Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4112/21.9T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: PROCESSO POR ACIDENTE DE TRABALHO
FASE CONTENCIOSA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
ARGUIÇÃO DA NULIDADE
Nº do Documento: RP202302274112/21.9T8MAI.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - No processo especial por acidente de trabalho, nos caos em que a sua fase contenciosa se inicia com o requerimento a que se alude na alínea b) do artigo 117.º e no n.º 2 do artigo 138.º, do Código de Processo do Trabalho (CPT), esse requerimento, estando diretamente ligado à fase anterior do processo, obrigatória, assim a designada por conciliatória, sendo motivado precisamente por existir discordância das partes / falta de acordo, deve ser tido, a respeito da questão do erro sobre a forma do processo utilizada previsto no artigo 193.º do Código de Processo Civil (CPC) e para efeitos do regime previsto no n.º 2 do artigo 198.º do mesmo Código, como contestação.
II - Em face do antes referido, não estando em causa uma situação em que o tribunal tenha conhecido oficiosamente da nulidade em causa, o que poderia ocorrer nestes casos até à sentença em face da forma processual utilizada (ao não comportar o despacho saneador), quanto à possibilidade da sua invocação pela parte interessada, não comportando também a forma processual utilizada a apresentação de articulado de contestação, essa invocação terá de ser efetuada até ao momento em que a parte deva apresentar o requerimento a que se aludiu em I (previsto na alínea b) do artigo 117.º e no n.º 2 do artigo 138.º, do CPT).
III - Quanto às nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo, dessas em princípio cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, sendo que só assim não ocorrerá quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação.
IV - Não está a coberto da sentença, para efeitos do disposto em III, a questão do erro na forma do processo, quando, não tendo sido esse erro sido antes invocado no momento próprio pela parte interessada (a que se alude em II), o tribunal dessa aí não conhece, o que poderia ter feito oficiosamente.
V - Impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos jurídicos que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que este tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 4112/21.9T8MAI.P1
Apelante: A..., S.A.
Apelada: AA
______
Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
_____________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. Na fase conciliatória dos presentes autos de processo especial por acidente de trabalho, em que é sinistrada AA e entidades responsáveis a Companhia de Seguros A..., S.A. e BB, realizada a tentativa de conciliação, do respetivo auto resulta nomeadamente o seguinte:
“(...)
VI- Sinistrada
Dada a palavra à sinistrada, por ele foi dito que:
Aceita a descrição do acidente, as lesões e sequelas descritas na perícia médica, cujo teor aqui dá por reproduzido para todos os legais efeitos, os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta, a retribuição anual ilíquida de €10.685,00 e a IPP de 3% com fator de bonificação.
Por isso, aceita conciliar-se nos termos supra propostos e declara que a seguradora pagou-lhe €983,36.
(…)
V- Seguradora
Dada a palavra à representante da seguradora, por ela foi dito que:
Aceita a descrição do acidente, as lesões e sequelas descritas na perícia médica, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, o nexo de causalidade entre tais lesões e o acidente, o período de ITA, o pagamento das despesas com transportes, a transferência da responsabilidade infortunística laboral pela retribuição anual ilíquida de €10.464,34 e a I.P.P. de 3%, com fator de bonificação.
Não aceita o período de ITP e a data da alta.
Por isso, não aceita conciliar-se nos termos supra propostos.

VI- Empregadora
Aceita a descrição do acidente, as lesões e sequelas descritas na perícia médica, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, o nexo de causalidade entre tais lesões e o acidente, os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta, a retribuição anual ilíquida de €10.685,00 e a IPP de 3% com fator de bonificação.
€ e a I.P.P. de 3% com fator de bonificação.
Por isso, aceita conciliar-se nos termos supra propostos e, consequentemente, aceita o pagamento das prestações supra referidas (capital de remição, indemnizações pelas it's e respetivos juros de mora).
***
Seguidamente, pelo Digno Procurador da República foi proferido o seguinte Despacho:
Visto que não foi possível conciliar as partes, aguardem os autos pelo decurso do prazo para a seguradora requerer a abertura da fase contenciosa (arts. 117.º, n.º 1, al. b) 119.º e 138.º, n.º 2 do CPT).
Notifique.
Após, devolva os autos ao juízo. (…)”

1.2. Com data de 15 de setembro de 2022 foi proferida decisão como o teor seguinte:
“Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho, em que é sinistrada AA, residente na Rua ..., ..., 4º Esq., ... e entidades responsáveis a Companhia de Seguros A..., S.A. e BB, residente na Rua ..., Maia, na tentativa de conciliação a discordância das partes reportou-se apenas à data da alta e aos e ao período de incapacidade temporária parcial, estando as partes de acordo quanto ao coeficiente de incapacidade permanente parcial de que a sinistrada se encontra afectada em consequência do acidente que aquela sofreu em 06/08/2021 e que o INML havia fixado em 3%.
