Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7/18.1GAOBR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL CORDEIRO
Descritores: ACUSAÇÃO
DESPACHO A DESIGNAR DIA PARA JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
ARGUIDO
DEFENSOR OFICIOSO
TIR
SEGURANÇA
DEPÓSITO DA CARTA NA CAIXA POSTAL
DEVOLUÇÃO
CONSEQUÊNCIAS
Nº do Documento: RP202305177/18.1GAOBR-A.P1
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – As notificações respeitantes à acusação e à designação de dia para julgamento devem ser feitas ao próprio arguido, além de o serem também ao seu defensor constituído ou nomeado, por forma a assegurar-lhe o pleno direito de defesa e ao contraditório, nos termos dos artigos 113.º, n.º 10, do CPP e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP.
II – A prestação de TIR está relacionada com a utilização de um procedimento de notificação mais ágil e expedito, para que não surjam delongas ou entraves nesse domínio, com reflexo negativo na tramitação processual, sem que, contudo, fiquem relevantemente prejudicados os princípios da segurança e certeza nesse domínio, atentas as informações dele constantes e as obrigações que daí resultam para o arguido, conforme estabelece o artigo 196.º, n.ºs 1 a 3, do CPP.
III – Neste contexto, tal obrigatoriedade respeita à expedição das notificações e não de estar comprovado nos autos que as mesmas chegaram, efectivamente, ao conhecimento do arguido.
IV – Se, após o depósito no receptáculo postal do domicílio indicado no TIR, a carta expedida foi devolvida ao Tribunal, designadamente com a indicação de ser “desconhecido na morada”, tal não é relevante, pois que foram cumpridos os procedimentos legais da notificação, tanto bastando para que a mesma se considere efectuada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 7/18.1GAOBR-A.P1



Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Nos autos de Processo Comum Singular n.º 7/18.1GAOBR, do Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro – Juiz 2, em que é arguido AA, foi proferido despacho, em 02-02-2023, no qual, indeferindo-se o requerido por aquele, se considerou regularmente efectuada a notificação da acusação contra si deduzida e dos despachos de recebimento da mesma e de designação de data para a audiência (ref.ª 125725069).
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Descontente com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA, tendo apresentado a respetiva motivação e conclusões, as quais se sintetizam na seguinte questão:
- Irregularidade / invalidade da notificação da acusação, tendo em conta o disposto nos artigos 196.º e 113.º do CPP, sustentando o recorrente que não está, efectivamente, devidamente notificado, tendo sido vedados os direitos de defesa, com violação de direitos fundamentais e do disposto nos artigos 113.º, n.º 10, e 61.º, n.º 1, alínea a), do CPP e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP (ref.ª 14179906).
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Admitido o recurso, respondeu o Exm.º Magistrado do Ministério Público, alegando, em síntese, que foram cumpridas todas as formalidades legais, pois que as notificações foram remetidas para a morada que o arguido indicou no TIR, onde foram depositadas, o qual não comunicou outra aos autos, não sendo relevante o facto de a carta ter vindo devolvida, concluindo que não foram violados os normativos indicados e que o recurso não merece provimento, devendo manter-se a decisão recorrida (ref.ª 14347475).
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Remetidos os autos a este Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, em síntese, referiu subscrever os fundamentos vertidos naquela resposta e concluiu que o recurso não merecerá provimento, devendo manter-se a decisão recorrida (ref.ª 16823944).
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A tal parecer respondeu o arguido AA, dizendo, em síntese, reiterar tudo o alegado na motivação e conclusões do recurso e reafirmando que a carta, depois de depositada, foi “devolvida”, pelo que nunca chegou ao seu conhecimento, não se podendo, por isso, concluir-se que esteja notificado da acusação, devendo o recurso proceder, com a revogação do despacho recorrido e mandando-se repetir a notificação do despacho de acusação (ref.ª 362192).
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Foi proferido despacho liminar e colhidos os vistos, com decisão em conferência.

II
As conclusões formuladas, que acima se sintetizaram, resultado da motivação apresentada, delimitam o objecto do recurso (art. 412.º, n.º 1, CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo que o recurso verse apenas sobre a matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995).
