Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
469/14.6T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IRREGULARIDADE DA CONVOCAÇÃO
SANAÇÃO DOS VÍCIOS
PRESENÇÃO DE CONDÓMINO NA ASSEMBLEIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
DOCUMENTOS DISPONÍVEIS NA ASSEMBLEIA
Nº do Documento: RP20161205469/14.6T8MAI.P1
Data do Acordão: 12/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 638, FLS.212-220)
Área Temática: .
Sumário: I - Os vícios na irregularidade da convocação da assembleia de condóminos contaminam as deliberações assumidas pelos condóminos presentes, aplicando-se o regime regra, da anulabilidade, considerando-se sanados no caso de tais deliberações não terem sido tempestivamente impugnadas.
II - Tendo o autor estado presente na assembleia, apresentando propostas e participando nas votações sem invocar qualquer irregularidade da convocatória, designadamente por falta de cumprimento de prazos, os eventuais vícios de convocação consideram-se definitivamente sanados.
III - No que respeita ao dever de informação por parte do administrador do condomínio, revela-se essencial a averiguação sobre se existiu disponibilidade para prestar os esclarecimentos necessários, nomeadamente através da apresentação da documentação pretendida, ocorrendo a violação do dever de informação apenas nos casos de recusa.
IV - Encontrando-se disponíveis no local de realização da assembleia, os documentos referentes à apresentação de contas, não tendo o autor manifestado a vontade de os consultar, apesar de instado para o efeito por outros condóminos presentes, não se poderá concluir pela alegada violação do seu direito de informação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 469/14.6T8MAI.P1

Sumário do acórdão:
I. Os vícios na irregularidade da convocação da assembleia de condóminos contaminam as deliberações assumidas pelos condóminos presentes, aplicando-se o regime regra, da anulabilidade, considerando-se sanados no caso de tais deliberações não terem sido tempestivamente impugnadas.
II. Tendo o autor estado presente na assembleia, apresentando propostas e participando nas votações sem invocar qualquer irregularidade da convocatória, designadamente por falta de cumprimento de prazos, os eventuais vícios de convocação consideram-se definitivamente sanados.
III. No que respeita ao dever de informação por parte do administrador do condomínio, revela-se essencial a averiguação sobre se existiu disponibilidade para prestar os esclarecimentos necessários, nomeadamente através da apresentação da documentação pretendida, ocorrendo a violação do dever de informação apenas nos casos de recusa.
IV. Encontrando-se disponíveis no local de realização da assembleia, os documentos referentes à apresentação de contas, não tendo o autor manifestado a vontade de os consultar, apesar de instado para o efeito por outros condóminos presentes, não se poderá concluir pela alegada violação do seu direito de informação.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 9.10.2014, B… instaurou na Instância Local da Maia, Secção Cível (J-5) ação de condenação, sob a forma de processo comum, contra
I - Condomínio do Edifício C…, representado pelo seu administrador D…;
II – Condóminos presentes na assembleia de 27/04/2014:
A) E…;
B) F…;
C) G…;
D) H…;
E) I…;
F) J…;
H) D…;
I) L…;
J) M…;
K) N…;
L) O…;
M) P…;
N) Q…;
O) S…;
P) T…;
Q) U…; e
R) V….
Na petição o autor formula os seguintes pedidos:
a) que sejam consideradas preteridas as formalidades de convocação para a Assembleia de Condóminos de 27/04/2014, determinando tal irregularidade a anulação das deliberações tomadas em tal Assembleia;
b) que seja considerada como incumprida a obrigação de comunicação das deliberações aos condóminos ausentes, pelo que não poderão ser consideradas as deliberações tomadas como definitivas, não cabendo assim aos condóminos a obrigação de cumprimento das mesmas.