Apesar da discordância a seguradora não requereu a realização de junta médica, pelo que importa proferir decisão nos termos do art. 138º, nº 2 do C.P.T.
*
(…)
Por todo o exposto julgo a acção procedente e em consequência decido:
- Condenar as rés a pagar à autora, com efeitos a partir de 25/10/2021 o capital de remição no valor de € 1.964,31 (mil novecentos e sessenta e quatro euros e trinta e um cêntimos) calculado com base na pensão anual e vitalícia no montante de € 224,39 (duzentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos), sendo € 1.923,69 (mil novecentos e vinte e três euros e sessenta e nove cêntimos), com base numa pensão de € 219,75 (duzentos e dezanove euros e setenta e cinco cêntimos) da responsabilidade da seguradora e € 40,62 (quarenta euros e sessenta e dois cêntimos) com base numa pensão de € 4,64 (quatro euros e noventa e sessenta e quatro cêntimos) da responsabilidade da entidade empregadora, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento;
- Condenar a ré seguradora a pagar à autora a quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de despesas de transporte, acrescidos de juros de mora desde a tentativa de conciliação até integral pagamento;
- Condenar a ré seguradora a pagar à autora a quantia de € 82,15 (oitenta e dois euros e quinze cêntimos) a título de diferenças nas indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora desde o vencimento até integral pagamento;
- Condenar a ré entidade empregadora a pagar à autora a quantia de € 21,78 (vinte e um euros e setenta e oito cêntimos) a título de diferenças nas indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora desde o vencimento até integral pagamento.
Custas pela seguradora e pela entidade empregadora na proporção das respectivas responsabilidades – art. 527º do Código de Processo Civil.
Fixo à causa o valor de € 2088,24 (dois mil e oitenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos).
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o decidido, a Entidade Seguradora apresentou requerimento de interposição de recurso, finalizando as alegações com as conclusões seguintes:
1. Na fase conciliatória, o sinistrado e a entidade responsável acordaram nos factos relevantes para a determinação dos respectivos direitos e obrigações emergentes do acidente de trabalho em causa nos autos, designadamente, a ocorrência e qualificação do acidente como de trabalho, a remuneração do sinistrado, a transferência de responsabilidade para a ora apelante, as lesões sofridas pelo sinistrado, a incapacidade permanente parcial de que ficou afectado e as despesas suportadas por este com deslocações obrigatórias,
2. Não tendo acordado nos períodos de incapacidade temporária que aquelas lesões ocasionaram e na data da alta, como resulta do auto de tentativa de conciliação de fls., pelo que se frustrou a conciliação.
3. Face a esta não conciliação, o processo ficou a aguardar o início da fase contenciosa que, nos termos do art. 117º-1 do CPT apenas pode iniciar-se por duas formas: por meio de petição inicial, se na tentativa de conciliação tiver havido discordância em relação a mais do que uma das questões pertinentes à definição dos direitos e obrigações das partes emergentes de acidente de trabalho, podendo nelas incluir-se a divergência quanto à incapacidade permanente do sinistrado (art. 117º-1-a) do CPT) ou por meio de requerimento – fundamentado ou acompanhado de quesitos –, a apresentar pela parte que não se conformou com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, mas apenas para fixação de incapacidade para o trabalho (arts. 117º-1-b) e 138º-2 do CPT).
4. No caso dos autos, nem o sinistrado apresentou petição inicial, nem a entidade responsável apresentou o requerimento previsto nos arts. 117º-1-b) e 138º-2 do CPT.
5. Por a ora recorrente não ter apresentado o requerimento previsto nos arts. 138º-2 e 117º-1-b) do CPT, a Mtª Juíza recorrida decidiu ““Apesar da discordância a seguradora não requereu a realização de junta médica, pelo que importa proferir decisão nos termos do art. 138º, nº 2 do C.P.T.
6. … “Por acordo das partes e por documento consideram-se provados os seguintes factos:
1) No dia 06-08-2021, pelas 18:00 horas, na Maia, a sinistrada, exercendo as funções de cozinheira, sob as ordens, direção e fiscalização de «BB», com sede na Maia, dentro do seu horário de trabalho, nas instalações da sua entidade empregadora, ao cortar carne com o auxílio de uma faca, fez um corte no dedo polegar esquerdo, sofrendo as lesões e sequelas constantes na perícia médica de fls. 56 a 59, cujo teor que aqui se dá por reproduzido
2) À data do acidente, a autora auferia a remuneração anual de € 10.685,00.