Não se descortinando outras de conhecimento oficioso, passa a apreciar-se a questão suscitada pelo recorrente, para o que importa ter presente o processado relevante até ao despacho recorrido, o qual foi o seguinte:
a) AA (ora recorrente) foi constituído arguido no âmbito dos presentes autos em 07-06-2022, tendo prestado Termo de Identidade e Residência (TIR), no qual indicou como morada, para posteriores notificações, a Rua ..., ... ... (ref.ª 13157426 – págs. 60, 62 e 64).
b) Em 27-06-2022, foi deduzida acusação pública contra o arguido AA (ref.ª 122387969).
c) O mesmo foi notificado do despacho de acusação por via postal simples, com prova de depósito, realizado em 16-08-2022 (ref.ªs 123089440 e 133…, de 19-08-2022).
d) Em 25-11-2022, foi proferido despacho de recebimento da acusação (ref.ª 124584112).
e) Foi expedida notificação ao arguido desse despacho de recebimento da acusação e para, querendo, contestar a acusação deduzida contra si, o que foi feito por via postal simples, com prova de depósito, tendo essa correspondência sido depositada no respectivo receptáculo postal no dia 29-11-2022 (ref.ªs 124678559 e 138…, de 30-11-2022).
f) Em 02-01-2023, essa notificação remetida ao arguido foi devolvida ao tribunal com um carimbo contendo a menção que “Depois de devidamente entregue, deu entrada neste CDP” e com indicação manuscrita “Devolvido depois da devida entrega por ser Desconhecido na morada” (ref.ª 139, de 02-01-2023).
g) Em 09-01-2023, o Ministério Público promoveu que, tendo presente que a notificação foi depositada na morada constante do TIR, fosse o arguido considerado notificado do referido despacho (ref.ª 125173836).
h) Em 12-01-2023 foi proferido despacho a considerar que aquela notificação postal foi depositada na morada indicada pelo arguido para os efeitos do TIR por si prestado no âmbito destes autos, julgando-o “devidamente notificado do despacho que recebeu a acusação contra si deduzida”, tendo-se, então, admitido a contestação apresentada pelo arguido e designado datas para a realização da audiência (ref.ª 125293366).
i) Em 13-01-2033 foi expedida notificação ao arguido do despacho que designou a data para audiência de discussão e julgamento, por via postal simples, com prova de depósito, tendo este sido feito em 17-01-2023 (ref.ªs 125373000 e 140, de 18-01-2023).
j) Em 20-01-2023, o arguido, tendo presente a devolução da notificação enviada, após a mesma ser depositada no receptáculo postal da morada por si indicada para efeitos de TIR, requereu que se concluísse pela falta de notificação nos termos do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, declarando a invalidade de todo o processado a partir do despacho de acusação (ref.ª 14039376).
l) Sobre tal requerimento recaiu o despacho proferido em 02-02-2023, ora em recurso, o qual é do seguinte teor:
Ref.ª 14039376

I - O arguido veio requerer ao tribunal que se digne concluir pela falta de notificação nos termos do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, declarando a invalidade de todo o processado a partir do despacho de acusação, assente essencialmente na circunstância de, depois de depositada, o objecto postal de notificação do arguido, ter vindo devolvido, com a expressa menção do arguido ser desconhecido naquela morada.
O Ministério Público na promoção que antecede pronunciou-se no sentido de se considerar válida a notificação do arguido, aliás como já havia sufragado em promoção anterior.

II - Apreciando.
Nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 10, 2.ª parte, do Código de Processo Penal, o arguido e o seu defensor devem ser notificados, além do mais, do despacho que designa data para a audiência de discussão e julgamento.
Por outro lado, dispõe o artigo 196.º, do Código de Processo Penal, que o arguido quando presta TIR indica a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha para efeitos de ser notificado nos termos do artigo 113.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
Também, aquando da prestação do TIR é o arguido advertido de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para aquela morada indicada, salvo se comunicar outra morada na pendência do processo.
No que concerne à notificação por via postal simples, determina o n.º 3 e 4, do aludido artigo 113.º, que o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa do correio do notificando, lavrando, para o efeito, declaração na qual indica a data e confirma o local exacto do depósito ou, não sendo este possível, faz constar nota do incidente, enviando-a de imediato ao tribunal.
A questão que aqui é colocada é sobre a idoneidade da notificação da acusação e do despacho de recebimento dessa mesma acusação simples por carta remetida por via postal simples para a morada indicada no TIR, com prova de depósito, quando a carta, depois de efectivamente depositada em receptáculo ali existente, é devolvida com a menção de que o arguido ali não é conhecido ou não reside.
Cientes da divergência jurisprudencial existente, por nós, seguimos o entendimento que a mesma se mostra suficiente para considerar o arguido validamente notificado.
Vejamos.
Da exposição normativa que antecede, verificamos que o arguido ao prestar TIR fica vinculado a um conjunto de direitos e deveres processuais, acima expostos, no que ao caso importa.
