu para a aí autora um acréscimo de custos de €44.800,00 + IVA, e, como ponto 37-, que a colocação de dosséis representou para a aí autora um custo de €18.179,50 + IVA; utilizou na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, entre o mais, documentos que haviam sido apresentados nos termos referidos em 8- [designadamente os documentos nº 04 a 06 juntos por requerimento de 26 de Abril de 2022]; e terminou pela condenação da aqui autora no pagamento de €86.948,03, acrescida de juros de mora contados, à taxa de 8%, desde 21 de Junho de 2021 [artigos 29º, 249º e 250º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
12- Na sequência de reclamação da aqui autora, o tribunal arbitral procedeu à reformulação da decisão arbitral, rectificando simples erros materiais, mas mantendo o conteúdo e alcance da condenação proferida, despacho que foi notificado às partes a 31 de Outubro de 2022 [artigos 30º a 32º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 8º e 9º da contestação].
13- O presidente do tribunal arbitral, CC, integra a lista de árbitros do Conselho Económico e Social, encontrando-se a sua actividade profissional indicada em https://ces.pt/perfis/CC... [artigo 37º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
14- O presidente do tribunal arbitral, CC, exerce actividade como árbitro no Centro de Actividade Administrativa, encontrando-se o seu curriculum vitae disponível em https://caad.org.pt/files/documentos/curricula/CAAD-CV-CC... [artigo 38º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
15- No site do “GabEECG – Gabinete de Educação para o Empreendedorismo e Cidadania Global”, o perfil do presidente do tribunal arbitral, CC, encontra-se disponível em https://globalskills.pt/CC... [artigo 39º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
16- Um resumo da actividade profissional do árbitro indicado pela aqui requerida, AA, encontra-se disponível no site da sociedade de advogados de que é sócio, denominada “N-Advogados”, concretamente em https://nadvogados.com/a-equipa/advogados/AA...; bem como está disponibilizado no site do Instituto de Arbitragem Comercial, concretamente em https://www.institutodearbitragemcomercial.pt/wp-content/uploads/2021/12/AA... [artigos 41º e 42º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
17- No site do Tribunal Arbitral do Desporto encontra-se disponível o curriculum vitae do árbitro indicado pela aqui requerida, AA, concretamente em https://www.tribunalarbitraldesporto.pt/files/curricula/TAD-CV-AA... [artigo 43º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
18- O mandatário da ré no processo arbitral, DD, advogado e fundador do escritório de advogados que gira sob a denominação “C...”, tem o seu curriculum vitae disponível em ... [artigo 44º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
19- O mandatário da ré no processo arbitral, DD, advogado e fundador do escritório de advogados que gira sob a denominação “C...”, tem o seu curriculum vitae igualmente disponível em ... [artigo 45º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
20- O mandatário da ré no processo arbitral, DD, e o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, ainda hoje integram a lista de árbitros do Tribunal Arbitral do Desporto, o que sucede desde Maio de 2015 [artigos 46º e 47º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
21- Entre Maio de 2015 e Novembro de 2017, o presidente do tribunal arbitral, CC, integrou a lista de árbitros do Tribunal Arbitral do Desporto [artigos 46º e 49º a 56º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 35º da contestação].
22- Entre 2015 e 2021, o mandatário da ré no processo arbitral, DD, e o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, integraram o colégio de árbitros do TAD no âmbito dos processos nsº 05/2015, 1/2016, 10/2016, 11/2016, 15/2016, 17/2016, 19/2016, 29/2016, 23/2017, 30/2017, 04/2018, 07/2018, 48/2018, 57/2018, 83/2018, 10/2019, 21/2019, 36/2019, 67/2019, 1/2020/, 8/2020, 15/2020, 10/2021 e 11/2021 [artigos 58º a 65º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
23- Em 2016 e 2017, o presidente do tribunal arbitral, CC, e o mandatário da ré no processo arbitral, DD, integraram o colégio de árbitros do TAD no âmbito dos processos nsº 4/2016 e 38/2017 [artigos 59º e 60º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 35º da contestação].