3) A entidade empregadora da autora, mediante contrato e seguro titulado pela apólice nº ..., tinha transferido a sua responsabilidade emergente e acidente de trabalho para a Seguradora, ora Ré, pela remuneração anual de € 10 464,34.
4) A A. encontra-se afetada de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com um coeficiente de 3%, a partir de 25/10/2021, dia imediato ao da alta definitiva, em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente dos autos.
5) Em consequências das lesões sofridas a autora esteve na situação de ITA (incapacidade temporária absoluta) durante 49 dias e na situação de ITP (incapacidade temporária parcial) de 10% durante 30 dias, tendo recebido da seguradora a título de indemnizações a quantia de € 983,36.
6) A A. despendeu a quantia de € 20,00 em deslocações ao Tribunal.
7) A A. nasceu em .../.../1952.
… “Por todo o exposto julgo a acção procedente e em consequência decido:
- Condenar as rés a pagar à autora, com efeitos a partir de 25/10/2021 o capital de remição no valor de € 1 964,31 (mil novecentos e sessenta e quatro euros e trinta e um cêntimos) calculado com base na pensão anual e vitalícia no montante de € 224,39 (duzentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos), sendo € 1 923, 69 (mil novecentos e vinte e três euros e sessenta e nove cêntimos), com base numa pensão de € 219,75 (duzentos e dezanove euros e setenta e cinco cêntimos) da responsabilidade da seguradora e € 40,62 (quarenta euros e sessenta e dois cêntimos) com base numa pensão de € 4,64 (quatro euros e noventa e sessenta e quatro cêntimos) da responsabilidade da entidade empregadora, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento;
- Condenar a ré seguradora a pagar à autora a quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de despesas de transporte, acrescidos de juros de mora desde a tentativa de conciliação até integral pagamento;
- Condenar a ré seguradora a pagar à autora a quantia de € 82,15 (oitenta e dois euros e quinze cêntimos) a título de diferenças nas indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora desde o vencimento até integral pagamento;
- Condenar a ré entidade empregadora a pagar à autora a quantia de € 21,78 (vinte e um euros e setenta e oito cêntimos) a título de diferenças nas indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora desde o vencimento até integral pagamento”.
7. Ora, nos termos do art. 117º-1-b) do CPT a fase contenciosa do processo de acidente de trabalho inicia-se por meio de requerimento de junta médica, e não por meio de apresentação de petição inicial, quando apenas esteja em causa a fixação da incapacidade para o trabalho, prosseguindo o processo apenas para esse efeito, como resulta, aliás, do disposto no art. 138º-2 do CPT, ao estabelecer que “se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica [a que se refere o nº 1 do mesmo preceito legal] é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o nº 1 do art. 119º”.
8. No presente processo, não se discutindo a questão da incapacidade permanente, há outras questões de facto controvertidas, como a data da alta e os períodos de incapacidade temporária, pelo que não estão verificados os pressupostos de aplicação do art. 138º-2 e 117º-1-b) do CPT, não sendo assim a apresentação do requerimento para Junta Médica o meio processualmente adequado ao prosseguimento dos autos, devendo a fase contenciosa iniciar-se pela apresentação de petição inicial, como estipulam os arts. 117-1-a) e 119º do CPT.
9. Acresce que os factos que permitem decidir as questões relativas à fixação dos períodos de incapacidade temporária e à determinação da data da alta podem ser objecto de outros meios de prova para além da que resulta daquela junta médica – designadamente, prova documental ou exame pericial previsto nos arts. 467º e ss. do Código de Processo Civil, para determinação do nexo causal entre as lesões e os alegados períodos de incapacidade temporária e a data da alta, uma vez que, como é entendimento pacífico, a perícia por junta médica prevista no art. 139º do CPT destina-se apenas a fixar a natureza e grau de desvalorização e realiza-se no apenso a criar para o efeito e sendo as restantes questões em discussão (nexo causal) objecto de outros meios de prova a produzir no processo principal.
10. E sendo certo que, no caso dos autos, já constava do processo prova documental relativa à data da alta propugnada pela ora recorrente.
11. Do exposto, resulta que não cabia à ora recorrente impulsionar o andamento do presente processo, uma vez que o requerimento de junta médica previsto no art. 138-2 do CPT não é o meio idóneo para dar início à fase contenciosa que, no caso dos autos, terá de ser iniciada pela apresentação de petição inicial – para permitir a discussão e prova das questões relativas à data da alta e aos períodos de incapacidade temporária que afectaram o sinistrado – e a apresentação dessa petição inicial apenas está na disponibilidade do sinistrado.
