Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4796/20.5T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RETRIBUIÇÃO
RECIBO
REMUNERAÇÃO DE BASE
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
IRREDUTABILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
FORMA DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RP202302274796/20.5T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos dos arts. 267º, nº 5, do CT/2003 e 276º, nº 2, do CT/2009, o empregador deve entregar ao trabalhador, até ao pagamento da retribuição, documento de onde conste, para além do mais, a retribuição base e as demais prestações pagas (bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber), documento esse que se destina a dar a conhecer ao trabalhador do que vai receber e a que título o recebe.
II - A remuneração de base é a componente retributiva que corresponde à atividade do trabalhador no seu período normal de trabalho, devendo, para o efeito, ser fixado um montante certo ou determinável em função do tempo normal de trabalho prestado (arts. 250º, nº 2, al. a), do CT/2003 e 262º, nº 2, al. a), do CT/2009), não sendo, nem podendo ser indeterminável e variável em função do trabalho suplementar que seja prestado (o trabalho suplementar é que há-de ser determinado em função da remuneração de base).
III - Pese embora, por lei, o pagamento do subsídio de alimentação não seja devido em período de férias e nos subsídios de férias e de Natal, nada obsta a que as partes acordem no seu pagamento durante 14 meses por ano.
IV - A diminuição da retribuição é proibida nos termos do art. 129º, nº 1, al. d), do CT/2009, mesmo que com o acordo do trabalhador.
V - Tendo as partes acordado que a retribuição é “atualizável anualmente com percentagem que vier a ser definida no âmbito do contrato coletivo dos farmacêuticos”, é a atualização, na respetiva percentagem, indexada às atualizações que venham a ser previstas no CCT dos farmacêuticos, não se restringindo, prevendo ou condicionando, em tal acordo, o início dessa atualização ao decurso do prazo de um ano após o início do contrato, nem a atualização, no mesmo ano em que o contrato é celebrado, contraria qualquer preceito legal ou clª do CCT (o qual, por via do princípio da filiação, não é aplicável ao caso, apenas o sendo nos termos e medida do que foi convencionado pelas partes, ou seja, apenas quanto à atualização da retribuição tendo por base a percentagem das atualizações operadas pelo CCT dos farmacêuticos).
VI - Nos termos do CT/2009, a forma de pagamento do trabalho suplementar é mediante o pagamento do previsto no art. 268º, nº 1, e não mediante a concessão de folgas, não podendo tal forma de pagamento ser alterada por contrato individual de trabalho, ainda que com o acordo do trabalhador (art. 3º, nº 4, do CT/2009 e já assim o dispunha o art. 4º, nº 3, do CT/2003), sendo irrelevante as circunstâncias económico-financeiras da Ré e o (eventual) acordo da A. à substituição da mencionada retribuição pela prestação de trabalho suplementar por folgas
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 4796/20.5T8VNG.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1314)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra A..., Ld.ª, pedindo que se condene a R. a: considerar ser a retribuição o montante líquido acordado de €2.225, com efeitos a partir de 1 de março de 2008; considerar nulo o acordo celebrado em 12 de abril de 2013 entre A. e R.; considerar que a A. tem direito às atualizações anuais com as percentagens que já se encontram e que vierem a ser definidas no âmbito do Contrato Coletivo entre a ANF - Associação Nacional das Farmácias e o SNF - Sindicato Nacional dos Farmacêuticos; pagar à A. a quantia líquida de €125.345,52 a título de diferenças salariais desde 1 de março de 2008, inclusive, até ao início da presente instância, bem como a pagar à A. todas as diferenças salariais líquidas que se vencerem a partir da data de entrada da presente ação e até integral pagamento; pagar à A. juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento; considerar que o período normal de trabalho da A. é de 40h, de segunda a sexta; considerar ilegal a alteração do período normal de trabalho preconizada pela R.; repor o período normal de trabalho de 40h, de segunda a sexta; pagar à A. a retribuição devida pela prestação de trabalho suplementar, a liquidar em execução de sentença, correspondente às horas que a mesma trabalhou aos sábados e domingos desde 1 de novembro de 2019 para além do seu período normal de trabalho, acrescido de juros de mora contados à taxa legal.
Alegou, para tanto e em síntese, que é diretora técnica de farmácia e que celebrou com a Ré, aos 22.02.2008, acordo nos termos do qual convencionaram que esta lhe pagaria a retribuição base mensal líquida de €2.225,00, que a mesma seria atualizada por referência à percentagem das atualizações salariais estipuladas no âmbito do contrato coletivo dos farmacêuticos e que o seu período normal de trabalho seria de 40 horas semanais, de 2ª a 6ª feira, sendo o sábado e domingo os dias de descanso complementar e obrigatório, respetivamente. Não obstante, a Ré não só não procedeu às mencionadas atualizações, como lhe impôs que aceitasse uma diminuição da respetiva retribuição para a remuneração base mensal ilíquida de €2.600,00, para além de lhe ter imposto uma alteração das suas horas de trabalho semanal, com impacto no seu dia de descanso complementar, forçando-a a trabalhar para além do seu horário normal de trabalho sem a remunerar em conformidade.

Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, a Ré contestou a ação, defendendo, em síntese, que as alterações à retribuição e à forma como A. era compensada pelo trabalho prestado a mais foram pela mesma aceites, não tendo merecido qualquer oposição ao longo do tempo. Por outro lado, o valor retributivo acordado com a A. em fevereiro de 2008 abrangia já a compensação pelo trabalho suplementar prestado. Mais diz que sempre pagou à A. retribuições acima dos valores das tabelas salariais fixadas pelos Instrumentos de Regulamentação Coletiva aplicáveis.

Fixado à ação o valor de €125.345,52, proferido despacho saneador tabelar, dispensada a indicação do objeto do litígio e temas da prova e realizada a audiência de julgamento (sessões de 21.10.2021, 16.11.2021, 14.12.2021, 10.01.2022 e 11.01.2022), foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) reconheço que a retribuição da A., AA, a pagar pela R., A..., Ld.ª, é do montante líquido mensal de €2.225 (dois mil duzentos e vinte e cinco euros), com efeitos a partir de 1 de março de 2008, inclusive;
b) declaro nulo o aditamento outorgado pela A. e pela R. em 12 de abril de 2013, no que concerne ao naquele acordado em termos retributivos;
c) condeno a R. a pagar à A., a título de diferenças salariais no período compreendido entre março de 2008 e junho de 2020, tudo inclusive, a quantia global líquida de €125.448,89 (cento e vinte e cinco mil quatrocentos e quarenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos), à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aquele valor, até efetivo e integral pagamento;
d) mais condeno a R. a pagar à A. todas as diferenças salariais que se tenham vencido desde julho de 2020, até efetiva regularização da retribuição líquida a que se aludiu em a), a liquidar em sede de execução de sentença, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aquelas diferenças, até efetivo e integral pagamento;
e) ainda condeno a R. a pagar à A. os montantes que, em sede de execução de sentença, forem calculados a título de retribuição pelo trabalho suplementar prestado pela segunda em benefício da primeira a partir de 1 de novembro de 2019, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aqueles quantitativos, até efetivo e integral pagamento;
f) absolvo a R. do restante peticionado;
g) absolvo a A. do pedido da sua condenação como litigante de má-fé;
h) condeno a A. e a R. nas custas do processo, na proporção de vinte por cento para a primeira e de oitenta por cento para a segunda.”

Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
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136) Assim, apodíctico é que a douta sentença recorrida deve ser revogada, por violar, entre outros, os seguintes preceitos legais: art.ºs n.º s 2.º; 3.º, n.º 3; 5.º; 6.º; 154.º; 423.º; 466.º; 607.º, n.º 3 e 4; 608.º; 615.º, n.ºs c) e d) todos do CPC ex vi art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT; art.ºs 129.º, n.º 1, alínea d); 258.º; 266.º; 268.º; 269.º e seguintes do Código do Trabalho; art.ºs 236.º a 238.º, 405.º do Código Civil; a CCT entre a ANF e o SNF publicada no BTE n.º 33/2006, de 08/09; art.ºs 13.º, 20.º, 202.º e 205.º da CRP.
Termos em que revogando-se a douta sentença sub juditio e proferindo-se acórdão que acolha as conclusões precedentes (…)”

A A. contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso [não formulou conclusões].

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual apenas a Recorrente respondeu, dele discordando.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

Pela 1ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Atenta a prova produzida, considero assente, com relevo para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
1) A R. integra no seu acervo um estabelecimento comercial de farmácia de oficina denominada “Farmácia ...”, sito na Rua ..., ..., em Vila Nova de Gaia, dedicando-se, de forma habitual, ao comércio de venda de medicamentos ao público nesse mesmo estabelecimento, nos termos do regime jurídico das farmácias de oficina;
2) A A. é trabalhadora da R. mediante contrato de trabalho sem termo e a categoria de Diretora Técnica, com o período normal de trabalho semanal de 40 horas;
3) A antiguidade da A. reporta-se a 1 de agosto de 1997;
4) A A. explorou, em seu nome, o referido estabelecimento comercial denominado “Farmácia ...”, na qualidade de proprietária e de Diretora Técnica, entre agosto de 1997 a fevereiro de 2008;
5) Em 22 de fevereiro de 2008 e tendo em conta a transmissão que se iria realizar a favor da R. do estabelecimento comercial de farmácia de oficina denominado “Farmácia ...”, A. e R. celebraram um acordo tendo em vista a continuidade da prestação de trabalho da A. como Diretora Técnica e assim garantir determinados direitos a favor da mesma, que designaram por “direitos especiais”, tendo estabelecido no referido acordo escrito, entre outras cláusulas, o seguinte: “Cláusula Primeira: No caso de transmissão da farmácia para a titularidade do primeiro outorgante ou da sua representada, ou ainda no caso de alienação a terceiros, a segunda outorgante manterá a qualidade de directora técnica de farmácia, auferindo o vencimento mensal de dois mil e duzentos e vinte e cinco euros líquidos, isto é, deduzido das quantias a reter na fonte a título de imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social”; “Cláusula Segunda: A remuneração a que acima se faz referência, será liquidada catorze vezes por ano à segunda outorgante, sendo actualizável anualmente com a percentagem que vier a ser definida no âmbito do contrato colectivo dos farmacêuticos”; “Cláusula Terceira: A remuneração acima indicada já inclui o subsídio de alimentação e o serviço extraordinário que a segunda outorgante terá de prestar, como habitualmente, nos dias de serviço nocturno da farmácia”; “Cláusula Quarta: A segunda outorgante prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais de Segunda a Sexta-feira, nos termos habituais.”; “Cláusula Quinta: Para todos os efeitos legais, designadamente para a salvaguarda dos direitos resultantes da antiguidade da segunda outorgante na direção técnica da farmácia, o contrato de trabalho celebrado com a segunda outorgante considera o dia 1 de Agosto de 1997, data em que começou a prestar funções na referida farmácia.”; “Cláusula Oitava: O presente acordo produz efeitos a partir do início do mês seguinte ao da transmissão da farmácia, da titularidade da segunda outorgante”;
6) Em 29 de fevereiro de 2008 veio a ser celebrado um contrato de trespasse através do qual a R. adquiriu à A. o estabelecimento comercial denominado “Farmácia ...”;
7) Continuando a A., após essa data, a exercer as suas funções, sob a autoridade e direção da R., com o período normal de trabalho semanal de 40 horas e a categoria de Diretora Técnica, que mantém até hoje;
8) Tendo em conta o trespasse efetuado, o acordo estabelecido entre A. e R. e a que se aludiu em 5) entrou em vigor em 1 de março de 2008;
9) A R., na pessoa do seu sócio gerente BB, propôs à A. uma alteração da sua retribuição base e do seu período normal de trabalho semanal, dizendo-lhe que era necessário para evitar despedimentos;
10) Para tanto, apresentou à A. um acordo escrito datado de 12 de abril de 2013, denominado “Primeiro Aditamento ao Acordo de 22/02/2008”;
11) A A., com receio de que ocorressem despedimentos, assinou, em 12 de abril de 2013, o aditamento referido em 10), do qual consta o seguinte: “Cláusula Primeira: a segunda outorgante passará a auferir um vencimento mensal de dois mil e seiscentos euros ilíquidos, acrescido do subsídio de refeição, sobre o qual serão efetuados os descontos legais, sendo atualizável, de acordo com a evolução do setor, na percentagem que vier a ser definida no âmbito do Contrato Coletivo de trabalho dos Farmacêuticos. Cláusula Segunda: a segunda outorgante prestará os serviços extraordinários que se mostrem necessários, sendo compensada pelos mesmos, nos termos legais. Cláusula Terceira: a segunda outorgante prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais, de acordo com o funcionamento da Farmácia. Cláusula Quarta: o presente aditamento produz efeitos a partir do início do mês de Abril do corrente ano. Cláusula Quinta: em tudo o mais mantém-se em vigor o acordo ora aditado.”;
12) Após o dia 12 de abril de 2013 a A. continuou a desempenhar as mesmas funções que vinha desempenhando enquanto Diretora Técnica, com o mesmo período normal de trabalho – de 40 horas, de segunda a sexta – e o mesmo nível de responsabilidade;
13) A A., desde março de 2008 até junho de 2020, auferiu as seguintes retribuições líquidas:



14) A A. auferiu ao serviço da R. as seguintes remunerações-base: €3.000 em março de 2008, €3.200 desde maio de 2008 a dezembro de 2009, €3.275 desde janeiro de 2010 até março de 2013 e €2.600 desde maio de 2013 até junho de 2020;
15) O período normal de trabalho praticado pela A., desde 1 de agosto de 1997 até 31 de março de 2013, foi de 40h semanais, de segunda a sexta, sendo o sábado e o domingo os dias de descanso semanal complementar e obrigatório, respetivamente;
16) O descanso complementar foi usufruído pela A. ao sábado entre 1 de agosto de 1997 e 31 de março de 2013, sem qualquer modificação e de forma uniforme e pacífica;
17) Nas horas noturnas a A. mantinha-se, na sua residência ou noutro lado qualquer, em disponibilidade e permanência para qualquer chamada (pedido de esclarecimento) que os ajudantes técnicos de farmácia, que se encontravam na farmácia, entendessem necessário;
18) No momento do trespasse da farmácia o quadro de pessoal era composto por um único farmacêutico (a A.) e por quatro ajudantes técnicos de farmácia;
19) Previamente à marcação da escritura de trespasse foram negociadas entre a A. e o sócio gerente da R. as condições do contrato de trabalho a estabelecer entre ambas as partes;
20) Após o contrato de trespasse da farmácia e no fim do mês de março de 2008, a R. preparou com a sua contabilidade a emissão do recibo de vencimento da A.;
21) Face a isso foi reclamado pela A. que o vencimento ilíquido constante do recibo tinha um erro, pois que deveria ser o valor de €3.200, e não o de €3.000;
22) A R. corrigiu o erro praticado pelos serviços de contabilidade, o que determinou o pagamento dessa diferença;
23) A R. não acordou com a A. o pagamento, quer do I.R.S., quer da T.S.U. devido pela A.;
24) Nunca a A. apresentou à R. a liquidação anual do seu I.R.S. para que, se coubesse à R. pagar o seu I.R.S., fossem acertadas contas entre o valor retido e valor pago;
25) Foi esse o entendimento que, sem qualquer divergência ou reclamação de qualquer das partes, se manteve ao longo dos anos;
26) Nunca a A. reclamou, fosse por escrito, fosse verbalmente, dos montantes que a R. lhe pagou, até ao momento da propositura da presente ação;
27) O aditamento efetuado em 12 de abril de 2013 ao acordo de 22 de fevereiro de 2008 foi determinado pelas consequências da situação económica do país e do mundo;
28) Portugal entrou em crise económica no ano de 2011, obrigando o recurso ao financiamento externo, com caracter de urgência;
29) No dia 17 de maio de 2011 foi subscrito um memorando de entendimento entre o Estado Português, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, no qual foi imposto ao Estado Português o cumprimento de medidas, cuja implementação foi calendarizada, por forma a atingir objetivos de equilíbrio económico e financeiro;
30) O setor farmacêutico, para possibilitar uma redução na despesa pública com medicamentos, sofreu constrangimentos na sua atividade, quer por imposição de uma margem comercial regressiva e de um valor fixo para as farmácias, quer por imposição de descontos sobre os valores faturados na venda de medicamentos;
31) Também foram acordados vários procedimentos para promover a flexibilidade dos tempos de trabalho, incluindo as modalidades que permitiram a adoção do regime laboral do “banco de horas”, por acordo mútuo entre empregadores e trabalhadores ou negociado ao nível da empresa, visando a redução dos custos do trabalho extraordinário;
32) Em março e abril de 2013, face aos constrangimentos com que as farmácias (incluindo a Farmácia ...) se deparavam, a R. reuniu com todos os trabalhadores da farmácia no sentido da aplicação das normas previstas no Código de Trabalho e no Contrato Coletivo para disciplinar a prestação dos serviços suplementares (serviços de reforço e de turnos);
33) Todos os trabalhadores, incluindo a A., entendendo os motivos, aceitaram a aplicação das regras constantes do Código de Trabalho e do Contrato Coletivo que estava em vigor;
34) Na sequência, foi celebrado, em 12 de abril de 2013, o aditamento ao acordo de 22 de fevereiro de 2008, que visou adaptar o serviço extraordinário ou suplementar que era prestado pela A. e pelos demais trabalhadores às novas regras do custo do trabalho noturno e suplementar e em dias feriados;
35) Esse acordo foi assinado por ambas as partes de forma livre e esclarecida;
36) E teve como pressupostos os seguintes: “a) se alteraram as condições em que foi celebrado o acordo ora aditado, nomeadamente, b) as Farmácias do Concelho de Vila Nova de Gaia, por alteração dos métodos estabelecidos pela Administração Regional de Saúde (ARS), tiveram uma redução muito significativa dos dias e horas de serviços permanentes; c) A segunda outorgante, dado a Farmácia ... ter tido uma redução muito significativa dos dias e horas de serviço permanente, será compensada pelos serviços extraordinários, que preste, nos mesmos termos legais em que o são os demais colaboradores da Farmácia. d) a situação económica e tributária atuais, impõem que, na salvaguarda da viabilidade económica da farmácia e dos postos de trabalho, sejam tomadas medidas de eficiência e correção de desequilíbrios;”;
37) Foi atendendo a esses pressupostos que foi acordado que a A. passaria a receber o vencimento mensal ilíquido de € 2 600, acrescido do subsídio de refeição, valores esses sujeitos aos descontos legais, atualizável de acordo com a percentagem que viesse a ser definida no C.C.F.;
38) Nos anos de 2008 a 2013, à Farmácia ... foram atribuídos os seguintes serviços: ano de 2008, 52 serviços, sendo 30 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 22 de reforço até às 22 horas; ano de 2009, 53 serviços, sendo 31 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 22 de reforço até às 22 horas; ano de 2010, 52 serviços, sendo 30 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 22 de reforço até às 22 horas; ano de 2011, 43 serviços, sendo 26 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 17 de reforço até às 22 horas; ano de 2012, 24 serviços, sendo todos de serviço permanente (inclui o serviço noturno); ano de 2013, 18 serviços, sendo todos de serviço permanente (inclui o serviço noturno);
39) Ao contrário do que acontecia antes de 1 de abril de 2013, desde que foi acordado o aditamento ao acordo de 2008 a A. foi sempre compensada, em folgas, pelo trabalho em dias feriados e suplementar que prestou;
40) A R., após comunicação ao Infarmed, alterou, a partir do quarto trimestre de 2019, o horário de funcionamento da Farmácia ..., que passou a ser o seguinte:

