Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
575/17.5T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ENTREGA JUDICIAL
FUNDADO RECEIO DE LESÃO GRAVE OU DIFICILMENTE REPARÁVEL
Nº do Documento: RP20170420575/17.5T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º93, FLS.173-180)
Área Temática: .
Sumário: I - O fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável (periculum in mora) não é um facto naturalístico mas um conceito normativo que carece de concretização jurisprudencial em função da factualidade demonstrada, da função instrumental da tutela cautelar, do princípio da efectividade dos direitos e do princípio da utilidade da intervenção judicial.
II - A finalidade da providência cautelar de entrega de veículo cedido em regime de ALD não é acautelar o direito de crédito da requerente mas acautelar o seu direito de propriedade sobre o veículo e o conteúdo próprio desse direito (o direito ao uso e fruição).
III - O tribunal não pode impor à requerente o sacrifício do direito real e a substituição involuntária pela indemnização sucedânea, pelo que não cabe ao tribunal pronunciar-se sobre a possibilidade de a requerente obter um valor que a compense da privação do veículo mas apenas decidir se a tutela provisória do direito real está justificada.
IV - Um veículo automóvel tem natureza perecível e é um bem sujeito a uma contínua desvalorização, pelo que, excepto se algo em contrário tiver sido demonstrado pelo locatário, existe periculum in mora desde que o locatário não tenha procedido à restituição do veículo na sequência da cessação do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 575/17.5T8VNG.P1 [COMARCA DO PORTO / JUÍZO LOCAL CÍVEL DE V. N. GAIA]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B… – Sucursal em Portugal, pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, Amadora, instaurou procedimento cautelar não especificado contra C…, com a identificação fiscal n.º ………, residente em Vila Nova de Gaia, pedindo que se decrete a seguinte providência cautelar: apreensão pela autoridade judicial competente do veículo automóvel Volkswagen, … com a matrícula ..-NO-.. e respectivos documentos e sua entrega à requerente como fiel depositária do veículo.
Para o efeito alegou que celebrou com a requerida um contrato de aluguer de veículo sem condutor, a requerida não pagou as rendas a que se obrigou, razão pela qual a requerente procedeu nos termos previstos no contrato à resolução do mesmo e solicitou a entrega do veículo, a requerida não pagou os valores em dívida e não entregou o veículo, continuando a utilizá-lo, a requerente tentou antes de instaurar a acção recuperar o veículo através de um empresa de recuperação externa especializada que não teve sucesso, a requerida não consegue realizar quaisquer operações de manutenção, revisão e conservação do veículo, a não entrega do veículo impede a requerente de dispor ou retirar dele qualquer rendimento no exercício da sua actividade, sendo que o veículo está a desvalorizar-se e depreciar-se rápida e significativamente.
Foi dispensada a audição prévia da requerida e produzida a prova arrolada pela requerente. Após foi proferida decisão na qual se julgou improcedente o procedimento e se declinou o decretamento da providência.
Do assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A) O tribunal a quo cometeu um erro na apreciação da norma de direito aplicável ao presente caso, nomeadamente com a violação do disposto no artigo 362.º n.º 1 CPC, ao não considerar verificado o requisito de periculum in mora (requisito determinante para decretamento de providência cautelar comum não especificada).
B) O recorrente no exercício da sua actividade comercial celebrou com C…, um contrato de aluguer de longa duração, tendo por objecto a viatura de marca Volkswagen, modelo … com a matrícula ..-NO-...
C) O referido contrato foi incumprido.
D) Perante o incumprimento foi o contrato legalmente resolvido pelo recorrente.
E) A viatura objecto do contrato de ALD celebrado e de propriedade plena do recorrente nunca lhe foi devolvida, sendo que, não houve contacto ulterior por parte da recorrida, que segundo informação dos CTT´s “mudou-se” da morada contratualmente indicada.
F) O contrato celebrado com a recorrida foi um aluguer de longa duração e não um mútuo com reserva de propriedade em que a viatura é vendida a prestações e em que o montante decorrente da sua recuperação e venda serviria para abater ao valor em divida. Ao invés, estando-se perante um ALD, a viatura cuja restituição se requer é do recorrente e há uma separação clara entre, por um lado, os valores de resolução peticionados (rendas vencidas e juros de mora sobre as mesmas e indemnização contratual de 1/3 das rendas vincendas) e por outro, a entrega da viatura.