Assim, se o arguido viola o seu estatuto processual, mudando de residência indicada no TIR ou dando uma morada incorrecta ou sem receptáculo, tornando impossível proceder ao depósito da carta, não pode a notificação deixar de se verificar, considerando-se o arguido notificado, passando a estar representado por defensor em todos os actos processuais a que deva ou tenha o direito de estar presente e à realização da audiência na sua ausência, como, de resto, resulta do artigo 196.º, n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal.
Como escreve Luís Lemos Triunfante, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, citando diversa jurisprudência, se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há-de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e numero de polícia inexistente ou sem receptáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência (ac. RC,14.05.2014).
Na mesma esteira, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05.07.2017, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03.03.2021, e, bem assim, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, datados de 04.12.2018 e 12.10.2021, respectivamente.
Da compulsa dos autos, verifica-se que a notificação do despacho que designou data para a audiência de discussão e julgamento foi remetida para a morada indicada pelo próprio arguido para efeitos de notificação, aquando da prestação de TIR, que ali foi depositada, sendo a póstuma devolução, com a menção do arguido ali não ser conhecido, se nos afigura irrelevante para abalar a notificação já operada, uma vez que qualquer alteração de morada deveria ter sido comunicada aos autos pelo arguido.
Aceitar entendimento diferente permitiria uma recorrente, ostensiva e propositada inviabilização do TIR protagonizada pelo arguido.
Pelo que, indefiro o requerido.

III – Pelo exposto, indeferindo o requerido, mantenho o teor do primeiro despacho proferido sob a ref.ª electrónica n.º 125293366, mantendo-se a tramitação processual dos presentes autos, já definida.
Notifique.” (ref.ª 125725069).
*
Cumpre apreciar.
Versando o presente recurso sobre matéria de direito, a lei impõe que sejam indicadas pelo recorrente, designadamente, “as normas jurídicas violadas” e “o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada” (als. a) e b) do n.º 2 do art. 412.º do CPP).
Em face do alegado pelo recorrente, importa apreciar se a notificação da acusação tem de ser realizada também ao próprio arguido (e não apenas ao defensor) e, se assim for, se pode considerar-se ter tal notificação sido realizada no caso presente (atentas as incidências processuais enunciadas).
Conforme a lei estabelece, a notificação serve para “chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto” (n.º 2 do art. 219.º do CPC).
E tal como resulta do disposto no n.º 10 do artigo 113.º do CPP, as notificações respeitantes, entre outras, à acusação e à designação de dia para julgamento, devem ser feitas também ao próprio arguido, além de o serem ao seu defensor constituído ou nomeado.
A razão de ser de tal exigência legal prende-se com o facto de a partir da dedução da acusação ter de ser assegurado ao arguido o pleno direito à sua defesa, quer requerendo a abertura da instrução (art. 287.º, n.º 1, al. a)), quer, no caso de o processo prosseguir para julgamento, apresentando contestação e oferecendo provas (arts. 311.º-A e 311.º-B), quer ainda, no decurso da audiência, comparecendo e prestando declarações sobre o objecto do processo (art. 343.º, todos do CPP).
O dever de notificar o próprio arguido, além do respectivo defensor, do despacho de recebimento de acusação e da data designada para a audiência tem até consagração expressa nos referidos artigos 311.º-A, n.ºs 1 e 3, e 313.º, n.º 1 (onde se alude à notificação ao arguido e seu defensor)
Com efeito, chegado o processo à fase de julgamento, o mesmo não pode prosseguir sem que o arguido seja notificado do despacho para apresentação da contestação e do que designa a data para a audiência, na medida em que este é o momento em que o contraditório tem de ser exercido em toda a sua plenitude, conforme determinação legal e constitucional (arts. 327.º, n.º 2, do CPP e 32.º, n.º 5, da CRP), pois que, se tal notificação não for possível, tem lugar o procedimento tendente à declaração de contumácia, a qual implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido (art. 335.º, n.ºs 1 a 3, do mesmo Código).
Já assim não sucede com a impossibilidade de notificação da acusação, pois que se os procedimentos de notificação da mesma ao arguido se revelarem ineficazes, o processo prossegue os seus regulares termos (n.º 5 do art. 283.º do CPP).
É, pois, manifesto que existe a obrigatoriedade de notificação ao próprio arguido (além do seu defensor) do despacho de acusação, do despacho para apresentação de contestação e do despacho que designa data para a audiência, sendo embora diferentes as consequências na tramitação do processo no caso de impossibilidade de levar a cabo a notificação daquele primeiro despacho, da responsabilidade do Ministério Público, e dos outros dois subsequentes, estes da responsabilidade do Juiz.
No caso presente, o próprio recorrente não põe em causa que foi expedida, para si próprio (além do defensor), a notificação da acusação, tal como o foram a do despacho que a recebeu e ordenou a sua notificação para contestar e também do despacho que designou data para a audiência, sendo que tal se encontra comprovado nos autos (cfr. alíneas a) a e) e i) supra).
Mostra-se, pois, cumprido o disposto no invocado n.º 10 do artigo 113.º do CPP.
Mas uma coisa é a obrigatoriedade de realizar tais notificações, desde logo a da acusação, e outra diferente é a obrigatoriedade de estar comprovado nos autos que as mesmas chegaram ao conhecimento do arguido. E só relativamente à realização da notificação é que existe a obrigação de cumprimento das disposições legais.
Na verdade, importa ter presente a forma de realização dessas notificações ao arguido, tal como estabelecido nos artigos 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, e 311.º-A, n.º 4, em conjugação com o disposto no artigo 196.º, todos do CPP.
Efectivamente, no caso dos autos, o arguido AA prestou TIR quando foi constituído nessa qualidade, o que ocorreu em 07-06-2022, tendo, então, indicado como domicílio, para receber posteriores notificações, a Rua ..., ... ... (cfr. al. a) supra).
Conforme consta do modelo de TIR, tendo indicado aquele endereço para as futuras notificações, o arguido ficou a saber, além do mais, que tinha a obrigação de “não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”, além de que “as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada (…), excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento” e ainda que o incumprimento de tais obrigações “legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º.” (n.º 2 e alíneas b), c) e d) do n.º 3 do art. 196.º).
Como se escreveu no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15-12 (que alterou a redacção desse artigo 196.º), “(…) como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.”
Sobre o arguido recaem os deveres de, além do mais, prestar TIR e de sujeitar-se a medidas de coacção (art. 61.º, n.º 6, als. c) e d), do CPP).
A prestação de TIR está relacionada com a utilização de um procedimento de notificação mais ágil e expedito, para que não surjam delongas ou entraves nesse domínio, com reflexo negativo na tramitação processual, sem que, contudo, fiquem relevantemente prejudicados os princípios da segurança e certeza nesse domínio, atentas as obrigações que daquele resultam para o arguido.
E que prestou TIR e indicou aquela morada para notificações o recorrente também não contesta, mas tão só o facto de a carta, depois de depositadas no respectivo receptáculo postal, ter sido devolvida, aludindo a “irregularidades existentes no processo de entrega da notificação.”
Mas sem razão, diga-se desde já.
Na verdade, não existiu qualquer irregularidade no “processo de entrega”, pois que as cartas expedidas foram depositadas no receptáculo existente no endereço postal indicado pelo arguido, em conformidade com o disposto no referido n.º 3 artigo 113.º do CPP.
O próprio recorrente assume que indicou essa morada aquando da prestação de TIR, para receber notificações, referindo agora que é a morada da sua progenitora e onde ele não reside há anos, por não ter morada certa (conclusões 2.ª e 3.ª).
Mas esse foi o local que entendeu indicar para ser notificado, não sendo necessário que ali residisse, além de que poderia ser apenas a sua residência temporária ou ocasional.
A verdade é que, dizendo que não mora ali há anos, o arguido também não comunicou outro local onde passou a residir ou onde pudesse ser encontrado, nem tão pouco indicou nos autos outra morada para receber as notificações, como a lei lhe impunha (als. b) e c) do n.º 3 do art. 196.º).
Tem aqui, pois, plena aplicação a velha máxima latina “Sibi imputet, si quod saepius cogitare poterat et evitare non fecit” (Que se culpe a si mesmo, se não fez o que poderia prever e evitar).
Nos estritos termos da lei, as notificações, designadamente a da acusação, foram enviadas para o endereço que o mesmo forneceu aquando da prestação de TIR.
O facto de, após o depósito no receptáculo postal do domicílio indicado no TIR, ter ocorrido a devolução da carta, designadamente com a indicação de ser “desconhecido na morada”, não é relevante, pois que foram cumpridos os procedimentos legais da notificação.
E tanto basta para que a notificação se considere regularmente efectuada, não se exigindo a confirmação de que a carta / notificação chegou efectivamente ao conhecimento do arguido.
Se existisse a exigência de confirmação do conhecimento do teor da notificação por parte do arguido, seu destinatário, naturalmente que o legislador não teria adoptado este tipo de procedimento para a notificação. E nesse caso o TIR não passaria de uma mera formalidade, pois não serviria para nada.
O que releva é ter-se efectuado o depósito da carta de notificação, nos termos legais, de modo a que o destinatário pudesse ter conhecimento do seu conteúdo. E neste caso a notificação considera-se efectuada, independentemente de esse conhecimento se ter verificado.
A exigência legal é que a carta seja depositada, assim a fazendo chegar à esfera de conhecimento do destinatário.
No caso sub judice não se detectam quaisquer irregularidades no “processo de entrega efectuada pelos serviços postais” (conclusão 10.º), as quais o arguido invoca, mas não indica, pois que a posterior devolução da correspondência já nada tem a ver com o “processo de entrega”, o qual se encontra descrito no n.º 3 do citado artigo 113.º do CPP.
A existência de acto irregular pressupõe “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal”, caso estas não sejam cominadas com nulidade (art. 118.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).
Sucede que o procedimento de notificação levado a cabo, quer da acusação, quer dos despachos judiciais subsequentes, mostra-se totalmente conforme aos preceitos legais aplicáveis, não existindo qualquer irregularidade.
Diz ainda o arguido que “não violou de per si o seu estatuto processual, nem muito menos mudou de residência indicada no TIR propositadamente” (conclusão 13.ª).
Mas como não violou, se é o mesmo que refere que “não reside há anos” nessa morada, sendo a morada da sua progenitora (conclusão 2.ª), mas foi ele que a forneceu para receber as notificações e nunca indicou outra em substituição daquela, como a lei lhe impunha e do que foi informado, constando isso mesmo do TIR que prestou.
Conforme refere Fernando Gama Lobo, o arguido com TIR prestado (que é uma medida de coacção) “deve estar à disposição do tribunal, quanto à sua localização e conhecimento do seu paradeiro (…) até à extinção da pena”.[1]
E se o mesmo mudou de residência, como é referido, tal não releva para o efeito que pretende, pois que, perante o TIR prestado e as advertências nele contidas, não cumpre ao tribunal fazer diligências para obter eventual nova morada, nem sequer tentar fazer novas notificações para a mesma, se conhecida, não relevando também o facto de a carta regularmente depositada ter sido depois devolvida, como aqui ocorreu.
Este tem sido o entendimento seguido pela generalidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, não havendo razão para dela divergir.[2]
Ainda que tal não releve especificamente, importa esclarecer que, em face que consta do histórico do processo no Cítius, a única carta que veio devolvida e foi junta aos autos, diz respeito à notificação do despacho de recebimento da acusação e para o arguido poder apresentar contestação (al. f) supra), o que já não sucedeu com as cartas expedidas para notificação da própria acusação e do despacho que designou data para a realização da audiência (als. a) a l)).
Ou seja, a notificação cuja não realização o recorrente invoca (a da acusação) foi até efectuada sem a ocorrência de qualquer “incidente”, pois que a carta foi depositada no receptáculo existente na morada pelo mesmo indicada no TIR e não foi devolvida.
Não pode, pois, atender-se a pretensão do recorrente de que “não está, efectivamente, devidamente notificado do despacho de acusação” (conclusão 17.ª), pois que essa notificação, tal como as subsequentes realizadas na fase de julgamento, foi levada a cabo em conformidade com os ditames legais, não se mostrando violado pelo despacho recorrido o disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea a), e 113.º, n.º 10, do CPP, nem tão pouco o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, como o mesmo invoca.
Nesta conformidade, não havendo fundamento para atender a pretensão formulada, designadamente a repetição da notificação do despacho de acusação, nem de qualquer outro subsequente, tem de improceder o recurso interposto.
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São devidas custas pelo arguido no caso de “decaimento total” no recurso, com taxa de justiça a fixar entre 3 e 6 UC, apenas não havendo lugar às mesmas em caso de procedência, mesmo que somente parcial (arts. 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa).

III
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se integralmente o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, cuja taxa de justiça se fixa em 4 (quatro) UC.
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Notifique.
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Porto, 17-05-2023.
Raul Cordeiro
Carla Oliveira
Paula Pires
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[1] In Código de Processo Penal anotado, 3.ª Edição, Almedina, pág. 184.
[2] Vejam-se, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 25-02-2003 (CJ I, pág. 144), da Relação de Coimbra de 14-05-2014 (CJ III, pág. 57), da Relação do Porto de 20-06-2012 (Proc. 4073/08.0TDPRT-A.P1, in www.dgsi.pt) e do STJ de 18-12-2008 (CJ STJ III, pág. 257). No mesmo sentido se pronunciou Luís Lemos Triunfante, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, pág. 1191.