41) Previamente, a R. auscultou a opinião de todos os trabalhadores;
42) A A. e outro colaborador manifestaram a sua discordância quanto à abertura ao sábado à tarde, invocando que, “o utente que vier à tarde também poderá vir de manhã”;
43) A alteração do horário, especialmente com a abertura ao sábado à tarde, tem-se mostrado do agrado dos utentes e benéfica para os interesses da farmácia;
44) Ao longo dos anos de 2013 a 2020 a A. efetuou trabalho suplementar em alguns Sábados e Domingos e trabalhou em dias feriados, recebendo a respetiva compensação em folgas;
45) A A., enquanto diretora técnica, tem como funções: a) assumir a responsabilidade pela execução de todos os atos farmacêuticos praticados na farmácia, cumprindo-lhe respeitar e fazer respeitar os regulamentos referentes ao exercício da profissão farmacêutica, bem como as regras de deontologia, por todas as pessoas que trabalham na farmácia ou que têm qualquer relação com ela; b) prestar ao público os esclarecimentos por ele solicitados, sem prejuízo da prescrição médica, e fornecer informações ou conselhos sobre os cuidados a observar com a utilização dos medicamentos aquando da entrega dos mesmos sempre que no âmbito das suas funções o julgue útil ou conveniente; c) manter os medicamentos e substâncias medicamentosas em bom estado de conservação de modo a serem fornecidos nas devidas condições de pureza e eficiência; d) promover que na farmácia sejam observadas boas condições de higiene e segurança; e) prestar a sua colaboração às entidades oficiais;
46) A A. é substituída nas suas ausências e impedimentos pela farmacêutica substituta Dr.ª CC, ou por outro farmacêutico;
47) A organização das escalas de serviço para assegurar o normal funcionamento da farmácia é efetuada semanalmente por documento afixado, com antecedência, no estabelecimento;
48) A A. sabe com antecedência quais os dias e horas que durante cada uma das semanas lhe cabem efetuar;
49) A R., desde 1 de abril de 2013, sempre respeitou o período normal de 40 horas semanais de trabalho da A., compensando-a nos serviços suplementares com folgas, que são marcadas pela própria A.;
50) A R. solicitou uma reunião com todos os trabalhadores, no início do mês de janeiro de 2020, a ser realizada após o fecho ao público, para avaliar e transmitir os resultados da alteração do horário da farmácia;
51) A A., invocando motivos particulares, foi o único dos trabalhadores que faltou àquela reunião.
Os factos não provados:
Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
a) A A. efetuasse serviços noturnos presenciais (a partir das 22h) e apresentasse-se uma hora antes da abertura da farmácia;
b) Fosse do interesse da A. auferir um vencimento mensal superior ao determinado pelo Contrato Coletivo de Trabalho (CCF) estabelecido entre a ANF – Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos;
c) E que ficasse estabelecido um valor que remunerasse a A. pelos serviços suplementares que continuaria a prestar;
d) A A. não pretendesse ter de apresentar, mensalmente, a relação dos serviços extraordinários que prestaria;
e) Da parte da R., fosse interesse que não houvesse alterações nos serviços prestados pela A., devendo a mesma assegurar que, diariamente, continuaria a preparar a abertura da farmácia, apresentando-se nesta cerca de uma hora antes da abertura;
f) A partir de novembro de 2019 a R., sem consulta ou acordo da A., tenha imposto que esta trabalhasse também aos sábados, dentro das 40h acordadas;
g) O gozo do descanso complementar ao sábado tenha sido, para a aqui trabalhadora, um elemento essencial ao contrato de trabalho celebrado entre A. e R.;
h) A duração e estabilidade do período normal de trabalho acordada entre as partes e consolidado pelo decurso do tempo tenha gerado na A. a convicção de que o sábado se manteria como o seu dia de descanso complementar até ao final da relação de trabalho;
i) Durante o período de abertura ao público da farmácia (entre as 9h e 20h) a A. não tivesse disponibilidade de tempo para organizar e preparar as receitas pendentes do dia, verificar as encomendas de fornecedores, para elaborar e preparar os mapas de psicotrópicos e outros produtos (estupefacientes) de controlo apertado, estudar e implementar as comunicações e circulares das entidades oficiais e apurar as necessidades para o dia a iniciar; j) Fosse também interesse da R. que a A. assegurasse, em disponibilidade e permanência, como assegurava, os serviços noturnos que a farmácia estava obrigada a efetuar, conforme escala aprovada, anualmente, pela Administração Regional de Saúde, para as farmácias do concelho de Vila Nova de Gaia;
k) Após várias reuniões tenha sido acertado entre ambas as partes que a A. ficaria com um ordenado ilíquido de €2.500, acrescido de um valor médio mensal de €700 correspondente ao serviço extraordinário que, como habitualmente, prestaria, e ainda ao subsídio de refeição, o que tudo importaria num valor líquido de €2.225;
l) A partir do mês de abril de 2008 os recibos de vencimento emitidos hajam sido recebidos e assinados pela A. sem qualquer reclamação;
m) O valor líquido mensalmente creditado na conta da A. correspondesse ao valor ilíquido de €2.500, acrescido de €700 para remuneração do trabalho extraordinário, ao subsídio de alimentação correspondente aos dias de trabalho efetuado, deduzidos os impostos imputáveis à A. (taxa social única e I.R.S. de acordo com as tabelas de retenção publicadas);
n) A indicação do valor líquido, constante do contrato celebrado em 22 de fevereiro de 2008, tenha visado tão-somente estabelecer o valor que determinaria a quantificação do valor ilíquido no primeiro recibo de vencimento;
o) Quando foi celebrado o acordo de 22 de fevereiro de 2008 já estivesse em fase final a negociação da tabela salarial, sendo do conhecimento de ambas as partes que a atualização teria efeitos retroativos à data de 1 de janeiro de 2008;
p) A A., após aconselhamento jurídico de advogado, que interpelou a própria R., haja reafirmado a sua aceitação quanto aos termos do aditamento referido em 10);
q) De março de 2008 a abril de 2013 a A. tenha efetuado sempre trabalho extraordinário, sem qualquer outra compensação ou remuneração ou folgas;
r) O aditamento de 12 de abril de 2013 tenha sido assinado e entregue pela A. vários dias depois de o ter recebido da R. e após um advogado, por si indicado, ter solicitado esclarecimento à R. quanto ao facto de se prever (na cláusula terceira) a prestação do trabalho de acordo com o funcionamento da farmácia;
s) Desde 1 de abril de 2013 tenha sido reorganizado o serviço da R., deixando a A. de ter necessidade de efetuar o trabalho extraordinário, que até então efetuava, antes da abertura ao público;
t) Seja função da A., enquanto Diretora Técnica, promover as medidas destinadas a manter um aprovisionamento suficiente de medicamentos;
u) A A. goze as folgas a que se aludiu em 49), por antecipação.
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III. Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
São, assim, as questões suscitadas pela Recorrente:
a. Nulidades de sentença;
b. Impugnação da decisão da matéria de facto;
c. Retribuição da A.;
d. Da validade do aditamento ao contrato de trabalho de 12.04.2013 e inexistência de diminuição da retribuição da A.;
e. Da atualização da remuneração da A.:
e.1. Se a remuneração de base sempre foi sucessivamente atualizada em percentagem superior à entrada em vigor das sucessivas CCT entre a ANF e o SNF;
e.2. subsidiariamente, se deve apenas a Recorrente ser condenada a pagar as diferenças salariais no período compreendido entre Março de 2008 e Junho de 2020 e as vincendas após Julho de 2020, sobre o salário liquido de 2.225,00€ a contar de 01/03/2010, o que totaliza a quantia de 77.270,36€.
e.3. Subsidiariamente e considerando a aplicação do CCT publicado no BTE n.º 24/2006, da percentagem da atualização (se de 8,33% e não de 16,6253992% considerada na sentença) e se deve apenas a Recorrente ser condenada a pagar as diferenças salariais no período compreendido entre Março de 2008 e Junho de 2020 e as vincendas após Julho de 2020, sobre o salário líquido de 2.225,00€ a contar de 01/03/2009, o que totaliza a quantia de 90.185,80€.
f. Se a A. sempre prestou trabalho suplementar e noturno e foi remunerada por ele.
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IV. Fundamentação

1. Das nulidades de sentença

1.1. Diz a Recorrente que a sentença é nula (art. 615º, nº 1, al. c), do CPC) por contradição dos nºs 12, 15, 16 e 17 com os nºs 38 e 39, todos dos factos provados.
Dispõe o citado art. 615º, nº 1, al. c) que é nula a sentença quando: “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A situação invocada pela Recorrente não está sujeita ao regime de nulidades de sentença previsto no citado art. 615º, nº 1, al. c), , mas sim ao regime previsto no art. 662º, nº 2, al. c), do mesmo, o qual dispõe que: “2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…); c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta[sublinhado nosso].
Ora, é nesta situação – art. 662º, nº 2, al. c) – que se poderá enquadrar processualmente a (eventual) contradição invocada pela Recorrente, o que adiante será apreciado com esse enquadramento processual.
Improcede assim a alegada nulidade de sentença.

1.2. Invoca ainda a Recorrente, nas conclusões 11ª a 15ª, a nulidade de sentença por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC] referindo que: “11. (…) o tribunal, ao decidir a matéria de facto e de direito como decidiu, proferiu uma decisão contraditória, ambígua, omissa e desajustada, tendo feito uma errada aplicação e interpretação do direito ao caso sub juditio. 12) Porque não realizou a análise crítica da matéria de facto alegada, sem a confrontar com o teor dos documentos juntos, quer com a petição inicial, nomeadamente todo o teor do documento n.º 2 junto, quer com a contestação e outros requerimentos avulsos e demais meios de prova é nula. 13) Existe ainda no processo, mormente, um requerimento em que a Recorrente invoca o Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 33/2006, de 08 de Setembro de 2006 que fixa que o valor da retribuição de um Director Técnico de Farmácia é de 1.800,00€ ilíquidos e não os 1.672,06€ fixados pelo BTE n.º 24/2005, de 29 de Junho; 14) Relativamente a esta questão, concomitantemente de facto e de direito, o Tribunal não se pronunciou, como tal, também por aqui, a decisão do tribunal é nula e dela nenhum efeito se retira; 15) Pelo que, deve ser revogada na totalidade a sentença ora em dissídio, devendo ser admitido e declarado procedente o presente recurso, determinando-se assim o prosseguimento dos Autos, com as demais consequências legais.”
Como é sabido, as nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença.
Como dizem José Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, Coimbra Editora, pág.669, os casos das alíneas b) a c) do nº 1 respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíenas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíenas d) (omissão e excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).
A mencionada nulidade prende-se com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo, nos termos do qual “2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
As questões (que não se confundem com argumentos) são aquelas que se prendem com o objeto da ação, delimitado pelo pedido e causa de pedir e, na medida em que no âmbito das questões assim delimitadas, com as que se prendem com o alegado pela defesa; deve também conhecer das exceções, estas as dilatórias e/ou perentórias e, tudo, sem prejuízo das questões de que deve conhecer oficiosamente.
E com nulidades de sentença não se cofundem eventuais erros de julgamento, sejam eles da decisão da matéria de facto ou de direito, que se prendem com a própria decisão de mérito (seja em sede do julgamento da matéria de facto, seja do julgamento em matéria de direito).
No caso, o Mmº Juiz conheceu de todas as questões suscitadas, sendo que com elas não se confundem os argumentos. E, concretamente, no que se reporta ao “doc. 2” a que alude a Recorrente – este o acordo referido no nº 5 dos factos provados – pronunciou-se o Mº Juiz, pois que a ele se reporta nesse nº 5, mais tendo referido, em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, que:
“As retribuições líquidas e as retribuições-base auferidas pela A. desde março de 2008 até junho de 2020 resultaram da análise dos documentos juntos ao processo a fls. 25 a 112, cujo teor não foi posto em causa por nenhuma prova produzida.
Relacionada com as retribuições da A. está a questão relativa ao montante de €2.225 líquidos que ficou a constar do documento de fls. 19 a 20 v.º. A este nível, a R. veio defender que uma parte daquele quantitativo, mais concretamente o valor de €700, destinar-se-ia a compensar a ora trabalhadora pelo trabalho suplementar por esta prestado. No entanto, consideramos que esta versão dos factos não resultou provada. Realmente, a A., nas suas declarações de parte, negou que tal assim tenha sido. Por outro lado, nenhuma das testemunhas arroladas pela R. demonstrou conhecer os montantes que esta pagava mensalmente à A. e a que título(s) o fazia. Também por outro lado, da prova produzida não foi possível concluir quais os concretos cálculos alegadamente efetuados pela A. e pela R. para chegarem ao referido montante de € 700 mensais.”.
E, no nº 14 dos factos provados, dando como provado que a A. recebeu, de março de 2008 a junho de 2020, “as remunerações-base” nele indicadas.
Ou seja, entendeu o Mmº Juiz que nas retribuições auferidas pela A. até ao aditamento de 12.04.2013, não estavam incluídos o subsídio de alimentação e o “serviço extraordinário” ao contrário do que é referido na clª 3ª do acordo de 22.02.2008. E é contra isto que a Recorrente se insurge, sendo que a sua discordância se prende com eventual erro de julgamento, não com o vício de nulidade de sentença por omissão de pronúncia. Aliás, tanto assim, que a Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto tendo por objeto tais questões.
E o mesmo se diga, no que toca às atualizações da remuneração, quanto à alegada omissão, pelo Mmº Juiz, da atendibilidade do CCT publicado no BTE 33/2006 invocado pela Recorrente.
Na sentença recorrida foi referido o seguinte:
“Da leitura, respetivamente, das cláusulas 2.ª e 1.ª do acordo de 22 de fevereiro de 2008 e do aditamento de 12 de abril de 2013 extrai-se que as partes contratantes acordaram no sentido de a retribuição a liquidar à trabalhadora dever ser atualizada em conformidade com a percentagem que vier a ser definida no referido Contrato Coletivo e posteriores alterações ao mesmo. Tal Contrato foi firmado entre a Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, e publicado no B.T.E. n.º 24, de 29 de junho de 2005 e, para aquilo que aqui diretamente releva, foi alterado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2008, no B.T.E. n.º 33, de 8 de setembro de 2010, e no B.T.E. n.º 24, de 29 de junho de 2018. Efetuados os necessários cálculos aritméticos e por força das oras descritas alterações ao Contrato Coletivo acima identificado, a retribuição-base correspondente à categoria profissional da A. – seja, a de diretora técnica –, aumentou, em junho de 2008, na percentagem de 16,6253992, em setembro de 2010 em 1,3% e em julho de 2018 em 1%.”
A, porventura, ter que se ter em conta, para a determinação da percentagem do aumento, à remuneração fixada no CCT do BTE 33/2006 e não no CCT do BTE 24/2005, tal consubstanciará erro de julgamento e não nulidade de sentença, o que foi também impugnado pela Recorrente em sede de impugnação de direito da decisão recorrida e que oportunamente será apreciado.
Improcedem, assim, as arguidas nulidades de sentença.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Tem esta questão por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto.
Desde já se dirá que, com exceção do que concretamente se dirá a propósito dos pontos impugnados em que tal não se verifique, no mais a Recorrente deu cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e 2, al. a), do CPC/2013.
E procedeu-se à audição dos (longos, embora muitas vezes repetitivos) depoimentos e declarações de parte prestadas pelo legal representante da Ré, BB, e da A., bem como das testemunhas DD (irmã da A.), EE (que trabalhou na farmácia em causa de 1968 a 2018, data em que se reformou), FF (técnica de farmácia, trabalhando na farmácia em causa desde outubro de 2009) e GG (técnica de farmácia, trabalhando na farmácia em causa desde 1994).

2.1. Quanto às als. a), e), i) e j) dos factos não provados:
Da al. a) dos factos não provados consta como não provado que: “a) A A. efetuasse serviços noturnos presenciais (a partir das 22h) e apresentasse-se uma hora antes da abertura da farmácia;”, pretendendo a Recorrente que o mesmo seja dado como provado, invocando as declarações de parte do legal representante da Ré e os depoimentos das testemunhas EE e GG, apelando às regras da experiência e tecendo considerações relativamente ao seu, da Recorrente, interesse que a A. continuasse a assegurar a abertura da farmácia (abria às 9h00 ao público) e o tratamento, antes dessa abertura, designadamente do expediente e tarefas burocráticas que eram levadas a cabo entre as 8h00, hora a que chegaria, e as 9h00, bem como que assegurasse, em disponibilidade e permanência, os serviços noturnos e de reforço.
Das als. e), i) e j) consta como não provado que: “e) Da parte da R., fosse interesse que não houvesse alterações nos serviços prestados pela A., devendo a mesma assegurar que, diariamente, continuaria a preparar a abertura da farmácia, apresentando-se nesta cerca de uma hora antes da abertura; i) Durante o período de abertura ao público da farmácia (entre as 9h e 20h) a A. não tivesse disponibilidade de tempo para organizar e preparar as receitas pendentes do dia, verificar as encomendas de fornecedores, para elaborar e preparar os mapas de psicotrópicos e outros produtos (estupefacientes) de controlo apertado, estudar e implementar as comunicações e circulares das entidades oficiais e apurar as necessidades para o dia a iniciar; j) Fosse também interesse da R. que a A. assegurasse, em disponibilidade e permanência, como assegurava, os serviços noturnos que a farmácia estava obrigada a efetuar, conforme escala aprovada, anualmente, pela Administração Regional de Saúde, para as farmácias do concelho de Vila Nova de Gaia;”
Pretende a Recorrente que tais alíneas sejam dadas como provadas, remetendo para a fundamentação aduzida quanto à al. a) e invocando: as declarações de parte do seu legal representante e das testemunhas EE e GG [quanto às als. e), i) e j)] e ainda de FF.
Contrapondo, a Recorrida invoca o depoimento das testemunhas EE e de FF, de acordo com os quais a A. não efetuava o serviço noturno, embora quem fizesse tivesse ordens para, em caso de dúvida, lhe ligarem e que não acordou que tivesse que se apresentar uma hora antes da abertura da farmácia. Invoca também os depoimentos de GG e as suas declarações. Mais invoca as declarações do legal representante da ré quanto à al. j).

Da sentença recorrida consta o seguinte:
“Não obstante as testemunhas da R. terem mencionado que a A. não ficava, no período noturno (das 22h até à abertura no dia imediatamente subsequente), na farmácia, referiram que tinham ordens para, caso necessitassem de esclarecer alguma dúvida, ligar àquela. (…)
“…nenhuma das testemunhas arroladas pela R. demonstrou ter certeza quanto à circunstância de a A. começar a laborar na farmácia uma hora antes da abertura desta (a testemunha EE reconheceu que, em regra, iniciava o seu serviço por volta das 9h e a testemunha GG que só o fazia cerca das 8h30min/8h45min)”.

No que se refere à prestação de serviços noturnos presenciais:
Como decorre dos depoimentos quer da A, quer das testemunhas EE, FF e GG, a farmácia só prestava serviço à noite quando estava, conforme escala da ARS, de serviço permanente, isto é, aberta das 9h00 da manhã de um dia às 9h00 do dia seguinte, sendo que, nesses dias, até à hora do fecho da porta ao público (às 23h00 ou às 24h00), estavam 2 trabalhadores e, a partir dessa hora, ficava apenas um a fazer a noite. E, de acordo com todos os referidos depoimentos, a A. nunca fez as noites, nem, nesses dias de serviço permanente, estava na farmácia no período entre o fim da hora normal de funcionamento da farmácia (19h30 ou 20h00) e a hora em que a farmácia fechava a porta ao público (mas ficando um trabalhador lá dentro a fazer a noite), às 23h00 ou 24h00, tendo as testemunhas EE e GG afirmado que as ordens que tinham do Dr. BB, legal representante da Ré, é que a A. estaria disponível (na sua residência ou em qualquer outro local) para ser contactada, em caso de necessidade, o que nunca aconteceu por não ter sido necessário. E isso mesmo acaba por ser até, confirmado pelo legal representante da Ré que referiu que no período das 24h00 às 9h00 a A. estava em “alerta”, tendo que estar contactável, não se recordando, no entanto, que alguma vez a A. tivesse tido que ir à farmácia.
Mais decorre da referida prova que a farmácia, nos dias úteis, fazia também serviço de reforço, este até às 22h00, o que também não era feito pela A.. Pese embora o legal representante da Ré haja referido que a A. fazia tais reforços, tal é negado pela A. e não resulta dos depoimentos das testemunhas que a A. fizesse esses reforços, mas, antes, que sairia à sua hora habitual.
Improcede pois a impugnação quanto às als. a) e j) dos factos não provados.