G) O tribunal a quo considerou não verificado o conceito de periculum in mora tal como disposto no artigo 362.º n.º 1 CPC, pois segue uma visão em que o direito do recorrente a recuperar viatura de sua propriedade é meramente resumido a um direito de crédito de carácter pecuniário, onde a depreciação do veículo e o uso que lhe é dado é uma decorrência “normal” inerente ao risco contratual que é assumido pelo recorrente e que este não logrou provar que a recorrida não tinha património suficiente para solver a sua divida.
H) Mal andou o tribunal a quo nesta matéria.
I) O recorrente deu entrada em tribunal de uma providência cautelar para recuperação de um veículo de sua propriedade, não de uma acção declarativa de condenação para recuperação do valor em divida.
J) Destarte, segue-se nesta matéria o entendimento do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.11.2010 (relatora Teresa Prazeres Pais) in www.dgsi.pt onde se dispõe que “o periculum in mora tem que ser analisado e apreciado relativamente ao direito que é invocado pelo requerente, e não já em relação a qualquer outro direito que daquele seja sucedâneo ou substitutivo, como o direito à indemnização pelos prejuízos daí decorrentes”.
K) No presente caso o fundado receio de perda grave e dificilmente reparável não se refere ao direito de crédito (que consiste em obter o pagamento das rendas vencidas e não pagas pela recorrida bem como o pagamento da indemnização devido pelo incumprimento contratual) mas antes o seu direito de propriedade que incide sobre o veículo não restituído e para o qual se teme, seriamente, que a requerida esteja a fazer varias manobras de ocultação para nunca chegar a entregá-la, com o grave prejuízo daí adveniente.
L) Como é expresso no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 26.02.2015 in www.dgsi.pt “Por conseguinte, a continuação da utilização do veículo por parte da recorrida, sem que a mesma tenha título legítimo para o efeito, pode causar danos patrimoniais graves à recorrente, bastando a matéria de facto indiciariamente provada nos presentes autos para se considerar preenchido o requisito de verificação de uma situação de lesão grave e de difícil reparação do direito de propriedade da Recorrente. (…) O que interessa e é relevante, para aferir do fundando receio de lesão grave e dificilmente reparável, é poder ser afectado o actual direito de propriedade da requerente. Claro que as consequências daquela eventual acção do requerido “serão meramente patrimoniais” como se invoca na decisão recorrida. Mas então, levando ao limite esse raciocínio, de que os danos “serão ressarcíeis por via de uma adequada indemnização em dinheiro”, teríamos de concluir que só quando estivessem em causa bens eminentemente pessoais é que poderia ocorrer o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável e mesmo aí poderia objectar-se que também tais danos serão indemnizáveis”.
M) Uma posição de direito (que nada tem a ver com a factualidade provada) quanto à noção do conceito de periculum in mora como a que é defendida pelo tribunal a quo, inviabilizaria que, no limite, qualquer providência cautelar comum não especificada para recuperação da viatura viesse a ser sempre indeferida, excepto quando estivesse em causa a lesão de bens iminentemente pessoais (que nem serão a regra).
N) Algo com o que não se pode concordar.
O) Ademais, o recorrente não se limitou à circunstância de alegar o incumprimento contratual, as interpelações efectuadas, a resolução operada com as cartas recebidas e ignoradas e o valor em divida. Sem prejuízo de o ter demonstrado e provado (vide factos dados como provados), tendo ido mais longe.
P) A viatura é propriedade do recorrente, registada em seu nome (pois estamos perante um aluguer de longa duração), e este não consegue exercer o controlo sobre aquela, sendo que sabe o recorrente que não são feitas revisões à viatura nem a componente manutenção (vide artigo 22.º da P.I.)
Q) O recorrente tem fundado receio na ocultação da viatura e tem ainda mais receio que a mesma possam ser envolvida em acidente ou manobra menos clara.
R) Uma acção executiva não resolveria o problema, pois sendo a viatura propriedade da recorrente a mesma não poderia ser penhorada.
S) É incontestável que bens como o que é objecto do procedimento cautelar intentado têm uma vida económica limitada, sendo o prejuízo causado ao recorrente gradual e consideravelmente mais elevado com o decorrer do tempo.
T) A verdade é que quanto mais tempo a recorrida tiver a viatura na sua posse (se é que ainda a tem e não a dissipou já), maior é o risco do veículo se estragar e, consequentemente, o direito do recorrente à propriedade do veículo poder ser irremediavelmente colocado em causa, podendo até extinguir-se tal direito, pelo perecimento/desaparecimento do bem.
U) A factualidade alegada e provada pelo recorrente é suficiente para considerar verificado o requisito de periculum in mora nos termos do artigo 362.º n.º 1 CPC.
V) Termos em que, deverá ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo, sendo em consequência decretado o procedimento cautelar para apreensão da viatura de marca Volkswagen, modelo … com a matrícula ..-NO-...