c) que seja declarado que não foram devidamente prestadas as contas referentes ao ano de 2013, pelo que tal falta de prestação, acarreta a anulação da deliberação referente à aprovação das mesmas;
Como fundamento da sua pretensão, alega o autor em síntese: é proprietário da fração autónoma designada pelas letras “AT”, correspondente a uma habitação no sexto piso, no número …, com entrada pelos n.ºs .. da Rua … e .. da …, Maia; os segundos réus são os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 27 de Abril de 2014, e assim deram lugar à aprovação das mesmas; a referida assembleia não foi convocada respeitando, quer o prazo, quer os meios legais, constantes do n.º 1 do art.º 1432º do Código Civil, nomeadamente, com envio de carta registada com aviso de receção, quer através de aviso convocatório, com o respetivo recibo, em relação a todos os condóminos, como deveria tê-lo sido; não foi remetida aos condóminos ausentes, da referida assembleia, através de carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias, as deliberações tomadas, como já era hábito em situações anteriores; o ponto um da assembleia extraordinária visava a apresentação da contas do ano de 2013 e, embora não referido diretamente a aprovação das mesmas; para aprovação de contas é necessário que os condóminos possam, atempadamente, verificar as mesmas, devendo no mínimo ser entregue a cada condómino um relatório ou mapa das contas, para que, aí sim, em caso de fundada dúvida possa verificar a demais documentação, nomeadamente faturas, recibos e outros; os condóminos e, particularmente, o autor não tiveram acesso atempado a qualquer relatório ou mapa de contas relativo ao ano de 2013, que lhe permitisse verificar as contas, para posterior aprovação; a aprovação de contas das quais não se tem qualquer informação ou pelo menos a informação mínima necessária, para ter conhecimento do que se aprova, é sem dúvida contrária a lei, não sendo exigível aos condóminos, nomeadamente ao A. que passe um “cheque em branco”; se os demais condóminos que aprovaram as contas confiam plenamente na administração, não entendendo ser necessário o mínimo de prova documental e de esclarecimentos para aprovação das referidas contas, tal não pode ser exigível ao autor.
Devidamente citados, os réus não contestaram.
Por despacho de 18.05.2015, foram declarados confessados os factos alegados pelo autor suscetíveis de confissão.
O autor apresentou as suas alegações, após o que, em 8.06.2015 foi proferida sentença, na qual:
i) se declarou verificados todos os pressupostos processuais, com exceção da legitimidade passiva do Condomínio do Edifício C…, decidindo-se quanto a esta matéria: «Conclui-se, pois, pela ilegitimidade do Condomínio do Edifício C… como Réu na presente acção, mantendo-se a legitimidade passiva apenas quanto aos demais Réus, enquanto condóminos que votaram favoravelmente as deliberações cuja anulação o Autor pretende. Julgo, assim, Condomínio do Edifício C… como parte ilegítima na presente acção, prosseguindo a acção apenas com os demais Réus
ii) se julgou a ação improcedente, absolvendo-se os restantes réus do pedido.
Não se conformou o autor, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais, formaliza as seguintes conclusões:
a) Resultaram provadas as irregularidades invocadas pelo recorrente na sua petição inicial, nomeadamente que:
• a referida assembleia não foi convocada com 10 dias de antecedência nem através do envio de carta registada com aviso de receção ou através de aviso convocatório, com o respetivo recibo, em relação a todos os condóminos;
• não foram remetidas aos condóminos ausentes da referida assembleia, através de carta registada com aviso de receção e no prazo de 30 dias, as deliberações tomadas na mesma;
• Não foi entregue a cada condómino um relatório ou mapa das contas relativo ao ano de 2013, quando o ponto um da assembleia extraordinária visava a apresentação da contas do ano de 2013 e a aprovação das mesmas.
b) As exigências dos formalismos omitidos se encontram previstas, nomeadamente no n.º 1 e 6 do art.º 1432º e alínea j) do art.º 1436º, todos do Código Civil.
c) A não efetivação ou cumprimento das formalidades legais constitui causa de anulação das deliberações tomadas na assembleia geral diretamente relacionada com as formalidades incumpridas ou omitidas.
d) Assim sendo, não poderá colher argumentação que entenda que o incumprimento ou omissão de tais formalidades é sanada pela mera presença do impugnante na Assembleia de Condóminos em causa.
e) Tanto mais que, resulta claro que o incumprimento ou omissão de tais formalidades penalizou o recorrente restringindo o exercício do direito deste a preparar-se, informando-se e verificando documentação, para a respetiva Assembleia.
f) Mais, ainda que não recebeu o mesmo resposta, conforme consta da acta, à reunião solicitada para consulta do documentação, antes da realização da assembleia.
g) Assim sendo, verificadas os incumprimentos das exigências legais deverá, consequentemente, ser determinada a anulação das deliberações contantes da acta n.º 28 de 27/04/2015, nos termos peticionados pelo Autor na sua petição inicial.
Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, alterar-se a decisão do tribunal de 1ª instância nos termos expostos, assim se fazendo a sempre esperada e merecida JUSTIÇA.
O réu Q… faleceu na pendência da ação (em 26.05.2015), tendo sido habilitados os sucessores.
Os recorridos não apresentaram resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) saber se os alegados vícios na convocação da assembleia ficaram sanados com a presença do autor e com a sua intervenção na discussão e na votação das propostas, sem suscitar a irregularidade da convocação; ii) saber se ocorreu violação do dever de informação por parte da administração, face à presença dos documentos e à recusa do autor na sua análise na assembleia.

2. Fundamentos de facto
Na sentença recorrida considerou-se provada a seguinte factualidade relevante:
1º- O autor é proprietário da fração autónoma designada pelas letras “AT”, correspondente a uma habitação no sexto piso, no número …, com entrada pelos n.ºs .. da Rua … e .. da ….
2º- Os segundos réus são os condóminos que votaram favoravelmente às deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 27 de Abril de 2014, e assim deram lugar à aprovação das mesmas.
4º- Em 27 de Abril de 2014 realizou-se uma Assembleia Extraordinária de condóminos, a qual deu lugar às deliberações constantes da ata n.º 28, junta de fls. 18 a 19 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5º- A referida assembleia não foi convocada com 10 dias de antecedência nem através do envio de carta registada com aviso de receção ou através de aviso convocatório, com o respetivo recibo, em relação a todos os condóminos.
6º- Não foram remetidas aos condóminos ausentes da referida assembleia, através de carta registada com aviso de receção e no prazo de 30 dias, as deliberações tomadas na mesma.
7º- O ponto um da assembleia extraordinária visava a apresentação da contas do ano de 2013 e a aprovação das mesmas.
8º- Não foi entregue a cada condómino um relatório ou mapa das contas relativo ao ano de 2013.
9º- O Autor na referida assembleia votou contra a aprovação das contas de 2013.
10º- O A. no prazo de 10 dias contados da deliberação requereu através de carta registada com aviso de receção junta a fls. 20 a 21 e que aqui se dá por reproduzida, a marcação de uma nova assembleia extraordinária, com a mesma ordem de trabalhos da anterior.
11º- A administração da ré, apesar de ter rececionado a missiva do autor, não procedeu à marcação de qualquer assembleia extraordinária.
Transcreve-se na íntegra a ata da reunião em causa:
«ACTA N.º 28
Aos vinte e sete dias do mês de Abril de dois mil e catorze, pelas dezassete horas e trinta minutos, teve lugar a assembleia extraordinária de condóminos do prédio em regime de propriedade horizontal sito na rua … n.º …, na sala de condomínio. Esta assembleia foi convocada pela administração do condomínio, estando presentes os proprietários ou legais representantes, trezentos e setenta e oito, oitenta por cento de permilagem de condomínio, verificando-se existência do quórum necessário à tomada de deliberações, passou-se à ordem de trabalhos:
Deu-se início à reunião com o administrador e presidente da reunião, D…, agradecendo a presença de todos e questionando se todos estavam em posse dos documentos entregues para se poder prosseguir, sendo a resposta positiva, avançou-se na reunião seguindo a ordem de trabalhos.
Ponto um - Apresentação de contas de dois mil e treze - O administrador D… iniciou este ponto, interrogando a assembleia se esta tinha alguma questão/dúvida sobre os documentos referentes a este ponto, tendo o proprietário da fração AT questionado o valor em débito á W…, empresa de manutenção de elevadores, o presidente da assembleia explicou que o valor da dívida a esta data é de três mil quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e um cêntimos, mais lembrou que a forma de pagamento desta divida foi decidida em dois mil e onze, por isto aconselhou a leitura da ata n.º 23, onde a decisão foi votada a favor por unanimidade, tendo de seguida reafirmado que toda a documentação está à disposição e presente para verificação por qualquer condómino. Foi a assembleia lembrada que a documentação faz referência até trinta e um de Dezembro passado próximo e que há uma nova via mais célere e económica de se avançar com os processos dos condóminos devedores. Foi pedido que os condóminos tivessem em atenção quando fazem transferências e que devem sempre fazer a identificação das operações bancárias realizadas. Passou-se de seguida à votação das contas referentes ao ano transato, sendo: a favor - dezoito; abstenção - um; contra - um.