Quanto à prestação de trabalho entre as 8h00 (hora em que, segundo a Ré, a A. entraria na farmácia) e as 9h00 (hora de abertura da farmácia ao publico e do início do seu horário de trabalho normal diário), a que se reportam as als. e) e i):
De acordo com o legal representante da Ré, a A. entraria às 8h00, executando, até às 9h00, determinadas tarefas de natureza mais burocrática, designadamente a requisição diária de psicotrópicos e outras, para as quais não teria tempo durante o período de funcionamento da farmácia uma vez que atendia também ao balcão.
Por sua vez, a A. referiu que, por causa do trânsito, chegaria mais cedo do que as 9h00, ia à farmácia e que saía depois para o pequeno almoço. Que sempre foi organizada e que não precisava daquela hora para trabalho burocrático.
EE referiu que ele, testemunha, entrava às 9h00 e que a A. já lá estava, mas que, quando “fazia as noites” (as quais, pelo menos aquando do aditamento referido no nº 11 dos factos provados, já não fazia) via que a A. entrava cerca das 8hh15, referindo fazer (a testemunha), num cálculo médio, cerca de 15 noites por ano.
GG referiu que chegava à farmácia cerca das 8h30, 8h45 e que a A. já lá estava.
Aludiram também as mencionadas testemunhas a que a A. fazia trabalho burocrático, reportando-se essencialmente à lista de psicotrópicos, sendo que, após a abertura da farmácia, a A. atendia ao balcão.
Da conjugação dos depoimentos mencionados, não se nos afigura ter sido feita prova, muito menos minimamente segura e convincente, que o facto de a A. também atender ao balcão a impedisse, por falta de tempo, ou a impedisse regularmente, de executar outas tarefas que não apenas as de atendimento ao balcão, nem tal se coaduna com as regras da experiência comum. A farmácia tinha mais do que um trabalhador ao balcão e é do senso comum que nem sempre a mesma tem tantos clientes que impedisse a A. de, em alguns períodos, não estar ao balcão e/ou de executar outras tarefas.
Não obstante, da conjugação dos depoimentos das referidas testemunhas EE e GG resulta que a A. chegava à farmácia entre as 8h15 e as 8h30, sendo que a própria A. não nega que chegasse mais cedo que os demais, o que diz é que, depois, ia tomar o pequeno almoço (o que não é confirmado por GG).
Quanto à al. e), pese embora referido pelo legal representante, não é corroborado pela clª 3ª do acordo celebrado aos 22.02.2008 (nº 5 dos factos provados), que se reporta, apenas, à prestação de “serviço extraordinário” “nos dias de serviço noturno da farmácia”, este o serviço referido em tal clª, pelo que não se nos afigura suficientemente demonstrada a pretensão da Ré.
É de esclarecer que o período em causa se reporta ao período compreendido entre 1997 e a data da assinatura do aditamento referido no nº 11 dos factos provados (12.04.2013). Não resultando da prova a data exata em que a A. deixou de entrar antes das 9h00, pode-se todavia concluir que tal ocorreu a partir da assinatura do aditamento a que se reporta o nº 11 dos factos provados, não sendo de crer que, face à alteração do montante remuneratório constante desse aditamento e ao desagrado da A., se mostrasse ela disponível para continuar a entrar antes das 9h00.
Assim, adita-se à matéria de facto provada o nº 52 (alterando-se nessa precisa medida a al. a) dos factos não provados), que passará a ter a seguinte redação:
52. A A., no período compreendido 1997 e a assinatura do aditamento a que se reporta o nº 11 dos factos provados chegava à farmácia entre as 8h15 e, pelo menos, as 8h45.
No mais, improcede a impugnação aduzida.

2.2. Quanto às als. b) e o) dos factos não provados:
Da al. b) dos factos não provados consta como não provado que “b) Fosse do interesse da A. auferir um vencimento mensal superior ao determinado pelo Contrato Coletivo de Trabalho (CCF) estabelecido entre a ANF – Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos”, pretendendo a Recorrente que seja dado como provado.
Da al. o) dos factos não provados consta como não provado que: “o) Quando foi celebrado o acordo de 22 de fevereiro de 2008 já estivesse em fase final a negociação da tabela salarial, sendo do conhecimento de ambas as partes que a atualização teria efeitos retroativos à data de 1 de janeiro de 2008”, pretendendo a Recorrente que seja o mesmo dado como provado.
Sustenta a impugnação nas declarações do legal representante da Ré, mais dizendo, quanto à al. o), que: “O BTE aplicável ao acordo de 22/02/2008 era o n.º 33/2006, que estabelecia que a remuneração mínima mensal para a categoria de Diretor Técnico era de 1.800,00€. Porém, como já se conhecia que essa remuneração seria atualizada para 1.950,00 €, para efeitos de negociar direitos especiais para a Apelada, foi sobre este montante que se partiu para se estipular os 2.500,00€ de vencimento mensal e foi sobre este montante que se efectuaria a actualização de acordo com a CCTF publicada em Junho de 2008, com efeitos retroativos a 1 de Janeiro de 2008 (dois meses antes do início do contrato)”. Mais diz que o conhecimento da nova tabela por parte da A. e do legal representante da Ré resulta das declarações de parte deste.
A Recorrida discorda, pelas razões que refere e invocando designadamente o seu depoimento, de acordo com o qual, anteriormente à data do trespasse, já auferia o valor de €2.175,00 líquidos, superior ao previsto no CCT; que o CCT não lhe era, por via do principio da filiação, aplicável, pelo que não colhe a argumentação de que tivesse conhecimento das negociações. Mais invoca, quanto à al. b), o depoimento do legal representante da Ré e dos documento de fls 21 e segs, de onde resulta que a A. apenas foi “proprietária no papel” da farmácia.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto consta o seguinte: “a A., em declarações de parte, afirmou – no que não foi contrariada por qualquer outra prova – que nunca foi sindicalizada, pelo que nunca recebeu qualquer informação ou acompanhou a negociação coletiva, designadamente quanto à alteração das tabelas salariais;”

Não assiste razão à Recorrente.
Desde logo, a impugnação assenta apenas no depoimento do legal representante da Ré, que é contrariado pelo depoimento da A., sendo que, como por esta referido, a sua retribuição já era, no momento anterior à assinatura do acordo de 22.02.2008, de €2.175,00 líquidos, valor este muito próximo do de €2.225,00 líquidos acordados no nº 5 dos factos provados. Para além disso, a A. não era sindicalizada, conforme o referiu e que foi corroborado pelo legal representante, não se nos afigurando que se possa concluir ou presumir que seria, necessária ou seguramente, do seu conhecimento as negociações relativas à contratação coletiva.
Ainda que não releve, propriamente, para a decisão da matéria de facto, importa referir o contexto em que se verificou a transmissão da farmácia, como resulta dos depoimentos da A. e da testemunha EE e da certidão de registo comercial de onde consta a data da constituição da Ré.
À data de 1997, e até à mudança da legislação, apenas farmacêuticos podiam ser proprietários de farmácias, tendo sido à A., quando terminou a licenciatura, proposto por BB, assumir a “propriedade” e direção técnica da farmácia ora em causa, o que aquela aceitou mas, sem prejuízo das suas funções como diretora técnica, era aquele quem efetivamente e na prática geria a farmácia, e que se encontrava ou ia quase todos os dias à farmácia. De referir que da certidão do registo comercial junta pela A. com a p.i. resulta que a Ré foi constituída aos 18.02.2018.
Improcede assim e nesta parte a impugnação aduzida.

2.3. Quanto às als. c), d), k), m) dos factos não provados:
Da al. c) dos factos não provados consta como não provado que: “d) ficasse estabelecido um valor que remunerasse a A. pelos serviços suplementares que continuaria a prestar;”.
Da al. d) dos factos não provados consta como não provado que: “d) A A. não pretendesse ter de apresentar, mensalmente, a relação dos serviços extraordinários que prestaria;”
Da al. k) dos factos não provados consta que: “k) Após várias reuniões tenha sido acertado entre ambas as partes que a A. ficaria com um ordenado ilíquido de €2.500, acrescido de um valor médio mensal de €700 correspondente ao serviço extraordinário que, como habitualmente, prestaria, e ainda ao subsídio de refeição, o que tudo importaria num valor líquido de €2.225;”
Da al. m) dos factos não provados consta como não provado que: “m) O valor líquido mensalmente creditado na conta da A. correspondesse ao valor ilíquido de €2.500, acrescido de €700 para remuneração do trabalho extraordinário, ao subsídio de alimentação correspondente aos dias de trabalho efetuado, deduzidos os impostos imputáveis à A. (taxa social única e I.R.S. de acordo com as tabelas de retenção publicadas);”
Pretende a Recorrente que tais factos sejam dados como provados, o que sustenta nas declarações do seu legal representante, BB, conjugadas com a clª 3ª do acordo de 22.02.2008, e depoimento das testemunhas EE, FF e GG.
Contrapondo, alega a Recorrida que “a cláusula terceira constante no acordo celebrado em 22/02/2008 menciona trabalho extraordinário “nos dias de serviço nocturno da farmácia.”, sendo certo que a Autora não efectuava o serviço nocturno da farmácia, conforme aliás confirmaram as testemunhas da Ré, cfr. convicção constante da douta sentença proferida.” Invoca também o depoimento da testemunha EE, de acordo com o qual não sabia os termos do acordo entre a A. e Ré, bem como desconhecia o valor da retribuição da A., de FF, que não sabia o que foi acordado e de GG, de acordo com a qual os trabalhadores não falavam sobre o que recebiam. Diz ainda que a matéria da al. d) não tem qualquer sustentação no acordo de 22.02.2008, conforme clª 1ª, e que nos recibos de vencimento juntos aos autos não consta qualquer decomposição da retribuição, não tendo as declarações do legal representante sustentação em tal acordo e que as testemunhas desconheciam os montantes auferidos pela A.

Na sentença recorrida refere-se o seguinte:
“As retribuições líquidas e as retribuições-base auferidas pela A. desde março de 2008 até junho de 2020 resultaram da análise dos documentos juntos ao processo a fls. 25 a 112, cujo teor não foi posto em causa por nenhuma prova produzida.
Relacionada com as retribuições da A. está a questão relativa ao montante de €2.225 líquidos que ficou a constar do documento de fls. 19 a 20 v.º. A este nível, a R. veio defender que uma parte daquele quantitativo, mais concretamente o valor de €700, destinar-se-ia a compensar a ora trabalhadora pelo trabalho suplementar por esta prestado. No entanto, consideramos que esta versão dos factos não resultou provada. Realmente, a A., nas suas declarações de parte, negou que tal assim tenha sido. Por outro lado, nenhuma das testemunhas arroladas pela R. demonstrou conhecer os montantes que esta pagava mensalmente à A. e a que título(s) o fazia. Também por outro lado, da prova produzida não foi possível concluir quais os concretos cálculos alegadamente efetuados pela A. e pela R. para chegarem ao referido montante de €700 mensais.”

Das clªs 1ª, 2ª e 3ª do acordo de 22.02.2008,a que se reporta o nº 5 dos factos provados, consta que: “Cláusula Primeira: No caso de transmissão da farmácia para a titularidade do primeiro outorgante ou da sua representada, ou ainda no caso de alienação a terceiros, a segunda outorgante manterá a qualidade de directora técnica de farmácia, auferindo o vencimento mensal de dois mil e duzentos e vinte e cinco euros líquidos, isto é, deduzido das quantias a reter na fonte a título de imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social”; “Cláusula Segunda: A remuneração a que acima se faz referência, será liquidada catorze vezes por ano à segunda outorgante, sendo actualizável anualmente com a percentagem que vier a ser definida no âmbito do contrato colectivo dos farmacêuticos”; “Cláusula Terceira: A remuneração acima indicada já inclui o subsídio de alimentação e o serviço extraordinário que a segunda outorgante terá de prestar, como habitualmente, nos dias de serviço nocturno da farmácia”.
Dessas clªs 1ª, 2ª e 3ª decorre que as partes acordaram na retribuição líquida mensal (a pagar 14 vezes por ano) de €2.225,00 e, bem assim, que nesta estava incluído o subsídio de alimentação e “o serviço extraordinário que a segunda outorgante terá de prestar, como habitualmente, nos dias de serviço nocturno da farmácia”.
Ou seja, no que se reporta a esse “serviço extraordinário” está contemplado, apenas, o prestado “nos dias de serviço noturno da farmácia” e não já qualquer outro eventual “serviço extraordinário”, seja ele o prestado das 8h00 às 9h00 (como alega a Recorrente), seja o serviço diurno que haja sido prestado pela A. em dias de serviço permanente da farmácia (coincidentes com sábados, domingos ou feriados). O pretendido pela Recorrente não tem pois apoio na clª.
Por outro lado, a impugnação assenta apenas no depoimento do legal representante da Ré, que é contrariado pelo depoimento da A., ao referir que, embora trabalhasse algumas vezes, em dias de serviço permanente da farmácia, aos sábados ou domingos, sempre o fez em período diurno (de manhã ou de tarde) e não noturno, que era por esse trabalho compensada com folgas, e não com pagamento em dinheiro, que não acordou que na quantia de €2.225 estivesse incluído o pagamento desse trabalho (ou outro), seja no montante de €700,00, seja de outro, negando que não pretendesse apresentar mensalmente “a relação dos serviços extraordinários que prestaria.” E, como decorre do que se disse quanto à impugnação da al. a) dos factos não provados, da prova decorre que a A. não efetuava serviço presencial noturno, apenas estando disponível nos termos referidos no nº 17 dos factos provados.
Por outro lado, o legal representante da Ré não logrou demonstrar, minimamente, como teria sido alcançado esse valor de €700,00, apenas referindo que foi a A. quem lho apresentou, o que esta nega.
Acresce que nenhuma das testemunhas conhecia as condições remuneratórias da A., muito menos o que foi acordado entre esta e o legal representante da Ré.
E do facto das testemunhas terem referido que o trabalho por elas (testemunhas) prestado em dias de serviço permanente e de reforço lhes era pago como trabalho suplementar e, quando prestado em domingo, ainda com direito a uma folga e, bem assim, que comunicavam à Ré, mensalmente, os serviços “extraordinários” prestados, não permite concluir que tivessem A. e Ré acordado em que, na quantia líquida de €2.225,00, estivesse incluída a quantia de €700,00 ou outra qualquer por conta desses serviços e que a A. não pretendesse apresentar mensalmente o trabalho suplementar que prestasse.
No que toca ao subsídio de alimentação, já consta da clª 3ª do acordo que o mesmo estava incluído na quantia líquida de €2.225,00.
Improcede assim a impugnação aduzida.
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2.4. Quanto à al. L):
De tal alínea consta como não provado que “l) A partir do mês de abril de 2008 os recibos de vencimento emitidos hajam sido recebidos e assinados pela A. sem qualquer reclamação;”
Invoca a Recorrente contradição com o nº 26 dos factos provados.
Contrapõe a Recorrida que “O facto que a Ré pretende ver provado está em contradição com a confissão da Autora e com o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz A Quo, constante da ata de audiência de julgamento realizada em 10/01/2022 e que não foi objecto de qualquer reclamação; no referido despacho consta que a Autora, aquando do seu depoimento de parte, confessou o artigo 17º da contestação; A confissão realizada pela Autora e constante da Ata de 10/01/2022 deu lugar a matéria de facto constante nos n.º 21 a 25 dos factos assentes, vide motivação de douta sentença. Como tal, em face da omissão de reclamação efectuada pela Ré, deverá ser indeferida a alteração da matéria de facto propugnada pela Ré”.

Do nº 26 dos factos provados consta que:
“26) Nunca a A. reclamou, fosse por escrito, fosse verbalmente, dos montantes que a R. lhe pagou, até ao momento da propositura da presente ação;”
Na fundamentação da decisão da matéria de facto consta o seguinte:
“As testemunhas EE e GG afirmaram, com conhecimento de causa, que nunca presenciaram ou tomaram de outra forma conhecimento que a A. alguma vez haja reclamado dos valores que lhe eram mensalmente pagos, corroborando, assim, a afirmação a propósito levada a cabo pelo legal representante da R.”.
Do confronto entre o que consta do nº 26 dos factos provados e da al. l) dos factos não provados resulta existir, efetivamente, uma contradição, corroborando a fundamentação da decisão da matéria de facto transcrita o que consta do nº 26 dos factos provados e não já o que foi levado à al. l) dos factos não provados, nº 26 esse que não foi impugnado, mormente pela Recorrida (como o poderia ter sido em ampliação do âmbito do recurso – art. 636º, nº 2, do CPC).
No que toca à argumentação da Recorrida os nºs 21 a 25 dos factos provados não contendem com o que consta do nº 26 dos provados e não determinam que deva ser mantido, como não provado, o que consta da al. l), reportando-se, aqueles, mormente os nºs 21 e 22, a um episódio específico, sendo que a matéria objeto da confissão da A. se reporta ao art. 17º da contestação, referindo-se esta, por sua vez aos nºs 21 e 22 dos factos provados. Ou seja, ao contrário do que diz a Recorrida, essa confissão não contraria o nº 26 dos factos provados.
Assim, deverá ser eliminada a al. l) dos factos não provados.

2.5. Quanto à al. n) dos factos não provados
Da al. n) dos factos não provados consta como não provado: “n) A indicação do valor líquido, constante do contrato celebrado em 22 de fevereiro de 2008, tenha visado tão-somente estabelecer o valor que determinaria a quantificação do valor ilíquido no primeiro recibo de vencimento;”.
Pretende o Recorrente que seja dado como provado, o que sustenta referindo o seguinte:
“Declarações de parte – Cláusula terceira do contrato de 22/08/2008, na medida em que o valor líquido foi apenas para aprovar o primeiro recibo e sendo os restantes a decorrência desse primeiro apuramento, tanto que até existiu correção ao primeiro no valor 200,00€, pelo que, este facto deve ser dado como provado!”
Contrapõe a Recorrida que a matéria em questão não tem qualquer sustentação no acordo de 22.02.2008, conforme clª 1ª, e que não existia qualquer decomposição da sua retribuição. Invoca ainda as declarações de parte da A., de acordo com as quais o acordo foi uma retribuição mensal líquida de €2.225,00 e nenhuma das testemunhas conhecia os montantes pagos pela Ré e a que título.
A Recorrente não dá cumprimento ao requisito previsto no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2 al. a), do CPC, no que toca à invocação das “declarações de parte”, não referindo a que declarações de parte se refere (da Autora? Do legal representante da Ré?), nem a localização, na gravação, de excerto da mesma que tenha por relevante (que também não transcreve). Assim sendo, nos termos do nº 1 do citado art. 604º, rejeita-se a impugnação com base em tal fundamento.
Por outro lado, no que toca à invocação da correção verificada, não determina ela a prova do facto pretendido.
De todo o modo, remete-se para o já referido a propósito das als. c), d), k) e m), donde decorre também a improcedência da impugnação quanto à al. n).
Assim, e nesta parte, improcede a impugnação.

2.6. Quanto às al. p) e r) dos factos não provados:
Na al. p) dos factos não provados foi dado como não provado que “p) A A., após aconselhamento jurídico de advogado, que interpelou a própria R., haja reafirmado a sua aceitação quanto aos termos do aditamento referido em 10);”.
Na al. r) dos factos não provados foi dado como não provado que “r) O aditamento de 12 de abril de 2013 tenha sido assinado e entregue pela A. vários dias depois de o ter recebido da R. e após um advogado, por si indicado, ter solicitado esclarecimento à R. quanto ao facto de se prever (na cláusula terceira) a prestação do trabalho de acordo com o funcionamento da farmácia;”
Pretende a Recorrente que sejam os mesmos dados como provados, o que sustenta no nas declarações do legal representante BB que confirmou o referido.
A A. contrapõe invocando as suas declarações de parte, referindo não ter consultado nenhum advogado e que assinou o aditamento de 12.04.2013 por recear a ocorrência de despedimentos na Ré que lhe foi veiculada pelo legal representante desta, mais invocando o depoimento da testemunha DD e dizendo ainda que o legal representante não conseguiu identificar o advogado.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto consta o seguinte:
“a mesma A. negou, de forma perentória, ter alguma vez recorrido aos serviços de um causídico antes e por causa da assinatura do aditamento de 12 de abril de 2013 (ainda que o legal representante da R. tenha dito que tal sucedeu, não conseguiu identificar, com o mínimo de rigor, aquele advogado)”

Concordamos com a decisão recorrida e sua fundamentação, não se vendo razão para formar diferente convicção da formada pela 1ª instância, sendo que, como se diz em tal fundamentação, a A. negou perentoriamente o que consta do facto dado como não provado e não tendo o legal representante da Ré logrado, minimamente que fosse, identificar o advogado.
Improcede, assim, a impugnação quanto a essa alínea.