O recurso foi admitido sem a intervenção da requerida, dispensada que foi a sua audição prévia.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se está preenchido o requisito do decretamento da providência cautelar requerida denominado por periculum in mora.
III. Os factos:
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A] No exercício da sua actividade comercial, em 12.03.2013, a requerente celebrou com C… e D… na qualidade de locatária, um contrato de aluguer de longa duração a consumidor com o número ………….., constituído por “Condições Gerais” e “Condições Particulares”.
B] Nos termos do supra referido contrato, a ora requerente acordou com a requerida em proceder à locação da viatura de marca Volkswagen, modelo … com a matrícula ..-NO-....
C] O contrato foi celebrado pelo prazo de 83 (oitenta e três) meses, sendo sobre o montante total do crédito incidiam juros a uma TAN de 6,3307%, pelo que o montante total das rendas a serem pagas por conta da locação do veículo ascendia ao montante de €32.195,21 (trinta e dois mil cento e noventa e cinco euros e vinte e um cêntimos).
D] Ficou acordado entre as partes que o valor mensal do aluguer a ser pago era de €367,12 (trezentos e sessenta e sete euros e doze cêntimos).
E] Ficou convencionado que, em caso de incumprimento do contrato por parte da Requerida de quaisquer obrigações que para si decorressem dos mesmos, a requerente poderia proceder à sua resolução.
F] A requerida deixou de cumprir pontualmente o contrato em 28.03.2014, estando desde essa data em incumprimento.
G] A requerente enviou em 14.11.2014, para a morada contratual da requerida, previamente ao envio da carta de resolução, uma carta a comunicar o incumprimento do contrato para que procedesse ao pagamento das quantias em mora, no prazo de 8 dias, desde a data da recepção.
H] A referida missiva foi recebida.
I] A Requerente procedeu à resolução do contrato, por meio de carta registada com aviso de recepção datada de 04.01.2016, missiva foi recebida pelo locatário D….
J] A carta de resolução remetida a C…, foi devolvida com indicação de “Mudou-se”.
K] Relativamente ao contrato n.º ………….. encontra-se em dívida o montante de €10.179,81 (dez mil cento e setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos) discriminado da seguinte forma: valor da divida identificado na carta de resolução €8.840,38; Juros de mora desde a carta de interpelação até à data de preenchimento à TAN do contrato 6,33% + sobretaxa de 3% nos termos do artigo 8.º do Decreto-lei 58/2013 sobre o valor de €4.578,38 (rendas vencidas e não pagas. Sobre os outros valores parcelares tal não é viável e/ou ilegal); a resolução é de 04.01.2016, pelo que, os juros serão sobre aquele valor até 04.04.2016, €106,50; Valor de comissões previsto no preçário do Banco, a saber €1.232,93.
L] A Requerente está sem a viatura objecto do contrato, não a tendo recuperado.
IV. O mérito do recurso:
A requerente instaurou um procedimento cautelar não especificado destinado ao decretamento judicial da providência cautelar da apreensão de um veículo automóvel e sua entrega a um fiel depositário.
Para fundamentar esta sua pretensão, alegou que o veículo a apreender lhe pertence, entregou-o à requerida para que o usasse ao abrigo de um contrato de aluguer de veículo sem condutor com ela celebrado, esta incumpriu a obrigação de pagamento dos alugueres previstos no contrato, a requerente resolveu o contrato com esse fundamento e solicitou a entrega do veículo mas a requerida não lhe entregou o veículo.
Na petição inicial a requerente alegou ainda que «numa fase de pré-contencioso … teve uma empresa de recuperação externa especializada a tentar recuperar a viatura, não tendo tido qualquer sucesso nesta matéria» (artigo 20.º), que «a requerida não consegue realizar quaisquer operações de manutenção, revisão e conservação relativamente ao veículo, pois sabe que terá de o entregar ao requerente (a rede oficinas comunica ao locador quando é accionado um serviço de manutenção)» (artigo 22.º) e ainda que «a não entrega do veículo está a causar à requerente os seguintes prejuízos: a) está esta impossibilitada de dispor dos veículos e deles tirar qualquer rendimento no exercício da sua actividade; b) estão os veículos a desvalorizar-se e a depreciar-se rápida e significativamente por cada dia que passa» (artigo 35.º).
Estes factos, com relevância para o preenchimento dos requisitos do procedimento cautelar, foram julgados não provados na decisão recorrida (na qual se afirma, sem fundamentação, que «não se provaram quaisquer outros factos»). No recurso a recorrente não impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto (não revela essa intenção e não a concretiza mediante o cumprimento dos requisitos específicos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto), razão pela qual, para efeitos de conhecimento do recurso, tudo se deverá passar como se estes factos não tivessem sido sequer alegados, não podendo a Relação fundamentar a sua decisão senão nos factos julgados provados.
Refira-se, no entanto, que isso não quer dizer que a Relação não possa usar na sua decisão factos notórios ou que possa deduzir dos factos provados mediante simples presunção natural ou mesmo por mera conclusão de facto formada a partir dos factos provados. Temos em mente, especificamente, o facto de os veículos automóveis terem hoje um tempo de vida relativamente escasso em termos de utilização e sofrerem uma desvalorização rápida e acentuada sobretudo no que concerne ao valor comercial dos veículos comuns, de valor médio e uso massificado, factos que consideramos notórios. E ainda o facto de a requerente estar impedida de usar e dispor do veículo que lhe pertence mas que, não obstante a extinção do contrato de aluguer por resolução, não lhe foi entregue, o que constitui uma conclusão de facto óbvia já que ninguém pode usar e dispor de algo que não tem!
Dito isto, convém recordar que a única questão suscitada no recurso e que cumpre decidir é se o mero facto de o veículo automóvel não ter sido entregue à respectiva proprietária, numa circunstância em que esta tem o direito de exigir a entrega do mesmo e a recuperação plena das faculdades inerentes ao seu direito real, constitui fundamento bastante para o decretamento da providência cautelar da entrega do veículo. Por outras palavras, se a não entrega do veículo preenche o requisito do periculum in mora.
Não existe controvérsia de que o contrato celebrado entre a requerente e a requerida é um contrato que nos usos comerciais se denomina de contrato de aluguer de longa duração. Trata-se de um contrato que não se confunde com o contrato de aluguer de veículos de passageiros sem condutor, designado por rent-a-car (previsto e regulado no Decreto-Lei n.º 181/2012, de 6 de Agosto, cujo artigo 1.º, n.º 2, alínea c), exclui do seu âmbito precisamente os «contratos de prestação de serviços de aluguer de longa duração, também designados de ALD ou renting», entendendo-se como tais aqueles em que o aluguer tem duração «igual ou superior a 12 meses») nem com o contrato de locação financeira cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
No dizer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.04.2010 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, estamos confrontados «fundamentalmente com um contrato atípico, originando as referidas estipulações das partes, decorrentes do exercício da liberdade e autonomia contratual, um negócio materialmente unitário, consubstanciado num conjunto jurídico-económico em que se verifica clara dependência funcional do aluguer relativamente à compra que constitui fim último dos contraentes, e que deveria ocorrer, de forma potestativa, no termo normal da relação contratual de aluguer – implicando ainda que as sucessivas rendas pagas integrem um plano de amortização que contempla o preço do veículo, bem como a remuneração do capital de financiamento concedido, - e não, como seria típico da mera locação, o pagamento do estrito valor locativo associado à cedência e temporária fruição do gozo do bem».
No contrato de aluguer de longa duração a propriedade do veículo objecto do mesmo conserva-se na titularidade do locador até ao termo do contrato e o locatário apenas tem o direito obrigacional de gozo do veículo que o contrato lhe proporciona. Terminando o contrato de aluguer, cessa o direito do locatário ao gozo do veículo, sem prejuízo da aquisição do respectivo direito de propriedade na sequência do exercício do direito obrigacional de opção ou de promessa de compra e venda do veículo celebrado concomitantemente com a locação. No caso, resulta que o contrato de aluguer se extinguiu antes do respectivo prazo por resolução do locador com fundamento no incumprimento pelo locatário da obrigação de pagamento do valor do aluguer mensal previsto no contrato de locação.
Os procedimentos cautelares são processos judiciais destinados a conferir aos interessados uma tutela provisória dos respectivos direitos. Como escreve Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil – Procedimento Cautelar Comum, III vol., Almedina, 1998, pág. 35, os procedimentos cautelares “representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (“summaria cognitio”) da situação de facto que permita concluir pela provável existência do direito (“fumus boni juris”) e pelo receio de que tal direito seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma medida cautelar (“periculum in mora”).
Nos termos do artigo 362.º do Código de Processo Civil, as providências cautelares não especificadas podem ser requeridas «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito», situação em que «pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado».
Acrescenta o artigo 365.º que na petição, o requerente deve oferecer prova sumária do direito ameaçado e justificar o «receio da lesão». No tocante à decisão, o artigo 368.º prescreve que a providência é decretada desde que haja «probabilidade séria da existência do direito» e se mostre «suficientemente fundado o receio da sua lesão».