Ponto dois - Apresentação de proposta para eleição de nova administração - No início deste ponto o proprietário da fração AT propôs que este ponto fosse adiado para nova reunião a ser agendada, o motivo apresentado foi trazer representantes de uma empresa para apresentação de proposta de prestação de serviços de administração de condomínio, o presidente colocou à votação esta proposta, sendo: favor - um; abstenção - um; contra - dezoito. Depois desta votação o membro da administração proprietária da fração AO, questionou o proponente, o porquê de não apresentar a referida proposta tendo-a em mãos, o proprietário da fração AT disse que não o pretendia fazer e exigia a anexação da dita proposta á ata. Os proprietários das frações AS e AP questionaram a atual administração se iria apresentar candidatura ao que o presidente da assembleia respondeu, que depois de grande ponderação da equipa atual foi decidido apresentar candidatura, como não foi apresentada qualquer outra proposta, passou-se de imediato à votação, sendo: favor dezassete; abstenção - dois; contra - um.
Ponto três - Apresentação de orçamento para dois mil e catorze - Foi apresentado o orçamento para o ano em curso, pela administração eleita, depois de prestados todos os esclarecimentos, procedeu-se à votação, sendo: favor dezassete; abstenção - dois; contra - um. Foi informada a assembleia, pelo presidente, que dentro dos próximos trinta dias será enviada toda a documentação referente a esta assembleia.
Ponto quatro - Outros assuntos de interesse geral - O proprietário da fração AV questionou o proprietário da fração AT se este estava disposto a pagar a quantia referente às custas do processo por ele levantado aos condóminos, ao que nada foi respondido. No entanto o presidente informou que os condóminos mencionados no processo terão que se responsabilizar pelo pagamento da sua parte.
O proprietário da fração AP perguntou se a utilização da sala de condomínio voltará a ser a mesma que anteriormente, o presidente dá assembleia informou que era uma questão que deveria estar determinada no regulamento mas depois de procura exaustiva em todas as atas existentes e apesar de haver dois regulamentos que deveriam ter sido aprovados nenhum deles se encontra nessa situação. O mais rapidamente possível será apresentada uma proposta para discussão e futura aprovação,
A assembleia foi informada que devido aos atos de vandalismo que têm ocorrido no edifício, tais como furtos e destruição de material eléctrico, foi apresentada queixa na PSP de águas santas, se novos atos se verificarem será sempre que necessário realizada queixa na respetiva esquadra.
O proprietário da fração AT disse que esperava por uma resposta à carta por ele dirigida à administração a pedir uma reunião para consulta de documentação, o presidente respondeu que ainda não tinha sido oportuno levantar a referida carta nos correios. Em relação à marcação da reunião os proprietários das frações AQ e E e elementos da administração eleita, frisaram que a referida documentação estava em cima da mesa para consulta e que esta era a hora para o fazer, como o proprietário da fração AT não se mostrou interessado em fazer a referida verificação, foi-lhe dito por os dois elementos acima mencionados que seriam contra a marcação da referida reunião.
Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião pelas vinte horas e trinta minutos, da qual se lavrou a presente ata que depois de lida e aprovada vais ser assinada nos termos da lei, e enviada uma cópia a todos condóminos.».

3. Fundamentos de direito
3.1. A relevância jurídica da presença do autor na reunião
Refere-se na sentença recorrida:
«[…] o legislador entendeu que a inexistência de convocatória para Assembleia Geral de Condóminos ou a irregularidade desta por falta da antecedência necessária põe em risco o direito à informação que constitui a base do exercício esclarecido e consciencioso do direito do condómino participar nas Assembleias Gerais e votar as deliberações que aí irão ser tomadas.
Como tal a falta de convocatória atempada para a Assembleia Geral dos Condóminos pode constituir causa de anulação da deliberação que aí vier a ser tomada.
Resultou ainda provado que não foram remetidas aos condóminos ausentes daquela Assembleia, através de carta registada com aviso de recepção, cópia das deliberações tomadas.
Ora, essa é também uma imposição legal prevista no artº 1432º, nº 6 do CPC que não sendo cumprida pode ser causa de anulabilidade da deliberação por violação da lei.
