Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
102/13.3T2SVV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIOS CONFINANTES
PLURALIDADE DE TITULARES DO DIREITO
REGISTO DE ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
LEGITIMIDADE JUDICIÁRIA NA ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RP20210713102/13.3T2SVV.P1
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No caso de venda de prédio rústico a quem não seja proprietário confinante, sendo vários os proprietários de terrenos confinantes com direito de preferência, este direito cabe ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura para a respetiva zona.
II - O registo da ação de preferência visa advertir todo o eventual interessado na aquisição do prédio litigioso de que se está a discutir a existência de um direito de preferência e que, por essa razão, na titularidade desse prédio o adquirente pode vir a ser substituído pelo preferente.
III - Em caso de coexistência de direitos de preferência concorrentes se a venda a terceiro se consumou, tornando definitivo o incumprimento dos deveres de comunicação e de contratar com o preferente, todos os titulares de direitos de preferência vêem incorporar-se na sua esfera tal direito potestativo, cujo exercício no confronto do devedor da preferência (o vendedor), é autónomo e distinto do dos demais.
IV - Assim, cada preferente, independentemente da sua concreta posição na hierarquia dos direitos de preferência pode autonomamente, em face da alienação do bem a um terceiro, propor ação de preferência sem ter de chamar os demais preferentes à lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 102/13.3 T2SVV.P1
Apelação
Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha
Recorrentes: B… e outros
Recorridos: Q… e outros
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Os autores B… e C…, residentes em …, …, Sever do Vouga, intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra:
A) D… e mulher E…, residentes em …, Sever do Vouga,
B1) F… e mulher G…, residentes na Rua …, ..-.., …, …, Aveiro,
B2) H… e marido I…, residentes na Av. …, nº .., …, Águeda,
C1) J… e mulher K…, residentes na Rua …, …, …, Aveiro,
C2) L… e marido M…, residentes na Rua …, …, …, São Paulo, Brasil, e
C3) N… e mulher O…, residentes na Rua … – …, …, S. Paulo, Brasil.
Peticionam o seguinte:
- Serem condenados os réus das als. A) e B) a reconhecer o direito de preferência dos autores no que respeita à compra que o réu da al. A) fez aos réus da al. B) através da escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Sever do Vouga no dia 24.9.2010, referente ao prédio da “P…”, inscrito na matriz predial sob o art. 7.641, recebendo os compradores o pagamento do preço e das despesas da escritura, no montante global de 1.261,74€, que os autores depositam;
- Serem condenados os réus das als. A) e C) a reconhecer o direito de preferência dos autores no que respeita à compra que o réu da al. A) fez aos réus da al. C) através da escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Sever do Vouga no dia 29.9.2010, referente ao prédio da “P…”, inscrito na matriz predial sob o art. 7.643, recebendo os compradores o pagamento do preço e das despesas da escritura, no montante global de 1.132,24€, que os autores depositam;
- Serem os réus da al. A) condenados no pagamento aos autores do valor das árvores cortadas nos prédios objecto da preferência, a apurar em posterior incidente de liquidação.
Alegaram, para tanto, em síntese, que são proprietários de um prédio rústico confinante com os aludidos terrenos, pelo que gozam do direito de preferência a que alude o art. 1380º, nº 1, do Cód. Civil, não tendo os réus vendedores dado conhecimento aos autores do negócio em questão.
Os réus D… e mulher deduziram contestação, na qual, por exceção, alegaram a caducidade do direito exercido pelos autores e impugnaram a generalidade da matéria alegada pelos demandantes.
Os demais réus não apresentaram contestação.
Por seu turno, Q…, residente na Rua …, nº …, Aveiro, S…, residente na Rua …, nº …, Vagos, T…, residente na Rua …, nº …, Aveiro, e U…, residente na Av. …, Lote .., …, Leiria, deduziram incidente de oposição espontânea contra as partes primitivas na acção, invocando, em síntese, que gozam do direito de preferência na compra dos prédios ora em apreço, tendo tal prerrogativa lhes sido reconhecida nos autos que correram termos sob o nº 15/14.1T2SVV.
Os autores apresentaram contestação ao incidente de oposição, na qual alegaram a caducidade do direito invocado pelos opoentes e impugnaram a generalidade dos factos alegados por estes.
Tendo sido dado conhecimento aos autos do falecimento do autor C…, foi instruído o competente incidente de habilitação e declarada a suspensão da instância.
Por sentença, foram B…, V…, W… e X… habilitados como sucessores daquele autor, após o que foi proferido despacho que declarou cessada a suspensão da instância e designou data para a realização de tentativa de conciliação.
Realizada tal diligência, a mesma resultou infrutífera.
Após, foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa, definido o objecto do litígio, fixados os factos assentes, enunciados os temas de prova, apreciados os meios probatórios arrolados pelas partes e determinada a realização de perícia.
Foi junto aos autos relatório pericial, que não teve reclamações.
Seguidamente, realizou-se audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.
Depois, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, e, em consequência, decidiu-se:
a) Absolver os réus D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…, L…, M…, N…,O… dos pedidos contra si deduzidos pelos autores B… e sucessores habilitados de C…;
b) Reconhecer o direito de preferência dos opoentes Q…, S…, T… e U… nos exatos termos constantes da sentença proferida nos autos que correram termos neste Juízo sob o nº 15/14.1T2SVV.
Os autores B… e outros, inconformados com o decidido, interpuseram recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
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Pretendem assim que seja revogado o despacho de 9.9.2020 que dispensou a prestação de depoimento de parte pela oponente T… e que se julgue a ação procedente, condenando os réus nos pedidos contra si deduzidos pelos autores B… e sucessores habilitados de C…, não reconhecendo o direito de preferência invocado pelos oponentes.
Os oponentes Q… e outros apresentaram contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
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I -
II - Coexistindo direitos de preferência, cuja satisfação exclui a dos demais e não cumprindo o sujeito passivo o dever de comunicar o negócio projetado com terceiros a todos os preferentes (ou, pelo menos, a cada um segundo a ordem de preferência sempre que a mesma seja do seu conhecimento,) e alienando ele o bem objeto do direito de preferência a terceiro, desprovido de tal direito, nada obriga qualquer dos titulares do direito potestativo de preferência que pretendam acionar a tutela do seu direito, a recorrer a notificação dos demais preferentes, embora assim corram o risco de verem o titular do direito prevalecente ao seu (melhor direito) acionar por sua vez uma nova preferência contra si ou a vê-lo intentar um incidente de oposição espontânea na ação que o primeiro haja intentado.
III - Se a venda a terceiro se consuma, tornando definitivo o incumprimento desses deveres e havendo pluralidade de titulares do direito de preferência, todos eles vêem incorporar-se na sua esfera tal direito potestativo, cujo exercício, no confronto do devedor da preferência (o vendedor) é autónomo e distinto dos demais.
Acrescentando ainda:
“ em ação como a dos autos não nos parece que a ação de preferência intentada pelo preferente que foi preterido na alienação não tem efeitos em relação a outras direitos de preferência, uma vez que os seus titulares não ficam inibidos de o fazerem (intentar ação)”.
Pronunciam-se assim pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
IDespacho de 9.9.2020 (dispensa de prestação de depoimento de parte pela oponente T…);
II Impugnação da matéria de facto/Sua ampliação;
IIIDireitos de preferência concorrentes/Registo da ação de preferência/Propositura da ação de preferência também contra os outros preferentes.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1- Mostra-se descrito na CRP de Sever do Vouga, a favor dos AA., sob o nº 7839, o prédio rústico sito na P…, freguesia de …, Sever do Vouga, inscrito na matriz sob o art. 7642, nos termos constantes dos instrumentos de fls. 22 e 23-24, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
2- Encontra-se inscrito no serviço de finanças de Sever do Vouga, sob o art. 7641, tendo como titular o Réu D…, o prédio rústico sito na P…, freguesia de …, Sever do Vouga, nos termos constantes do instrumento de fls. 76, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
3- Encontra-se inscrito no serviço de finanças de Sever do Vouga, sob o art. 7643, tendo como titular o Réu D…, o prédio rústico sito na P…, freguesia de …, Sever do Vouga, nos termos constantes do instrumento de fls. 77, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
4- No dia 24 de Setembro de 2010 foi realizado negócio de compra e venda referente ao prédio aludido em 2), entre os RR. F…, G… e H…, esta também mediante autorização do marido I…, como vendedores, e o Réu D…, como comprador, pelo preço de €950, nos termos constantes da escritura de fls. 79 a 83, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
5- No dia 29 de Setembro de 2010 foi realizado negócio de compra e venda referente ao prédio aludido em 3), entre os RR. J…, por si e como procurador da sua mulher K…, L…, M…, N… e O…, como vendedores, e o Réu D…, como comprador, pelo preço de €850, nos termos constantes da escritura de fls. 85 a 89, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
6- O prédio aludido em 1) confronta pelo lado poente com o prédio mencionado em 2) e pelo lado sul com o prédio mencionado em 3);
7- Os prédios referidos em 1) a 3) são aptos para a cultura e tradicionalmente destinados à produção florestal;
8- À data das escrituras referidas em 4) e 5), os RR. adquirentes não eram proprietários de qualquer prédio confinante aos prédios indicados em 2) e 3);
9- Nos autos de acção declarativa com processo comum, que correu termos neste Juízo sob o nº 15/14.1T2SVV, foi proferida sentença, transitada em julgado, que reconheceu aos opoentes Q…, S…, T… e U… o direito de preferência na aquisição dos prédios aludidos em 2) e 3), nos termos constantes de fls. 10 a 13 do apenso de oposição, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
10- Os opoentes são donos e legítimos proprietários do prédio rústico composto de terreno de cultura, com videiras e pinhal, sito em … ou …, freguesia de …, Sever do Vouga, inscrito na matriz predial sob o art. 7639 e descrito na competente CRP sob o nº 257, confinante pelo lado nascente com os prédios mencionados em 2) e 3) – mesmo doc.;
11- O prédio referido em 1) tem área não concretamente apurada, mas não inferior a 316 m2 nem superior a 1175 m2;
12- O prédio indicado em 10) tem área de 3089 m2;
13- Os AA. tomaram conhecimento dos negócios mencionados em 4) e 5) no mês de Agosto de 2013, tendo intentado a presente acção no dia 26 desse mês;
14- No dia 10 de Outubro seguinte foi efectuado o registo da presente acção;
15- A acção que correu termos neste tribunal sob o nº 15/14.1T2SVV foi instaurada pelos opoentes no dia 27 de Janeiro de 2014.
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Não se provaram os seguintes factos:
a) Que, após terem tomado conhecimento dos negócios referidos em 4) e 5), os AA. declararam de forma definitiva que não queriam comprar aqueles prédios por dinheiro nenhum e que estavam antes interessados em vender o seu prédio;
b) Que os opoentes tomaram conhecimento daqueles negócios desde que as escrituras foram celebradas ou, pelo menos, desde 30 de Setembro de 2010, quando o Réu D… efectuou o registo da aquisição dos prédios a seu favor.
Consignou-se ainda que não houve outros factos provados ou não provados com relevância para a boa decisão da causa, ou que não estejam em oposição ou não tenham ficado já prejudicados pelos que foram dados como provados e não provados, bem como pela decisão proferida no âmbito do recurso de revisão interposto pelos ora AA. nos autos sob o nº 15/14.1T2SVV (no que tange à alegada simulação entre as partes nesse processo), sendo conclusiva, de direito ou irrelevante para a boa decisão da causa a demais matéria alegada pelas partes.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I - Despacho de 9.9.2020 (dispensa de prestação de depoimento de parte pela oponente T…)
O depoimento de parte dos oponentes foi admitido à matéria do tema de prova nº 4, respeitante ao momento em que estes tomaram conhecimento dos negócios de compra e venda referidos nos nºs 4 e 5 da matéria de facto provada.
Na sessão de julgamento de 9.9.2020 foi solicitado pelo respetivo mandatário que a oponente T… não prestasse depoimento de parte pelos motivos constantes da declaração médica que juntou aos autos.
Dessa declaração emitida em 31.8.2020 consta que “…T…, portadora do número de SNS 275002718, padece de patologia do foro psiquiátrico, razão pela qual não deverá apresentar-se em tribunal, por este acto poder trazer, com elevada probabilidade, descompensação da sua patologia.”
Relativamente a este requerimento o Mmº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“De acordo com a declaração médica ora junta pelos oponentes, a oponente T… padece de patologia do foro psiquiátrico, sendo que a prestação do seu depoimento poderá trazer, “com elevada probabilidade”, descompensação da sua patologia.
Assim, por razões maiores de saúde que neste caso devem prevalecer, dispensa-se aquela parte da prestação de depoimento.
Refira-se que a circunstância de aquela oponente ter comparecido no tribunal no dia de hoje em nada põe em causa o teor da sobredita declaração médica, uma vez que a referida interveniente se limitou a corresponder à notificação que lhe foi dirigida para o efeito.
Saliente-se, por outro lado, que a não prestação de depoimento [de] parte por aquela oponente em nada coarcta os direitos exercidos em Juízo pelos AA., uma vez que foram já admitidos os depoimentos de parte dos demais oponentes, para além dos restantes meios probatórios arrolados pelos demandantes.”
Contra este despacho se insurgem os autores/recorrentes que entendem que do conteúdo da declaração médica apresentada não se retira a impossibilidade de prestação de depoimento de parte pela oponente T…, mas tão só da sua comparência em tribunal. Deveria assim ter-se diligenciado pela prestação do depoimento de parte nos termos do art. 457º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
Por outro lado, os recorrentes referem também que a declaração médica se reporta a uma tal “T…” cujo nome não é inteiramente coincidente com o da oponente e, por isso, colocam a possibilidade da referida declaração se referir a uma outra pessoa.
Vejamos.
Quanto à questão da identidade o que se verifica é que a oponente T… compareceu em tribunal no dia 9.9.2020, respondeu à chamada e através do respetivo mandatário apresentou declaração médica visando a dispensa de prestação de depoimento.
Nesse momento não foi posto em causa que a declaração médica se referia àquela concreta pessoa.
Aliás, da leitura da declaração médica decorre que foi feita uma troca de nomes próprios e suprimidos os dois últimos apelidos da depoente, donde se infere que na sua redação foi cometido um mero lapso material quanto ao seu nome.
Como tal, é de concluir que a depoente e a pessoa referenciada na declaração médica são a mesma pessoa.
Em segundo lugar, entendem os recorrentes que de tal declaração só se retira a impossibilidade da depoente comparecer em tribunal e não de prestar depoimento, pelo que se deveria ter diligenciado por essa prestação de acordo com o disposto no art. 457º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.[1]
Porém, o que sucede é o oposto.
A depoente não estava impossibilitada de comparecer em tribunal, tanto mais que compareceu, correspondendo à notificação que lhe foi dirigida para esse efeito.
A sua impossibilidade referia-se antes à prestação de depoimento, uma vez que, padecendo de patologia do foro psiquiátrico, esse ato poderia trazer, com elevada probabilidade, descompensação da sua patologia.
É certo que na declaração médica se escreveu “não deverá apresentar-se em tribunal”, mas manifesto é que aqui ocorreu alguma imprecisão semântica por parte da médica sua subscritora, que não é técnica de direito, pois a provável descompensação da sua patologia psiquiátrica não decorrerá da mera presença em tribunal, mas sim da prestação do depoimento.
É algo surpreendente sustentar-se que apenas essa presença em tribunal perturbaria a depoente e que a muito mais exigente prestação de depoimento seria irrelevante para o seu estado de saúde.
Assim, a expressão “não deverá apresentar-se em tribunal” terá que ser interpretada no sentido de se referir à presença em tribunal para participar em diligência, neste caso prestar depoimento em audiência de julgamento.
Sensível ao quadro patológico evidenciado na declaração médica junta o Mmº Juiz “a quo” entendeu acertadamente, fundando-se na prevalência das razões de saúde, dispensar esta oponente da prestação de depoimento de parte.
E acrescentou, também acertadamente, que a sua não prestação não contendia com os direitos exercidos em juízo pelos autores, aqui recorrentes, atendendo a que foram admitidos e prestados depoimentos de parte pelos demais oponentes (Q…; S… e U…), tal como foram admitidos os restantes meios probatórios indicados pelos autores.
Deste modo, nesta parte, improcede o recurso interposto pelos autores, impondo-se a confirmação do despacho recorrido proferido em 9.9.2020.
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IIImpugnação da matéria de facto/Sua ampliação
Os autores/recorrentes insurgem-se depois contra a sentença recorrida e, em termos fácticos, pretendem que à factualidade dada como assente sejam aditados dois números com a seguinte redação:
“16 - Os Oponentes tomaram conhecimento dos negócios mencionados em 4) e 5) no ano de 2013.
17 – Aquando da instauração da ação referida em 15) os Oponentes já sabiam da existência da presente ação.”
No sentido deste aditamento indicam as declarações de parte prestadas pelos oponentes Q…, S… e U… na sessão de 20.10.2020, que transcrevem na sua quase totalidade.[2]
Procedemos à sua audição.
Q… disse que o réu D… lhe comunicou que estava à venda um terreno que lhe interessava e que ele comprara para si, mas relativamente ao qual não tinha direito de preferência. Este disse também à depoente que ela tinha direito de preferência, uma vez que o terreno dela era “melhor” que o das outras pessoas. A depoente disse então ao D… para tratar “disso”. A certa altura exclamou “eu já não sei nada, em 2013 sei lá o que é que se passou”. Foi uma “baralhada” porque depois outras pessoas vieram – não sabe dizer quem - e disseram que tinham direito de preferência, mas não o tinham. Nós temos preferência porque o nosso terreno é o maior. Referiu depois que para aí em 2013, talvez no meio do ano, o D… lhe disse que tinha comprado o prédio. Disse também que quanto à questão da preferência passou – ela e os filhos - uma procuração a advogado e ele é que tratou de tudo.
S… disse que o Sr. D…, que trata de alguns assuntos da sua família, falava com a sua mãe (Q…) por telefone ou quando iam lá. A sua mãe transmitiu-lhe que o Sr. D… andava em tribunal com um terreno e que não conseguiria ficar com ele. Disse-lhe também o Sr. D… que eram vizinhos, tinham um terreno maior e estavam numa posição óptima para adquirir se estivessem interessados. Sucede que estavam interessados em adquirir o terreno e assim fizeram. Não adquiriram diretamente ao D… porque este andava com essa questão conflituosa em tribunal. A depoente, que é notária, esclareceu que não iam adquirir o prédio a uma pessoa que podia perder a ação de preferência e eles queriam ficar com o terreno. Não sabe em que altura é que o Sr. D… falou com a sua mãe, mas provavelmente a ação dele já estaria pendente. Passaram procuração a advogado para tratar do assunto em tribunal. Quando foi proposta a ação contra o Sr. D… sabiam que havia outros interessados no terreno.
U… disse que o Sr. D… lhes referiu que tinham ao lado um terreno maior e que numa ação de preferência teriam todas as condições para ganhar e ficar com aquele terreno. Como o negócio era vantajoso, concordaram e andaram com o processo para a frente. Quando o Sr. D… lhes falou do assunto acha que este já o teria comprado. Falou-lhes da situação porque havia um confinante que queria preferir no negócio dele e eles tinham um terreno maior. Tinham preferência relativamente a qualquer outro confinante. Se preferissem ficavam com o terreno. Não fazia sentido comprar o terreno ao Sr. D… porque ele podia perder na preferência. Não sabe dizer quanto tempo depois da conversa com o Sr. D… é que propuseram a ação. Referiu ainda que é a sua mãe que trata destes negócios com o aconselhamento do Sr. D….
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No despacho proferido para os efeitos do art. 596º do Cód. de Proc. Civil o Mmº Juiz “a quo” procedeu à enunciação dos temas da prova e sob o nº 4 referenciou “o momento em que os oponentes tomaram conhecimento dos negócios aludidos em C)”, ou seja dos negócios de compra e venda realizados, em 24.9.2010 e 29.9.2010, referentes aos prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de …, Sever do Vouga, sob os arts. 7641 e 7643.
No que concerne a este tema da prova, na sentença recorrida, foi dado como não provado que os oponentes tomaram conhecimento destes negócios desde que as escrituras foram celebradas ou, pelo menos, desde 30.9.2010, quando o réu D… efetuou o registo da aquisição dos prédios a seu favor.
Porém, em sede de motivação da decisão de facto, o Mmº Juiz “a quo” escreveu que os oponentes Q…, S… e U…, quando ouvidos em declarações de parte, por iniciativa do tribunal, “explicaram que souberam do negócio pelo réu D… (com quem têm relação de proximidade), algures pelo ano de 2013, eventualmente já na pendência da presente acção, tendo aquele dado conta aos opoentes de que havia outras pessoas interessadas no negócio, pelo que os declarantes optaram por avançar com a acção de preferência, uma vez que possuíam um terreno junto e que o D… lhes disse que eventualmente não conseguiria ficar (com) esses prédios, pois não era dono de nenhum imóvel confinante com os mesmos.”
Ora, ouvidas estas declarações de parte, que atrás se deixaram sintetizadas e que se compaginam com o que foi escrito pelo Mmº Juiz “a quo”, constata-se que não ficou provado que o conhecimento dos negócios em causa nos autos, pelos oponentes, remontasse ao ano de 2010. Com efeito, esse conhecimento pelos oponentes – de que o réu D… havia adquirido os prédios mencionados nos nºs 4 e 5 da factualidade provada – ocorreu apenas no ano de 2013, em data não determinada, em resultado de conversa havida entre o D… e a oponente Q….
E das referidas declarações de parte no seu conjunto e, em particular das prestadas por S…, decorre também que aquando da instauração da ação com o nº 15/14.1T2SVV os aqui oponentes já sabiam da existência dos presentes autos.
Deste modo, até em sintonia com o que foi escrito na decisão recorrida, há que proceder ao aditamento à matéria de facto dos nºs 16 e 17 com a seguinte redação:
“Nº 16 – Os oponentes tomaram conhecimento de que o réu D… havia adquirido os prédios rústicos mencionados em 2) e 3) em data não determinada do ano de 2013.
Nº 17 – Aquando da instauração da ação referida em 15) os oponentes já sabiam da existência dos presentes autos.”
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III - Direitos de preferência concorrentes/Registo da ação de preferência/Propositura da ação de preferência também contra os outros preferentes
1. O direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito de gozo sobre uma coisa[3]. Com a consagração deste direito visa-se, de um modo geral, solucionar conflitos de direitos reais, facilitando a reunião, na mesma esfera jurídica, das coisas ou direitos que geram os conflitos em causa.[4]
É o que sucede no caso de emparcelamento de prédios rústicos previsto no art. 1380º, nº 1 do Cód. Civil.
Dispõe-se o seguinte neste preceito:
«Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.»
São pressupostos do direito real de preferência atribuído por este preceito: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.[5]

O objetivo visado pelo art. 1380º é o de fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rentáveis. Após o exercício do direito de preferência, o proprietário do conjunto poderá, designadamente, proceder a uma reconversão cultural, operação que, dadas as exíguas dimensões dos terrenos confinantes, não teria viabilidade económica em relação a cada um deles isoladamente.[6]
Porém, é de referir que, no tocante aos pressupostos deste direito real de preferência, o art. 18º, nº 1 do Dec. Lei nº 384/88, de 25.10, veio prescrever que «os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura», sendo, a partir de então, entendimento praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência que o direito de preferência recíproco é de conceder aos proprietários de terrenos confinantes, sempre que um deles (seja o terreno alienado, seja o terreno do preferente) tenha área inferior à unidade de cultura, podendo o outro ter área superior.[7]
É certo que este diploma foi, entretanto, revogado pela Lei n.º 111/2015, de 27.8, que veio estabelecer o novo Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, mas mantém-se plenamente válida aquela orientação doutrinal e jurisprudencial.[8]
Prosseguindo, impõe-se também de salientar que sendo vários os proprietários com direito de preferência, o nº 2 do art. 1380º do Cód. Civil diz-nos que esse direito cabe: a) no caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem; b) nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona.
Por outro lado, o nº 4 do art. 1380º do Cód. Civil determina que seja aplicável ao direito de preferência aí previsto o disposto nos arts. 416º a 418º e 1410º do mesmo diploma, com as necessárias adaptações.
Tal significa que o vendedor está obrigado a comunicar o projeto de venda aos proprietários dos prédios confinantes e estes, caso não lhes seja dado conhecimento do negócio, têm o direito de haverem para si o prédio alienado, desde que o requeiram dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação e depositem o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da ação – cfr. arts. 416º, nº 1 e 1410º, nº 1 do Cód. Civil.
2. No caso dos autos, face à matéria de facto que foi dada como assente, verifica-se que os autores lograram fazer prova do seu direito de preferência relativamente ao réu D… na aquisição dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 7641 e 7643, atendendo a que estes prédios são confinantes com o prédio rústico dos autores, que corresponde ao artigo 7642, e o réu, adquirente, não possui qualquer prédio que com eles confine.
Com efeito, o prédio dos autores é de natureza rústica e confronta pelo lado poente com o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 7641 e pelo lado sul com o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 7643, sendo todos eles prédios aptos para a cultura e tradicionalmente destinados à produção florestal – cfr. factos nºs 1, 2, 3, 6 e 7.
O preço devido foi depositado nos autos – cfr. fls. 33 a 36.
A ação proposta pelos autores foi tempestivamente intentada, com referência ao momento em que os autores tomaram conhecimento do negócio a preferir, pelo que não ocorreu caducidade do seu direito de preferência – cfr. facto nº 13.
Os réus vendedores não cumpriram o seu dever de dar conhecimento aos autores da celebração do negócio nos termos do art. 416º, nº 1 do Cód. Civil, aplicável “ex vi” do art. 1380º, nº 4 do mesmo diploma, tratando-se esta de matéria cujo ónus da prova sempre caberia a esses réus, face ao preceituado no art. 342º, nº 2 também do Cód. Civil.
Os réus adquirentes dos prédios dos autos não eram proprietários de qualquer prédio confinante com os terrenos vendidos – cfr. facto nº 8.
Por fim, o prédio dos autores, que tem no máximo 1175m2 – cfr. facto nº 11 -, possui área inferior à unidade de cultura, que é para a região de Aveiro (Norte do Tejo) de 2 hectares, ou seja, 20.000m2 – cfr. Portaria nº 202/70, de 21.4.
3. Mas se os autores gozam de direito de preferência, esse direito assiste também aos oponentes Q…, S…, T… e U…, tendo-lhes, aliás, sido reconhecido no âmbito da ação que correu termos sob o nº 15/14.1 T2SVV – cfr. facto nº 9 -, na qual os aqui autores não foram partes.[9]
Ora, no confronto entre estes dois direitos de preferência, há que ter em atenção o já referido nº 2, al. b) do art. 1380º do Cód. Civil, onde se estatui que o direito de preferência caberá ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona.
Acontece que o prédio dos oponentes tem a área de 3089m2, que é superior à do prédio dos autores, pelo que prevalecerá o seu direito de preferência – cfr. factos nºs 11 e 12.
4. Contudo, os autores, em sede recursiva, opõem-se a esta solução, que inteiramente se compagina com o nosso ordenamento jurídico, procurando argumentos no facto de o registo da presente ação ter sido efetuado em 10.10.2013, sendo que a ação de preferência proposta pelos aqui oponentes apenas foi intentada em 27.1.2014 – cfr. factos nºs 14 e 15.
Assim, por força do conhecimento que os oponentes tinham da ação já proposta pelos autores e do seu registo – factos nºs 14, 15 e 17 – deveriam tê-la intentado também contra os aqui autores.
Não o tendo feito, sustentam os recorrentes que não poderia o tribunal “a quo” ter reconhecido o direito de preferência dos oponentes em consonância com o decidido na sentença proferida nessa acção.
Sucede que não assiste razão aos recorrentes.
5. A ação de preferência envolve três sujeitos: por um lado, o não cumprimento do dever de notificação do projeto de venda imputado ao alienante, que respeita a este e ao preferente; por outro lado, o direito potestativo que a lei atribui ao preferente, caso a violação do dever de notificação do projeto de venda se prove, de se substituir ao adquirente na realização do contrato de alienação, direito potestativo que interessa, pelo menos, ao preferente e ao adquirente.
Deste modo, a acção de preferência deverá ser intentada pelo preferente contra o alienante e o adquirente, existindo entre estes litisconsórcio necessário passivo.[10]
Nada justifica que por força do registo da presente ação, os aqui oponentes tivessem que intentar a ação que propuseram com vista ao reconhecimento do seu direito de preferência ainda contra os aqui autores, também preferentes.
A falta de legitimidade destes para serem demandados no processo com o nº 15/14.1 T2SVV é, a nosso ver, incontornável.
6. Quando se está perante um direito real de preferência legal, sendo a preferência resultante de uma criação legal, está assegurado o requisito da publicidade, que permite a sua visibilidade e o consequente reconhecimento por terceiros. As preferências que resultam da lei devem poder presumir-se conhecidas de toda a gente, ou por se tornarem públicas, mediante o registo, ou então, facilmente cognoscíveis de terceiros pela própria natureza das coisas.[11]
Mas se o direito legal de preferência não está sujeito a registo, já a ação através da qual este é exercido, sendo uma ação constitutiva destinada a obter um efeito jurídico novo – a substituição do adquirente pelo preferente na titularidade do direito que o primeiro adquiriu sobre a coisa objeto da preferência – deve ser sujeita a registo nos termos do disposto nos arts. 3º, nº 1, al. a) e 2º, nº 1, al. a) do Código de Registo Predial.
Contudo, a falta de registo da ação não torna o direito legal de preferência inoponível a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa no período da “mora litis”.
Se o preferente registar a ação, a sentença favorável que nela obtiver tem uma eficácia superior à que normalmente deriva do caso julgado porquanto além de vincular as partes, produz ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, direitos incompatíveis com os do preferente.
Se, pelo contrário, o registo não tiver sido realizado, a sentença terá apenas a sua eficácia normal, ou seja, a eficácia “inter partes”. Porém, o autor não fica impedido de fazer valer o seu direito real contra terceiros, para quem a coisa tenha sido entretanto transmitida, através de ação a propor com a finalidade de convencê-los do seu direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 383).[12]
O registo da ação de preferência visa pois advertir todo o eventual interessado na aquisição do prédio litigioso de que se está a discutir a existência de um direito de preferência e que, por essa razão, na titularidade desse prédio o adquirente pode vir a ser substituído pelo preferente.
Esse registo, ao contrário do que parecem pretender os recorrentes, não lhes confere, só por si, o direito de preferência que invocam, até porque não é constitutivo de direitos, nem permite que esse seu direito de preferência, em concorrência com outros direitos idênticos, se anteponha a um outro que a ele se priorize por força da regra prevista no art. 1380º, nº 2, al. b) do Cód. Civil.
7. No caso dos autos, o que se verifica é que coexistem direitos de preferência concorrentes, em que a mesma decisão de alienar determina a constituição de vários direitos a favor de outros tantos titulares.[13]
Porém, a satisfação de um dos direitos de preferência sempre excluirá a dos demais, e não cumprindo o sujeito passivo o dever de comunicar o negócio projetado com terceiro a todos os preferentes (ou, pelo menos, a cada um segundo a ordem de preferência sempre que a mesma seja do seu conhecimento), e alienando ele o bem objeto das preferências a terceiro desprovido de tal direito, nada obriga qualquer dos titulares do direito potestativo de preferência que pretendam acionar a tutela judicial do seu direito a requerer a notificação dos demais preferentes, embora assim corram o risco de ver o titular de direito prevalecente em relação ao seu (“melhor direito”) acionar por sua vez uma nova preferência contra si ou a vê-lo intervir por incidente de oposição espontânea na ação que o primeiro haja intentado.
Subjacente a esta posição está a conceção de que cada beneficiário de norma ou estipulação contratual conferindo preferência na aquisição onerosa de um determinado bem é titular de um direito potestativo de preferência, nascido com o próprio facto de se manifestar uma vontade de vender a terceiro, a qual é geradora de deveres de comunicação (art. 416º do Cód. Civil) e de contratar com o titular da preferência.
Se a venda a terceiro se consumou, tornando definitivo o incumprimento desses deveres, e havendo pluralidade de titulares de direitos de preferência, todos estes vêem incorporar-se na sua esfera tal direito potestativo, cujo exercício no confronto do devedor da preferência (o vendedor), é autónomo e distinto do dos demais – cfr. Ac. Rel. Lisboa de 28.5.2009, proc. 10038/08-2, relator Neto Neves, disponível in www.dgsi.pt.[14]
Assim, cada preferente, independentemente da sua concreta posição na hierarquia dos direitos de preferência pode autonomamente, em face da alienação do bem a um terceiro, propor ação de preferência sem ter de chamar os demais preferentes à lide.
Deste modo, entendemos que a circunstância de os autores, enquanto preferentes preteridos na alienação, terem intentado a presente ação de preferência, que registaram, não tem efeito em relação a outros direitos de preferência concorrentes, uma vez que os seus titulares não ficam inibidos de proporem eles uma nova ação de preferência.
Atitude, a nosso ver, mais cautelosa da parte dos autores teria sido a de previamente à propositura da presente ação lançarem mão do procedimento previsto nos arts. 1028º e segs. do Cód. de Proc. Civil, de forma a se assegurarem do eventual afastamento dos demais preferentes e, designadamente, dos aqui oponentes que até dispunham de melhor preferência.
Como tal, não se concordando com a argumentação expendida pelos recorrentes nas suas alegações, julgar-se-á improcedente o recurso interposto, o que implicará a confirmação da sentença recorrida.[15]
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos autores B… e outros e, em consequência, confirma-se o despacho de 9.9.2020 que dispensou a oponente T… da prestação de depoimento de parte e também a sentença recorrida.
Custas a cargo dos autores/recorrentes.

Porto, 13.7.2021
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Queridos
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[1] Dispõe-se o seguinte neste artigo: «Havendo impossibilidade de comparência, mas não de prestação de depoimento, este realiza-se no dia, hora e local que o juiz designar, ouvido o médico assistente, se for necessário, sempre que não seja possível a sua prestação ao abrigo do disposto nos artigos 518º e 520º.» Estes dois últimos preceitos referem-se ao depoimento apresentado por escrito ou através da utilização de telefone ou de outro meio de comunicação direta entre o tribunal e o depoente.
[2] Neste ponto importa referir que, pese embora o sustentado pelos recorridos nas suas contra-alegações (conclusão 3), os autores/recorrentes na impugnação da matéria de facto deram cumprimento aos ónus previstos no art. 640º do Cód. de Proc. Civil, tendo especificado os concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (com transcrição parcial dos depoimentos de parte prestados pelos oponentes) e a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
[3] Cfr. Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, Almedina, 1978, pág. 539.
[4] Cfr. Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, II vol. 1979, pág. 1109.
[5] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 270/271.
[6] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág.271.
[7] Cfr., por ex., Antunes Varela, “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, 127º, nºs 3838-3849, págs. 294 a 310, 326 a 335, 365 a 378; Henriques Mesquita, “Direito de Preferência – Alienação de prédios minifundiários”, CJ, Ano XVI, tomo II, págs. 35 a 39; Ac. STJ de 3.10.2013, proc. 217/1997.E1.S1, relator Tavares de Paiva; Ac. Rel. Porto de 19.1.2015, proc. 1789/13.2 TBVCD.P1, relator Caimoto Jácome, disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 21.10.2019, proc. 2065/17.7 T8LOU.P1, relator Joaquim Moura, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Relativamente à sentença proferida neste processo foi intentado recurso extraordinário de revisão com fundamento na al. g) do art. 696º do Cód. de Proc. Civil, o qual viria a ser julgado improcedente por sentença de 27.2.2017, transitada em julgado, atendendo a que não se provou a existência de conluio entre as partes de forma a criar um litígio inexistente, com o intuito de prejudicar os autores.
[10] Cfr., por ex., Ac. Rel. Porto de 29.6.2006, proc. 0633488, relator Teles de Menezes, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Ac. STJ de 24.9.2010, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Ac. STJ de 29.4.2014, proc. 353/2002.P1.S1, relator Azevedo Ramos e Ac. Rel. Évora de 20.11.2014, proc. 22/11.6 TBORQ.E1, relatora Alexandra Moura Santos, disponíveis in www.dgsi.pt.
[13] Os direitos de preferência concorrentes não se confundem com os casos de contitularidade de direito de preferência em sentido estrito, em que um mesmo direito de preferência cabe a várias pessoas ao mesmo tempo – cfr. Agostinho Cardoso Guedes, “O Exercício do Direito de Preferência”, 2006, Publicações Universidade Católica, Porto, apud Ac. Rel. Lisboa de 28.5.2009.
[14] Citado pelos recorridos nas suas contra-alegações.
[15] De referir ainda que em nada contende com uma eventual caducidade do direito dos oponentes o aditamento do nº 16 à matéria de facto, uma vez que o início da contagem do prazo de seis meses referido no art. 1410º do Cód. Civil sempre se reporta ao momento do conhecimento dos elementos essenciais da alienação e apenas se provou, de forma genérica, que os oponentes tomaram conhecimento de que o réu D… havia adquirido os prédios rústicos mencionados em 2) e 3) em data não determinada do ano de 2013.