O decretamento da providência cautelar não especificada tem assim como requisitos a probabilidade séria da existência do direito invocado que se pretende acautelar – fumus boni iuris – e o fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável desse direito - periculum in mora –. É ainda necessário que a providência seja concretamente adequada para assegurar a efectividade do direito.
Por vezes é referido que são ainda requisitos da providência cautelar a insusceptibilidade de a providência gerar um prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar e, no caso dos procedimentos comuns, a inaplicabilidade de qualquer dos procedimentos cautelares típicos, mas preferimos qualificar estas circunstâncias como excepções impeditivas do decretamento da providência e não como pressupostos da mesma.
Quanto ao requisito do periculum in mora, entende-se que o fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável não é um facto naturalístico, mas antes um conceito normativo que carece de concretização jurisprudencial em função da factualidade demonstrada, da função instrumental da tutela cautelar, do princípio da efectividade dos direitos que constitui elemento destes e justificação da tutela cautelar, quando necessária, e do princípio da utilidade da intervenção judicial que conduz à rejeição de situações em que a afirmação dos direitos acabe por ser meramente platónica.
Segundo o afirmado no Acórdão da Relação de Lisboa de 04.12.2012 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, o periculum in mora é um «conceito jurídico indeterminado gradativo, “carecido de preenchimento valorativo” a fazer no confronto do caso concreto, à luz dos padrões socioculturais do tipo de comportamento ou situação social relevante e da teleologia subjacente à norma em que se inscreve (…). Nessa perspectiva, não se deverá partir de uma bitola genérica, meramente abstracta, mas antes tomar em linha de conta as particularidades da situação singular em presença, de forma a perscrutar nelas os sinais apelativos de uma justiça equitativa que permita, de algum modo, a aplicação flexível da norma, num esforço de conciliação ou síntese entre os valores ético-sociais e o direito. Há, no entanto, que evitar interpretações arbitrárias e por isso recorrer a directrizes objectiváveis e sustentadas numa base de razão prática. Por isso, a doutrina e jurisprudência têm firmado o critério de que a lesão relevante se tem de situar num padrão de gravidade qualificada pela difícil reparabilidade dos danos ocorridos ou previsíveis, não se bastando com uma simples lesão nem com uma lesão de gravidade reduzida».
Também se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2006 (Salvador da Costa), in www.dgsi.pt, que “a gravidade da previsível lesão deve aferir-se à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo em conta que, no concernente aos prejuízos materiais, eles são, em regra, passíveis de ressarcimento através de restituição natural ou de indemnização substitutiva”. O que releva, portanto, não é a natureza dos prejuízos que o requerente poderá sofrer até à decisão definitiva sobre o direito, mas a sua repercussão na esfera jurídica do requerente.
Nesse sentido, afirma-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.11.2011 (Pinto dos Santos), in www.dgsi.pt, que “para a concretização do que se deve entender por lesão dificilmente reparável podem ser apontados dois critérios: a) um critério subjectivo que atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente; b) um critério objectivo, aferido em função do tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente, o que significa que dependerá da natureza do direito alvo dessa lesão e da sanção que a ordem jurídica impõe para reparação do dano decorrente da lesão, sendo admissível o recurso à tutela cautelar, sempre que a reparação da lesão possa implicar a chamada reintegração por sucedâneo”.
A Mma. Juiz a quo fundamentou assim a sua decisão de considerar não preenchido o requisito do periculum in mora:
«[…] a alegação do requerimento inicial, quanto ao periculum in mora não invoca os factos que, passíveis de prova, pudessem conduzir a acção ao desiderato pretendido pela requerente. De facto não se mostra alegada, nem provada, factualidade suficiente para permitir concluir pela provável existência de lesão grave e dificilmente reparável no direito da requerente.
E isto porque este fundado receio de lesão grave, dificilmente reparável, tem que provir de factos que atestem perigos reais e certos, relevando tudo de uma apreciação ponderada, regida por critérios de objectividade e normalidade. Ensinando Lebre de Freitas ("Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, 6) que a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada têm de apontar para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente a qualquer acção; um risco que não seja razoável exigir que seja suportado pelo titular do direito (cf. os Ac da RP de 14-10-03 e 21-12-04, disponíveis na base de dados da DGSI, in www.dgsi.pt).
A assim não ser a toda a acção corresponderia o seu procedimento cautelar, o que de forma alguma foi ou é a intenção do legislador quando na lei os consagrou.
E, como se pode ler no Ac. da RP de 19-04-2007 (em www.dgsi.pt), o "facto de ser normal que a continuação do uso do veículo pela recorrida lhe causa depreciação, só por si nada diz, até porque também é certo que a recorrida continua obrigada a pagar as prestações do aluguer durante o período de utilização— ou, pelo menos, as correspondentes indemnizações. O risco de perda ou deterioração da viatura é um risco do próprio negócio, risco inerente ao próprio gozo da viatura. Nada se (…) demonstra que, in casu, se vá além do risco normal".
A normal depreciação do veículo, por força do uso que lhe é dado é obviamente susceptível de causar dano à requerente. Mas são danos que esta facilmente compensará pela via indemnizatória. E o mesmo se diga quanto ao prejuízo resultante da impossibilidade de afectar o automóvel a outros negócios. Assim, restaria à requerente a prova de factos de onde resultasse a impossibilidade ou a grande dificuldade em conseguir o pagamento de tais quantias por parte da requerida, que a requerente, em concreto, sequer alegou.
Como também se refere no Acórdão a que se tem vindo a fazer referência teria, assim, a "requerente de alegar factos demonstrativos de que o facto de a locatária ter deixado de pagar as rendas contratadas indiciava fortemente que a sua capacidade para solver futuramente o crédito - a título das prestações já vencidas ou a título de indemnização -, a que a locadora tem direito, era completamente inexistente, por inexistência de meios para solver a dívida".
No entanto, não prova, nem alega a requerente, que a requerida não tenha património suficiente para solver a sua dívida. E não pode a mesma deduzir-se sem mais do facto de ter o requerido deixado de cumprir as suas obrigações para com ela (tanto mais que pode ter património imobiliário, por exemplo, e que nenhum facto é alegado no sentido de que esteja a dissipar essa sua garantia geral de pagamento aos seus credores).»
Como resulta desta fundamentação, a mesma tem o seu acento tónico no entendimento de que o direito da autora é essencialmente um direito de crédito (composto pelo valor do veículo, pelo montante dos alugueres em dívida e pelo montante da indemnização pela não entrega do veículo), que em condições normais este pode ser satisfeito coercivamente em momento posterior e que não está provado nenhum facto justificativo de que a satisfação desse direito de crédito se encontra em sério risco.
Sem prejuízo de melhor opinião, não cremos que deva prevalecer esta leitura.
A requerente da providência não é apenas titular de um direito de crédito é também e antes de mais titular do direito real de propriedade sobre o veículo cuja entrega reclama. E a finalidade da providência requerida não é acautelar o direito de crédito (composto pelo valor dos alugueres vencidos e não pagos e pelo montante das indemnizações pelo incumprimento do contrato de aluguer de veículo), mas sim acautelar o direito de propriedade sobre o veículo e o conteúdo próprio desse direito (o direito ao uso e fruição conforme o proprietário entender).
Pretender que se o veículo não for entregue à requerente esta terá o direito de reclamar a correspondente indemnização e consequentemente o direito da requerente é ainda e sempre um direito de crédito é, com todo o devido respeito, misturar e confundir o conteúdo do direito (real) que existe com o conteúdo do direito (obrigacional) que passará a existir se aquele for violado, mas como sucedâneo do não respeito devido por aquele direito e não como substituto do direito.
A requerente é proprietária do veículo, logo tem a faculdade jurídica de o utilizar e de dispor dele conforme entender, da mesma forma que goza do poder jurídico de impor a qualquer pessoa o respeito por esse direito e a abstenção de o colocar em risco. Ao alugar o veículo à requerida a requerente fez uso desse poder, mas o direito de gozo do veículo que a requerida adquiriu é meramente obrigacional e o seu regime acompanha as vicissitudes da relação contratual que lhe está na génese, de modo que extinto o contrato cessa esse direito ao gozo do bem alheio e o respectivo proprietário recuperar na íntegra as faculdades de gozo, fruição e disposição do bem que lhe pertence.
O proprietário cujo direito de propriedade é violado ilicitamente por um terceiro pode reclamar deste a indemnização dos danos causados pelo comportamento do terceiro, mas também pode, em simultâneo e cumulativamente, exigir do terceiro que cesse a violação e que se abstenha de afectar o conteúdo jurídico do seu direito de propriedade. Um direito não prejudica nem substitui o outro; cada um deles tem a sua própria natureza jurídica, o seu regime de tutela e pode ser defendido de forma autónoma.
Quando a requerente pede a entrega do veículo está a defender o seu direito de propriedade sobre o veículo, não o seu direito de crédito decorrente do não cumprimento do contrato de aluguer, sendo certo que o direito à restituição é o direito de recuperar o bem como coisa íntegra, útil e utilizável, e não como coisa imprestável, inutilizável ou apenas sucata.
Não resulta da ordem jurídica e o tribunal não pode impor à requerente o sacrifício do direito real e a substituição involuntária pela indemnização sucedânea! Por conseguinte, o que cabe ao tribunal decidir não é se a requerente pode por outra via obter um valor que a compense da privação do veículo e da afectação do conteúdo do seu direito real de propriedade, mas apenas se a tutela provisória do direito real está justificada porque a requerente tem o direito de obter do tribunal a tutela do direito de que é titular, não do direito que lhe querem impor.
Nessa medida, o periculum in mora exigível não é aquele que se prende com o risco de satisfação do direito de indemnização (se a devedora tem património para pagar) mas apenas o que se reporta ao risco de afectação grave e dificilmente reparável do direito de propriedade.
Sustentar que a própria celebração do contrato já importa o risco de perda do bem no decurso da sua utilização pelo locatário (o que sendo verdade nada nos diz porque a entrega do veículo, conforme o proprietário tem direito que aconteça, visa precisamente por termo a esse risco) ou que a duração de qualquer acção importa sempre o risco de lesão do direito a reconhecer através dela, sendo necessário para o decretamento da providência um risco acrescido ou significativo, é, com todo o devido respeito, uma adulteração do que importa para decretar ou não a providência (se é fundado o receio de uma lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade) e, sobretudo, uma negação da função instrumental e de tutela provisória dos direitos dos procedimentos cautelares cujo critério de aferição deve ser o do direito cuja defesa se intenta através do procedimento e não a especulação sobre vias alternativas de alcançar o sucedâneo indemnizatório do direito.
Existe quem defenda que o procedimento cautelar de apreensão e entrega de veículo objecto de um contrato de aluguer de longa duração, como o que aqui nos ocupa, está subordinado aos mesmos requisitos da providência similar relativa a veículos objecto de contrato de locação financeira (artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho[1]) ou mesmo a veículo vendidos com garantia hipotecária do veículo ou reserva da respectiva propriedade (artigos 15º, nº 1, e 16º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 54/75, de 24 de Fevereiro[2]). É o caso do Acórdão da Relação de Coimbra de 23.09.2008 (Teles Pereira), in Colectânea de Jurisprudência online, que ancora essa interpretação no «princípio constitucional da igualdade» que nega ao legislador a possibilidade de «distribuir arbitrariamente este tipo particularmente intenso de tutela por umas situações, negando-a a outras situações absolutamente semelhantes».
Outros, porém, recusam aplicar aos procedimentos cautelares relacionados com a cessação dos contratos de aluguer de longa duração o regime especificamente previsto para os contratos de locação financeira ou de compra e venda com garantia hipotecária ou reserva de propriedade, considerando que estes possuem um regime excepcional que não é aplicável por analogia àqueles. É o caso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.01.2016 (Rodrigues Pires), in www.dgsi.pt, para o qual «se a intenção do legislador tivesse sido a de permitir no âmbito do contrato de ALD o recurso a estes procedimentos cautelares … não teria deixado de o fazer, …alterando o Dec. Lei nº 149/95 ou alterando o regime jurídico da própria actividade de aluguer de veículos de passageiros sem condutor, de modo a consagrar tal possibilidade».
Como quer que seja, o que é irrecusável é que a ordem jurídica nos oferece duas situações em que o legislador entendeu que o veículo automóvel tem natureza perecível e é um bem sujeito a uma contínua desvalorização, o que justifica algum tratamento especial no decretamento de providências de recuperação do veículo e sua entrega ao proprietário ou a fiel depositário para evitar o risco de perecimento e/ou desvalorização quase total que corre se apenas em virtude da decisão definitiva vier a ser apreendido, sem que a locadora tenha tido qualquer proveito com a utilização indevida. Ora cremos que este dado não pode se desprezado pelo aplicador do direito, sobre o qual recai a obrigação de na interpretação da lei ter sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º do Código Civil).
No Acórdão da Relação do Porto citado por último, num caso praticamente idêntico ao que nos ocupa, entendeu-se que «o facto notório de um veículo automóvel ser um bem de rápida deterioração e desvalorização não dispensa o requerente da prova do “periculum in mora”, se não estiver associado à alegação e prova da inexistência de meios para o requerido solver a dívida ou de que era seu propósito a dissipação do veículo» e que «o requerente tinha de alegar e provar factos dos quais resultasse que o locatário, que não procedeu à devolução do veículo automóvel depois de resolvido o contrato de ALD, tornou impossível ou muito difícil o ressarcimento dos prejuízos sofridos, em consequência da demora na entrega desse veículo que continua a utilizar ou que era seu intento dissipá-lo».