12. Assim, ao decidir de mérito sem que houvesse lugar à fase contenciosa – necessária face à posição divergente da ora recorrente expressa na tentativa de conciliação – a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e
aplicação, o disposto nos arts. 117º-1-a) e b), 119º-1 e 4 e 138º-2 do CPT,
13. Pelo que deverá ser revogada e substituída por decisão que a anule e que, nos termos do disposto nos arts.117º-1-a) e 119º-4 do CPT, declare suspensa a instância até à apresentação de petição inicial pelo sinistrado, com as consequências legais.
Assim se fazendo J U S T I Ç A!

2.1 Contra-alegou a Sinistrada, patrocinada pelo Ministério Público, concluindo do seguinte modo:
a) A questão da discordância quanto à natureza da incapacidade (temporária ou permanente), dos respetivos coeficientes de desvalorização e da data da alta clínica insere-se no âmbito da própria questão da discordância relativa à fixação da incapacidade a que se reportam os arts. 117º, nº 1, al. b) e 138º, nº 2, do CPT, pelo que, se estiverem em causa, apenas, essas questões o início da fase contenciosa deve ter lugar, nos termos do citado art. 117º, nº 1, al. b), por requerimento para exame por junta médica.
Termos em que,
negando provimento ao recurso, Vossas Excelências farão JUSTIÇA.

2.2 O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, como subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

3. Apresentados os autos ao aqui relator, foi proferido despacho com o teor seguinte: “Colocando-se, oficiosamente, a questão de saber se é ou não tempestiva a invocação, apenas no presente recurso, da eventual ocorrência de erro na forma do processo, em face designadamente do regime que resulta do artigo 198.º do Código de Processo Civil, assegurando-se assim o princípio do contraditório, notifiquem-se as partes para, em 10 dias, querendo, se pronunciarem”.

3.1. Notificadas as partes, não ocorreu pronúncia.
*
Cumpre apreciar e decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes: (1) saber, caso seja tempestiva a sua invocação no presente recurso para efeitos do seu conhecimento, se ocorre erro na forma do processo que afete a validade da decisão recorrida; (2) demais questões que possam ser conhecidas no recurso.
*
III - Fundamentação
A- Os factos relevantes para apreciação do recurso são exclusivamente os que resultam do relatório que se elaborou.
*
b) - Discussão
1. Saber se ocorre erro na forma do processo e, sendo esse o caso, as respetivas consequências
Em face das conclusões que apresenta, sustenta a Recorrente como argumentos, no essencial que: no presente processo, não se discutindo a questão da incapacidade permanente, há outras questões de facto controvertidas, como a data da alta e os períodos de incapacidade temporária, pelo que não estão verificados os pressupostos de aplicação do artigos 138º-2 e 117º-1-b) do CPT, não sendo assim a apresentação do requerimento para Junta Médica o meio processualmente adequado ao prosseguimento dos autos, devendo a fase contenciosa iniciar-se pela apresentação de petição inicial, como estipulam os artigos 117-1-a) e 119º do CPT (sendo que, acrescenta, os factos que permitem decidir as questões relativas à fixação dos períodos de incapacidade temporária e à determinação da data da alta podem ser objeto de outros meios de prova para além da que resulta da junta médica – designadamente, prova documental ou exame pericial previsto nos arts. 467º e ss. do Código de Processo Civil, para determinação do nexo causal entre as lesões e os alegados períodos de incapacidade temporária e a data da alta, uma vez que, como é entendimento pacífico, a perícia por junta médica prevista no art. 139º do CPT destina-se apenas a fixar a natureza e grau de desvalorização e realiza-se no apenso a criar para o efeito e sendo as restantes questões em discussão (nexo causal) objecto de outros meios de prova a produzir no processo principal; que não cabia à ora recorrente impulsionar o andamento do presente processo, uma vez que o requerimento de junta médica previsto no art. 138-2 do CPT não é o meio idóneo para dar início à fase contenciosa que, no caso dos autos, terá de ser iniciada pela apresentação de petição inicial – para permitir a discussão e prova das questões relativas à data da alta e aos períodos de incapacidade temporária que afectaram o sinistrado), pelo que, diz, ao decidir de mérito sem que houvesse lugar à fase contenciosa – necessária face à posição divergente da ora recorrente expressa na tentativa de conciliação – a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 117º-1-a) e b), 119º-1 e 4 e 138º-2 do CPT.
Conclui que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por decisão que a anule e que, nos termos do disposto nos arts.117º-1-a) e 119º-4 do CPT, declare suspensa a instância até à apresentação de petição inicial pelo sinistrado, com as consequências legais.
Nas contra-alegações, a Sinistrada, patrocinada pelo Ministério Público, defendendo a manutenção do julgado, sustenta que “a questão da discordância quanto à natureza da incapacidade (temporária ou permanente), dos respetivos coeficientes de desvalorização e da data da alta clínica insere-se no âmbito da própria questão da discordância relativa à fixação da incapacidade a que se reportam os arts. 117º, nº 1, al. b) e 138º, nº 2, do CPT, pelo que, se estiverem em causa, apenas, essas questões o início da fase contenciosa deve ter lugar, nos termos do citado art. 117º, nº 1, al. b), por requerimento para exame por junta médica”.
Cumprindo decidir, como primeira abordagem, por ser prévia à apreciação, uma questão se nos coloca, assim a de se saber se é tempestiva a invocação, apenas no presente recurso, da questão da eventual ocorrência de erro na forma do processo, em termos dessa poderemos assim conhecer, deixando-se consignado que, tendo as partes sido expressamente notificadas de despacho do relator para se pronunciarem previamente à prolação do acórdão, nada foi referido.
É que, independentemente da pertinência ou não dos argumentos apresentados por ambas as partes a propósito de ser uma ou outra a forma de processo que seria ajustada – sobre a qual, como aliás resulta do invocado pelas partes, se reconhece existir divergência na jurisprudência, incluindo nesta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto[1] –, não tendo ainda em momento algum o Tribunal a quo apreciado essa questão, o que poderia fazer oficiosamente até ao momento da prolação da sentença, no caso que se aprecia tal invocação, apenas no recurso que foi interposto da decisão final, apresenta-se como extemporânea, pelas razões que diremos de seguida.
Dispõe-se no artigo 193.º do CPC:
1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.”
Resultando ainda do disposto no n.º 1 do artigo 196.º que a nulidade a que alude o artigo 193.º pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (a não ser que deva considerar-se sanada), preceitua depois o n.º 2 do artigo 200.º, quanto ao momento desse conhecimento, que esse deve ser no despacho saneador, se antes o juiz a não houver apreciado, ou, se não houver despacho saneador, pode conhecer-se dela até à sentença final.
Por sua vez, quanto à possibilidade e momento de invocação pela parte interessada, matéria também expressamente regulada no CPC, resulta que só pode ser arguida “até à contestação ou neste articulado” (n.º 1 do artigo 198.º), sendo que, porém, “não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição” (n.º 2 do artigo 197.º).
Ou seja, como facilmente se extrai do regime antes mencionado, importará distinguir entre o regime previsto a respeito do conhecimento pelo tribunal da questão e aquele que, noutros termos, se encontra estabelecido no que se refere à sua invocação pelas partes, em particular no que se refere ao momento até ao qual podem arguir a nulidade que se analisa, pois que, ao estabelecer o legislador de modo claro e expresso que esse o terá de ser até à contestação ou nesse articulado, facilmente se extrai a conclusão de que, sendo a forma do processo utilizada desde logo decorrente do modo como o autor fez a opção dentro das formas disponíveis, a intenção foi a de limitar a possibilidade de invocar a existência de eventual erro ao primeiro momento em que a outra parte terá sempre a possibilidade de intervir na ação, assim a referência ao momento da apresentação da contestação, pelo que, no caso de estarmos perante ações que seguem forma especial cujos termos e processamento não sejam coincidentes com a forma geral e comum a respeito da apresentação daquele específico articulado, terá de se entender que a referência a contestação, prevista na norma, o deverá ser por referência ao primeiro momento, após aquele em que passou a ser utilizada a forma processual, em que a parte tenha a possibilidade de intervir na ação.
Sendo assim, voltando ao caso que se aprecia, importa esclarecer que, no que se refere ao regime estabelecido quanto ao processo especial por acidente de trabalho, como aliás o afirmámos em acórdão de 19 de abril de 2021[2], que por esta razão de seguida seguiremos de muito perto – muito embora então a respeito do regime aplicável quanto à junção do documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça, mas cujas considerações, com as necessárias adaptações, são plenamente aplicáveis à questão que se analisa –, o requerimento a que se alude na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do CPT, dando é certo início à fase contenciosa, não deixa de estar diretamente ligado à fase anterior do processo, obrigatória, assim aquela denominada de conciliatória, sob a direção do Ministério Público, sendo que, como expressamente resulta das normas processuais aplicáveis, só se segue a fase contenciosa, essa já não obrigatória, nos casos em que não se tenha logrado alcançar a conciliação na fase anterior, precisamente por existir discordância das partes / falta de acordo, sendo ainda, aliás, o âmbito mais ou menos alargado dessa discordância que determina se esta última se inicia com a apresentação de petição inicial ou com requerimento – sendo este o meio processual adequado para os casos previstos na citada alínea b) do artigo 117.º e no n.º 2 do artigo 138.º, do CPT. Ou seja, como aliás resulta ainda de outras normas (assim, desde logo, o artigo 131.º, n.º 1, alínea c), ao determinar que se devem considerar assentes “os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”), estas duas fases, ambas estabelecidas para a forma processual que está em causa, estão diretamente relacionadas, sendo que, em bom rigor, precisamente por apenas se justificar a fase contenciosa no caso de haver a referida discordância, como ainda por as partes estarem afinal sujeitas a prazos para lhe darem início, para efeitos da questão que aqui se coloca”, “na falta de normas próprias no CPT, havendo de recorrer-se ao CPC, se apresenta com uma configuração que se aproxima inegavelmente do articulado de contestação a que alude o artigo 570.º (…), muito mais no caso específico da apresentação do requerimento a que se alude no antes mencionado artigo 138.º do CPT, pois que, afinal, nesse, diversamente aliás do que pode ocorrer com a não apresentação da petição inicial (veja-se o n.º 4 do artigo 119.º), se estabelece um prazo perentório, de 20 dias, para a prática do ato, sendo que, não ocorrendo essa prática, resulta da parte final do n.º 2 do artigo 138.º que “o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º.