24- Em 2016 e 2017, o presidente do tribunal arbitral, CC, e o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, integraram o colégio de árbitros do TAD no âmbito dos processos nsº 12/2016, 10/2017, 31/2017 e 40/2017 [artigos 59º e 60º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
25- Desde a constituição do Tribunal Arbitral do Desporto, em 2015, e até 2022, o presidente do tribunal arbitral, CC, o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, e o mandatário da ré no processo arbitral, DD, integraram o colégio de árbitros do TAD em dezenas de processos [artigos 69º a 74º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
26- O presidente do tribunal arbitral, CC, o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, e o mandatário da ré no processo arbitral, DD, conhecem-se pelo menos desde 2015, tendo participado em processos arbitrais que correram termos no Tribunal Arbitral do Desporto [artigo 68º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 41º da contestação].
27- O presidente do tribunal arbitral, CC, o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, exercem funções como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa [artigo 75º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
28- O presidente do tribunal arbitral, CC, o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, e o mandatário da ré no processo arbitral, DD, são todos advogados [artigo 77º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
29- Na presente arbitragem e no âmbito do processo arbitral nº 02/2021, neste sendo partes a aqui ré e uma sociedade que integra o grupo económico a que a aqui autora também pertence, a aqui ré indicou o mesmo árbitro e constituiu o mesmo mandatário [artigo 82º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].
30- Os documentos nº 04 a 06 juntos pela aqui requerida ao procedimento arbitral com o seu requerimento de 26 de Abril de 2022 foram alterados por forma a omitir a indicação dos preços unitários dos produtos, dos preços globais e dos valores de IVA [artigos 259º e 260º da petição inicial; matéria parcialmente reconhecida no artigos 106º e 107º da contestação, e não impugnada no remanescente].
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Factos Não Provados
Não resultou provado, com relevância para a decisão a proferir, que:
a- apenas após 26 de Outubro de 2022 a aqui autora tenha tido conhecimento dos factos referidos em 13- a 29- da matéria de facto provada [artigos 34º e 35º da petição inicial; artigo 22º do articulado apresentado pela autora a 08 de Fevereiro de 2023 (referência nº 357052); matéria expressamente impugnada nos artigos 82º, 83º e 85º da contestação];
b- o presidente do tribunal arbitral, CC, o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, e o mandatário da ré no processo arbitral, DD, além do que consta em 22- a 27-, sejam amigos [artigos 84º e 85º da petição inicial; matéria expressamente impugnada nos artigos 78º e 79º da contestação];
c- o presidente do tribunal arbitral, CC, e o árbitro indicado pela aqui requerida, AA, se tratem por tu; se paguem reciprocamente almoços; as respectivas esposas sejam amigas; e convivam entre si [artigos 86º a 89º da petição inicial; matéria expressamente impugnada nos artigos 78º e 79º da contestação].
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Motivação
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se, quanto aos factos provados, essencialmente no acordo das partes, reforçado pela simples análise da documentação junta com a petição inicial; quanto aos factos não provados, aplicaram-se as regras do ónus da prova, na medida em que não foi produzido absolutamente nenhum meio de prova do qual se afigure possível retirar mínima referência a tal matéria.
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O Direito
A)
Escusado seria referi-lo, o nº 2 do artigo 209º da Constituição da República Portuguesa expressamente admite a possibilidade de criação de tribunais arbitrais, mecanismo que apenas em 1982 [na sequência da revisão constitucional aprovada pela Lei nº 1/82, de 30 de Setembro] re-adquiriu a dignidade constitucional que já antes havia merecido na Carta Constitucional de 1826 [artigo 127º], na Constituição de 1822 [artigo 194º] e na Constituição de 1838 [§3º do artigo 123º].
Mas, não obstante a inexistência de expressa regulação a este propósito nas Constituições de 1911 e 1933, e na primeira redacção da Constituição de 1976, nenhuma dúvida alguma vez se suscitou quanto à possibilidade de resolução vinculativa de litígios de natureza privada por meio da intervenção decisora de terceiros, também privados, exteriores ao conflito – a matéria mostrava-se prevista em lei infra-constitucional, em concreto no Código de Processo Civil [artigos 1561º a 1580º do Código de Processo Civil de 1939; artigos 1511º a 1528º do Código de Processo Civil de 1961].