No voto de vencido constante do aludido Acórdão, a Sr.ª Juíza Desembargadora Márcia Portela defende, ao invés, que «é legítimo recorrer às regras de experiência para considerar provado o periculum in mora nos procedimentos cautelares relativos a aluguer de veículos. Com efeito, nos procedimentos cautelares especificados previstos no artigo. 16.° Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, e 21.° do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, o legislador presumiu juris et de jure a existência desse requisito por ponderar a óbvia natureza perecível do objecto da providência e a sua fácil ocultação e dilapidação (…). Ora, não havendo diploma específico para o ALD, e sendo os credores reconduzidos para o procedimento cautelar comum, parece-me perfeitamente legítimo recorrer às mesmas regras de experiência de que o legislador lançou mão para considerar que se encontra verificado o periculum in mora naqueles procedimentos especificados: a natureza perecível do automóvel, bem de rápido desgaste, em que o valor decai substancialmente com o decorrer do tempo, independentemente de outras vicissitudes, como o risco associado à condução. Parece-me que a unidade do sistema jurídico (cfr. artigo. 8.°, n.º 3, CC) reclama solução idêntica para situações tão similares, em que a única divergência é o modelo contratual escolhido. (…) Não me parece adequando colocar a tónica na possibilidade de reintegração do património do credor através da indemnização pecuniária, pois o que está em causa não é o risco de perda da garantia patrimonial, como no arresto, mas sim a integridade do direito de propriedade do credor. Não se questiona que os danos sejam ressarcíveis por via indemnizatória, mas não parece ser essa a questão. Na verdade, este entendimento esvaziaria o procedimento cautelar comum, conferindo tutela a credor apenas quando houvesse risco de a indemnização pela lesão que pretende evitar não poder ser satisfeita pela via indemnizatória, o que seria residual, reconduzindo-se ao arresto. (…) Ora, não foi requerido arresto mas sim apreensão do veículo automóvel locado. O que o requerente pretende, em primeira linha, não é salvaguardar um crédito futuro, mas evitar que esse crédito futuro se constitua, recuperando o direito de propriedade sobre o veículo que lhe pertence. Direito que o legislador reconhece ao locador financeiro e ao vendedor com reserva de propriedade, não se vislumbrando fundamento material bastante para distinguir as situações
Pelas razões que expusemos, a nossa posição coincide inteiramente com a manifestada neste voto de vencido, a qual, a nosso ver, situa com rigor a sede e o objecto da problemática suscitada. Seguindo esse entendimento, atenta a natureza dos veículos automóveis, a sua rápida e fácil depreciação e os riscos inerentes à sua utilização por terceiros para circulação nas vias rodoviárias, podemos concluir que a mera circunstância de um terceiro se recusar a entregar o veículo ao seu proprietário apesar de não ter mais qualquer direito obrigacional que lhe confira legitimamente o gozo do veículo ou qualquer título para conservar a sua posse e utilização, constitui uma ameaça fundada de lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade do requerente da providência, sendo por isso bastante para o preenchimento do requisito do periculum in mora para o decretamento da providência de entrega.
Procede assim o recurso, devendo a decisão recorrida ser alterada no sentido do deferimento da providência cautelar.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento ao recurso, julgam o procedimento cautelar procedente e decretam a providência cautelar de apreensão do veículo automóvel Volkswagen … com a matrícula ..-NO-.. e respectivos documentos e sua entrega à requerente como fiel depositária.
Custas do recurso a atender, a final, na acção principal e pela parte aí vencida (tabela I-B).

Porto, 20 de Abril de 2017.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto340)
Inês Moura
Paulo Dias da Silva
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[1] Segundo esta norma, findo o contrato por resolução, se o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, este pode requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente. Para o efeito, de acordo com os números 2 e 3 da norma, o locador só tem de oferecer prova sumária dos requisitos da providência e o tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação desses requisitos, que são os referidos no n.º 1. São, pois, requisitos necessários e suficientes do decretamento da providência de entrega judicial do bem ao locador financeiro a resolução do contrato de locação financeira por incumprimento do locatário e a não restituição do bem ao locador, não sendo necessário demonstrar a existência de qualquer periculum in mora, como sucede na comum das providências cautelares [neste sentido cf. Acórdão da Relação do Porto de 12.11.2008 (Teles de Meneses) in Colectânea de Jurisprudência, n.º 210, Tomo V/2008, e Gravato Morais, in Manual De Locação Financeira, pág. 244 e seg.].
[2] «15.º. 1 - Vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula.» «16.º. 1. Provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo».