Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
51/16.3T9PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
FALTA DE VALIDAÇÃO
AUTORIDADE JUDICIÁRIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2020011551/16.3T9PFR.P1
Data do Acordão: 01/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A validação pela autoridade judiciária da constituição como arguido pelo órgão de polícia criminal justifica-se como forma de supervisionar a avaliação dos pressupostos da constituição de arguido, ou seja, a correlação entre a prática do crime indiciado e o suspeito a constituir arguido.
II - Não se torna necessária essa validação quando a constituição se verifica a solicitação do Ministério Público, depois de este ter avaliado a correlação entre a prática do crime indiciado e o suspeito a constituir arguido.
III - Verificada tal avaliação prévia pela autoridade judiciária, a constituição como arguido perante órgão de polícia criminal, mesmo que não validada posteriormente, tem efeito interruptivo do prazo de prescrição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 51/16.3T9PFR.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso da douta sentença do Juiz Local Criminal de Paços de Ferreira do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este que o condenou, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.º, a), e 256.º, n.º 1, b), c) e e), do Código Penal, na pena de onze meses de prisão, substituídos por duzentos e oitenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros e cinquenta cêntimos, assim como no pagamento à demandante da quantia de quatro mil, duzentos e dezassete euros e quarenta e nove cêntimos, acrescida de juros desde a notificação do pedido, a título de indemnização de danos patrimoniais, e da quantia de dois mil euros, acrescida de juros desde a prolação da sentença, a título de indemnização de danos morais.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«A. PRESENTE RECURSO TEM COMO OBJECTO EXCLUSIVAMENTE MATÉRIA DE DIREITO, PRETENDENDO-SE COM O MESMO COLOCAR EM CRISE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, NA PARTE EM QUE ENTENDEU DECLARAR COMO NÃO PRESCRITO O PROCEDIMENTO CRIMINAL CASO EM ANÁLISE.
B. OS FACTOS EM CAUSA NOS AUTOS REMONTAM AO ANO DE 2012, SENDO O CRIME EM APREÇO O DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS.
C. NO CASO CONCRETO, POR DESPACHO DE NATUREZA GENÉRICA, O MINISTÉRIO PÚBLICO DELEGOU NA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA DE PAÇOS DE FERREIRA, A COMPETÊNCIA PARA A REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS DE INQUÉRITO COM VISTA À EVENTUAL RECOLHA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA PRÁTICA DO CRIME.
D. NO DIA 13 DE JUNHO DE 2016, O ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL PROCEDEU À CONSTITUIÇÃO DO RECORRENTE COMO ARGUIDO, SEM QUE, PORÉM, TAL CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO TIVESSE SIDO POSTERIORMENTE VALIDADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS TERMOS DO N.º 3 DO ARTIGO 58º DO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL.
E. TAL CONSTITUÍA UM ACTO/ FORMALIDADE OBRIGATÓRIA SOB PENA DAQUELE ACTO NÃO PRODUZIR QUAISQUER EFEITOS.
F. O CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO IMPUTÁVEL AO RECORRENTE, PREVISTO E PUNIDO PELO N.º 1 DO ARTIGO 256º DO CÓDIGO PENAL É PUNÍVEL COM PENA DE PRISÃO ATÉ TRÊS ANOS, MOTIVO PELO QUAL O PROCEDIMENTO CRIMINAL SE EXTINGUE POR PRESCRIÇÃO, LOGO QUE SOBRE A PRÁTICA DO CRIME TIVEREM DECORRIDOS CINCO ANOS, CONFORME DISPOSTO NA ALÍNEA C) DO N.º 1 DO ARTIGO 118º DO CÓDIGO PENAL.
G. DESTARTE, DE UM MODO GERAL, A PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL INTERROMPE-SE, DESIGNADAMENTE, COM A CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO NOS TERMOS PREVISTOS NA ALÍNEA A) DO Nº 1 DO ARTIGO 121º DO MESMO CÓDIGO.
H. O DESPACHO DE DELEGAÇÃO DE PODERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL, ALIÁS, DE NATUREZA GENÉRICA, NÃO PODE TER O ALCANCE DEFENDIDO PELO TRIBUNAL RECORRIDO.
I. A LEI É CLARA QUANDO DIZ EXPRESSAMENTE QUE A CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO FEITA POR ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL DEVE SER COMUNICADA À AUTORIDADE JUDICIÁRIA COMPETENTE A FIM DE SER VALIDADA NO PRAZO LEGAL DE DEZ DIAS, INDEPENDENTEMENTE DE QUALQUER DESPACHO ANTERIOR.
J. A VALIDAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO É ASSIM UMA IMPOSIÇÃO LEGAL PORQUE RESULTA DE FORMA INEQUÍVOCA DO TEOR DO NORMATIVO LEGAL EM APREÇO – ARTIGO 58º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – SENDO POR ISSO UMA FORMALIDADE OBRIGATÓRIA QUE NÃO ESTÁ (NEM ESTAVA NO CASO CONCRETO), ABRANGIDA PELO ALEGADO DESPACHO DE DELEGAÇÃO GENÉRICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL.
K. OS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL NÃO SÃO NUNCA SUJEITOS PROCESSUAIS AUTÓNOMOS, NA MEDIDA EM QUE OS MESMOS PODEM AGIR PROCESSUALMENTE SOB A ÉGIDE DE COMPETÊNCIAS QUE LHES FORAM DELEGADAS MAS QUE POSTERIORMENTE SÃO SUPERVISIONADAS E CONFIRMADAS PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA ESSE EFEITO.
L. OS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL NÃO POSSUEM COMPETÊNCIA PRÓPRIA PROCESSUAL PENAL, UMA VEZ QUE A SUA ACÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA SE LIMITA À COADJUVAÇÃO DAS AUTORIDADES JUDICIÁRIAS NA PROSSECUÇÃO DAS FINALIDADES DO PROCESSO.
M. É POR ESSA RAZÃO QUE EXISTE A NORMA DO N.º 3 DO ARTIGO 58º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, A QUAL DISPÕE QUE “A CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO FEITA POR ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL É COMUNICADA À AUTORIDADE JUDICIÁRIA NO PRAZO DE DEZ DIAS E POR ESTA APRECIADA, EM ORDEM À SUA VALIDAÇÃO.”
N. NÃO TENDO O ACTO DE CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO SIDO VALIDADO, O MESMO NÃO PRODUZ QUAISQUER EFEITOS, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE QUALQUER NULIDADE.
O. DECORRE ASSIM DO EXPOSTO QUE, UMA VEZ QUE O ACTO NÃO PRODUZIU EFEITOS, É INEFICAZ E, CONSEQUENTEMENTE, NÃO OCORREU QUALQUER ACTO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO – ARTIGO 121º, N.º 1, AL.C) DO CÓDIGO PENAL, PELO QUE A MESMA SE VERIFICOU.
P. SENDO OS FACTOS PRATICADOS EM 2012 E A ACUSAÇÃO PROFERIDA APENAS NO ANO DE 2018, DÚVIDAS NÃO HÁ QUE O PROCEDIMENTO CRIMINAL SE EXTINGUIU POR EFEITO DA PRESCRIÇÃO, POR TEREM DECORRIDO SOBRE A PRÁTICA DOS FACTOS MAIS DE CINCO ANOS, O QUE, A NOSSO VER, DEVERIA TER SIDO DECLARADO PELO TRIBUNAL RECORRIDO.
Q. AO DECIDIR CONFORME DECIDIU, VIOLOU O TRIBUNAL RECORRIDO O DISPOSTO NO ARTIGO 58º, Nº 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, O ARTIGO 118º, N.º 1, ALÍNEA C) DO CÓDIGO PENAL E O ARTIGO 121º, N.º 1, ALÍNEA A) DO MESMO DIPLOMA LEGAL.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, da qual constam as seguintes conclusões:
«1.ª Dispõe o artigo 121.º, n.º 1, do Código Penal, que a prescrição do procedimento criminal em causa se interrompe-se (entre outras causas) com a constituição de arguido. A constituição de B… como arguido não foi objecto de validação pela autoridade judiciária competente, nos termos do disposto no artigo 58. º, n. º 2, do CPP, nem tinha que o ser no caso concreto, uma vez que no despacho de delegação de competência na GNR para a investigação do crime denunciado, o Ministério Público fez uma avaliação prévia quanto ao carácter fundado da notícia do crime e de que existia a suspeita de que o aqui arguido era o seu autor. Como se refere na obra "Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas dos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto", Coimbra Editora, 2009, pág. 133, está "isento de validação o acto especificamente solicitado pelo Ministério Público a um órgão de policia criminal quando aquele tenha elementos que fundem a correlação entre o suspeito a constituir arguido e um determinado crime que se sabe ter ocorrido. Isto é, concretizados os factos, inseridos estes numa previsão legal e estando determinada a identidade do suspeito, a sua constituição como arguido ainda que fora da alçada Imediata do MP se a pedido deste, não precisa ser sujeita a subsequente validação'.
2.ª Por esta razão, entende-se que com a constituição do aqui arguido a 13.06.2016, se interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal em curso, não se verificando, assim, a omissão de qualquer formalidade essencial relativamente ao referido acto da constituição de arguido.
3.ª Pelo que se concluí que, ao declarar improcedente a invocada prescrição do procedimento criminal o Tribunal a quo não violou as normas invocadas pelo recorrente (artigos 58.º, n.º 2, do CPP e 118º, nº 1, alínea c) e 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal), ou quaisquer outras, devendo, nesta conformidade, ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido.»

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso e alegando que a omissão de validação pela autoridade judiciária da constituição de arguido perante órgão de polícia criminal tem como única consequência, nos termos do n.º 5 do artigo 58.º do Código de Processo Penal, a impossibilidade de as declarações prestadas pela pessoa visada não poderem ser utilizadas como meio de prova, não impedindo a interrupção do prazo da prescrição, nos termos do artigo 121.º, n.º 1, a), do Código Penal.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deveria ter sido nestes autos declarada a extinção do procedimento criminal por prescrição, por o prazo respetivo não ter sido interrompido com a constituição de arguido perante órgão de polícia criminal, uma vez que esta constituição não chegou a ser validade pela autoridade judiciária.

III – Da douta sentença recorrida consta o seguinte:

«(…)
II. Questão prévia
Em sede de julgamento, veio a defesa invocar a prescrição do procedimento criminal. Para tanto, invoca, em síntese, que não obstante B… ter sido constituído arguido por entidade policial, esse ato nunca foi validado pela autoridade judiciária, como assim o impunha o disposto no artigo 58.°, n.º3 do Código de Processo Penal; tal omissão importa a nulidade de tal ato, pelo que, não tendo existido outras causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, quando o mesmo foi notificado da acusação pública, já havia decorrido o prazo de dez anos sobre o cometimento dos factos que lhe são imputados, e, consequentemente, encontra-se prescrito o procedimento criminal.
Aberta vista ao Ministério Público, o mesmo veio
De igual modo, a demandante cível, por requerimento apresentado aos autos em 28.06.2019, com os fundamentos aí aduzidos, conclui pela inexistência da invocada prescrição do procedimento criminal.
Fundamentos fácticos
Com relevo para a decisão a proferir consta dos autos a seguinte tramitação:
No dia 11.02.2016 C… apresentou queixa crime contra B… e a sociedade "D…, Lda.", pelos factos que aí vertidos (cf. fls. de fls. 26 a 27);
Após solicitar documentação junta a um processo executivo (ef. fls.39) e o mesmo junto (cf. fls 40 a 55), por despacho de 3.03.2016, a Digna Magistrada do Ministério Público delegou, através de despacho de natureza genérica (cf. fls.56), na Guarda Nacional Republicana de Paços de Ferreira, competência para a realização das diligências de inquérito com vista à eventual recolha de indícios suficientes da prática de crime;
No âmbito dos poderes que lhe foram delegados pelo Ministério Público, o Órgão de Polícia Criminal no dia 06.06.2016 constituiu arguido E…, tomou-lhe declarações e procedeu à recolha de autógrafos; no dia 13.06.2016, constituiu arguido B…, interrogou-o, com a assistência de Advogada, e procedeu à recolha de autógrafos.
No dia 06.07.2018 o Ministério Público deduziu acusação pública contra B…, imputando-lhe a prática de factos ocorridos em dezembro de 2012, suscetíveis de configurar a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.°, nº 1, alíneas a), c) e e), do Código Penal, punível com pena de prisão até 3 anos.
Fundamentos jurídicos
Cumpre apreciar e decidir.
Determina o artigo 58.° do Código de Processo Penal, sob a epígrafe "Constituição de arguido", o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que:
a) Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal,
b) Tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coação ou de garantia patrimonial,·
c) Um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254 a 261; ou
d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada.
2 - A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º que por essa razão passam a caber-lhe.
3 - A constituição de arguido feita por órgão de polícia criminal é comunicada à autoridade judiciária no prazo de 10 dias e por esta apreciada, em ordem à sua validação, no prazo de 10 dias.
4 - A constituição de arguido implica a entrega, sempre que possível no próprio ato, de documento de que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado, e os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.
5 - A omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova.
6 - A não validação da constituição de arguido pela autoridade judiciária não prejudica as provas anteriormente obtidas.
O crime imputado ao arguido - de falsificação de documento, previsto no artigo 256.°, n.º 1, do Código Penal -, é punível com pena de prisão até 3 anos, motivo pelo qual o respetivo procedimento criminal se extingue por prescrição logo que sobre a prática do crime tiverem decorridos cinco anos (cf. artigo 118.°, n° 1, alínea c), do Código Penal).
Dispõe o artigo 121.°, nº 1, do Código Penal, que a prescrição do procedimento criminal se interrompe (além do mais) com a constituição de arguido
Do compulso dos autos verifica-se que a constituição como arguido de B… efetuada por órgão de polícia criminal, não foi objeto de validação pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 58.°, N.º2, do Código de Processo Penal.
Contudo, há que ter presente que foi apresentada queixa crime directamente nos Serviços do Ministério Público contra B…, após o que a DMMP tendo analisado a mesma, decidiu solicitar mais elementos para serem juntos aos autos. Só após, por despacho de fls. 56, ao abrigo do disposto no artigo 270.°, N.ºs l e 4 do Código de Processo Penal, decidiu a mesma magistrada conferir ao órgão de polícia criminal o encargo de proceder a diligências relativas ao inquérito.
Nestes casos, entendemos que não é uma formalidade essencial à validade do ato de constituição de arguido que o mesmo seja validada pela autoridade judiciária. Isto porque, se foi a própria autoridade judiciária que entendeu, com os elementos juntos aos autos, deverem ser levadas a cabo mais diligências de investigação relativamente aos denunciados, em concreto, e para o que interessa, relativamente a B…, mesmo que o tenha feito por despacho genérico (permitido nos termos do n.º4 do artigo 270.° já supra referido), não faria sentido que fosse essencial que após a constituição do denunciado como arguido, fosse necessário uma validação do que aquela autoridade tinha determinado[1].
E assim, não se verificando a omissão de qualquer formalidade essencial relativamente ao ato de constituição de arguido, verificou-se a interrupção da prescrição nesse dia, ou seja, no dia 13.06.2016, tendo nesta data se reiniciado o prazo de cinco anos. Deste modo decorre à saciedade que ainda não decorreu o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Mas, ainda se diga, que, salvo melhor entendimento, a omissão da validação apenas acarretaria tão só as consequências previstas nos n.ºs5 do supra transcrito artigo 58º isto é, as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova, uma vez que, não tendo cabimento na previsão do artigo 119.°.
Mas, mesmo que se entendesse que se trata de uma nulidade prevista no artigo 120.°, n.º 2., al. d) do mesmo diploma legal, a mesma foi invocada extemporaneamente, conforme assim o determina o n.º3, alínea c), do referido normativo legal.
Face ao exposto improcede a invocada prescrição do procedimento criminal. Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.
(…)»

IV – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que deveria ter sido declarada nestes autos a extinção do procedimento criminal por prescrição, por o prazo respetivo não ter sido interrompido com a constituição de arguido perante órgão de polícia criminal, uma vez que esta constituição não chegou a ser validade pela autoridade judiciária.
Na verdade, os factos por que por que o arguido e recorrente foi condenado remontam a dezembro de 2012. O prazo de prescrição do procedimento criminal relativo ao crime por que o arguido e recorrente foi condenado é de cinco anos (artigos 118.º, n.º 1, c), e 256.º, n.º 1, do Código Penal). Esse prazo interrompe-se com a constituição de arguido (artigo 121.º, n.º 1, a), do mesmo Código). O arguido foi constituído como tal, perante órgão de polícia criminal, em 13 de junho de 2016, Tal constituição não foi validade pela autoridade judiciária, nos termos do artigo 58.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Caso se considere que tal constituição interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal, esta não chegou a ocorrer. Case se considere, pelo contrário, que, por não ter sido validada pela autoridade judiciária, essa constituição não interrompeu a prescrição do procedimento criminal, ocorreu essa prescrição antes da notificação da acusação (o facto subsequente que levaria à interrupção da prescrição do procedimento criminal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do Código de Processo Penal), a qual se verificou já em junho de 2018.
A questão decisiva reside, pois, em saber se a constituição de arguido perante órgão de polícia criminal não validada pela autoridade judiciária nos termos do artigo 58.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, tem, ou não, eficácia interruptiva do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do artigo 121.º, n.º 1, a), do Código Penal.
Alega o arguido e recorrente que essa constituição de arguido perante órgão de polícia criminal não validada pela autoridade judiciária não produz quaisquer efeitos, independentemente do regime de sanação de nulidades. O artigo 58.º, n.º 3, não dispensa dessa validação as situações em que essa constituição de arguido resulta de um despacho prévia do Ministério Público. Em qualquer situação de constituição de arguido perante órgão de polícia criminal será exigível uma supervisão da autoridade judiciária através da respetiva validação, ou não validação.
Considera a douta sentença recorrida, e alega o Ministério Púbico junto do Tribunal de primeira instância na sua resposta à motivação do recurso, que a validação não será necessária se a constituição de arguido se verifica a solicitação do Ministério Público, depois de este ter avaliado a correlação entre a prática do crime indiciado e o suspeito a constituir arguido. Invocam, nesse sentido, a doutrina exposta em Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2.° edição, 2008, pág. 176, em anotação ao artigo 58.°; e Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas dos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, pág. 133.
Na verdade, afigura-se-nos que nestas situações não se justifica a exigência de validação. Esta justifica-se como forma de supervisionar a avaliação dos pressupostos da constituição de arguido (ou seja, a correlação entre a prática do crime indiciado e o suspeito a constituir arguido) por parte do órgão de polícia criminal. Quando essa avaliação já foi feita pela autoridade judiciária previamente, não se justifica a validação.
Ora, no caso em apreço, embora o Ministério Público não tenha solicitado ao órgão de polícia criminal direta e expressamente a constituição como arguido do suspeito B…, tal resultava de forma implícita do despacho genérico de delegação de realização das diligências de inquérito relativas ao crime de cuja autoria este era suspeito. Esse despacho já continha a avaliação dos pressupostos da constituição de arguido em causa, ou seja, a avaliação da correlação entre a prática do crime indiciado e o suspeito a constituir arguido. Por isso, não se justificava uma validação posterior.
Já nos parece menos convincente a argumentação extraída do n.º 5 do artigo 58.º do Código de Processo Penal, o qual estatui que, em caso de não validação da constituição de arguido pela autoridade judiciária, as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova. Não nos parece que deste preceito decorra necessariamente, por interpretação a contrario, que seja esse o único efeito da ausência de validação da constituição de arguido pela autoridade judiciária.
No que diz respeito ao efeito de interrupção da prescrição do procedimento criminal, poderá entender-se que a ratio dessa interrupção se liga à manifestação de vontade do exercício da ação penal que, de forma particularmente inequívoca, decorre da constituição de arguido e que essa manifestação de vontade supõe alguma forma de intervenção da autoridade judiciária, antes (como se verificou no caso em apreço) ou depois de uma eventual constituição de arguido perante órgão de polícia criminal.
Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso.

O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida.

Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C. s de taxa de justiça.

Notifique.

Porto, 15/1/2020
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo
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[1] Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de processo Penal á Luz da Constituição da República ... ", 2. ° edição, pág. 176, em anotação ao artigo 58.°.