2.7. Quanto à al. q) dos factos não provados:
Na al. q) dos factos não provados foi dado como não provado que “q) De março de 2008 a abril de 2013 a A. tenha efetuado sempre trabalho extraordinário, sem qualquer outra compensação ou remuneração ou folgas;”
Pretende a Recorrente que o facto seja dado como provado, o que sustenta no já aduzido quanto à al. c), mais dizendo o seguinte:
“Mais se esclarece que, o próximo BTE aplicável à data em que foi negociado o acordo de 12/04/2013 era o n.º 33/2010, de 08/09, com 1,3% de actualização, sendo o seguinte BTE n.º 24, de 24/06/2018, actualizado em 1 %; sendo certo que, a testemunha Irmã DD já tinha conhecimento das condições negociadas em 22/02/2008, pelo que, o assunto foi falado e estava esclarecido para a Recorrida, continuando esta a prestar o seu serviço de 03/2008 a 04/2013 como o fazia anteriormente e como foi acordado em 22/02/2008, incluindo trabalho extraordinário, tanto que era a única farmacêutica do estabelecimento.”
Contrapõe a Recorrida que a fundamentação aduzida nada tem a ver com a modificação pretendida e invoca o depoimento de FF, de acordo com a qual o trabalho efetuado ao domingo “dava direito a folga e era igual para todos”.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto, referiu o Mmº Juiz o seguinte:
“Dos documentos de fls. 133 v.º a 157 extrai-se que a A. trabalhou, entre agosto de 2013 e março de 2020, pelo menos vinte e três sábados (meios dias ou dias inteiros) e dois domingos, o que fez, em regra, para além do limite contratualizado das quarenta horas semanais (cfr. a cláusula 3.ª do aditamento de fls. 24 e 24 v.º). Da análise dos recibos de retribuição de fls. 25 a 112 retira-se que aquelas horas de trabalho feitas a mais não foram pagas à A. No entanto, as testemunhas EE, FF e GG foram unânimes em considerar que, no ano de 2013, o legal representante da R. promoveu uma reunião com todos os colaboradores da farmácia, na qual expôs perante estes a situação deficitária que o negócio atravessava e a necessidade de passar a compensar a prestação de trabalho suplementar apenas com a concessão de folgas, o que todos, incluindo a A., perceberam e aceitaram.
Não obstante as testemunhas da R. terem mencionado que a A. não ficava, no período noturno (das 22h até à abertura no dia imediatamente subsequente), na farmácia, referiram que tinham ordens para, caso necessitassem de esclarecer alguma dúvida, ligar àquela.
A A., aquando das declarações de parte, mencionou que, com exceção dos dias em que assumiu serviços extra da farmácia (serviços de reforço e parte de serviços permanentes), sempre folgou ao sábado e ao domingo, o que foi corroborado pelo depoimento da testemunha DD.
A A., na audiência final, reconheceu que, aquando do trespasse da farmácia, ocorrido por documento de 29 de fevereiro de 2008, era aí a única farmacêutica, coadjuvada por quatro técnicos de farmácia.”
No que toca à alegação dos BTE e das percentagens de atualização invocados pela Recorrente não tem a mesma nada a ver com o objeto do facto impugnado.
No que toca à fundamentação aludida quanto à al. c), remete-se para o que se disse a propósito desta, bem como da al. a) [quanto ao trabalho noturno], salientando-se que resulta do depoimento da A., mas apenas, isso, que trabalhou algumas vezes em dias de serviço permanente da farmácia (sábados, domingos ou feriados), em período diurno (manhãs ou tardes), e não noturno, não tendo também trabalhado em serviços de reforço (ao contrário do que se refere na fundamentação da decisão da matéria de facto a A., segundo o seu depoimento, não fazia reforços).
Mais referiu a A. que era, por aquele trabalho, “compensada” apenas com folgas e não com pagamento em dinheiro, reportando-se também ao período até março de 2008, como ao período desde esta data até abril de 2013 e, bem assim, após 2013 (cfr. nº 44 dos factos provados). Acrescente-se que dos recibos de vencimento da A. não consta o pagamento à A. de qualquer quantia a título de trabalho suplementar.
De referir ainda, no que toca aos serviços de reforço (até às 22h00), que também não resulta que fosse feito pela A., muito menos com a necessária segurança, dos depoimentos das testemunhas EE e GG, demasiado vagos, seja quanto a quem os fazia seja quanto à sua localização no tempo, e tendo a testemunha FF referido reportando-se, quer quanto às noites, quer quanto ao reforço, à Drª CC, a HH, a EE, embora este já não fazendo noites em 2009, e ao Dr. II, quando entrou).
Tendo, no entanto, em conta as declarações da A. e também para melhor esclarecimento da matéria de facto, adita-se à matéria de facto provada o nº 53 com a seguinte redação:
53. Até 01.03.2008, bem como desde esta data até 12.04.2013, a A., para além do seu período de trabalho de 40 horas semanais, prestou trabalho em alguns sábados, domingos ou feriados, em período diurno, ou seja, da parte da manhã ou da tarde, em que a farmácia estava de serviço permanente, trabalho esse pelo qual lhe era atribuída folga, mas não recebendo, em dinheiro, outra quantia que não a retribuição mencionada no nº 13 dos factos provados.

2.8. Quanto à al. s) dos factos não provados:
Na al. s) dos factos não provados foi dado como não provado que “s) Desde 1 de abril de 2013 tenha sido reorganizado o serviço da R., deixando a A. de ter necessidade de efetuar o trabalho extraordinário, que até então efetuava, antes da abertura ao público;”
Pretende a Recorrente que o facto seja dado como provado, o que sustenta no já aduzido quanto à impugnação da al. a), mais dizendo que a redução da atividade não foi total, tendo continuado a existir trabalho suplementar tanto que tinha a A. a compensação em folgas.
Contrapõe a A. que não efetuava trabalho suplementar antes da abertura ao público, o que sustenta nas suas declarações de parte e nos depoimentos das testemunhas EE e GG.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi referido o seguinte:
“…nenhuma das testemunhas arroladas pela R. demonstrou ter certeza quanto à circunstância de a A. começar a laborar na farmácia uma hora antes da abertura desta (a testemunha EE reconheceu que, em regra, iniciava o seu serviço por volta das 9h e a testemunha GG que só o fazia cerca das 8h30min/8h45min)”.

Remete-se para o que se disse a propósito da impugnação aduzida quanto às als. a), e) e i) e do aditamento do nº 52 dos factos provados, não resultando porém da prova, com a necessária segurança, qual a concreta reestruturação a que a Ré procedeu e em razão da qual a A. passou a entrar às 9h00.
Assim, e para além do que já consta do aditamento aos factos provados do nº 52, nada mais há a aditar, improcedendo nesta parte a impugnação.

2.9. Quanto à al. u) dos factos não provados:
Na al. u) dos factos não provados foi dado como não provado que “u) A A. goze as folgas a que se aludiu em 49), por antecipação.”
Pretende que o facto seja dado como provado, o que sustenta nos documentos de fls. 143vº, 144vº,145vº, 149 e 149vº e no depoimento da testemunha FF.
A Recorrida contrapõe invocando o depoimento dessa mesma testemunha.
Do nº 49 dos factos provados consta que: “49) A R., desde 1 de abril de 2013, sempre respeitou o período normal de 40 horas semanais de trabalho da A., compensando-a nos serviços suplementares com folgas, que são marcadas pela própria A.;”
Desse nº 49 decorre, pois, que os “serviços suplementares” eram compensados com folgas, sendo totalmente irrelevante se as mesmas eram, ou não, gozadas por antecipação, o que não tem qualquer influência na sorte da ação, sendo de que perspetiva for. O art. 130º do CPC proíbe a prática de atos inúteis pelo que não se conhece da impugnação nesta parte.
Importa, no entanto que, tendo em conta a referência genérica a “serviços suplementares” feita nesse nº 49 e para maior clareza, que fique consignado que esses serviços são os referidos no nº 44 dos factos provados, o que se determina ao abrigo do disposto no art.662º, nº 2, al. c), do CPC
Assim, altera-se o nº 49 dos factos provados que passará a ter a seguinte redação:
49) A R., desde 1 de abril de 2013, sempre respeitou o período normal de 40 horas semanais de trabalho da A., compensando-a pelos serviços referidos no nº 44 dos factos provados com folgas, que são marcadas pela própria A. [o sublinhado corresponde ao aditamento efetuado]
2.10. Quanto ao nº 9 dos factos provados, dele consta que “9) A R., na pessoa do seu sócio gerente BB, propôs à A. uma alteração da sua retribuição base e do seu período normal de trabalho semanal, dizendo-lhe que era necessário para evitar despedimentos;”.
Pretende a Recorrente que seja o mesmo dado como não provado ou provado com a seguinte redação: “9) A R., na pessoa do seu sócio gerente BB, propôs à A. uma alteração da sua retribuição e do seu período normal de trabalho semanal”, ou seja, eliminando-se os segmentos sublinhados em que se refere “base” e “dizendo-lhe que era necessário para evitar despedimentos”, o que sustenta alegando que da clª 3ª do acordo de 22.02.2008 resulta que na retribuição estão incluídas não apenas a remuneração de base, mas também o trabalho suplementar, o trabalho noturno e o subsídio de alimentação.
Contrapõe a Recorrida que “a redacção do acordo de 22/02/2008 não refere o trabalho suplementar em geral, como a Ré pretende, mas apenas o serviço extraordinário referente aos dias de serviço nocturno da farmácia, cfr. cláusula terceira do referido acordo”, mais aludindo às clªs 1ª e 2ª e aos recibos de vencimento juntos aos autos dos quais resulta ter-lhe sido pago subsídio de alimentação. Acrescenta que “Por outro lado, a Ré não sustenta, minimamente, porque motivo deve ser expurgada a expressão: “dizendo-lhe que era necessário para evitar despedimentos.”
No que toca à eliminação do segmento em que se refere “dizendo-lhe que era necessário para evitar despedimentos” a Recorrente não dá cumprimento ao requisito previsto no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2 al. a), do CPC, não indicando qualquer meio de prova em que sustente a impugnação, impugnação essa que, aliás e quanto a tal segmento, não é sequer fundamentada. Assim sendo, e nesta parte, rejeita-se a impugnação.
No que se refere à eliminação da expressão “base”: conforme adiante melhor se dirá, a propósito da impugnação aduzida quanto ao nº 14 dos factos provados, para onde se remete, tem ela um conteúdo técnico jurídico que, quando se reporte a matéria que seja controvertida entre as partes, como o é no caso dos autos, não deve constar da decisão da matéria de facto provada.
Assim, no nº 9 dos factos provados, elimina-se a expressão “base”, passando a ser o seguinte o teor de tal ponto:
9) A R., na pessoa do seu sócio gerente BB, propôs à A. uma alteração da sua retribuição e do seu período normal de trabalho semanal, dizendo-lhe que era necessário para evitar despedimentos.

2.11. Quanto ao nº 11 dos factos provados, dele consta “11) A A., com receio de que ocorressem despedimentos, assinou, em 12 de abril de 2013, o aditamento referido em 10), do qual consta o seguinte: “Cláusula Primeira: a segunda outorgante passará a auferir um vencimento mensal de dois mil e seiscentos euros ilíquidos, acrescido do subsídio de refeição, sobre o qual serão efetuados os descontos legais, sendo atualizável, de acordo com a evolução do setor, na percentagem que vier a ser definida no âmbito do Contrato Coletivo de trabalho dos Farmacêuticos. Cláusula Segunda: a segunda outorgante prestará os serviços extraordinários que se mostrem necessários, sendo compensada pelos mesmos, nos termos legais. Cláusula Terceira: a segunda outorgante prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais, de acordo com o funcionamento da Farmácia. Cláusula Quarta: o presente aditamento produz efeitos a partir do início do mês de Abril do corrente ano. Cláusula Quinta: em tudo o mais mantém-se em vigor o acordo ora aditado.”, pretendendo a Recorrente que seja eliminado o segmento sublinhado (“com receio de que ocorressem despedimentos”), alegando ser contraditória com os factos provados nos nºs 27 a 37 e que a clª 3ª do aditamento foi introduzida para estar de acordo com o horário de funcionamento da farmácia indo de encontro às exigências do INFARMED.
A Recorrida contrapõe invocando os considerandos constantes do aditamento de 12.04.2013 (a que se reporta o nº 11 dos factos provados), o nº 27 dos factos provados, as declarações do legal representante da Ré, que confirmou as dificuldades financeiras e as suas (Recorrida) declarações, que confirmou a pressão que vinha sentindo por parte do legal representante da Ré no sentido de diminuir a sua retribuição, bem como da testemunha DD, aduzindo ainda outras considerações.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto o Mmº Juiz referiu o seguinte:
“A A., por via da presente ação, veio defender, entre o mais, que assinou o documento de fls. 24 e 24 v.º, datado de 12 de abril de 2013, por recear a ocorrência de despedimentos na R., possibilidade que lhe foi veiculada pelo legal representante desta, BB. A este propósito, ainda que este representante legal, nas respetivas declarações de parte, tenha negado que assim foi, a testemunha DD, irmã da A., aludiu, de forma objetiva e credível, à circunstância de esta lhe ter confidenciado que andava a ser abordada por BB para aceitar uma diminuição da sua retribuição, sob pena da ocorrência de despedimentos. Mais referiu a mesma testemunha ter percecionado, na qualidade de médica, que a sua irmã e aqui trabalhadora andava debilitada física e psicologicamente – tanto assim que a medicou em conformidade –, sendo que tal estado de saúde teve na sua génese, apenas, o cenário de despedimentos. De resto, não é de estranhar que tal hipótese de ocorrência de despedimentos tivesse sido posta em cima da mesa, tanto mais que, conforme referiu o legal representante da R. na suas declarações de parte e foi trazido aos autos pelas testemunhas EE e GG, à data as farmácias em Portugal, e também a Farmácia ..., estavam a experimentar constrangimentos económico-financeiros resultantes do facto público da crise que afetou o país e que levou a recorrer a ajuda externa (cfr. os n.ºs 28) a 32) dos factos tidos por provados). De notar que, conforme informação veiculada nos autos pela A.R.S. Norte a fls. 178 a 195 v.º, 205 a 227 v.º e 229 a 251, em termos de serviços permanentes e serviços de reforço, no ano de 2013 foram atribuídos à farmácia explorada pela R. um total de dezoito serviços, o número mais baixo desde 2008 (no qual foram atribuídos cinquenta e dois serviços), o que espelha as dificuldades pelas quais aquela farmácia estava a passar (cfr. o n.º 38) dos factos assentes).”

A fundamentar a alteração diz a Recorrente que “a clª 3ª do aditamento foi introduzida para estar de acordo com o horário de funcionamento da farmácia indo de encontro às exigências do INFARMED”, não indicando, contudo, meio de prova a sustentar tal alegação, pelo que não deu cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, al. b) [e nº 2, al. a), do mesmo se, porventura, fosse sua intenção sustentar a impugnação em depoimento gravado [o que, todavia, também não o diz]. E, por outro lado, tal fundamento – ser a clª 3ª decorrente das exigências do Infarmed - não decorre, muito menos necessariamente, dos nºs 27 a 38 dos factos provados. Trata-se, pois, de argumento sem sustentação probatória e, assim, não sendo o mesmo suscetível de determinar a alteração pretendida.
Mas, diz ainda a Recorrente, que o segmento do nº 11 impugnado (“com receio de que ocorressem despedimentos”) está em contradição com os nºs 27 a 37 dos factos provados [de tais factos consta o seguinte “27) O aditamento efetuado em 12 de abril de 2013 ao acordo de 22 de fevereiro de 2008 foi determinado pelas consequências da situação económica do país e do mundo; 28) Portugal entrou em crise económica no ano de 2011, obrigando o recurso ao financiamento externo, com caracter de urgência; 29) No dia 17 de maio de 2011 foi subscrito um memorando de entendimento entre o Estado Português, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, no qual foi imposto ao Estado Português o cumprimento de medidas, cuja implementação foi calendarizada, por forma a atingir objetivos de equilíbrio económico e financeiro; 30) O setor farmacêutico, para possibilitar uma redução na despesa pública com medicamentos, sofreu constrangimentos na sua atividade, quer por imposição de uma margem comercial regressiva e de um valor fixo para as farmácias, quer por imposição de descontos sobre os valores faturados na venda de medicamentos; 31) Também foram acordados vários procedimentos para promover a flexibilidade dos tempos de trabalho, incluindo as modalidades que permitiram a adoção do regime laboral do “banco de horas”, por acordo mútuo entre empregadores e trabalhadores ou negociado ao nível da empresa, visando a redução dos custos do trabalho extraordinário; 32) Em março e abril de 2013, face aos constrangimentos com que as farmácias (incluindo a Farmácia ...) se deparavam, a R. reuniu com todos os trabalhadores da farmácia no sentido da aplicação das normas previstas no Código de Trabalho e no Contrato Coletivo para disciplinar a prestação dos serviços suplementares (serviços de reforço e de turnos); 33) Todos os trabalhadores, incluindo a A., entendendo os motivos, aceitaram a aplicação das regras constantes do Código de Trabalho e do Contrato Coletivo que estava em vigor; 34) Na sequência, foi celebrado, em 12 de abril de 2013, o aditamento ao acordo de 22 de fevereiro de 2008, que visou adaptar o serviço extraordinário ou suplementar que era prestado pela A. e pelos demais trabalhadores às novas regras do custo do trabalho noturno e suplementar e em dias feriados; 35) Esse acordo foi assinado por ambas as partes de forma livre e esclarecida; 36) E teve como pressupostos os seguintes: “a) se alteraram as condições em que foi celebrado o acordo ora aditado, nomeadamente, b) as Farmácias do Concelho de Vila Nova de Gaia, por alteração dos métodos estabelecidos pela Administração Regional de Saúde (ARS), tiveram uma redução muito significativa dos dias e horas de serviços permanentes; c) A segunda outorgante, dado a Farmácia ... ter tido uma redução muito significativa dos dias e horas de serviço permanente, será compensada pelos serviços extraordinários, que preste, nos mesmos termos legais em que o são os demais colaboradores da Farmácia. d) a situação económica e tributária atuais, impõem que, na salvaguarda da viabilidade económica da farmácia e dos postos de trabalho, sejam tomadas medidas de eficiência e correção de desequilíbrios; 37) Foi atendendo a esses pressupostos que foi acordado que a A. passaria a receber o vencimento mensal ilíquido de €2.600, acrescido do subsídio de refeição, valores esses sujeitos aos descontos legais, atualizável de acordo com a percentagem que viesse a ser definida no C.C.F.”]
O segmento impugnado não é necessariamente incompatível com o referido nos mencionados nºs da matéria de facto provada, se se tiver em conta que o receio da ocorrência de despedimentos, a par do demais alegado, contribuiu também para a assinatura do aditamento, como decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto e que, no essencial e conforme audição da gravação, se retira dos depoimentos da A. e da testemunha DD, sua irmã. Diga-se que, para além da alegada contradição, a Recorrente não questiona o facto com base em meio de prova que haja sido produzido e sendo que do nº 9 dos factos provados consta que o legal representante da Ré, aquando da apresentação da proposta à A., disse que tal era necessário para evitar despedimentos.
Todavia, para melhor esclarecimento e evitar eventual obscuridade ou, pelo menos aparente, contradição, altera-se o nº 11 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
11) A A., para além do referido nos nºs 27 a 37 e com receio também de que ocorressem despedimentos, assinou, em 12 de abril de 2013, o aditamento referido em 10), do qual consta o seguinte: “Cláusula Primeira: a segunda outorgante passará a auferir um vencimento mensal de dois mil e seiscentos euros ilíquidos, acrescido do subsídio de refeição, sobre o qual serão efetuados os descontos legais, sendo atualizável, de acordo com a evolução do setor, na percentagem que vier a ser definida no âmbito do Contrato Coletivo de trabalho dos Farmacêuticos. Cláusula Segunda: a segunda outorgante prestará os serviços extraordinários que se mostrem necessários, sendo compensada pelos mesmos, nos termos legais. Cláusula Terceira: a segunda outorgante prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais, de acordo com o funcionamento da Farmácia. Cláusula Quarta: o presente aditamento produz efeitos a partir do início do mês de Abril do corrente ano. Cláusula Quinta: em tudo o mais mantém-se em vigor o acordo ora aditado.” [o segmento sublinhado corresponde ao aditamento introduzido].
E, em consonância e para evitar eventual obscuridade ou dúvidas quanto a eventual contradição, impõe-se também, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, alterar o nº 37 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
37) Foi atendendo a esses pressupostos, e sem prejuízo, quanto à A., do referido no nº 11 dos factos provados, que foi acordado que a A. passaria a receber o vencimento mensal ilíquido de €2.600, acrescido do subsídio de refeição, valores esses sujeitos aos descontos legais, atualizável de acordo com a percentagem que viesse a ser definida no C.C.F. [o segmento sublinhado corresponde ao aditamento introduzido]