Do exposto resulta, sendo esse o nosso entendimento, que tal requerimento, de um ponto de vista técnico, dada a função que assume no processo, como ainda pelo facto de estar sujeito a prazo perentório, se configura, para efeitos da possibilidade de invocação de erro na forma do processo, como verdadeira contestação, pois que, como também o afirmámos no referido acórdão, “no plano material do seu conteúdo funcional no processo, é afinal, e sempre, por excelência, um ato de reação, assim ao que resultou da fase anterior do processo, ou seja, a discordância quanto à questão da incapacidade – fixada na perícia aí realizada –, estando também sujeito, repete-se, a um prazo perentório, cujo desrespeito, também mais uma vez com direta semelhança com a contestação, acarreta consequências processuais, mesmo em termos posteriores de definição do direito”.
Ora, em face do regime que anteriormente se expôs, que importa então aplicar, de modo a enquadrar-se a questão, teremos de ter presente que, como consta do relatório que elaborámos no presente acórdão, do auto de não conciliação resulta não ser objeto de discordância que houve acordo das partes quanto à descrição do acidente, as lesões e sequelas descritas na perícia médica, o nexo de causalidade entre tais lesões e o acidente, o período de ITA, o pagamento das despesas com transportes, a transferência da responsabilidade infortunística laboral pela retribuição anual ilíquida de €10.464,34 e a I.P.P. de 3%, com fator de bonificação, sendo que apenas não aceitou a agora Recorrente o período de ITP e a data da alta, sendo que, no entendimento de que não ocorria qualquer discordância que ultrapassasse, no dizer do n.º 2 do artigo 138.º do CPT, a «questão da incapacidade», findo o auto de não conciliação Magistrado do Ministério Público determinou que os autos aguardassem “pelo decurso do prazo para a seguradora requerer a abertura da fase contenciosa (arts. 117.º, n.º 1, al. b) 119.º e 138.º, n.º 2 do CPT)”, decisão essa que foi notificada às partes de imediato, incluindo, pois, à agora Recorrente, como resulta do mesmo auto. Ou seja, tendo afinal entendido o Magistrado do Ministério Público que presidiu à diligência que a divergência na tentativa de conciliação se circunscrevia à “questão da incapacidade” e, por isso, a fase contenciosa se iniciava mediante o requerimento para junta médica, o que se constata é que, apesar de notificadas dessa decisão, logo no ato, nenhuma das partes, incluindo assim a agora Recorrente, que aí estava representada, nada disse em contrário, quer então quer até ao momento em que veio a ser proferida a decisão recorrida, pois que em momento algum, antes dessa decisão, veio aos autos invocar que o meio processual determinado inicialmente e que estava a ser utilizado não era o adequado.
Deste modo, temos que, no caso, não estando em causa uma situação em que o Tribunal tenha conhecido oficiosamente da nulidade em causa, assim de erro na forma do processo, o que como se viu poderia ocorrer até à sentença (por a forma processual utilizada não comportar o despacho saneador), quanto à possibilidade da sua invocação pela entidade responsável / Seguradora, assim enquanto parte interessada, não comportando aliás a forma processual utilizada o ato de apresentação de articulado de contestação, aquela invocação deveria, então, nos termos que antes o dissemos, ser efetuada logo no primeiro momento em que a mesma Entidade teve oportunidade legal e processual de se pronunciar, assim, por aí estar representada, antes de ser dado por findo o ato em que intervinha (de realização da tentativa de conciliação das partes), no seguimento da notificação que lhe foi feita quanto à forma processual que se determinou que seria utilizada para ser dado início à fase contenciosa, assim que seria a estabelecida nos artigos “117.º, n.º 1, al. b), 119.º e 138.º, n.º 2 do CPT)”, o que não fez, ou, porventura, o que se considera que poderia e deveria fazer, mais uma vez pelas razões antes mencionadas, dentro do prazo de 20 dias que lhe foi concedido para requerer a abertura da fase contenciosa, através do requerimento a que aludem a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º e n.º 2 do artigo 138.º, ambos do CPT. Dito de outro modo, entendendo que ocorreria o erro na forma do processo que só agora invocou no recurso que interpôs da decisão final, que aliás interferiria também afinal com a prática daquele ato que havia sido determinado que praticasse, dentro do prazo concedido, ou no limite com a prática do ato determinado, deveria invocar, por se tratar do último momento em que o poderia fazer, a ocorrência desse erro na forma do processo, e não, como o fez, remetendo-se ao puro silêncio processual – repare-se que era conhecedora, nos termos antes ditos, de que havia sido determinado que os autos aguardassem pelo decurso do prazo para que, precisamente ela / Seguradora, requeresse a abertura da fase contenciosa através do requerimento a que aludem a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º e n.º 2 do artigo 138.º, ambos do CPT, importando não esquecer que resulta também da parte final deste último normativo que se esse requerimento não for apresentado “o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”.
Neste contexto, importa relembrar que, como antes o dissemos, quanto à possibilidade e momento de invocação do erro na forma do processo pela parte interessada, matéria expressamente regulada no CPC, resulta que esse só pode ser arguida “até à contestação ou neste articulado” (n.º 1 do artigo 198.º), o que permite, pelas razões que antes afirmámos, ao ter-se por aplicável esse regime, com as necessárias adaptações, à do ato de apresentação do requerimento a que alude o n.º 2 do artigo 138.º do CPT, que se apresenta então como extemporânea a sua invocação já depois de ultrapassado esse momento, assim, no caso, apenas no recurso que veio a interpor-se da sentença – de resto, ainda, sempre seria de ponderar se a falta de prática desse ato no prazo concedido não se traduziria em renúncia, pelo menos tácita, à arguição, nos termos estabelecidos no n.º 2 do artigo 197.º do CPC.
Por outro lado, a respeito do modo como deve ser feita a invocação, importa ainda ter presente que, como aliás é consabido, quanto às nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo – vício formal que pode consistir: a) na prática de um ato proibido; b) na omissão de um ato prescrito na lei; c) na realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas[3] –, dessas, em princípio, cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, sendo que só assim não ocorrerá quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação. Assim o afirmava já o Professor Alberto dos Reis[4], com a autoridade que reconhecidamente lhe é reconhecida, cujos ensinamentos neste âmbito se têm por atuais, ao referir o seguinte: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo.”[5]
Assim o relembrámos pois que, no caso, em resposta à pergunta sobre se a nulidade invocada de erro na forma do processo poderia estar ou não a coberto da sentença recorrida, a resposta terá de ser necessariamente negativa, na medida em que o Tribunal dessa não conheceu, o que poderia ter feito, sendo esse o caso, oficiosamente. E, ao ser assim, porque, como antes o dissemos, a forma utilizada foi determinada por decisão do Ministério Público no próprio auto de realização da tentativa de conciliação, caso entendesse que não era essa a forma processual ajustada – ao ter determinado que os autos seguissem uma forma de processo que considerava inadequada, ao ter determinado que os autos aguardassem “pelo decurso do prazo para a seguradora requerer a abertura da fase contenciosa (arts. 117.º, n.º 1, al. b) 119.º e 138.º, n.º 2 do CPT)” –, impunha-se que a aqui Recorrente, dentro do prazo legal, nos termos já ditos, tivesse expressamente arguido perante o Tribunal recorrido a ocorrência dessa nulidade, sob pena de, não o fazendo, se apresentar como claramente intempestiva, por já ter precludido a possibilidade de o fazer, a invocação que apenas veio a fazer mais tarde, assim no presente recurso. Repete-se, em face daquela decisão, que tinha diretamente subjacente a utilização da forma de processo que agora se diz inadequada, poderia/deveria a Seguradora / aqui recorrente, caso da mesma divergisse, reagir contra essa decisão, invocando a nulidade perante o tribunal de 1.ª instância, o que não fez.
Por último, como no acórdão de 14 de junho de 2020 – apelação n.º 1734/18.9T8VLG.P1 – aqui acrescentaremos também que, podendo é certo questionar-se “a bondade (ou não) da solução que o legislador estabeleceu no CPC para a arguição e conhecimento da nulidade por erro na forma do processo, assim designadamente ao limitar a possibilidade da sua invocação e ainda do seu conhecimento aos momentos que expressamente previu – em particular no que diz respeito ao seu conhecimento oficioso, assim ao estipular que o seja no despacho saneador ou, não o havendo, até à sentença final”, “no entanto, sendo evidente que quanto a outros vícios optou por solução diversa, nomeadamente permitindo a respetiva arguição em qualquer estado do processo enquanto não devam considerar-se sanados (assim as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º, como resulta do n.º 2 do artigo 198.º) e quanto ao poderem ser suscitadas pelo tribunal que o possa ser em qualquer estado do processo, mais uma vez enquanto não devam considerar-se sanadas (assim, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 200.º do CPC, as nulidades previstas no artigo 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e no artigo 194.º), a não inclusão no âmbito desse regime da nulidade por erro na forma do processo pode ter-se como decorrente de uma opção do mesmo legislador, por ter certamente considerado que não assumiria afinal a relevância e gravidade daquelas, no pressuposto de que, ainda que esta última pudesse ocorrer, seria bastante, por acautelar esse processamento de modo suficiente os interesses em causa, limitar o seu conhecimento à fase do saneamento do processo (em que afinal se aferem dos demais pressupostos da instância em termos daquela estabilização) ou, não havendo lugar a esse, então até ao momento em que fosse proferida a sentença. Ou seja, se quanto àqueles primeiros vícios a opção é a de permitir a sua invocação e conhecimento a todo o tempo, assim pois também por exemplo em sede de recurso, já quanto ao erro na forma do processo assim não o é, do que decorre, pois, o que ao caso importa, que nos termos anteriormente já afirmados, não possa o Recorrente invocar o vício em causa apenas em fase recursiva, como o fez”.
Deste modo, concluindo, porque intempestivamente invocada, não se conhece da questão da invocada existência de eventual erro na forma do processo.

2. Demais questões
Em face das conclusões apresentadas, excluindo as dirigidas apenas expressamente à questão que apreciámos anteriormente, apenas referindo a Recorrentes, assim na conclusão 10.ª – aliás ligada à conclusão anterior em que refere que, podendo os factos que permitem decidir as questões relativas à fixação dos períodos de incapacidade temporária e à determinação da data da alta podem ser objeto de outros meios de prova para além da que resulta da junta médica – designadamente, prova documental ou exame pericial previsto nos artigos 467.º e ss. do Código de Processo Civil, para determinação do nexo causal entre as lesões e os alegados períodos de incapacidade temporária e a data da alta –, que no caso dos autos já constava do processo prova documental relativa à data da alta propugnada por ela Recorrente, importa então esclarecer que, sequer se referindo afinal qual foi o objetivo perseguido com tal invocação, a única conclusão a retirar é a de que, apenas se podendo ter como eventualmente relacionada com a factualidade que foi dada como provada na sentença, então, sequer o recurso foi expressamente dirigido à impugnação da matéria de facto – de resto, caso se entendesse que teria sido essa a intenção, então não teriam sido minimamente cumpridos os ónus legais estabelecidos, sob pena de rejeição do recurso nessa parte, no artigo 640.º do CPC –, a que acresce, agora no âmbito da aplicação do direito, que, excluído o dirigido à questão do erro na forma do processo, desde logo para a eventualidade de não lograr obter ganho quanto a essa questão, nenhum argumento jurídico dirigiu a Recorrente à sentença tendente a infirmar essa aplicação do direito, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra, quando, como é comummente afirmado e o temos dito em outros arestos, impendia sobre ela, enquanto o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, tais argumentos, assim no sentido de justificarem o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que este Tribunal superior os pudesse apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
Por decorrência do exposto, sem necessidade de outras considerações, resta-nos concluir pela improcedência do presente recurso.

Decaindo, a responsabilidade pelas custas impende sobre a Recorrente (artigo 527.º do CPC).
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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC –, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV. Decisão:
Em conformidade com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, não conhecendo da nulidade invocada por erro na forma do processo, em declarar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 27 de fevereiro de 2023
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
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[1] Vejam-se, no sentido da adequação da forma utilizada no caso e defendida pelo Apelado o Acórdão de 15 de novembro de 2021, Relatora Desembargadora Paula Leal Carvalho, e no sentido defendido pela Recorrente o Acórdão de 18 de dezembro de 2018, Relator Desembargador Jerónimo Freitas - este, porém, com um voto de vencido do aqui relator, sustentando entendimento idêntico ao afirmado no acórdão antes mencionado de 15 de novembro de 2021. Mais recentemente, também no Acórdão desta Relação de 3 de outubro de 2022, ao que se sabe não publicado, foi afirmado entendimento conforme o referido voto de vencido, que aliás se cita – Relatora Desembargadora Teresa Sá Lopes, aqui 1.ª Adjunta, com intervenção do aqui 2.º Adjunto.
[2] Relatado pelo aqui também relator e com intervenção deste mesmo Coletivo, in www.dgsi.pt.
[3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 387
[4] In Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 507
[5] No mesmo sentido, com idêntica relevância, Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183), Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393) e Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134).