No fundo, sempre esteve latente, mesmo quando o monopólio estatal na administração da justiça parecia querer abafar qualquer outra forma alternativa de resolução de litígios jurídico-privados, o antigo costume de confiar a questão controvertida à decisão de terceiro da confiança dos litigantes - séculos atrás, era frequente a entrega da resolução do caso a um vizinho das pessoas em conflito, ou a alguém de ilustre reputação no meio; em todo o caso, a alguém em quem os litigantes confiavam, em quem reconheciam competência, capacidade e independência para tomar uma decisão vinculativa.
Ora, é obviamente esta confiança na independência e isenção na tomada da decisão que constitui a base estrutural de qualquer forma de composição de litígios jurídico-privados – dificilmente algum sistema logrará alcançar a sua finalidade e perdurar caso não consiga transmitir pelo menos a aparência de independência, isenção e competência dos que personificam a aplicação do Direito, ingrediente necessário à real pacificação da questão litigiosa através da racionalidade e da argumentação como meio apto a conduzir os litigantes à aceitação do decidido.
O sistema estadual de administração da Justiça, como é sabido, procura garantir a confiança dos destinatários da sua actuação através de um mecanismo de impedimentos e incompatibilidades adaptado e adaptável às especificidades de cada caso concreto [artigos 115º, 117º e 120º, todos do Código de Processo Civil; artigos 39º, 40º e 43º do Código de Processo Penal], lado a lado com a criação de uma carreira autónoma e tendencialmente estanque para os aplicadores do Direito, recheada de deveres de conduta e garantias [artigos 203º e 215º a 217º da Constituição da República Portuguesa; artigos 4º a 7º-E, 8º-A, 19º, 20º e 22º do Estatuto dos Magistrados Judiciais], assim procurando assegurar que o único móbil da sua actuação constitua a concretização da ideia de Justiça – por essa via procurando gerar a imprescindível confiança na comunidade.
«Se o empenho da parte é fazer triunfar um determinado interesse, o empenho do juiz tem de ser e deve ser assegurar o triunfo do interesse da justiça. A justa composição da lide, na fórmula de Carnelutti, é o fim último da função processual; ora, para que o juiz esteja em condições de resolver o conflito em conformidade com a justiça, torna-se necessário que sobre o seu ânimo e sobre o seu espírito nenhuma influência possa exercer qualquer dos interesses particulares em conflito. (…) De maneira quando, por qualquer circunstância especial, os interesses particulares em litígio são susceptíveis de comprometer a imparcialidade do julgador, de o afastar da linha honesta da justa composição da lide, estamos em presença de um caso de inidoneidade ou incapacidade do órgão jurisdicional» [Prof. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, volume I, 2ª edição, Coimbra Editora, 1960, página 388].
Obviamente que a total indiferença e cegueira do julgador aos concretos interesses que no processo se enfrentam é realidade que não existe – o juiz (e, obviamente, o árbitro) é naturalmente pessoa com um passado e um contexto, tem as suas propensões e inclinações, as suas opiniões e visões sobre o que é e o que deve ser.
Mas não é essa óbvia característica inerente a ser-pessoa que é susceptível de interferir com a estrutura e bom funcionamento de um sistema de aplicação do Direito.
O fundamento da regulamentação especificamente a este propósito criada para o corpo estadual de juízes antes reconduz-se à procura de uma linha de protecção à confiança no idóneo exercício da judicatura, prevenindo casos em que as circunstâncias em presença sejam susceptíveis de afectar a rectidão e o juízo de imparcialidade e equidistância do julgador, turbando-o na procura da simples aplicação do Direito como meio para a realização da Justiça.
O desafio que se abre à regulamentação do mecanismo alternativo de composição de litígios jurídico-privados que a arbitragem constitui, na medida em que naturalmente privada da garantia dada pela criação e manutenção de uma carreira profissional autónoma e independente de aplicadores do Direito, mas porque se pretende que constitua meio credível e idóneo naquela função, precisamente reside na densificação prática dos mecanismos de controlo e fiscalização dos elementos que, tanto na perspectiva comunitária como na dos utilizadores que a ele recorrem, são susceptíveis de perturbar a confiança de que os árbitros acturarão movidos por preocupações e considerações exclusivamente jurídicas.
Do que resulta que, no caso dos autos, em causa está saber em que termos e por que modo podemos afirmar que a actuação de um árbitro é razoavelmente susceptível de ser considerada afectada na sua independência e/ou imparcialidade [nº 3 do artigo 9º da Lei da Arbitragem Voluntária] – mostre-se ou não em concreto tal afectação, ou sinta-o ou não o árbitro em concreto.
É neste contexto que os nº 1 e 2 do artigo 13º da Lei da Arbitragem Voluntária devem ser compreendidos – enquanto mecanismo de controlo da confiança, comunitária e das partes, na independência e isenção da actuação dos árbitros.
Utilizando um discurso caro à dogmática jurídico-penal dos últimos 40 anos, tratar-se-á de definir as circunstâncias em abstracto susceptíveis de revelar o perigo de lesão do bem jurídico independência e imparcialidade na actuação dos árbitros – isto é, de circunstâncias que, segundo a normalidade do acontecer e tendo em conta o critério de uma pessoa dotada de razoável sensibilidade, capacidade, sensatez e entendimento, actuando de forma prudente e de boa fé, colocada na posição dos concretos litigantes, se considerem susceptíveis de conduzir à perda da confiança no agir dos árbitros de forma equidistante entre os interesses das partes (actuação imparcial), e/ou de forma alheia a pressões externas (actuação independente) [formulação muito próxima da proposta por António Sampaio Caramelo, in “Direito da Arbitragem – Ensaios”, Livraria Almedina, Lisboa, 2017, página 115].
E mecanismo de controlo que antes de mais se dirige aos árbitros – é sobre o árbitro que em primeira linha impende o dever de avaliar e revelar qualquer circunstância que possa suscitar dúvida quanto à sua actuação [nºs 1 e 2 do artigo 13º da Lei da Arbitragem Voluntária; artigo 10º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, disponível em https://www.centrodearbitragem.pt/xms/files/Legislacao/1abr2021-Regulamento-de-Arbitragem.pdf].
Claro que a delimitação em abstracto do conceito constitui apenas um primeiro passo da aproximação ao critério que permitirá em concreto aferir o que está não sujeito ao dever de revelação – primeiro passo ainda assim determinante, na medida em que baliza o horizonte da análise.

O dever de revelação não abrange toda e qualquer circunstância, mas apenas, na letra da lei, a susceptível de originar fundada dúvida – ou seja, não será toda aquela que no espírito do tal terceiro razoável e sensato seja apta a gerar uma qualquer desconfiança, mas apenas a que esse terceiro, de forma óbvia, imediata e segura, logo associe a uma forte possibilidade de influência indevida na actuação dos árbitros.
E, razoavelmente, muitas dessas circunstâncias reconduzir-se-ão aos casos que, para o corpo de juízes estaduais, justificam o afastamento no âmbito do processo civil – artigos 115º, 117º e 120º, todos do Código de Processo Civil [atenta a equiparação no exercício da função de julgar que a própria lei estabelece entre árbitros e juízes, este não pode deixar de constituir um ponto a considerar. E foi de facto esta a essencial opção na matéria tomada pela lei antiga – artigo 10º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto].
A que acrescerão os casos em que o árbitro possui ou possuiu um qualquer interesse económico, ainda que lateral, quanto ao próprio sentido da decisão a proferir; ou ainda aqueles em que um árbitro, antes ou no decurso do processo, tenha publicamente exprimido uma opinião favorável ou desfavorável relativamente às pessoas e/ou actividades dos litigantes; etc.
Obviamente, para a questão que nos ocupa em nada interessa o acerto ou desacerto na condução do processo ou o concreto conteúdo ou mérito da decisão final – a (in)competência ou (im)preparação dos árbitros para a análise e decisão da questão submetida à sua apreciação, se em tese será sucesptível de influir na medida da confiança pública no mecanismo da arbitragem, absolutamente nada tem que ver com a independência e imparcialidade da actuação do tribunal arbitral.
Seja como for, reconhece-se que a definição do âmbito e limites do dever de revelação, atenta a multiplicidade das situações pensáveis, não pode deixar de ser feita casuisticamente – embora sempre tendo presente a função do instituto.
E é por isso tentador o recurso a instrumentos de soft law elaborados no âmbito de instituições que internacionalmente se dedicam ao estudo/organização/implementação da actividade arbitral, independentemente de não constituírem normas jurídicas, nem por princípio [ressalvado acordo das partes] possuírem força vinculativa entre nós [exemplo dessas recomendações serão as regras propostas pela International Bar Association (disponíveis em https://www.ibanet.org/MediaHandler?id=e2fe5e72-eb14-4bba-b10d-d33dafee8918), pela Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (disponíveis em https://www.icc-portugal.com/Servicos/arbitragem), ou pelo Club Español del Arbitrage (disponíveis, na versão portuguesa, em https://www.clubarbitraje.com/wp-content/uploads/2019/01/C%C3%B3digo-de-Boas-Pr%C3%A1ticas-em-Arbitragem-do-CEA-1.pdf), pela autora referidas nos artigos 98º a 103º, 120º, 125º a 131º, 154º a 158º da sua petição; ou mesmo os códigos deontológicos fixados pela Associação Portuguesa de Arbitragem (disponível em https://www.arbitragem.pt/pt/conselhos/Conselho-de-Deontologia/28/), pelo Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (disponível em https://www.centrodearbitragem.pt/pt/legislacao-e-jurisprudencia/) ou do Centro de Arbitragem Administrativa (disponível em https://www.caad.org.pt/legislacao). E que entre nós até já mereceram o acolhimento e aplicação em decisões dos tribunais superiores – veja-se, por exemplo, o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão de 11 de Fevereiro de 2020, processo nº 1577/18.0YRLSB-1].

Aqui chegados, e enquadrada a regra jurídica invocada pela autora como essencial fundamento do seu pedido, há que enfrentar a primeira questão colocada – terão o presidente do colégio dos árbitros e o árbitro indicado pela aqui ré [ou ainda, por hipótese, o Exmº. Mandatário constituído pela ré no âmbito do processo arbitral] violado o dever de revelação cujo cumprimento lhes estava imposto pelo artigo 10º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e pelo artigo 13º da Lei da Arbitragem Voluntária ?
A resposta não pode deixar de ser claramente negativa.
Veja-se como dos pontos 13- a 28- da matéria de facto provada resulta, tão somente, que os árbitros em causa e o Exmº. Mandatário que representou a aqui ré no processo arbitral, sendo advogados (sem se conhecer qualquer situação que no exercício dessa função tenham interagido entre si), exerceram e exercem actividade como árbitros, em conjunto e/ou separadamente, em diversas outras instituições que se constituem como centros alternativos de composição de conflitos – actividade como árbitros em que não se pode deixar de presumir terem actuado de forma imparcial e independente.
Nada mais.
Desconhece-se sequer a forma como tal actividade arbitral em concreto foi exercida, ou o modo como os árbitros em causa nestes autos em tal âmbito interagiram ou se relacionaram entre si; desconhece-se mínima ligação de algum desses mesmos árbitros a qualquer das partes litigantes no processo; desconhece-se mínimo interesse de qualquer dos referidos árbitros no desfecho deste concreto litígio.
A situação demonstrada não se mostra prevista em nenhuma das regras de soft law acima indicadas como consubstanciando caso sequer duvidoso.
E, recuperando o critério acima enunciado, afigura-se óbvio que qualquer terceiro minimamente sensato e razoável, normalmente diligente e inteligente, colocado na posição de qualquer das partes no início ou no decurso do processo arbitral, a ter sido informado de qualquer dos factos vertidos nos pontos 13- a 28- da matéria de facto provada, não suscitaria mínima reserva quanto à actuação independente e imparcial de algum dos árbitros no caso em presença – da mesma forma que obviamente não constitui causa de impedimento, recusa, escusa ou suspeição, no que ao corpo de juízes estadual respeita, a circunstância de determinados magistrados terem em conjunto exercido funções em múltiplas ocasiões.
Não se mostra desrespeitada a norma consagrada no nº 3 do artigo 10º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e no nº 2 do artigo 13º da Lei da Arbitragem Voluntária.

B)
Não oferece dúvida a força estruturante do princípio da igualdade nas diversas facetas em que se desdobra a nossa vivência comunitária, evidentemente desde logo face às normas jurídicas que regulam aquela e perante os organismos que aplicam estas – administração e tribunais estaduais incluídos.
Óbvio, os tribunais arbitrais não fogem a esta regra – alínea b) do nº 1 do artigo 30º da Lei da Arbitragem Voluntária.
Adere-se sem reserva, por isso, aos considerandos a este propósito vertidos nos artigos 166º a 183º da petição inicial.
Já de todo não se concorda que uma qualquer relação de proximidade entre 2 dos árbitros do colégio arbitral, inexistente relativamente ao 3º árbitro, necessariamente configure violação do princípio da igualdade.
E, muito menos, que da relação de proximidade alegada e em concreto demonstrada nos autos entre o presidente do colégio dos árbitros e o árbitro indicado pela aqui ré [recorde-se, ambos exercem actividade profissional como advogados e intervieram conjuntamente como árbitros em inúmeros processos arbitrais, indicados por diversos interessados] decorra constrangimento do mesmo princípio da igualdade – pelo simples motivo de a garantia de tratamento igual num concreto processo ser antes de mais dada pelos pressupostos de independência e imparcialidade, acima analisados, enquanto traduzidos na actuação dos árbitros de modo livre de pressões externas injustificadas e equidistantes face aos interesses das partes.
A anterior prática em conjunto de uma actividade, ainda que profissional, por parte de alguns dos árbitros, por si só absolutamente não só nada nos diz quanto a alguma propensão dos árbitros para o tratamento injustificadamente diferenciado das partes.
Com todo o devido respeito, inexiste mínimo fundamento na alegação.

C)
Mais uma vez, adere-se sem reserva à exposição pela autora feita, nos artigos 189º a 199º da sua petição inicial, quanto ao respeito do princípio do contraditório enquanto garantia de um processo justo e equitativo.
O contraditório, de facto, postula que nos vários momentos do processo [na alegação de facto e de direito; na aquisição e produção de prova] seja por princípio garantido às partes o mais amplo espaço de participação, apenas limitado pela razoabilidade prática de finalizar o processo em tempo útil com uma decisão de mérito.
A autora insurge-se quanto à decisão do colégio de árbitros de admitir a documentação pela aqui ré junta com os seus requerimentos de 12 de Abril de 2022 e 26 de Abril de 2022, considerando-a violadora do princípio do contraditório.
Mas obviamente sem razão.
Em primeiro lugar cumpre recordar que as regras jurídicas a que o tribunal arbitral estava em primeira linha vinculado seriam as que resultaram da convenção das partes, descritas no acto de instalação [junto aos autos enquanto parte do documento nº 4].
Quanto ao que nos autos releva, a 14ª regra processual acordada previa que, sem prejuízo de o tribunal arbitral admitir posteriores alterações, os documentos deveriam acompanhar os articulados.
Subsidiariamente aplicar-se-iam sucessivamente as regras previstas no Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa [recorde-se, disponível em https://www.centrodearbitragem.pt/xms/files/Legislacao/1abr2021-Regulamento-de-Arbitragem.pdf], a Lei da Arbitragem Voluntária e o Código de Processo Civil.
Portanto, a norma em primeira linha aplicável não seria o artigo 423º do Código de Processo Civil, mas a 14ª regra processual fixada no acto de instalação – e este abria àquele concreto tribunal arbitral a faculdade de admitir qualquer documento não apresentado com os articulados.
Por outro lado, deve dizer-se que, na matéria, a decisão foi tomada por unanimidade dos árbitros, incluindo o que foi nomeado por indicação da aqui autora [o que a aqui autora parece não ter em conta, designadamente nos artigos 202º, 212º, 218º, 236º, 242º, 245º, 247º e 248º da sua petição inicial] – basta ler o voto de vencido lavrado para constatar que pelo próprio Sr. Árbitro indicado pela aqui autora nenhuma objecção foi suscitada quanto à admissibilidade, designadamente pelo momento processual em que foram apresentados e à finalidade que lhes foi adstrita pela aqui ré, dos documentos em questão [o voto de vencido principia com a seguinte menção: «vou incidir unicamente a minha posição sobre os assuntos em que não estou de acordo, e denunciar algumas omissões que o acórdão não releva». E não faz qualquer referência à junção tardia dos documentos].
Mas as anteriores constituirão considerações acessórias.
Essencial ao que nos ocupa será que os documentos em questão foram claramente admitidos com audiência contraditória da aqui autora – isto é dando-se à aqui autora a possibilidade de se pronunciar quanto à sua admissibilidade e força probatória [tanto assim que a aqui autora sobre ambas matérias se pronunciou – ponto 9- da matéria de facto provada].
Aliás, ao contrário do que parece transparecer da alegação da aqui autora [concretamente dos artigos 205º e 244º da petição inicial], e como resulta do despacho nº 11 do tribunal arbitral junto aos autos integrado no documento nº 7, os documentos em questão foram apresentados num momento em que se encontrava pendente a inquirição de uma testemunha [com a recolha do seu depoimento agendada para 17 de Maio de 2022] indicada precisamente pela aqui autora, meio de prova de que esta veio a prescindir, apenas por esta decisão resultando que a apresentação dos referidos documentos se reconduziu ao último meio de prova produzido no processo.
Obviamente, nada tornou impossível o confronto de uma qualquer testemunha com os documentos tardiamente apresentados.
Obviamente, nada obstou a que a aqui autora, confrontada com a apresentação, simplesmente requeresse a re-inquirição de qualquer testemunha, ou nova inquirição, como meio de afastar a força probatória de qualquer dos documentos em causa, designadamente ao abrigo de qualquer dos incidentes previstos nos artigos 444º a 449º do Código de Processo Civil.
Obviamente, se a aqui autora não o fez foi porque decidiu não tomar essa opção - mas não consta que a mera possibilidade lhe tenha sido negada.
E é essa a essência do princípio da audiência contraditória – a simples possibilidade de recorrer aos mecanismos legalmente previstos para retirar crédito aos meios de prova apresentados pela parte contrária, designadamente apresentando outros como contraprova.
A pergunta que a aqui autora formula no artigo 216º da sua petição inicial merece uma óbvia e linear resposta – requerendo a re-inquirição das testemunhas já inquiridas; requerendo a inquirição de novas testemunhas; requerendo a junção de outros documentos; etc; etc.
Saber se os documentos em questão foram bem ou mal admitidos, se a admissão desrespeita ou não a lei aplicável [questão a que a aqui autora se dedica a dilucidar nos artigos 229º a 237º da sua petição] obviamente constitui questão que transcende o cumprimento/desrespeito do princípio do contraditório – e, quanto a este, repete-se, nada no processo indicia que a autora tenha sido privada de se pronunciar quanto à admissibilidade e força probatória dos documentos, ou impedida de abalar o seu crédito através de outros meios de prova.
Claramente não ocorre a violação do princípio do contraditório.

D)
É certo que o ponto vi) do nº 3 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária fere de invalidade a decisão arbitral que viole o disposto nos nº 1 e 3 do artigo 42º do mesmo diploma, regras estas que estabelecem a obrigatoriedade de a decisão arbitral ser assinada pelos árbitros (nº 1), e de, por princípio, ser fundamentada (nº 3).
Escusado seria dizê-lo, o dever de fundamentação das decisões constitucionalmente imposto [nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa] constitui decorrência da própria natureza do Estado de Direito enquanto mecanismo de pacificação de conflitos fundado no rule of law.
Assim, a transparência dos fundamentos de cada decisão constitui o pilar nuclear da sua legitimidade democrática, permitindo a qualquer interessado compreender os motivos e o racional do decidido, enquadrando este no conjunto de normas gerais e abstractas que integram o ordenamento jurídico vigente [«o dever de fundamentação explica-se pela necessidade de justificação do exercício do poder estadual, da rejeição do segredo nos atos do Estado, da necessidade de avaliação dos atos estaduais, aqui se incluindo a controlabilidade, previsibilidade, fiabilidade e a confiança nos atos do Estado» - Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, volume II, 4ª edição, Coimbra Editora, 2010, página 527].
É pela fundamentação que os destinatários da decisão a compreendem, e a ela aderem ou dela discordam, lançando mão dos mecanismos processualmente legitimados.
Pelo que antes de mais essencial é que, independentemente do seu específico conteúdo, seja compreensível enquanto norma-de-um-caso-concreto, enquanto regra gerada pela harmonização das especificidades da situação de facto a que se pretende aplicar com a generalidade e abstracção características das normas que concorrem para a solução jurídica encontrada.
Só a possibilidade da compreensão no caso concreto respeita o valor de legitimação ínsito ao cumprimento do dever de fundamentar.
Esta é a razão de ser das causas de invalidade consagradas, tanto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, como no ponto vi) do nº 3 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária – uma decisão que não indique os seus fundamentos, ou em que os elementos indicados como fundamento se contrariem frontalmente entre si ou contrariem a decisão proferida, ou em que não é razoavelmente compreensível o sentido do(s) comandos(s) que encerra, realiza o absoluto oposto da legitimação democrática [e por isso se concorda com a autora quando afirma (artigo 287º da petição inicial) que a «fundamentação há-de ser feita em termos de permitir o entendimento que levou a que os Srs. Árbitros tenham considerada a matéria como provada»].
Mas inquestionável será, também, que a omissão de fundamentação não se reconduz a fundamentação deficiente, seja por insuficiência, mediocridade ou erroneidade.
Entre a fundamentação cabal e completa e a sua omissão existe uma terceira hipótese – e, conforme doutrina [Prof. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 1981, volume V, página 140, referência doutrinal precisamente citada pela ré no artigo 132º da sua contestação] e jurisprudência de há dezenas de anos absolutamente pacífica dos nossos tribunais superiores, apenas a absoluta falta de fundamentação integra a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil [cfr, a título meramente exemplificativo, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 02 de Junho de 2016, processo nº 781/11.6TBMTJ.L1S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/].
O acerto ou desacerto da fundamentação adiantada, ou a sua deficiência, constitui questão diversa, que não cabe no campo dos vícios geradores de nulidade, mas no domínio de eventual erro de julgamento.
O mesmo entendimento não pode deixar de valer quanto à decisão arbitral, sob pena de tratamento diverso injustificado de situação materialmente idêntica.
Aliás, por maioria de razão, na medida em que o nº 9 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária veda ao tribunal estadual a possibilidade de apreciar o mérito da questão de facto ou de direito suscitada perante o tribunal arbitral, admitir a anulação da decisão arbitral com base em simples erro de julgamento corresponderia a permitir ao tribunal estadual a avaliação do mérito do decidido – o que, repete-se, se mostra expressamente vedado.
Claro que uma argumentação notoriamente fantasiosa [por exemplo absurdo, a ré deve pagar porque o céu é azul] ou desconexa [novamente por exemplos absurdos, num litígio relativo ao cumprimento de um contrato de empreitada aplicar as regras relativas ao instituto da servidão legal de águas; ou justificar a decisão quanto à matéria de facto com o depoimento de pessoas que não foram inquiridas] não pode deixar de equivaler a falta de fundamentação.
Mas evidentemente sai-se desse âmbito quando se discute a força probatória de um meio de prova que o tribunal acolheu e que a parte não aceita que devesse ter sido acolhido.
Ora, ao longo de 101 penosos artigos [292º a 393º] do articulado inicial, a autora dedica-se a, como afirma no artigos 289º e 290º da sua petição, demonstrar que toda a prova produzida aponta no sentido da não demonstração dos elementos factuais necessários para suportar a sua condenação.
Ou seja, a fundamentação adiantada pelo tribunal arbitral para a sua decisão existe, é intrinsecamente coerente e a autora compreendeu-a, na perspectiva desta apenas devendo ser recusada pela consideração da concreta força probatória da globalidade dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento – o que naturalmente equivale a imediatamente dizer que em causa apenas está a discordância da aqui autora quanto ao peso e significado dos meios de prova produzidos.
Logo, a decisão do tribunal arbitral não se mostra ferida de invalidade por falta de fundamentação.
A acção improcede.

Não se vislumbra actuação processual indevida censurável de qualquer das partes – a ré logrando vencimento de causa sem se detectar dolo instrumental; a autora limitando-se a esgrimir em juízo o seu particular entendimento quanto ao sentido e alcance de normas jurídicas [ou seja, razoavelmente apenas exercendo o seu direito de acção].
Improcedem os pedidos de condenação de qualquer das partes como litigante de má fé, reciprocamente formulados.
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Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente a presente acção.
Fixa-se em €90.708,09 o valor da causa – nº 1 do artigo 296º, nºs 1 e 2 do artigo 301º, e artigo 306º, todos do Código de Processo Civil.

Custas a cargo da autora – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Notifique.



Porto, 29/6/2023
António Carneiro da Silva
Isabel Ferreira
Deolinda Varão