2.12. Da invocada contradição dos nºs 12, 15, 16 e 17 com os nºs 38 e 39, todos dos factos provados e da impugnação dos mencionados nºs 12, 15, 16 e 17
Dos nºs 12, 15, 16 e 17 consta o seguinte: “12) Após o dia 12 de abril de 2013 a A. continuou a desempenhar as mesmas funções que vinha desempenhando enquanto Diretora Técnica, com o mesmo período normal de trabalho – de 40 horas, de segunda a sexta – e o mesmo nível de responsabilidade; 15) O período normal de trabalho praticado pela A., desde 1 de agosto de 1997 até 31 de março de 2013, foi de 40h semanais, de segunda a sexta, sendo o sábado e o domingo os dias de descanso semanal complementar e obrigatório, respetivamente; 16) O descanso complementar foi usufruído pela A. ao sábado entre 1 de agosto de 1997 e 31 de março de 2013, sem qualquer modificação e de forma uniforme e pacífica; 17) Nas horas noturnas a A. mantinha-se, na sua residência ou noutro lado qualquer, em disponibilidade e permanência para qualquer chamada (pedido de esclarecimento) que os ajudantes técnicos de farmácia, que se encontravam na farmácia, entendessem necessário;”
Por sua vez, dos nºs 38 e 39 dos factos provados consta que: “38) Nos anos de 2008 a 2013, à Farmácia ... foram atribuídos os seguintes serviços: ano de 2008, 52 serviços, sendo 30 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 22 de reforço até às 22 horas; ano de 2009, 53 serviços, sendo 31 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 22 de reforço até às 22 horas; ano de 2010, 52 serviços, sendo 30 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 22 de reforço até às 22 horas; ano de 2011, 43 serviços, sendo 26 de serviço permanente (inclui serviço noturno) e 17 de reforço até às 22 horas; ano de 2012, 24 serviços, sendo todos de serviço permanente (inclui o serviço noturno); ano de 2013, 18 serviços, sendo todos de serviço permanente (inclui o serviço noturno); 39) Ao contrário do que acontecia antes de 1 de abril de 2013, desde que foi acordado o aditamento ao acordo de 2008 a A. foi sempre compensada, em folgas, pelo trabalho em dias feriados e suplementar que prestou;”

Na fundamentação da decisão da matéria de facto, referiu o Mmº Juiz o seguinte:
“Dos documentos de fls. 133 v.º a 157 extrai-se que a A. trabalhou, entre agosto de 2013 e março de 2020, pelo menos vinte e três sábados (meios dias ou dias inteiros) e dois domingos, o que fez, em regra, para além do limite contratualizado das quarenta horas semanais (cfr. a cláusula 3.ª do aditamento de fls. 24 e 24 v.º). Da análise dos recibos de retribuição de fls. 25 a 112 retira-se que aquelas horas de trabalho feitas a mais não foram pagas à A. No entanto, as testemunhas EE, FF e GG foram unânimes em considerar que, no ano de 2013, o legal representante da R. promoveu uma reunião com todos os colaboradores da farmácia, na qual expôs perante estes a situação deficitária que o negócio atravessava e a necessidade de passar a compensar a prestação de trabalho suplementar apenas com a concessão de folgas, o que todos, incluindo a A., perceberam e aceitaram.
Não obstante as testemunhas da R. terem mencionado que a A. não ficava, no período noturno (das 22h até à abertura no dia imediatamente subsequente), na farmácia, referiram que tinham ordens para, caso necessitassem de esclarecer alguma dúvida, ligar àquela.
A A., aquando das declarações de parte, mencionou que, com exceção dos dias em que assumiu serviços extra da farmácia (serviços de reforço e parte de serviços permanentes), sempre folgou ao sábado e ao domingo, o que foi corroborado pelo depoimento da testemunha DD.
A A., na audiência final, reconheceu que, aquando do trespasse da farmácia, ocorrido por documento de 29 de fevereiro de 2008, era aí a única farmacêutica, coadjuvada por quatro técnicos de farmácia.”
Diz a Recorrente que:
“Efectivamente, a redacção dos factos 12), 15), 16) e 17) é construída como se a Autora, desde 1997 até depois de 2013, nunca tivesse prestado trabalho suplementar, nomeadamente, uma hora antes da abertura da farmácia e aos sábados, domingos e feriados, ao passo que a redacção que é dada aos factos 38) e 39) é como se existisse trabalho suplementar, nesses dias.
Como tal, não se pode, por um lado dar como assente que não existe trabalho suplementar entre 1997 e após 2013 e por outro assentar que esse trabalho suplementar existia, nomeadamente que até era compensado com folgas.
Das duas uma, ou não há trabalho suplementar e como tal não pode ser compensado com folgas aquilo que não existe ou existe trabalho suplementar e este já pode ser compensado com folgas ou outros créditos laborais.”

A matéria de facto é incompatível quando um facto exclui necessariamente o outro, quando num se diz uma coisa e, no outro, se diz o seu contrário ou conste algo que o contrarie.
No caso, o nº 12 reporta-se ao período normal de trabalho da A. (de 40 horas semanais, de 2ª a 6ª feira) após 12.04.2013; o nº 15 reporta-se ao período normal de trabalho da A. de 01.08.1997 a 31.03.2013; o nº 16 reporta-se ao dia de descanso complementar da A. entre 01.08.2997 e 31.03.2013, que era o sábado (tal como já referido no nº 15), mas nele se reafirmando que o era, de forma uniforme e pacífica e sem modificação; e o nº 17 refere-se às horas noturnas, afirmando-se que a A. se mantinha na sua residência (ou em qualquer outro local), mas em disponibilidade e permanência para qualquer chamada (pedido de esclarecimento) que os ajudantes técnicos de farmácia, que se encontravam na farmácia, entendessem necessário. No nº 38 indica-se o número de serviços atribuídos à farmácia, incluindo o serviço permanente e de reforço, e o nº 39 que “Ao contrário do que acontecia antes de 1 de abril de 2013, desde que foi acordado o aditamento ao acordo de 2008 a A. foi sempre compensada, em folgas, pelo trabalho em dias feriados e suplementar que prestou;”
Não se nos afigura existir incompatibilidade, pois que, uma coisa, é o período normal de trabalho e os dias de descanso semanal (complementar e obrigatório) e, outra, o trabalho efetivamente prestado pela A., para além do período normal de trabalho ou nos dias de descanso, mormente ao sábado, e feriados a que se reporta a 2ª parte do nº 39.
O que se nos afigura é que a 1ª parte do nº 39, em que se diz “Ao contrário do que acontecia antes de 1 de abril de 2013” é conclusivo e/ou obscuro, na medida em que não se concretiza o que é que acontecia antes de 01.04.2013, designadamente se a A. prestou trabalho em dias feriados e/ou em dias de folga (sábados e/ou domingos) e se tais serviços eram (ou não) pagos e/ou (apenas) “compensados” em folgas, sendo que, quanto a esta parte, já tal ficou esclarecido com o aditamento do nº 53 aos factos provados no que se reporta ao período até 01.04.2013.
Ainda quanto ao nº 39, agora quanto à 2ª parte, a referência a “suplementar”, dada a sua natureza conclusiva, deve ser substituída pela concretização do trabalho a que esse ponto se reporta.
Assim, elimina-se a 1ª do nº 39 e altera-se a 2ª parte desse nº 39, que passará a ter a seguinte redação:
39. A partir de 01.04.2013 a A. foi sempre compensada, em folgas, pelo trabalho que prestou em alguns dias feriados e em alguns sábados e domingos.
E, em consonância, altera-se o nº 44 dos factos provados [“44) Ao longo dos anos de 2013 a 2020 a A. efetuou trabalho suplementar em alguns Sábados e Domingos e trabalhou em dias feriados, recebendo a respetiva compensação em folgas”], eliminando-se a expressão “suplementar”, ponto esse que passará a ter a seguinte redação:
44) Ao longo dos anos de 2013 a 2020 a A. efetuou trabalho em alguns sábados, domingos e feriados, recebendo a respetiva compensação em folgas;

2.12.1. Quanto ao nº 12 dos factos provados, dele consta “12) Após o dia 12 de abril de 2013 a A. continuou a desempenhar as mesmas funções que vinha desempenhando enquanto Diretora Técnica, com o mesmo período normal de trabalho – de 40 horas, de segunda a sexta – e o mesmo nível de responsabilidade”, pretendendo a Recorrente que seja acrescentado o período “…, onde se incluía o trabalho extraordinário e o trabalho nocturno, …”, passando a ser a seguinte a redação: “12) Após o dia 12 de abril de 2013 a A. continuou a desempenhar as mesmas funções que vinha desempenhando enquanto Diretora Técnica, onde se incluía o trabalho extraordinário e o trabalho nocturno, com o mesmo período normal de trabalho – de 40 horas, de segunda a sexta – e o mesmo nível de responsabilidade”
Fundamenta a alteração referindo que “Este facto deve ser assim modificado com fundamento na prova testemunhal e declarações supra aduzidas, mas também com fundamento na clausula 3.ª do contrato de 22/02/2008 junto aos autos como Doc. n.º 2 e facto provado 5.”
Contrapõe a Recorrida que: as suas funções estão descritas no nº 45 dos factos provados, nas quais não estão incluídas a prestação de trabalho extraordinário e o trabalho noturno, sendo que a clª 3ª constante do acordo celebrado em 22/02/2008 apenas refere serviço extraordinário nos dias de serviço noturno da farmácia, serviço noturno este que a A. não efetuava, conforme fundamentação da decisão da matéria de facto aduzida na sentença, para onde remete, e invocando o depoimento do legal representante da Ré e da testemunha EE, que habitualmente efetuava o serviço noturno na farmácia, tendo sido claro ao afirmar que não sabia os termos dos acordos efetuado entre a Autora e a Ré e que nas noites de serviço, nunca teve necessidade de falar com a A. Invoca também o depoimento de FF e GG, de acordo com as quais a A. não fazia serviços noturnos, bem como as suas declarações de parte, de acordo com as quais, mesmo depois de 2013, continuou a trabalhar de 2ª a 6ª F, folgando ao sábado e domingo, sendo que apenas após setembro de 2019 é que a situação se alterou.

No que se refere à invocação da “prova testemunhal e declarações supra aduzidas” não dá a Recorrente cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a), do CPC.
De todo o modo, remete-se para o que já se disse quanto ao período anterior a 12.04.2013 (referente ao aditamento do nº 53), cuja fundamentação e considerações são também aplicáveis ao período após 12.04.2013, decorrendo da prova que, também após esta data, a A., em dias de serviço permanente da farmácia, nem fazia noites, nem, depois do seu horário normal de trabalho, prestava trabalho até às 23h00 ou 24h00 (hora em que, nesses dias, a porta da farmácia fechava, fazendo-se o atendimento ao postigo), nem fazia reforços (estes em dias úteis até às 22h00). Acrescente-se que do nº 44 dos factos provados já consta que a “44) Ao longo dos anos de 2013 a 2020 a A. efetuou trabalho em alguns Sábados e Domingos e trabalhou em dias feriados, recebendo a respetiva compensação em folgas;”
Quanto à invocação da clª 3ª do contrato de 22.02.2008, reporta-se ela ao serviço “extraordinário” nos dias de serviço noturno, e não a outro. Ora, como decorre do que acima se disse, a propósito do serviço noturno, a A. não o fazia, apenas estando disponível para ser contactada em caso de necessidade por quem o fizesse, o que já consta do nº 17 dos factos provados.
Improcede assim a alteração pretendida.

2.12.2. Quanto aos nºs 15 e 16 dos factos provados:
Do nº 15 consta que “15) O período normal de trabalho praticado pela A., desde 1 de agosto de 1997 até 31 de março de 2013, foi de 40h semanais, de segunda a sexta, sendo o sábado e o domingo os dias de descanso semanal complementar e obrigatório, respetivamente”, pretendendo a Recorrente que seja eliminado o segmento sublinhado [“sendo o sábado e o domingo os dias de descanso semanal complementar e obrigatório, respetivamente”]
A Recorrente não aduz qualquer fundamentação quanto a esta pretensão.
A Recorrida invoca a falta de fundamentação ou de meio de prova alegado pela Recorrente, mais invocando o depoimento da testemunha FF “que elabora os horários dos trabalhadores da Ré, foi clara ao afirmar que mesmo após 2013, as 40h de trabalho da Autora eram distribuídas de segunda a sexta-feira (…)”, bem como da testemunha DD no mesmo sentido e que tal se manteve até ao alargamento do horário da farmácia, em 2019, e as declarações de parte da A.
Quanto ao nº 16, dele consta que “16) O descanso complementar foi usufruído pela A. ao sábado entre 1 de agosto de 1997 e 31 de março de 2013, sem qualquer modificação e de forma uniforme e pacífica”, pretendendo a Recorrente que seja dado como não provado, o que sustenta no seguinte: “Na verdade, não faz qualquer sentido dar como assente este facto porque tendo sido a Apelada a proprietária da farmácia entre 01/08/1997 e 29/02/2008, não existiu, entre estas datas e mesmo posteriormente, outra farmacêutica no estabelecimento, além da Autora, que permitisse que esta descansasse sempre ao sábado, sem fazer trabalho nocturno ou suplementar, existindo turnos e escalas para conciliar com os demais os trabalhadores.”
A A. contrapõe conforme consta das contra-alegações.

A Recorrente, quanto ao nº 15, não invoca qualquer meio de prova a sustentar a alteração pretendida, nem, aliás, qualquer fundamentação, não tendo dado cumprimento do disposto no art. 640º, nº 1, al. b), do CPC, nem fundamentado a alteração.
De todo o modo, mesmo que se atendesse à fundamentação que aduz quanto ao nº 16, quer quanto a este ponto, quer quanto ao nº 15, uma coisa é o período normal de trabalho e o horário de trabalho (onde se incluem os dias de descanso semanal), outra o trabalho que seja prestado em dia de descanso semanal. Os nºs 15 e 16 reportam-se ao período e ao horário normal de trabalho, concretamente aos dias de descanso semanal, sendo evidente que da fundamentação aduzida pela Recorrente quanto ao nº 16 não resulta que os dias de descanso semanal (complementar e obrigatório) da A. não fossem ou não pudessem ser ao sábado e domingo. A existência de turnos e escalas para conciliar entre os trabalhadores não significa que os dias de descanso semanal da A. não fossem ou não pudessem ser o sábado e domingo. Aliás, da própria clª 4ª do contrato de 22.02.2008 consta que a A. “prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais de Segunda a Sexta-feira nos termos habituais”, donde se conclui que, sendo essas 40 horas repartidas de segunda a sexta feira, o sábado e o domingo eram os seus dias de descanso semanal complementar e obrigatório. E sobre o trabalho prestado em dia de descanso semanal já o mesmo consta do nº 53 aditado.
Improcede nesta parte a impugnação.

2.12.3. Quanto ao nº 17 dos factos provados, dele consta que “17) Nas horas noturnas a A. mantinha-se, na sua residência ou noutro lado qualquer, em disponibilidade e permanência para qualquer chamada (pedido de esclarecimento) que os ajudantes técnicos de farmácia, que se encontravam na farmácia, entendessem necessário”, pretendendo a Recorrente que seja alterado para o seguinte: “Nas horas noturnas a A. mantinha-se, presencialmente nas instalações da farmácia ou na sua residência ou noutro lado qualquer, em disponibilidade e permanência para qualquer chamada (pedido de esclarecimento) que os ajudantes técnicos de farmácia, que se encontravam na farmácia, entendessem necessário.” – em sublinhado a alteração/ aditamento pretendido.
A seguir a tal pretensão refere que: “O aditamento ao contrato de Fevereiro de 2008 celebrado em Abril de 2013 destinou-se a adaptar o serviço extraordinário ou suplementar prestado pela Recorrida na farmácia, pelo que, não faz qualquer sentido dar como não provado que não existisse trabalho suplementar.”
A A. contrapõe reafirmando não efetuar serviço noturno, invocando os depoimentos do legal representante da Ré e de EE e FF.
A Recorrente não invoca qualquer meio de prova para sustentar a alteração pretendida, não tendo dado cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, al. b), do CPC. E o mais que a Recorrente alega mais não é do que uma consideração ou conclusão sua, não suportada em qualquer meio de prova.
De todo o modo sempre se dirá que não foi feita qualquer prova de que a A. nas horas noturnas se mantinha presencialmente na farmácia, falta de prova essa que, não se poderá deixar de dizer, não poderia deixar de ser conhecida da Recorrente cujo mandatário judicial esteve presente em todas as sessões do julgamento e que, assim, se deveria ter abstido de tal impugnação.
Com efeito, não apenas a A. afirmou nunca ter feito qualquer serviço noturno nos dias de serviço permanente da farmácia, como todas as testemunhas afirmaram que a A. não o fazia, apenas estando disponível nos termos do referido no nº 17 dos factos provados, não resultando, até, dos seus depoimentos que alguma vez tivessem sequer tido necessidade de contactar a A.
Improcede assim e nesta parte a impugnação.

2.13. Quanto ao nº 14 dos factos provados, dele consta que “14) A A. auferiu ao serviço da R. as seguintes remunerações-base: €3.000 em março de 2008, €3.200 desde maio de 2008 a dezembro de 2009, €3.275 desde janeiro de 2010 até março de 2013 e €2.600 desde maio de 2013 até junho de 2020;”, pretendendo a Recorrente que a expressão “remunerações-base” seja substituída por “remunerações”, ou seja, que seja eliminada a palavra “base”.
Sustenta a alteração na clª 3ª do acordo de 22.02.2008, nos termos da qual, segundo diz, no montante global estão incluídas não só a remunerações base, como também o trabalho suplementar, o trabalho noturno e o subsídio de alimentação, o que se manteve após 01.04.2013 dado que tal não foi alterado pelo acordo de 01.04.2013.
Contrapõe a Recorrida que:
“Em primeiro lugar, constata-se que o facto provado no ponto 14 não está impugnado mas antes o conceito jurídico nele vertido pelo que nenhuma modificação de facto carece assim de ser realizada.
Por outro lado, é a própria Ré que quer nos acordos celebrados, quer nos recibos por ela emitidos – constantes de fls 25 e ss. dos presentes autos - e que se encontram assentes entre as partes - que classifica a retribuição base da categoria da Autora, classificando-a como “vencimento”, ao que acrescem outros complementos, cfr. fls 25 e ss.
Refira-se que esse “vencimento” é que é a base da retribuição da Autora e que serve igualmente de cálculo para pagamento do subsídio de férias e de natal, vide, a título de exemplo, recibos de vencimento de fls. 27v, 29v, 33v, 37, 41, 44, 48, 51, 54v, 57v, 63v, 66, 69v e 72v.”