Todavia, se lermos o teor da acta 28 vemos que o Autor esteve presente naquela Assembleia, nela participou, fazendo propostas, participando nas votações, sem que nunca tenha invocado a irregularidade da convocatória, designadamente por falta de cumprimento do prazo.
Assim, vemos que, por um lado o Autor não foi condómino ausente naquela Assembleia, pelo que não tinham que lhe ser comunicadas posteriormente as deliberações ali tomadas, por outro lado esteve presente na reunião e nada invocou quanto à irregularidade da convocatória, tendo participado na mesma como todos os demais.
Ora, assim sendo, tal irregularidade da convocação por não cumprimento do prazo de 10 dias de antecedência mínima ficou sanada com a presença, sem protesto do Autor na Assembleia de Condóminos. […]».
Na sentença recorrida, em abono da tese que nela se expende, cita-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 9.03.2010[1], sumariado nestes termos: «A convocação de condómino, em prazo inferior ao legalmente previsto, para a respectiva Assembleia de Condóminos, não dá àquele o direito de impugnar as deliberações aí tomadas, nomeadamente, quando o referido condómino participou activamente naquele reunião magna, através de procurador.».
Como refere Sandra Passinhas[2] “Obviamente que a participação do(s) condómino(s) na reunião sana a irregularidade ou a falta de convocação. Não basta a mera presença na assembleia; o condómino pode dirigir-se ao local da reunião numa tentativa de adiar a assembleia, pois apesar de ter tomado conhecimento da sua realização, não beneficiou do prazo mínimo concedido por lei e que, no caso concreto seria indispensável, por exemplo para aconselhamento jurídico.”.
O artigo 1432.º do Código Civil prevê as formalidades de convocação da assembleia de condóminos. Caso tais formalidades não sejam cumpridas, “a reunião será irregular e as suas deliberações susceptíveis de impugnação, nos termos do artigo 1433.º”, como referem Pires de Lima e Antunes Varela[3].
O mesmo entendimento expressa Sandra Passinhas[4], referindo que “as eventuais irregularidades do procedimento da convocação – e, em particular, as atinentes à observância do prazo e à iniciativa da convocação (das assembleias de condóminos) – não podem dar lugar senão a deliberações contrárias à lei e, como tal, sujeitas a anulação”. Conclui a referida autora, que o vício da irregularidade da convocação contamina as deliberações assumidas pelos condóminos presentes, aplicando-se o regime regra, sendo tais deliberação meramente anuláveis, com a consequência de que, não sendo tempestivamente impugnadas, o vício que as afeta considera-se sanado.
É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil, que estabelece a seguinte regra geral: «As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado»[5].
O Professor Mota Pinto sintetizava o regime da anulabilidade nestes termos[6]: «O negócio anulado é, em princípio, apesar do vício, tratado como válido. Se não for anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade, passa a ser definitivamente válido. Se for anulado, no tempo e forma devidos considera-se que os efeitos visados não se produziram desde o início, como nunca tendo tido lugar».
Em suma, a anulabilidade: tem de ser invocada por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 287/1 CC); é sanável pelo decurso do tempo (art.º 287/1 CC) e pela confirmação (art.º 288/1 CC).
Preceitua o n.º 2 do artigo 1433.º do Código Civil: «No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes
Regressando à questão que nos ocupa, da leitura da ata da assembleia em causa, concluímos que o autor esteve presente na assembleia[7], apresentou propostas e participou nas votações, sem ter invocado qualquer irregularidade da convocatória, designadamente por falta de cumprimento do prazo, e sem ter exigido, em dez dias, a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de vinte dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
Com efeito, o recorrente limitou-se a requerer a marcação de nova assembleia com a mesma ordem de trabalhos da anterior, ou seja, um adiamento da assembleia, por, alegadamente, não estar na posse de documentos necessários.
Tal assembleia não se destinava à revogação das deliberações com fundamento na irregularidade da convocação.
Decorre do exposto, que a irregularidade da convocação se encontra sanada[8], improcedendo o recurso neste segmento.
Quanto à nova assembleia requerida pelo recorrente, será o tema do ponto seguinte.
3.2. A irrelevância jurídica da falta de consulta dos documentos
Alega o recorrente:
• não foram remetidas aos condóminos ausentes da referida assembleia, através de carta registada com aviso de receção e no prazo de 30 dias, as deliberações tomadas na mesma;
• Não foi entregue a cada condómino um relatório ou mapa das contas relativo ao ano de 2013, quando o ponto um da assembleia extraordinária visava a apresentação da contas do ano de 2013 e a aprovação das mesmas.
Provou-se que:
7º- O ponto um da assembleia extraordinária visava a apresentação da contas do ano de 2013 e a aprovação das mesmas.
8º- Não foi entregue a cada condómino um relatório ou mapa das contas relativo ao ano de 2013.
9º- O Autor na referida assembleia votou contra a aprovação das contas de 2013.
10º- O A. no prazo de 10 dias contados da deliberação requereu através de carta registada com aviso de receção junta a fls. 20 a 21 e que aqui se dá por reproduzida, a marcação de uma nova assembleia extraordinária, com a mesma ordem de trabalhos da anterior.
11º- A administração da ré, apesar de ter rececionado a missiva do autor., não procedeu à marcação de qualquer assembleia extraordinária.
No que respeita à alegada omissão de envio das deliberações tomadas, aos condóminos ausentes, através de carta registada com aviso de receção, salvo todo o respeito devido, não vislumbramos a que propósito e com que legitimidade, um condómino presente (o recorrente) suscita tal questão.
Ainda quanto a esta matéria, consta da ata, não impugnada pelo ora recorrente:
«Ponto três - Apresentação de orçamento para dois mil e catorze - Foi apresentado o orçamento para o ano em curso, pela administração eleita, depois de prestados todos os esclarecimentos, procedeu-se à votação, sendo: favor dezassete; abstenção - dois; contra - um. Foi informada a assembleia, pelo presidente, que dentro dos próximos trinta dias será enviada toda a documentação referente a esta assembleia.».
No entanto, como se disse e ora se reitera, o recorrente, que esteve presente na assembleia, não tem qualquer legitimidade para suscitar a questão da informação relativamente aos ausentes, já que não revelou ter quaisquer poderes de representação conferidos por estes.
Vejamos agora a questão da falta de documentação, suscitada pelo recorrente.
O recorrente dirigiu uma carta ao administrador do condomínio, na qual refere:
«Venho, por este meio e na qualidade de proprietário e condómino da fracção AT do edifício C…, sito na Rua … nº.., ….-… Maia, do qual Vã Exa. é Administrador, expor o seguinte:
1. Na última assembleia de condóminos, realizada no passado dia 27/04/2014, não foram fornecidos pela adm. vários documentos, concretamente o relatório de contas do ano de 2013, não tendo sido possível, mais uma vez e como tem vindo a acontecer noutros anos, verificar as contas do condomínio. Nessa altura, propus um adiamento da assembleia, não só por este motivo, mas também porque eu ia munido de uma proposta de orçamento de uma empresa de gestão de condomínio, tendo tal adiamento sido rejeitado. Pelo que, nesse sentido, solicitei que tal orçamento fosse anexado à ata, o que foi aceite.
2. Ao conferir o saldo do ano 2013, reparei que as contas não coincidem; isto é, que o saldo do fim do exercício de 2012 não corresponde ao do início de 2013, tal como o do fim do exercício de 2011 não corresponde com o do início de 2012, com uma diferença de mais de uma centena de euros, sem justificação aparente.
3. Também na última assembleia, pedi que me fosse cedida a ata n.º 27, realizada a 23/03/2013, tendo tal pedido sido negado, alegando que ainda não fora redigida e que me iria ser entregue aquando desta última ata, juntamente com a restante documentação. Perante esta afirmação, concluí que os condóminos que não estiveram na assembleia em 23/03/2013 não irão receber a ata por carta registada, o que me leva a crer que qualquer um deles pode pedir a impugnação das deliberações da referida assembleia.
[…]
5. Tendo presentes os pontos atrás referidos, venho solicitar a marcação de uma nova assembleia condomínio extraordinária, com a mesma ordem de trabalhos da última assembleia.».
Consta da ata da deliberação – não impugnada pelo recorrente:
«Ponto um - Apresentação de contas de dois mil e treze - O administrador D… iniciou este ponto, interrogando a assembleia se esta tinha alguma questão/dúvida sobre os documentos referentes a este ponto, tendo o proprietário da fração AT questionado o valor em débito á W…, empresa de manutenção de elevadores, o presidente da assembleia explicou que o valor da dívida a esta data é de três mil quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e um cêntimos, mais lembrou que a forma de pagamento desta divida foi decidida em dois mil e onze, por isto aconselhou a leitura da ata n.º 23, onde a decisão foi votada a favor por unanimidade, tendo de seguida reafirmado que toda a documentação está à disposição e presente para verificação por qualquer condómino
[…]
«O proprietário da fração AT disse que esperava por uma resposta à carta por ele dirigida à administração a pedir uma reunião para consulta de documentação, o presidente respondeu que ainda não tinha sido oportuno levantar a referida carta nos correios. Em relação à marcação da reunião os proprietários das frações AQ e E e elementos da administração eleita, frisaram que a referida documentação estava em cima da mesa para consulta e que esta era a hora para o fazer, como o proprietário da fração AT não se mostrou interessado em fazer a referida verificação, foi-lhe dito por os dois elementos acima mencionados que seriam contra a marcação da referida reunião.».
Da leitura da ata, fica-nos a impressão de que a fonte de divergência entre o recorrente e todos os outros condóminos presentes, se relaciona com uma proposta da qual o recorrente era portador, referente à prestação de serviços ao condomínio:
«Ponto dois - Apresentação de proposta para eleição de nova administração - No início deste ponto o proprietário da fração AT propôs que este ponto fosse adiado para nova reunião a ser agendada, o motivo apresentado foi trazer representantes de uma empresa para apresentação de proposta de prestação de serviços de administração de condomínio, o presidente colocou à votação esta proposta, sendo: favor - um; abstenção - um; contra - dezoito. Depois desta votação o membro da administração proprietária da fração AO, questionou o proponente, o porquê de não apresentar a referida proposta tendo-a em mãos, o proprietário da fração AT disse que não o pretendia fazer e exigia a anexação da dita proposta á ata. […]».
Foi essa a razão que presidiu à apresentação do seu pedido de adiamento da assembleia.
No entanto, tal proposta foi liminarmente rejeitada em votação, por 18 dos 20 condóminos presentes[9], que não aceitaram, sequer, o adiamento.
Ou seja, o recorrente propôs à assembleia o adiamento, a fim de permitir a aprovação da proposta de prestação de serviços ao condomínio, da qual era portador, não o conseguiu, por ter sido votado desfavoravelmente o adiamento pretendido (deliberação válida), e tentou depois a marcação de uma nova assembleia com fundamento na falta de documentos.
No entanto, como se verifica da ata, os documentos estavam ao seu dispor, e o recorrente não se mostrou interessado em consultá-los.
Decidiu-se na sentença recorrida:
«Do disposto no art.º 1436º, j) do CC resulta a obrigação de o administrador de condomínio prestar contas à Assembleia de Condóminos.
É facto que o legislador se preocupou em salvaguardar que a decisão de voto dos condóminos seja esclarecida e , para isso, têm que estar devidamente informados para que possam “ julgar” as contas prestadas e aprovar ou reprovar essa deliberação.
Todavia, coloca-se a questão de saber até que ponto se deve levar essa obrigação de informação por parte do administrador.
Sobre esta matéria questiona-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 4/12/2012, in www.dgsi.pt:
“Será, contudo, exigível à administração a entrega de cópia do balanço e demonstração de contas passadas, que se pretende ver aprovadas, desde logo com a convocatória?
Parece-nos que essa exigência será exagerada, dependendo o cumprimento da obrigação de informação do caso concreto.
Lembremo-nos que o dever de informação, no âmbito das sociedades comerciais, é também muito lato, prescrevendo o art. 58º, n° 1, c) do CSC a anulabilidade da deliberação que não tenha sido precedida do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
Lembremos, ainda, o disposto no art. 214° do mesmo Código que obriga os gerentes comerciais à prestação de informação verdadeira, completa e elucidativa aos sócios, dada por escrito, se assim for solicitado.
Se assim o é no âmbito societário comercial – onde a aprovação de contas depende muitas vezes da análise de extensa documentação, nem sempre inteligível para um observador médio e diligente, sem o necessário apoio técnico especializado -, porque há-de ser mais exigente esse dever, no caso da prestação de contas com dois condóminos e 13 fracções autónomas?
O ponto fulcral, a nosso ver, consistirá na disponibilidade da administração em prestar os esclarecimentos necessários, eventualmente e se solicitado, por escrito. Apenas em caso de recusa de prestação da informação, por acção ou omissão, se poderá concluir pelo incumprimento desse dever.”
Ora, no caso em apreço o Autor não invoca, sequer, que pediu, por qualquer forma, quaisquer documentos concretos à administração do condomínio e que estes lhe foram recusados, invocando apenas o que, em seu entender, deveria a administração do condomínio ter feito.
Aliás, da própria acta que na própria assembleia existia documentação relativa ao anos de 2013 que o Autor podia consultar o que este não quis.
Como se refere no citado Acórdão:
“Limitou-se a comparecer na assembleia e a votar contra a aprovação do exercício, vindo agora a juízo invocar a sua anulabilidade ou nulidade. Lembremos que inexiste qualquer preceito legal que, expressamente, obrigue à apresentação dessa documentação escrita com a convocatória; nem tal obrigação se encontra plasmada no regime aplicável às sociedades comerciais, onde a especial complexidade técnica obriga a ponderação mais exigente desse dever de informação.
Do que se conclui pela irrelevância da invocada irregularidade, não se considerando inválida a deliberação de aprovação das contas do exercício anterior, sem que fossem facultados ao condómino cópia das mesmas com a convocatória para a assembleia.”.
Assim, também no caso em apreço e face à factualidade provada não é este fundamento suficiente para anulação da referida deliberação de aprovação de contas de 2013.».
Concordamos com a tese vertida no acórdão citado na sentença recorrida[10]: essencial é a averiguação sobre se existiu disponibilidade da administração para prestar os esclarecimentos necessários, nomeadamente através da apresentação da documentação pretendida, ocorrendo a violação do dever de informação apenas nos casos de recusa.
In casu, face ao teor da ata, [onde consta que «os proprietários das frações AQ e E e elementos da administração eleita, frisaram que a referida documentação estava em cima da mesa para consulta e que esta era a hora para o fazer, como o proprietário da fração AT (ora recorrente) não se mostrou interessado em fazer a referida verificação, foi-lhe dito por os dois elementos acima mencionados que seriam contra a marcação da referida reunião.»], não vislumbramos, salvo o devido respeito, a invocada violação do dever de informação.
Com efeito, estando presente a documentação, incumbia ao recorrente a sua análise e o questionamento de quaisquer dúvidas sobre o seu conteúdo e, apenas na eventualidade de não serem prestados todos os esclarecimentos, se justificaria qualquer adiamento.
Decorre do exposto, reiterando o devido respeito pela divergência, a improcedência do recurso, devendo em consequência manter-se a decisão recorrida.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em manter o despacho recorrido.
Custas do recurso pela recorrente.
*
O presente acórdão compõe-se de dezoito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 5 de dezembro de 2016
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
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[1] Processo n.º 1470/08.4TVLSB.L1-1, acessível no site do IGFEG.
[2] A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal (3ª Reimpressão da 2ª Edição de 2002), página 223.
[3] Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1972, página 380.
[4] Obra citada, página 222.
[5] Veja-se, neste sentido, o acórdão desta Relação, de 18.10.2011 (processo n.º 2728/07.5TBVFR-A.P1), bem como o acórdão da Relação de Guimarães, de 3.04.2014 (processo n.º 3.04.2014, 1360/10.0TBVCT.G1), ambos acessíveis no site do IGFEJ.
[6] Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, Coimbra Editora, 1996, página 612.
[7] Sendo designado na ata por “proprietário da fração AT”. Lida a ata, verifica-se que o recorrente participou ativamente na reunião, com intervenção na discussão e na votação das propostas, votando desfavoravelmente (único voto contra) as propostas apresentadas pela administração. Por outro lado, as propostas que apresentou foram todas elas objeto de votação e de rejeição pelos restantes condóminos.
[8] Outra não poderia ser a conclusão, face à presença e à ativa participação do autor.
[9] Face a tal votação, não vislumbramos qualquer viabilidade futura de aceitação da proposta do recorrente.
[10] Acórdão da relação de Lisboa, de 4.12.2012, Processo n.º 624/06.2TCSNT.L1-1, acessível no site do IGFEJ.