A decisão da matéria de facto apenas deve contemplar factos, estes os acontecimentos da vida real, e não já matéria de direito, conclusiva ou contendo juízos de valor.
De acordo com o Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Edição, págs. 206 a 215:
“(…)
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
(…)
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
(…)
Em conclusão: O juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos.
(…).”
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág.187, refere que: “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…)” e, a pág. 194, que podem ser objecto de prova, tanto os factos principais, como os acessórios, os factos externos, como os internos, os factos reais, como os hipotéticos e “tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)”.
Por sua vez Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Direito Processual Civil, 1984, Coimbra Editora, pág. 391 a 393, admite como constituindo matéria de facto, suscetível de prova, tanto os acontecimentos do mundo exterior, como os do foro interno, da vida psíquica, “as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não meros factos, mas verdadeiros juízos de facto.”,
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, Almedina, diz que “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…), Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, os factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto.
(…).
Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”.
Na jurisprudência, entre muitos outros, relevantes são os Acórdãos do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), que, a propósito do art. 646º, nº 4, refere que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»
Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova.
Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. (…)».
No caso, e como se disse a propósito da impugnação do nº 9 dos factos provados, a expressão remuneração-base tem um conteúdo técnico jurídico (cfr. art. 258º e 262º, nº 2, al. a), do CT/2009 e arts. 249º e 250º, nº 2, al. a), do CT/2003, sendo que já no âmbito da LCT se distinguia a retribuição, em sentido amplo, da remuneração de base).
Se a designação de remuneração de base pode ser utilizada num contexto em que não seja controvertida a natureza do, como tal, auferido, já tal não deverá suceder quando seja controvertida tal natureza por poder estar em causa, designadamente, a inclusão no montante auferido pelo trabalhador de outras prestações que não apenas o que é, como tal (remuneração de base) considerado pela lei.
No caso, a Ré/Recorrente (bem o mal, o que não releva em sede de decisão da matéria de facto), alega que na retribuição acordada e paga à A. (até 12.04.2013 – data do aditamento mencionado no nº 11 dos factos provados) estavam incluídas outras prestações (trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de alimentação), matéria esta que é controvertida. Ora, assim sendo, não pode, nem deve ser levada à decisão da matéria de facto a qualificação jurídica do auferido pela A. como consubstanciando remuneração-base, qualificação essa que apenas deverá ter lugar em sede de fundamentação jurídica.
Assim, assiste razão à Recorrente ao pretender a eliminação, no nº 14 dos factos provados, do qualificativo “base”.
No entanto, importa ainda ter em conta o seguinte:
As “remunerações-base” a que se reporta o nº 14 dos factos provados correspondem ao que a Ré designou, nos recibos de vencimento juntos aos autos pela A. com a p.i., e que não foram impugnados, como “vencimento” ilíquido da A.
E, por outro lado, desses recibos, para além do designado “vencimento” consta ainda o pagamento das quantias nele mencionadas sob a designação de “subsídio de alimentação”, sendo que as quantias líquidas referidas no nº 13 dos factos provados correspondem aos montantes líquidos constantes dos mencionados recibos, o que se encontra documentalmente provado e se poderá mostrar relevante, devendo, nos termos dos arts. 607º, nº 4, e 663º, nº 2, amos do CPC/2013, ser aditado à matéria de facto provada.
Assim, altera-se o nº 14 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
14) A A. auferiu ao serviço da R. as seguintes quantias ilíquidas, designadas nos recibos de remunerações juntos aos autos como “vencimento”: €3.000 em março de 2008, €3.200 desde maio de 2008 a dezembro de 2009, €3.275 desde janeiro de 2010 até março de 2013 e €2.600 desde maio de 2013 até junho de 2020.
E adita-se à matéria de facto provada os nºs 54 e 55, com a seguinte redação:
54. Para além das quantias mencionadas no nº 14 dos factos provados, dos mencionados recibos de remunerações consta ainda ao pagamento das quantias neles mencionadas sob a designação de “subsídio de alimentação”.
55. As quantias líquidas mencionadas no nº 13 dos factos provados correspondem aos montantes líquidos constantes dos mencionados recibos

2.14. Assim, e em conclusão, são as seguintes as alterações introduzidas à decisão da matéria de facto:
A. Aos factos Provados:
- Altera-se o nº 9), que passa a ter a seguinte redação: 9) A R., na pessoa do seu sócio gerente BB, propôs à A. uma alteração da sua retribuição e do seu período normal de trabalho semanal, dizendo-lhe que era necessário para evitar despedimentos; [alterado]
- Altera-se o nº 11), que passa a ter a seguinte redação: 11) A A., para além do referido nos nºs 27 a 37 e com receio também de que ocorressem despedimentos, assinou, em 12 de abril de 2013, o aditamento referido em 10), do qual consta o seguinte: “Cláusula Primeira: a segunda outorgante passará a auferir um vencimento mensal de dois mil e seiscentos euros ilíquidos, acrescido do subsídio de refeição, sobre o qual serão efetuados os descontos legais, sendo atualizável, de acordo com a evolução do setor, na percentagem que vier a ser definida no âmbito do Contrato Coletivo de trabalho dos Farmacêuticos. Cláusula Segunda: a segunda outorgante prestará os serviços extraordinários que se mostrem necessários, sendo compensada pelos mesmos, nos termos legais. Cláusula Terceira: a segunda outorgante prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais, de acordo com o funcionamento da Farmácia. Cláusula Quarta: o presente aditamento produz efeitos a partir do início do mês de Abril do corrente ano. Cláusula Quinta: em tudo o mais mantém-se em vigor o acordo ora aditado.”
- Altera-se o nº 14, que passará a ter a seguinte redação: 14) A A. auferiu ao serviço da R. as seguintes quantias ilíquidas, designadas nos recibos de remunerações juntos aos autos como “vencimento”: €3.000 em março de 2008, €3.200 desde maio de 2008 a dezembro de 2009, €3.275 desde janeiro de 2010 até março de 2013 e €2.600 desde maio de 2013 até junho de 2020.
- Altera-se o nº 37), que passa a ter a seguinte redação: 37) Foi atendendo a esses pressupostos, e sem prejuízo, quanto à A., do referido no nº 11 dos factos provados, que foi acordado que a A. passaria a receber o vencimento mensal ilíquido de €2.600, acrescido do subsídio de refeição, valores esses sujeitos aos descontos legais, atualizável de acordo com a percentagem que viesse a ser definida no C.C.F.
- Altera-se o nº 39), que passa a ter a seguinte redação: 39. A partir de 01.04.2013 a A. foi sempre compensada, em folgas, pelo trabalho que prestou em alguns dias feriados e em alguns sábados e domingos.
- Altera-se o nº 44), que passa a ter a seguinte redação: 44) Ao longo dos anos de 2013 a 2020 a A. efetuou trabalho em alguns sábados, domingos e feriados, recebendo a respetiva compensação em folgas;
- Altera-se o nº 49), que passa a ter a seguinte redação: 49) A R., desde 1 de abril de 2013, sempre respeitou o período normal de 40 horas semanais de trabalho da A., compensando-a pelos serviços referidos no nº 44 dos factos provados com folgas, que são marcadas pela própria A.
- Adita-se à matéria de facto provada o nº 52, com a seguinte redação: 52. A A., no período compreendido 1997 e a assinatura do aditamento a que se reporta o nº 11 dos factos provados chegava à farmácia entre as 8h15 e, pelo menos, as 8h45.
- Adita-se à matéria de facto provada o nº 53, com a seguinte redação: 53. Até 01.03.2008, bem como desde esta data até 12.04.2013, a A., para além do seu período de trabalho de 40 horas semanais, prestou trabalho em alguns sábados, domingos e feriados, em período diurno, ou seja, da parte da manhã ou da tarde, em que a farmácia estava de serviço permanente, trabalho esse pelo qual lhe era atribuída folga, mas não recebendo, em dinheiro, outra quantia que não a retribuição mencionada no nº 13 dos factos provados.
- Adita-se à matéria de facto provada o nº 54, com a seguinte redação: 54. Para além das quantias mencionadas no nº 14 dos factos provados, dos mencionados recibos de remunerações consta ainda ao pagamento das quantias neles mencionadas sob a designação de “subsídio de alimentação”.
- Adita-se à matéria de facto provada o nº 55, com a seguinte redação: 55. As quantias líquidas mencionadas no nº 13 dos factos provados correspondem aos montantes líquidos constantes dos mencionados recibos.
-Elimina-se a al. l) dos factos não provados.

3. Da retribuição da Autora

Alega a Recorrente que a retribuição líquida da A., de 22.02.2008 até ao aditamento ao contrato de trabalho de 12.04.2013 (este referido no nº 11 dos factos provados) incluía, conforme clª 3ª do acordo de 22.02.2018, não só a remuneração de base, como também o subsídio de alimentação, o trabalho suplementar e o noturno. O trabalho suplementar e noturno a que a Recorrente se reporta refere-se ao prestado entre as 8h00 e as 9h00, bem como o prestado em dias de serviço permanente da farmácia em dias de descanso e durante a noite, bem como em serviço em que a farmácia estava de reforço, o que sustenta, em síntese, na alteração da decisão da matéria de facto provada e apelando também à interpretação da vontade negocial de acordo com a teoria da impressão do destinatário.

3.1 Do nº 5 dos factos provados decorre que A. e Ré, aos 22.02.2008 acordaram, para produzir efeitos a partir de 01.03.2008, que aquela continuaria, após a transmissão da Farmácia ... para a Ré, a prestar o seu trabalho como Diretora Técnica da referida farmácia e, bem assim, que acordaram no seguinte: “Cláusula Primeira: No caso de transmissão da farmácia para a titularidade do primeiro outorgante ou da sua representada, ou ainda no caso de alienação a terceiros, a segunda outorgante manterá a qualidade de directora técnica de farmácia, auferindo o vencimento mensal de dois mil e duzentos e vinte e cinco euros líquidos, isto é, deduzido das quantias a reter na fonte a título de imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social”; “Cláusula Segunda: A remuneração a que acima se faz referência, será liquidada catorze vezes por ano à segunda outorgante, sendo actualizável anualmente com a percentagem que vier a ser definida no âmbito do contrato colectivo dos farmacêuticos”; “Cláusula Terceira: A remuneração acima indicada já inclui o subsídio de alimentação e o serviço extraordinário que a segunda outorgante terá de prestar, como habitualmente, nos dias de serviço nocturno da farmácia”; “Cláusula Quarta: A segunda outorgante prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais de Segunda a Sexta-feira, nos termos habituais.”; “Cláusula Quinta: Para todos os efeitos legais, designadamente para a salvaguarda dos direitos resultantes da antiguidade da segunda outorgante na direção técnica da farmácia, o contrato de trabalho celebrado com a segunda outorgante considera o dia 1 de Agosto de 1997, data em que começou a prestar funções na referida farmácia.”; “Cláusula Oitava: O presente acordo produz efeitos a partir do início do mês seguinte ao da transmissão da farmácia, da titularidade da segunda outorgante”. [sublinhados nossos]
Dispõe o art. 236º, nº 1, do CC, que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 27.02.2013, Processo 5251/03.3TTLSB.L2.S1 “1 – O resultado interpretativo a alcançar de determinada declaração deve estar de acordo com a teoria da impressão do destinatário, ou seja, com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, à luz dos ditames da boa fé e das circunstâncias atendíveis no caso”.
O que decorre da clª 3ª e nela foi previsto é que a remuneração líquida acordada incluía o subsídio de alimentação e “o serviço extraordinário que a segunda outorgante terá de prestar, como habitualmente, nos dias de serviço nocturno da farmácia”.
Ou seja, o subsídio de alimentação estava efetivamente incluído na mencionada retribuição. Porém, já quanto ao trabalho suplementar, apenas o estava, como se diz na clª, o prestado nos dias de serviço noturno da farmácia e não qualquer outro, designadamente no período das 8h00 às 9h00, que não era serviço noturno, nem o prestado em dias de descanso (sábados e domingos) ou em feriados, não estando estes referidos na clª 3ª. E, nos dias de serviço noturno da farmácia, a A. não fazia serviço noturno, apenas estando disponível para ser contactada nos termos referidos no nº 17 dos factos provados. Ou seja, o mais que se pode concluir da clª3ª, conjugada com esse nº 17, e mesmo tendo em conta a interpretação da vontade negocial de acordo com a teoria da impressão do destinatário é que a retribuição acordada na clª 1ª, de €2.225,00, incluía a disponibilidade da A. nos termos mencionados no nº 17, mas não a prestação de trabalho, em regime de presença física, na farmácia [aliás, a Ré não alegou, nem se provou, qualquer dia em que a A. tivesse prestado trabalho noturno em regime de presença física na farmácia, nem aliás e sequer, que tivesse sido alguma vez contactada], nem o trabalho prestado das 8h00 às 9h00, nem o trabalho prestado em dias de descanso semanal complementar e/ou obrigatório (sábados e domingos) e feriados, trabalho este que não se enquadra no “serviço extraordinário nos dias de serviço noturno da farmácia”. Ligando a clª o serviço “extraordinário” aos dias de “serviço noturno” da farmácia está a fazer a ligação entre aquele serviço “extraordinário” ao “serviço noturno”. E se, porventura, tivesse a Ré pretendido incluir na retribuição acordada na clª 1ª o trabalho prestado das 8h00 às 9h00, bem como o trabalho prestado em dias de descanso semanal (complementar ou obrigatório) e feriados deveria tê-lo dito senão expressamente, pelo menos de forma clara e sem margem para equívocos interpretativos. Não se nos afigura, pois, que a letra da clª permita sustentar a tese interpretativa da Ré quanto à inclusão, na retribuição de €2.225,00 acordada, da retribuição pelo mencionado trabalho.
Acresce dizer que, nos recibos de remunerações da A. apenas constam duas prestações, quais sejam o que neles é designado como “vencimento” (ilíquido) e o subsídio de alimentação, não constando qualquer outra prestação, designadamente a decomposição do mencionado “vencimento” em qualquer outra prestação por trabalho suplementar ou noturno, não suportando, por consequência, a prática subsequente da execução contratual a pretendida integração, em tal verba (“vencimento”), do trabalho suplementar e/ou noturno.
Nos termos dos arts. 267º, nº 5, do CT/2003 e 276º, nº 2, do CT/2009, o empregador deve entregar ao trabalhador, até ao pagamento da retribuição, documento (qual seja o habitualmente designado recibo de remunerações) de onde conste, para além do mais, a retribuição base e as demais prestações pagas (bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber), documento/recibo esse que se destina, precisamente, a dar a conhecer ao trabalhador o que vai receber e a que título o recebe. Ora, no caso, dos recibos entregues pela Ré à A. e que constam dos autos, apenas são referidas as mencionadas quantias designadas de “vencimento” e subsídio de alimentação (para além, nos meses em que correram, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal e respetivos montantes). Ou seja, de tais recibos resulta que o que é designado como “vencimento” corresponde à remuneração de base e não a esta acrescida de outras prestações complementares.
De todo o modo, sempre se impõe dizer o seguinte:
A remuneração de base é a componente retributiva que corresponde à atividade do trabalhador no seu período normal de trabalho, devendo, para o efeito, ser fixado um montante certo ou, no mínimo, determinável em função do tempo normal de trabalho prestado (arts. 250º, nº 2, al. a), do CT/2003 e 262º, nº 2, al. a), do CT/2009), não sendo, nem podendo ser indeterminável e variável em função do trabalho suplementar que seja prestado. Ou seja, no caso concreto, não é legalmente admissível encontrar-se ou chegar-se ao montante da remuneração de base descontando à retribuição acordada a que corresponderia ao trabalho suplementar prestado em dias de descanso ou feriados, nem ao trabalho noturno. Tal significaria que a remuneração de base da A. variaria (sendo maior ou menor) consoante o maior ou menor número de dias em que a A. prestasse trabalho suplementar em dias de descanso ou feriados, seja ele diurno ou noturno, por virtude dos dias em que a farmácia estava de serviço permanente (ou em serviço de reforço). A retribuição abrange a remuneração de base, podendo também abranger outras prestações regulares e periódicas (arts. 249º, nºs 1 e 2, do CT/2003 e 258º, nºs 1 e 2, do CT/2009), designadamente o trabalho suplementar (se pago com regular e periodicamente). Estas prestações regulares e periódicas, que poderão integrar o conceito de retribuição, determinam o aumento da retribuição em sentido amplo. Contudo, não determinam, nem poderão determinar, a diminuição do que é a remuneração de base. Ou seja, dito de outro modo, esta não pode ser determinada e variável em função das prestações complementares; estas, designadamente o trabalho suplementar, é que hão-de ser determinadas em função da remuneração de base. Ora, um tal acordo, em que a remuneração de base não estava determinada nem era determinável, variando, para mais ou para menos, em função do trabalho suplementar, não seria sequer legalmente admissível.
Ou, visto noutra perspetiva, o acordado na clª 3ª, a ser como pretenderia a Recorrente, determinaria a renúncia por parte da A. à retribuição pelo trabalho suplementar e noturno a que legalmente tivesse direito, o que, também sempre seria ilegal por os créditos retributivos, na constância do contrato de trabalho, serem irrenunciáveis.
Seja em que perspetiva for, a inclusão na retribuição mensal de €2.225,00 acordada na clª 1ª do acordo de 22.02.2008 do trabalho suplementar, seja ele o prestado em dias de descanso da A., seja das 8h00 às 9h00, seja o noturno em regime presencial na farmácia, seja o trabalho prestado no período em que a farmácia haja estado de reforço, como pretende a Ré/Recorrente, sempre seria ilegal e, por isso, nulo.
Assim, e em conclusão, a retribuição mensal da A. era, no período de 22.02.2008 até 11.04.2013, a retribuição líquida de €2.225,00, nesta se admitindo poder considerar-se incluído o subsídio de alimentação no valor, ainda que não especificado (como deveria ter ocorrido), indicado nos recibos de remuneração da A. juntos aos autos e, na melhor das hipóteses, a disponibilidade referida no nº 17 dos factos provados, mas não mais do que isso, designadamente trabalho suplementar e/ou noturno. E conclui-se, também, que a essa retribuição líquida corresponde, nos recibos de vencimento, o que é designado como “vencimento” ilíquido (depois de deduzidos os descontos legais) e o subsídio de alimentação.
Quanto ao subsídio de alimentação, desde já se dirá que, pese embora, por lei, o seu pagamento não seja devido em período de férias e nos subsídios de férias e de Natal, nada obsta a que as partes acordem no seu pagamento durante 14 meses por ano. Ora, no caso, foi isto precisamente o que A. e Ré acordaram, constando da clª 2ª do acordo de 22.02.2008, que a retribuição líquida de €2.225 (na qual se incluía o subsídio de alimentação) seria paga 14 vezes por ano, ou seja, seria paga também na retribuição de férias, bem como nos subsídios de férias e de Natal.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso

4. Da validade do aditamento ao contrato de trabalho de 12.04.2013 e inexistência de diminuição da retribuição da A.

Aos 12.04.2013 a A. e a Ré assinaram o aditamento ao acordo de 22.02.2008, aditamento esse a que se reporta o nº 11 dos factos provados e do qual consta, para além do mais, que “Cláusula Primeira: a segunda outorgante passará a auferir um vencimento mensal de dois mil e seiscentos euros ilíquidos, acrescido do subsídio de refeição, sobre o qual serão efetuados os descontos legais, sendo atualizável, de acordo com a evolução do setor, na percentagem que vier a ser definida no âmbito do Contrato Coletivo de trabalho dos Farmacêuticos. Cláusula Segunda: a segunda outorgante prestará os serviços extraordinários que se mostrem necessários, sendo compensada pelos mesmos, nos termos legais.”.

Na sentença recorrida considerou-se não ter existido vício da vontade por parte da A. que inquinasse a validade de tal aditamento, designadamente coação moral, segmento este que não foi posto em causa, designadamente pela A. (como o poderia ter sido através da ampliação do âmbito do recurso – cfr. art. 636º, nº 1, do CPC/2013), pelo que, quanto a esse segmento, a sentença transitou em julgado.
Mas concluiu ainda a sentença no sentido da nulidade de tal acordo na parte em que se prevê a alteração da retribuição para €2.600,00 ilíquidos, por tal consubstanciar diminuição da retribuição e, assim, violando o disposto no art. 129º, nº 1, al. d), do CT/2009, referindo para tanto o seguinte:
“Questão diferente prende-se com a eventual nulidade do aditamento de 12 de abril de 2013, na parte em que é reduzida a retribuição devida à A. A este nível, começaremos por referir que, conforme resultou provado, aquele aditamento produziu efeitos em 1 de abril de 2013, sendo que em abril de 2013 a A. recebeu a retribuição líquida de €1.998,04 e em maio de 2013 recebeu a retribuição líquida de €1.671,02. Mais se provou, desta feita em termos de retribuição-base, que a A. auferiu, em março de 2013 €3.275 e em maio de 2013 auferiu €2.600. Do que se conclui que ocorreu, quer em termos líquidos, quer ilíquidos, uma diminuição efetiva da retribuição da A.
A proibição de diminuição da retribuição do trabalhador estava já plasmada no art.º 21.º n.º 1 c) do Decreto-lei nº 49 408, de 24 de novembro de 1969 (vulgarmente denominada de L.C.T., em vigor à data da celebração do contrato de trabalho entre as partes); foi posteriormente mantida no art.º 122.º d) do Código do Trabalho de 2003; e continua atualmente a estar consagrada no art.º 129.º n.º 1 d) do Código do Trabalho de 2009 (aplicável ao caso dos autos, uma vez que a alteração retributiva ocorreu no ano de 2013, quando aquele diploma já se encontrava em vigor).
Ora, aquela última citada norma dispõe que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no próprio Código do Trabalho ou em instrumento de regulação coletiva de trabalho.
Impõe-se, assim, em primeiro lugar, saber exatamente o que se deve entender por retribuição.
Preceituava o n.º 1 art.º 82.º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, que só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. Acrescentava ainda o n.º 2 do mesmo artigo que a retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
A propósito, ensinava Pedro Romano Martinez (no Direito do Trabalho, 1994/95, págs. 419 a 423), em comentário à norma citada, serem três os elementos constitutivos da noção de retribuição ali plasmada:
i) a retribuição corresponde à contrapartida da atividade do trabalhador (sendo o contrato de trabalho bilateral, a retribuição encontra-se sinalagmaticamente ligada à atividade prestada pelo trabalhador);
ii) a retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica (a atribuição de carácter retributivo a determinada prestação do empregador exige a verificação de periodicidade e regularidade no seu pagamento), o que não se confunde com uma absoluta igualdade das prestações;
iii) a prestação tem de ser feita em dinheiro ou em espécie, ou seja, tem de ter valor patrimonial.
Ademais, definia o art.º 84.º da L.C.T. a figura da retribuição variável, estabelecendo que na determinação do seu valor deveria ter-se em conta a média dos valores que o trabalhador recebia ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo de execução do contrato, caso este tivesse durado por um período inferior a doze meses (cfr. n.º 2 do citado preceito).
Por seu turno, os art.ºs 249.º e 252.º n.º 2, ambos do C. do Trabalho de 2003, mantiveram a redação dos art.ºs 82.º n.º 1 e 84.º n.º 2, ambos da L.C.T. O mesmo valendo para os art.ºs 258.º e seguintes do atual C. do Trabalho.
Realmente, o art.º 258.º n.º 1 do atual Código do Trabalho (nos exatos termos em que o faziam já o art.º 82.º da L.C.T. e o art.º 249.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003), dispõe que se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
Por outro lado, o n.º 2 da mesma norma completa que a retribuição compreende a retribuição base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
Já o n.º 3 esclarece que se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Lançando mão de um excerto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2009, consultável em www.dgsi.pt, e no qual, entre outros autores, se cita Monteiro Fernandes, “deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida. Constituindo critério legal da determinação da retribuição a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da atividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho – mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este. No que respeita à característica de periodicidade e regularidade da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo, dessa forma, relevância ao nexo existente entre as retribuições e as necessidades pessoais e familiares daquele”.
A retribuição pode dividir-se em dois tipos de diferentes prestações: a retribuição base – que corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido no contrato de trabalho ou em convenção coletiva – e as prestações complementares ou acessórias, por vezes também apelidadas de “aditivos” – são os vulgarmente denominados subsídios, prémios, gratificações, etc. –, que se considerarão como consubstanciando retribuição desde que assumam as características acima enunciadas.
Ora, o valor patrimonial de todas essas prestações tanto pode corresponder a um pagamento efetuado diretamente em dinheiro, como pode também ser o montante económico correspondente a uma determinada prestação em espécie.
Definido assim em traços gerais o conceito de retribuição, voltemos então ao início, ou seja, ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
Sabemos já que aquele está consagrado no art.º 129.º n.º 1 d) do Código do Trabalho, e determina a proibição de o empregador diminuir a retribuição ao trabalhador.
Tenha-se em conta que, como se decidiu no já supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2009, aquela proibição engloba quer a remuneração base, quer todas as outras prestações regulares e periódicas, feitas como contrapartida do trabalho.
Porém, importa desde logo ter em consideração que tal proibição, embora consubstancie um princípio estruturante da posição jurídica do trabalhador, não pode ser encarada como absoluta. Em primeiro lugar, porque o próprio texto da lei consagra expressamente duas exceções à mesma, permitindo a diminuição da retribuição nos casos expressamente permitidos na lei e em instrumentos de regulação coletiva. Depois, porque como tem vindo a ser decidido de forma praticamente uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos, é lícito ao empregador diminuir o valor de algumas delas (ou até suprimi-la integralmente), desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das diversas parcelas retributivas) resultante da alteração não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração (neste sentido, vejam-se, v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de janeiro de 2008, de 26 de março de 2008, 4 de junho de 2008 e de 10 de julho de 2008, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Isto é, o que a lei salvaguarda é a impossibilidade de redução do valor global da retribuição, ainda que parcelas dessa retribuição possam ser alteradas ou até suprimidas.
A este propósito, escreve Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 4.ª edição, 2007, pág. 759) que “quando estejam em causa reestruturações ou reformas na organização da empresa, como em quaisquer outros casos em que o ajustamento salarial seja engendrado dentro de uma lógica de gestão empresarial global e articulada, a modificação da forma de pagamento da retribuição, na medida em que não envolva a diminuição da “retribuição global” do trabalhador, é lícita. A licitude de tal modificação funda-se no facto de não acarretar a diminuição da retribuição real efetivamente auferida pelo trabalhador, e, além disso, por ser promovida dentro dos limites da boa fé, segundo critérios de razoabilidade, de normalidade social e dentro de uma lógica empresarial séria e objetiva”.
No mesmo sentido se pronuncia Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 475), ao concluir que “desde que não resulte diminuído o valor total da retribuição, a estrutura dela pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança de frequência de outro, ou, ainda, a criação de um terceiro. Todavia, a alteração unilateral só é admissível, a nosso ver, quando se refira a elementos fundados nas estipulações individuais ou nos usos, excluindo-se, por conseguinte, os que derivem da lei ou da regulamentação coletiva”.
Por último, porque tal como também tem vindo a ser jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. A este propósito, explicita o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2009, que “as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio noturno, isenção de horário e outros subsídios) apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição - neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo de 25 de Setembro de 2002, 4 de Maio de 2005, e 17 de Janeiro de 2007 (…) em www.dgsi.pt. Isto é, embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação que lhe serve de fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição (…). Do que fica dito, impõe-se concluir que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição”.
Efetuada esta breve resenha teórica, analisemos então o caso concreto.
Ponderada a matéria de facto tida por provada, relembre-se desde já que, da comparação entre os meses de março e de maio de 2013, verifica-se uma efetiva diminuição da retribuição líquida da aqui trabalhadora. E tal diminuição mostra-se, na ótica da R., alicerçada no aditamento de 12 de abril de 2013, por via do qual e entre o mais, se estipulou que a A. passaria a receber da R. um vencimento mensal de €2.600 ilíquidos. Será esta estipulação, ainda que tenha merecido a concordância da A., válida? A nosso ver, a operada diminuição efetiva da retribuição da A. não assentou em nenhuma das hipóteses que o Código do Trabalho considera como válida. Sem descurar que não se provou que a retribuição líquida inicialmente acordada de €2.225 mensais abrangesse uma parte (€700 ou outra) destinada a compensar a A. por trabalho suplementar prestado, parte essa que poderia, a ocorrer a cessação da situação que lhe serve de fundamento, ser excluída sem que tal implicasse a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. A acrescer, não se provou que, após a outorga do aditamento de 12 de abril de 2013, a A. tenha visto a sua atividade em benefício da R. de alguma forma reduzida que justificasse a verificada redução da respetiva retribuição.
Em jeito de conclusão, dir-se-á que, mesmo com o acordo da A., a retribuição desta nunca poderia ter sido reduzida, como foi, pelo que o aditamento de 12 de abril de 2013 está ferido, naquela parte, de nulidade (art.º 294.º do C. Civil). Sequentemente e sem prejuízo, por ora, de atualizações salariais que cumpra efetuar, a retribuição da A. não poderia ter sido fixada em montante inferior ao acordado em 22 de fevereiro de 2008.
Cumpre acrescentar que aquela nulidade apenas inquina, em parte (diminuição retributiva), o aditamento de 12 de abril de 2013, mantendo-se este válido quanto ao demais acordado, porquanto não foi alegado nem provado que as partes não o teriam subscrito sem a parte viciada (art.º 292.º do C. Civil).” [fim de transcrição].
Do assim decidido discorda a Recorrente, alegando em síntese que: a retribuição de €2.225,00 acordada em 22.02.2008 incluiria, para além do subsídio de alimentação, o trabalho suplementar prestado pela A., seja das 8h00 às 9h00, seja o diurno e noturno prestado em dias em que a farmácia esteve de serviço permanente (este das 9h00 de um dia às 9h00 do dias seguinte) e em serviço de reforço (este até às 22h00); e de acordo com a alteração de 12.04.2013, o trabalho suplementar que se mostrasse necessário passaria a ser “compensado” nos termos legais, pelo que não se verificaria diminuição da retribuição da A.
Sem prejuízo das considerações que tecemos no ponto IV.3. do presente acórdão a propósito da retribuição da A., concordamos, no essencial, com a as considerações tecidas na sentença recorrida no sentido de se ter verificado diminuição da retribuição da A., sendo que a pretensão da Recorrente passava, desde logo, pela alteração da decisão da matéria de facto que, no que poderia relevar à procedência do recurso, foi improcedente, sendo de realçar que as alterações introduzidas no presente acórdão, designadamente as constantes do aditamento aos factos provados dos nºs 52 e 53, são irrelevantes.
Com efeito:
Quanto ao aditamento do nº 52 dos factos provados, dele consta que a A, no período compreendido 1997 e a assinatura do aditamento a que se reporta o nº 11 dos factos provados, chegava à farmácia entre as 8h15 e, pelo menos, as 8h45. Não obstante, não se provou que tal se devesse à necessidade de prestação, pela A., de tarefas que não pudesse ela levar a cabo durante o seu período normal de trabalho, assim como não se provou que o pagamento da retribuição de €2.225,00 visasse proceder ao pagamento do período compreendido entre as 8h00 e as 9h00 e, muito menos, qual a medida da “compensação” correspondente a esse período de uma hora. Acresce que, nos termos do acordo de 22.02.2008, o que nele se referia era o trabalho “extraordinário” nos dias de serviço noturno da farmácia, sendo que o mencionado período das 8h00 às 9h00 não corresponde a serviço noturno, nem a serviço prestado em dias que a farmácia estivesse de serviço noturno. Tal período corresponde a período diurno, e não noturno e, por outro lado e segundo a Recorrente (mas não provado), corresponderia a necessidade permanente desse trabalho, correspondesse ou não a dias em que a farmácia estivesse de serviço noturno.
Quanto ao nº 53 aditado, dele consta que até 01.03.2008, bem como desde esta data até 12.04.2013, a A., para além do seu período de trabalho de 40 horas semanais, prestou trabalho em alguns sábados, domingos e feriados, em período diurno, ou seja, da parte da manhã ou da tarde, em que a farmácia estava de serviço permanente, trabalho esse pelo qual lhe era atribuída folga, mas não recebendo, em dinheiro, outra quantia que não a retribuição mencionada no nº 13 dos factos provados.
Não obstante, não se provou que a retribuição mensal de €2.225,00, acordada aos 22.02.2008, visasse pagar o trabalho referido nesse nº 53, e em que medida/quantidade pagaria, nem por outro lado e tendo em conta a clª 3ª desse acordo de 22.02.2008, que tal trabalho se enquadre na previsão dessa clª, remetendo-se para o que se disse no ponto IV. 3. do presente acórdão a propósito da retribuição da A. É ainda de esclarecer que a disponibilidade da A. referida no nº 17 dos factos provados, nos termos do qual a A. estava disponível para ser contactada, não consubstancia, por si só, trabalho suplementar, tanto mais que não se provou que a A. estivesse na farmácia em regime presencial, nem, sequer, que alguma vez o tivesse estado ou, até, que tivesse chegado a ser contactada.
De todo o modo, e como se disse no ponto IV.3, para onde se remete, a inclusão na retribuição mensal de €2.225,00 (acordada na clª 1ª do acordo de 22.02.2008) do trabalho suplementar, seja ele o prestado em dias de descanso da A., seja das 8h00 às 9h00, seja o noturno em regime presencial na farmácia, seja o trabalho prestado no período em que a farmácia haja estado de reforço sempre seria ilegal e, por isso, nulo.
No que toca ao subsídio de alimentação, ele já está incluído nos montantes referidos no nº 13 dos factos provados e, mesmo atendendo ao montante ilíquido de €2.600,00 acrescido do montante do subsídio de refeição, o total sempre seria inferior ao montante ilíquido, correspondente ao montante líquido de €2.225,00, mencionado nos recibos de remunerações. E, por outro lado e como já referido, A. e Ré, no acordo de 22.02.2008, acordaram que a retribuição líquida de €2.225,00 seria paga 14 vezes ao ano, do que resulta que também o subsídio de alimentação seria pago 14 vezes ao ano, ou seja, na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
Ou seja, e em conclusão, quer tendo em conta os montantes líquidos de €2.225,00 e os líquidos pagos pela Ré referidos no nº 13 dos factos provados, quer tendo em conta os montantes ilíquidos constantes dos recibos de remunerações (acrescidos do subsídio de alimentação), verifica-se que aquela retribuição foi, efetivamente, diminuída a partir do aditamento, de 12.04.2013, ao acordo de 22.02.2008.
E tal diminuição é proibida nos termos do art. 129º, nº 1, al. d), do CT/2009, mesmo que com o acordo do trabalhador, sendo que não se verifica nenhuma das situações nele previstas que permitam a diminuição da retribuição. Com efeito, dispõe o citado preceito que é ao empregador proibir diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Ora, não existe, no CT/2009, disposição legal que permita tal diminuição, nem ela decorre de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho [diga-se que, atento o princípio da filiação consagrado no art. 496º do CT/2009, não decorre dos autos que a A. seja filiada em sindicato subscritor de CCT, mormente no Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, subscritor do CCT publicado no BTE nº 24, de 29.06.2005]. É pois irrelevante a situação económico-financeira da Ré, a qual não autoriza a diminuição da retribuição.
Importa, por fim, esclarecer o seguinte:
Sobre as retribuições devidas ao trabalhador são devidos os descontos legais para efeitos de IRS e Segurança Social a cargo do trabalhador e que deverão ser retidos na fonte pelo empregador, não estando na disponibilidade das partes a opção de não os pagar. Porém, no caso, o que ocorre é que as partes, no acordo de 22.02.2008, não acordaram em não efetuar tais descontos. O que acordaram é que à A. seria devida a retribuição ilíquida correspondente à quantia líquida mencionada (de €2.225,00), devendo a Ré, em termos ilíquidos, proceder ao pagamento de quantia que, depois dos descontos legais devidos, corresponda a tal quantia líquida de €2.225,00.
Assim sendo, improcedem nesta parte as conclusões do recurso.

5. Da atualização da remuneração da A.

Da clª 2ª do acordo celebrado entre a A. e a Ré aos 22.02.2008 consta o seguinte: “Cláusula Segunda: A remuneração a que acima se faz referência, será liquidada catorze vezes por ano à segunda outorgante, sendo actualizável anualmente com a percentagem que vier a ser definida no âmbito do contrato colectivo dos farmacêuticos”. [sublinhado nosso]
5.1. A questão ora em apreço consiste em saber se a retribuição de €2.225,00 acordada entre as partes em tal acordo foi ou não atualizada, se o foi corretamente, nos termos contratualmente previstos e/ou em que termos e medida deveria ter sido atualizada.

5.2. Na sentença recorrida foi referido, a propósito desta questão, o seguinte:
“Incidamos agora nossa análise sobre a circunstância de saber se a R. deveria ter atualizado a retribuição da A. em conformidade com a percentagem que veio a ser definida no Contrato Coletivo dos Farmacêuticos e, em caso afirmativo, se o fez.
Da leitura, respetivamente, das cláusulas 2.ª e 1.ª do acordo de 22 de fevereiro de 2008 e do aditamento de 12 de abril de 2013 extrai-se que as partes contratantes acordaram no sentido de a retribuição a liquidar à trabalhadora dever ser atualizada em conformidade com a percentagem que vier a ser definida no referido Contrato Coletivo e posteriores alterações ao mesmo. Tal Contrato foi firmado entre a Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, e publicado no B.T.E. n.º 24, de 29 de junho de 2005 e, para aquilo que aqui diretamente releva, foi alterado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2008, no B.T.E. n.º 33, de 8 de setembro de 2010, e no B.T.E. n.º 24, de 29 de junho de 2018. Efetuados os necessários cálculos aritméticos e por força das oras descritas alterações ao Contrato Coletivo acima identificado, a retribuição-base correspondente à categoria profissional da A. – seja, a de diretora técnica –, aumentou, em junho de 2008, na percentagem de 16,6253992, em setembro de 2010 em 1,3% e em julho de 2018 em 1%.
Cumpre aqui, antes de avançarmos, efetuar um parêntesis para dizer que, ponderadas a literalidade e a sistematicidade daqueles acordo e aditamento, as partes – que não alegaram, nem provaram, o preenchimento dos pressupostos atinentes ao princípio da dupla filiação previsto no art.º 496.º n.º 1 do C. do Trabalho – não pretenderam a aplicação consensual de todo o regime subjacente ao Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, mas antes e tão-somente a parte deste relativa às atualizações remuneratórias. E a tal não estavam impedidas. Realmente e conforme se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de setembro de 2017 (consultável em www.dgsi.pt), “ao abrigo da liberdade contratual prevista no citado 405.º do Código Civil, independentemente das regras de aplicação dos IRCT’s constantes do Código do Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que o trabalhador e o empregador estabeleçam que o contrato seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo, ou que apliquem à relação laboral parte do regime previsto num IRCT. Neste sentido, veja-se a título exemplificativo, o acórdão deste Relação de Coimbra de 27/06/2014, proc. 512/13.6TTVIS.C1, acessível em www.dgsi.pt. Como se refere em tal aresto, para que tal ocorra necessário se torna que no contrato de trabalho conste uma cláusula que sujeite a relação de trabalho ao regime jurídico globalmente decorrente daquele CCT ou de parte determinada dele.”.
Fechado que foi o parêntesis, vejamos então se a R., como se vinculou, aumentou a retribuição da A. nas acima indicadas percentagens resultantes das atualizações da tabela salarial da Convenção Coletiva de Trabalho celebrada entre a Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos. Relembremos que o acordo, datado de 22 de fevereiro de 2008, quanto à fixação da remuneração mensal de €2.225 líquidos que a R. deveria pagar à A., começou a produzir efeitos no dia 1 de março de 2008. Ora, a primeira atualização remuneratória fixada em termos de contratação coletiva produziu efeitos em junho de 2008, na referida percentagem de 16,6253992. Sendo assim, a R., face àquilo a que se obrigou perante a A. ao subscrever o acordo de 22 de fevereiro de 2008, deveria ter começado a pagar a esta, a partir de junho de 2008, o quantitativo mensal remuneratório de €2.594,92 líquidos, o que incumpriu (cfr. o quadro feito constar do n.º 13) dos factos provados). Com a segunda atualização remuneratória fixada pela alteração ao Contrato Coletivo de Trabalho em presença e que produziu efeitos a partir de setembro de 2010, a R. deveria ter atualizado em 1,3% a remuneração da A. (de €2.594,92 líquidos), para € 2628,65, o que igualmente não fez. Finalmente, por força da atualização remuneratória coletiva ocorrida a partir de julho de 2018, na percentagem de 1%, a A. deveria ter visto a respetiva retribuição líquida aumentada para €2.654,94, o que também não ocorreu.
Para além de a R. não ter atualizado, como a tal se obrigou, a retribuição da A. em conformidade com as atualizações introduzidas ao nível da regulamentação coletiva para a categoria profissional de diretora técnica, igualmente incumpriu o pagamento àquela do montante líquido de €2.225 nos meses de março e de maio de 2008, porquanto se provou que nestes apenas pagou, respetivamente, €2.070 líquidos e €2.222 líquidos.
Sequentemente, assiste à A. o direito de receber da R., a título de diferenças salariais e por referência ao período compreendido entre março de 2008 e junho de 2020, tudo inclusive, a quantia global líquida de €125.448,89, bem como as quantias que entretanto se tenham vencido desde o início da presente instância até integral regularização, estas a liquidar em sede de execução de sentença.”
Do assim decidido, discorda a Recorrente, alegando, em síntese e pela argumentação que desenvolve, que: i) a remuneração de base da A. sempre foi sucessivamente atualizada em percentagem superior à entrada em vigor das sucessivas CCT entre a ANF e o SNF; ii) quando foi celebrado o acordo de 22.02.2008, estava em vigor o CCT publicado no BTE 33/2006 (e não já o publicado no BTE 24/2005, considerado na sentença recorrida), pelo que a percentagem da atualização não é a de 16,6253992% considerada na sentença, mas sim a de 8,3%; iii) subsidiariamente, deve apenas ser condenada a pagar as diferenças salariais no período compreendido entre Março de 2008 e Junho de 2020 e as vincendas após Julho de 2020, sobre o salário liquido de 2.225,00€ a contar de 01/03/2010, o que totaliza a quantia de 77.270,36€, pois que a atualização salarial, subsequente ao acordo de 22.02.2008, apenas ocorreu com o CCT publicado no BTE 33/2010; iv) ainda subsidiariamente e considerando a aplicação do BTE n.º 33/2006, de 08.09.2006, deve apenas a Recorrente ser condenada a pagar as diferenças salariais no período compreendido entre Março de 2008 e Junho de 2020 e as vincendas após Julho de 2020, sobre o salário liquido de 2.225,00€ a contar de 01/03/2009, o que totaliza a quantia de 90.185,80€, pois que apenas a 01.03.2009 se perfez um ano sobre o acordo de 22.02.2008.

5.2. Na clª 2ª do acordo de 22.02.2008 celebrado entre A. e Ré foi acordado que a retribuição mensal de €2.225,00 seria anualmente atualizável de acordo com a percentagem que vier a ser definida no âmbito do contrato coletivo dos farmacêuticos, sendo a A. farmacêutica, concretamente diretora técnica de farmácia.
Na sentença recorrida teve-se como base o CCT celebrado entre a ANF e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos publicado no BTE nº 24/2005 (revisão global), nos termos do qual a remuneração de base da categoria profissional de diretor técnico era a de €1.672,03, e a alteração salarial de tal CCT publicada no BTE 23/2008, de 22.06.2008, que passou a prever a remuneração de base de €1.950,00. E, assim, considerou que a percentagem do aumento verificado seria a de 16,6253992%.
Acontece porém que o mencionado CCT publicado no BTE/2005 foi objeto de uma alteração salarial publicada no BTE nº 33/2006, de 08.09.2006, nos termos da qual a remuneração de base do diretor técnico foi aumentada para €1.800,00. Ora, a percentagem correspondente a tal aumento (de €150,00 mensal) é a de 8,33333%.
À data da celebração, entre A. e Ré, do acordo de 22.02.2008 a tabela salarial que se encontrava em vigor era, como diz a Recorrente, a publicada no BTE 33/2006 e não a publicada no BTE 24/2005, pelo que a remuneração a atender para efeitos de cálculo da percentagem da atualização da retribuição da A. é aquela, de 2006, que corresponde a um aumento percentual de 8,33333%, e não a remuneração da tabela salarial de 2005 e a percentagem de 16,6253992% que foram tidas em conta na sentença recorrida, assim e nesta parte, assistindo razão à Recorrente.
No que toca à data desde a qual a retribuição (líquida) de €2.225 acordada no acordo de 22.02.2008 deveria ter sido atualizada, na sentença recorrida considerou-se, por via da aplicabilidade do CCT publicado no BTE 22/2008, de 22.06, que tal deveria ter tido lugar a partir de junho de 2008, do que discorda a Recorrente entendendo que apenas o poderia ser em 01.03.2010, ex vi da alteração salarial prevista no CCT publicado no BTE 33/2010 (atualização de 1,3%) ou, subsidiariamente, aos 01.03.2009, quando se perfez um ano sobre o acordo de 28.02.2008.
Nos termos acordados entre as partes a retribuição é “atualizável anualmente com percentagem que vier a ser definida no âmbito do contrato coletivo dos farmacêuticos”.
A Ré alegara na contestação que a retribuição de €2.225,00 era superior à prevista no CCT e que havia sido acordada tendo já em conta a atualização salarial do CCT de 2008, que viria a ser publicada no BTE 23, de 22.06.2008, CCT este que se encontrava já em fase de negociações avançadas e que tal era do conhecimento da A., versão esta de que, contudo, não fez prova. Ou seja, não se pode, pois, concluir que as partes, mormente a A., disso tivesse conhecimento e que, aquando do acordo de 22.02.2008, tivesse ponderado e aceitado que a retribuição acordada já teria em conta a atualização posteriormente operada.
Por outro lado, fazendo-se embora, no acordo, referência a atualização anual, é a atualização, na respetiva percentagem, indexada às atualizações que venham a ser previstas no CCT dos farmacêuticos, não se restringindo, prevendo ou condicionando, em tal acordo, o início dessa atualização ao decurso do prazo de um ano após o contrato de 22.02.2008, nem a atualização, no mesmo ano em que o contrato é celebrado, contraria qualquer preceito legal, nem contraria clª do CCT, CCT que não é aplicável, apenas o sendo nos termos e medida do que foi convencionado pelas partes, ou seja, apenas quanto à atualização da retribuição tendo por base a percentagem das atualizações operadas pelo CCT (aliás se, porventura, um trabalhador contratado no ano em que se verifica uma atualização salarial do CCT, mas em momento anterior à mesma, viesse a ficar com uma remuneração inferior á mínima prevista no CCT, teria direito à atualização ainda que admitido nesse mesmo ano, servindo o referido para demonstrar a improcedência do argumento da Recorrente de só serem possíveis atualizações salariais um ano após a contratação do trabalhador).
Ou seja, tendo sido, após o acordo de 22.02.2008, prevista uma atualização da tabela salarial do CCT dos farmacêuticos, qual seja a publicada no BTE 23/2008, de 22.06, a percentagem correspondente a essa atualização (de 8,3333%) é aplicável à A. a partir de junho de 2008, por força da atualização acordada entre as partes na clª 2ª do acordo de 22.02.2008, como considerado na sentença (salvo quanto à percentagem), e não apenas decorrido um ano sobre o mencionado acordo (01.03.2009) e, muito menos, apenas em 01.03.2010, como defende a Recorrente e correspondendo a atualização, como já referido, à percentagem de 8,3333%.
A mencionada tabela salarial do CCT de 2008 foi revista pelo CCT publicado no BTE 33/2010, de 08.09.2010, que passou a prever como remuneração de base do diretor técnico a de €1.975,35, correspondente a um aumento percentual de 1,3%. E foi, depois, revista pelo CCT publicado no BTE 24/2018, de 29.06.2018, que passou a prever a remuneração de base de €1.995,10, correspondente a um aumento percentual de 1%.
Assim, a Ré deveria ter começado a pagar à A.: a partir de junho de 2008, o quantitativo mensal remuneratório líquido de €2.410,42 (2.225x8,3333%+2.225); a partir de setembro de 2010, o quantitativo mensal remuneratório líquido de €2.441,76 (2.410,42 x 1,3%+2.410,42); e, a partir de julho de 2018, o quantitativo mensal remuneratório líquido de €2.466,18 (2.441,76 x 1% + 2.441,76).
Ora, como se vê do nº 13 dos factos provados, a retribuição líquida que a Ré pagou à A. é inferior às mencionadas quantias que deveriam ter sido pagas (seja com a atualização, seja mesmo sem a atualização), não procedendo, assim e também, o argumento da Recorrente de que a “remuneração de base” da A. sempre foi sucessivamente atualizada em percentagem superior à entrada em vigor das sucessivas CCT entre a ANF e o SNF. E não procede também o argumento de que a retribuição da A. era superior à prevista no CCT. As partes, no acordo de 22.02.2008, não acordaram que a retribuição da A. seria a prevista no CCT. Acordaram sim na retribuição já mencionada, de €2.225,00 líquidos, que seria atualizável na mesma percentagem da prevista no CCT dos farmacêuticos, sendo pois irrelevante que a retribuição da A. fosse superior à do CCT.
Por fim, é apenas de salientar que as quantias liquidas referidas no nº 13 dos factos provados já incluem o que as partes designaram, no acordo de 22.02.2008, de subsídio de alimentação e, bem assim que, ainda nos termos de tal acordo, o montante objeto da atualização é o montante líquido de €2.225 (e não este deduzido do subsídio de refeição).

Tendo em conta que a percentagem da atualização, a partir de junho de 2008, é de 8,3333% e não a de 16,6253992% considerada na sentença e considerando as quantias líquidas pagas pela Ré à A. referidas no nº 13 dos factos provados, importa refazer os cálculos das quantias em dívida à A.
Assim:
- A A. devia ter recebido, entre junho de 2008 e agosto de 2010 (32 meses, incluindo subsídios de férias e de natal) a quantia global líquida de €77.133,44 (2410,42 x 32). Tendo recebido, nesse período, a quantia global líquida de 70.591,25, encontra-se-lhe em dívida a diferença, no montante global líquido de €6.542,19.
- A A. devia ter recebido, entre setembro de 2010 e junho de 2018 (110 meses, incluindo subsídios de férias e de natal) a quantia global líquida de €268.593,60 (2441,76 x 110). Tendo recebido, nesse período, a quantia global líquida de €198.349,43, encontra-se-lhe em dívida a diferença, no montante global líquido de €70.244,17.
- A A. devia ter recebido, entre julho de 2018 e junho de 2020 (28 meses, incluindo subsídios de férias e de natal) a quantia global líquida de €69.053,04 (2466,18 x 28). Tendo recebido, nesse período, a quantia global líquida de 46.607,98, encontra-se-lhe em dívida a diferença, no montante global líquido de €22.445 4,06.
Tem pois a A. direito, a título de diferenças salariais no período compreendido entre junho de 2018 e junho de 2020, à quantia líquida global de €99.231,42.
A tais diferenças acrescem as devidas em março e maio de 2008, no montante global de €158,00, também considerada na sentença, tendo em conta a diferença entre o que a A. deveria ter recebido (2.225 x 2) e o que, conforme nº 13 dos factos provados, lhe foi pago nesses meses (1.070,00 + 2.222,00).
Assim, de março de 2008 a junho de 2020 encontra-se em dívida à A. a quantia global líquida de €99.389,42.

Na al. c) da parte decisória da sentença foi a Ré condenada a pagar à A. a quantia global líquida de €125.448,89, quantia essa que, como acima se disse, não é a devida, sendo devida a quantia líquida global de €99.389,42.
Como também já se disse em outro passo do presente acórdão, sobre as retribuições devidas ao trabalhador são devidos os descontos legais para efeitos de IRS e Segurança Social a cargo do trabalhador e que deverão ser retidos na fonte pelo empregador, não estando na disponibilidade das partes a opção de não os pagar, sendo que não pode o tribunal condenar no pagamento de quantias líquidas, mas sim ilíquidas. E, como também se disse, o que ocorre, no caso, é que a A. e Ré acordaram que a retribuição daquela seria a ilíquida correspondente à líquida acordada e respetivas atualizações. As diferenças salariais devidas à A. têm, pois, por reporte o montante líquido acordado entre as partes, sendo porém devido pela Ré o montante ilíquido que, uma vez efetuados os descontos legais a cargo da A., corresponda ao montante líquido global de €99.389,42, em que Ré deverá ser condenada.
Assim sendo, e nesta parte, procedem parcialmente as conclusões do recurso.

6. Se a A. sempre prestou trabalho suplementar e noturno e foi remunerada por ele

No último ponto da conclusão 133ª diz a Recorrente que a A. “sempre prestou trabalho suplementar e nocturno e sempre foi legalmente remunerada por ele, devendo neste caso a sentença ser revogada integralmente”.
No que se reporta ao trabalho noturno, remete-se para o que já se disse em passos anteriores do presente acórdão, não decorrendo dos factos provados que a A. haja prestado trabalho noturno, nem que a Ré haja sido condenada a pagar à A. trabalho noturno.
Quanto ao trabalho suplementar, a A. pediu o pagamento do trabalho suplementar por si prestado a partir de 01 de novembro de 2019 aos sábados e domingos, sendo que na sentença recorrida se concluiu que “a A. tem direito a ser compensada pela R., em termos monetários, pelo trabalho suplementar por si prestado a partir de 1 de novembro de 2019”, tendo, na al. e), da parte decisória (ponto III), condenado a Ré a pagar à A. “os montantes que, em sede de execução de sentença, forem calculados a título de retribuição pelo trabalho suplementar prestado pela segunda em benefício da primeira a partir de 1 de novembro de 2019, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aqueles quantitativos, até efetivo e integral pagamento;”
E, para tanto, referiu o seguinte:
“Pretende a A. ser retribuída pelo trabalho suplementar por si alegadamente prestado a partir de 1 de novembro de 2019.
Dispõe o art.º 203.º n.º 1 do C. do Trabalho que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia nem quarenta horas por semana.
Por outro lado, o art.º 226.º n.º 1 do citado diploma legal prescreve que se considera trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho.
Além disso, o n.º 2 do art.º 268.º do C. do Trabalho estipula expressamente que é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.
Ora, no caso presente está provado nos autos que o contrato de trabalho celebrado entre as partes previa expressamente um horário de trabalho de quarenta horas semanais.
Não obstante, na prática, e por determinação da R., a A., ao longo dos anos de 2013 a 2020, efetuou trabalho suplementar em alguns sábados e domingos e trabalhou em dias feriado.
Assim, é manifesto que a A. prestou efetivamente trabalho suplementar durante todo aquele período, ainda que se desconheça os termos concretos em que o fez, por referência a horas, dias, meses e anos.
Contudo, a R. não demonstrou, ao contrário do alegado e como lhe competia (cfr. os art.ºs 799.º e 342.º n.º 2, ambos do C. Civil), ter procedido ao pagamento à A. de qualquer acréscimo remuneratório a esse título.
Atento o ora referido, impõe-se a condenação da R. a pagar à A. a retribuição referente àquele trabalho suplementar prestado pela segunda em benefício da primeira, em montante a liquidar em sede de execução de sentença.
Naquele circunspecto, defende a R. ter acordado com a A. e com os restantes colaboradores o recurso à figura do banco de horas – o que culminou, quanto àquele sujeito processual ativo, na subscrição do aditamento de 12 de abril de 2013 –, tendo-os ressarcido pelo trabalho suplementar pelos mesmos prestado, com a concessão de folgas, estando dispensada de os compensar monetariamente. Vejamos se assim é.
Conforme é por demais consabido, originariamente o regime do banco de horas apenas podia ser instituído por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Com a alteração do Código do Trabalho introduzida pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, passou a admitir-se também o banco de horas individual e o banco de horas grupal (cfr. os art.ºs 208.º-A e 208.º-B, ambos do Código do Trabalho, na redação anterior à imposta pela Lei n.º 93/2019, de 25 de junho).
Ainda que a revisão global do Contrato Coletivo de Trabalho firmado entre a Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, publicada no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2012, previsse, na sua cláusula 17.ª, o regime de banco de horas, o certo é que, conforme acima já deixamos evidenciado, não é de aplicar aquele instrumento de regulamentação coletiva, in totum, à relação laboral estabelecida entre a A. e a R., mas apenas no que concerne às atualizações salariais, por total ausência de acordo expresso nesse sentido.
Por outro lado, transcorrida a matéria de facto tida por assente, não podemos afirmar que entre a A. e a R. tenha sido firmado algum acordo com vista à implementação do regime de banco de horas individual, tão-pouco que a entidade empregadora tenha dirigido à trabalhadora uma proposta nesse sentido, que a segunda tenha aceite, de forma expressa ou tácita (art.º 208.º-A do Código do Trabalho, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro).
Ainda por outro lado, não é de trazer à colação o regime do banco de horas grupal previsto no art.º 208.º-B do C. do Trabalho. E tal, por duas ordens de razões: em primeiro lugar, na medida em que não foi alegado, tão-pouco provado, que a R. tenha apresentado aos seus trabalhadores, por escrito, uma proposta para que fosse instituído o banco de horas individual e que esta tenha sido aceite por pelo menos setenta e cinco por cento daqueles (art.º 208.º-B n.º 2 do C. do Trabalho); em segundo lugar, porquanto inexiste instrumento de regulamentação coletiva que estipule a aplicação do regime do banco de horas ao conjunto de trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica caso, pelo menos, sessenta por cento dos trabalhadores dessa estrutura sejam por ele abrangidos, mediante filiação em associação sindical celebrante da convenção e por escolha dessa convenção como aplicável (art.º 208.º-B n.º 1 do citado diploma legal).
Do que tudo se retira que a A. tem direito a ser compensada pela R., em termos monetários, pelo trabalho suplementar por si prestado a partir de 1 de novembro de 2019.”.
A decisão recorrida, designadamente na parte decisória, não concretiza a que trabalho suplementar se reporta, mormente se como tal considera o prestado apenas ao domingo, se também o trabalho em dia de descanso semanal complementar (e qual), o trabalho prestado em dias feriados e/ou o (eventualmente) prestado em dias úteis.
A A. pediu a condenação da Ré no pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho suplementar, a liquidar em execução de sentença, correspondente às horas que trabalhou aos sábados e domingos desde 01 de Novembro de 2019 para além do seu período normal de trabalho, sendo que defendia que deveria o sábado continuar a ser considerado como o dia de descanso semanal complementar e o trabalho nele prestado como trabalho suplementar..
No que se reporta a eventual trabalho suplementar prestado em dias úteis, o mesmo não foi pois peticionado pela A., nem decorre dos factos provados que o mesmo haja sido prestado após 01.11.2019.
Por outro lado, e no que se reporta ao trabalho prestado, após 01.11.2019, aos sábados, como já referido em ponto anterior do presente acórdão, na sentença recorrida foi considerado ser legítima a alteração do horário de trabalho da A., alteração essa por via da qual o sábado deixou de ser, a partir do 4º trimestre de 2019, considerado como dia de descanso semanal complementar da A., sendo que, nesta parte, a sentença transitou em julgado já que não foi impugnada, mormente pela A. Ora, assim sendo, o trabalho normal (dentro do seu período normal de trabalho de 40 horas) que haja sido prestado pela A., após essa alteração, ao sábado não pode ser considerado como trabalho suplementar, apenas podendo ser considerado como trabalho suplementar o que possa ter sido prestado em dia de descanso complementar.
No que se reporta ao trabalho prestado aos feriados, o mesmo não foi peticionado pela A.. De todo o modo, nos termos do art. 269º do CT/2009, com a redação introduzida pela Lei 23/2012, de 25.06, a prestação de trabalho normal em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, o trabalhador tem direito a descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas ou a acréscimo de 50% da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador, sendo que do nº 44 dos factos provados decorre que a A. recebia a respetiva compensação em folgas. E, assim sendo, não é devido o pagamento do trabalho que haja sido prestado aos feriados.
Finalmente, quanto ao trabalho prestado aos domingos, estes o dia de descanso semanal obrigatório.
Com efeito, nos termos do CT/2009, a forma de pagamento de tal trabalho suplementar é mediante o pagamento do previsto no art. 268º, nº 1, e não mediante a concessão de folgas. E tal forma de pagamento não pode ser alterada por contrato individual de trabalho, ainda que com o acordo do trabalhador (art. 3º, nº 4, do CT/2009 e já assim o dispunha também o art. 4º, nº 3, do CT/2003), sendo pois irrelevante as circunstâncias económico-financeiras da Ré e o (eventual) acordo da A. à substituição da mencionada retribuição pela prestação de trabalho suplementar por folgas, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso, sendo apenas de retificar, em conformidade, o segmento decisório que condenou a Ré no pagamento de trabalho suplementar prestado após 01.11.2019 por forma a ficar esclarecido que tal se reporta ao trabalho prestado ao domingo.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide:
A. Revogar o segmento decisório constante da al. c) do ponto III da sentença recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré a pagar à A., a título de diferenças salariais no período compreendido entre março de 2008 a junho de 2020, a quantia ilíquida correspondente à quantia global líquida de €99.389,42, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aquele valor, até efetivo e integral pagamento.
B. No mais impugnado no recurso, negar provimento ao mesmo, sem prejuízo, todavia, da retificação, com vista ao seu melhor esclarecimento, da al. e) do segmento decisório constante do seu ponto “III-decisão”, que passará a ter a seguinte redação: “e) condena-se ainda a R. a pagar à A. os montantes que, em sede de execução de sentença, forem calculados a título de retribuição pelo trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal obrigatório e complementar, em benefício da primeira a partir de 1 de novembro de 2019, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aqueles quantitativos, até efetivo e integral pagamento”.

Custas, em ambas as instâncias pela Ré/ Recorrente e pela A/ Recorrida na proporção do decaimento.

Porto, 27.02.2023
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas