Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
172/18.8T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: REVELIA
APROVEITAMENTO DA CONTESTAÇÃO POR OUTROS RÉUS
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
DESISTÊNCIA SOB CONDIÇÃO
Nº do Documento: RP20190226172/18/18.8T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 874, FLS 143-154)
Área Temática: .
Sumário: I - Quando, havendo vários réus, somente um deles contestar, os factos impugnados pelo réu contestante consideram-se impugnados a favor dos demais qualquer que seja a sorte da ação em relação ao contestante.
II - A situação de revelia e os seus eitos aferem-se à data da contestação e perduram até à decisão final do processo, razão pela qual fica vedado o desentranhamento da contestação, ainda que sob requerimento do seu apresentante.
III - Se o autor desiste do pedido que formulou contra o réu contestante e ele é, por isso, absolvido do pedido, a situação de revelia não operante do réu não contestante subsiste, tendo o autor de provar, em sede de audiência de julgamento, os factos que lhe imputa.
IV - Não é admissível a homologação da desistência do pedido sob condição de desentranhamento da contestação apresentada pelo réu contestante, pois, constituindo a desistência um ato jurídico unilateral, ele é incondicionável, viciado por nulidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 172/18.8T8OVR
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Cível de Ovar

Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
B... e marido, C..., residentes na Rua ..., ..., ..., ....-... ..., propuseram a presente ação de declarativa, sob a forma de processo comum, contra D..., S.A., com sede na Avenida ..., ..., ....-... Lisboa, e E..., S.A., com sede na Avenida ..., n.º ., .., .... – ... Lisboa. Alegaram, em síntese, que celebraram com a F..., S.A. um contrato de seguro do ramo multi-riscos/habitação, com início em 27/04/2010 e renovável automaticamente, sob a apólice com o n.º ............ No dia 23/09/2015, ao chegarem a casa viram-se confrontados com o arrombamento da porta e a falta de diversos bens, pelo que contactaram as autoridades e ao local deslocou-se uma patrulha da G.N.R. Mais referiram que também celebraram com a E..., S.A., no ano de 2010, renovável, um contrato de seguro de habitação “E1...”, sob a apólice n.º .../......../....
Concluíram pedindo:
«a) Ser declarado válido e em vigor, à data do sinistro, o contrato de seguro celebrado pelos Autores com a Ré D..., S.A. titulado pela apólice nº ..........., mediante o qual os Autores transferiram a responsabilidade em caso furto ou roubo;
b) Ser declarado válido e em vigor, à data do sinistro, o contrato de seguro celebrado pelos Autores com a Ré E..., S.A. titulado pela apólice n.º .../......../..., mediante o qual os Autores transferiram a responsabilidade em caso furto ou roubo;
c) Serem a Ré D..., S.A. e a Ré E..., S.A. condenadas, a pagar aos Autores a quantia de 39.841,59 (trinta e nove mil euros oitocentos e quarenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos) relativa aos danos por estes sofridos resultante do furto ocorrido no dia 23 de Setembro de 2015, a coberto das apólices de seguro contratadas para o efeito;
d) Serem as Rés condenadas no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia referida em c), até efectivo e integral pagamento».

A E..., S.A, contestou, aceitando ter celebrado apenas com a Autora o contrato de seguro cujo objeto é o recheio do imóvel da segurada, sito na Rua ..., ..., .... Recebeu a participação de um sinistro ocorrido em 22/09/2015 e levou a cabo a respetiva peritagem. A F... fez a peritagem aos danos no imóvel, mas em 13/01/2017 informou que não efetuou qualquer pagamento por conta do contrato de seguro e a contestante também não regularizou o sinistro. Porém, a falta de regularização não se ficou a dever apenas a responsabilidade das rés, mas também à falta de apresentação de documentação, imputável aos Autores. Não aceita, contudo, os valores reclamados, por serem excessivos.

Citada, a Ré D..., S.A. não contestou.

Em 27/09/2018, foi junto aos autos requerimento subscrito pelos mandatários dos Autores e da Ré E..., S.A. com o seguinte teor: «1. No pressuposto de que seja retirada ou desentranhada e considerada sem efeito a contestação da 2,ª ré E..., que assim o requer, os Autores desistem do pedido contra a 2.ª ré, o que esta aceita. 2. Os AA. prescindem de alegações».

A Ré D..., S.A., constituindo mandatário, respondeu, alegando opor-se ao desentranhamento da contestação da E..., nomeadamente por não poder o Tribunal atender a um pedido de desentranhamento ofensivo dos ditames da boa-fé processual e da descoberta da verdade material. Não invocaram qualquer motivo para o desentranhamento da contestação deduzida pela 2.ª Ré E..., limitando-se a sujeitar a desistência do pedido àquela condição e sem alegação de qualquer factualidade que possa justificar a decisão de desentranhamento da contestação. Concluiu que deverá ser indeferido o pedido de desentranhamento da contestação deduzida, porque a impugnação de tais factos continuará a aproveitar-lhe, prosseguindo contra si o processo. O fim pretendido pelos requerentes é legalmente inaceitável, por conduzir a um resultado processualmente injusto e contrário ao espírito do sistema e à lei.

Pronunciando-se, a Ré E..., S.A. defendeu o deferimento do seu requerimento e dos Autores (desistência do pedido contra si formulado, bem como o desentranhamento da sua contestação, por não se verificar a situação concreta prevista no artigo 568º, alínea a), do Código de Processo Civil, a qual só relevaria se a contestação continuasse a figurar nos autos.

Em 25/10/2018 foi proferido o seguinte despacho: «Em 27.09.2018, a 2.ª Ré veio retirar a contestação que havia apresentado (fls. 30 e segs.) e requerer que a mesma seja dada sem efeito.
Os autores deram a sua concordância a tal requerimento e a 1.ª ré (que não contestou a ação, mas veio agora constituir mandatário e intervir nos autos) veio opor-se à pretensão da 2.ª ré.
A pretensão da 2.ª ré é legalmente admissível, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 283.º do Código de Processo Civil. Efetivamente, está na livre disponibilidade da 2.ª ré pedir a retirada da contestação que apresentou, da mesma maneira que poderia confessar em qualquer altura da ação factos que previamente havia impugnado.
Em face do exposto, defiro o requerido pela 2.ª ré e declaro sem efeito a contestação de fls. 30 e segs.
Notifique e anote a fls. 30.
*
Através do requerimento de 27.09.2018, os autores vieram desistir do pedido que formularam contra a 2.ª ré e esta veio aceitar tal desistência.
O presente litígio não versa sobre direitos indisponíveis.
A pretensão dos autores é legalmente admissível, à luz do disposto no artigo 283.º do Código de Processo Civil, sendo aqueles livres de desistir do pedido, sem necessidade de a desistência ser aceite pela parte contrária (cf. o n.º 2 do artigo 286.º do mesmo Código).
Foi observada a forma de desistir prescrita pelo n.º 1 do artigo 290.º do Código de Processo Civil.
O ilustre mandatário dos autores está munido de procuração com os poderes que o n.º 2 do artigo 45.º do mesmo Código exige para desistir do pedido – cf. a procuração constante de fls. 25 verso.
Em face do exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 283.º, no n.º 1 do artigo 285.º, no n.º 1 do artigo 289.º (a contrario) e no n.º 3 do artigo 290.º do Código de Processo Civil, julgo válida e homologo a desistência do pedido formulado pelos autores contra a 2.ª ré, dele absolvendo esta.
As custas serão fixadas a final.
Registe e notifique.
*
Nos termos previstos no artigo 566.º do Código de Processo Civil, consigno que a 1.ª ré foi regularmente citada, por via postal (cf. fls. 29).
A 1.ª ré não apresentou contestação no prazo fixado na lei para o efeito.
A 2.ª ré retirou a sua contestação e foi proferido despacho declarando a mesma sem efeito.
Assim, a revelia da 1.ª ré é operante, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 567.º e no artigo 568.º do Código de Processo Civil, sendo que os factos alegados na petição inicial necessitados de prova documental estão provados pelo documento junto a fls. 8 e 9 (contrato de seguro) e pelo documento de fls. 11 e 12 (processo de inquérito aberto na sequência do furto).
Nos termos previstos no n.º 2 do artigo 567.º do Código de Processo Civil, concedo aos ilustres mandatários dos autores e da 1.ª ré o prazo de 10 dias para, querendo, apresentarem alegações escritas».

Irresignada, a Ré D..., S.A. apelou da decisão recorrida, rematando a sua alegação deste modo:
«1 – Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Meritíssimo Tribunal a quo, na parte em que:
- Declarou sem efeito a contestação da 2ª ré “E...”;
- Julgou válida e homologou a desistência do pedido relativamente à 2ª ré “E...”, absolvendo a mesma do pedido;
- Declarou operante a revelia da 1ª ré “D...”, ora recorrente, e considerou os factos alegados na petição inicial carecidos de prova documental provados por documento.
2 – Com todo o devido respeito por opinião contrária, o despacho recorrido padece de vício de nulidade, por omissão de pronúncia – art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
3 – Em qualquer caso, considera a recorrente que foram praticados dois actos que a lei não prevê nem admite, susceptíveis de influir na decisão da causa e, como tal, nulos, nos termos do disposto no artigo 195.º do Cód. Proc. Civil, concretamente: - A “retirada da contestação” da única Ré contestante do processo; - O despacho proferido pelo Meritíssimo Tribunal a quo que declarou sem efeito essa contestação.
4 – No entender da recorrente, o despacho sub judice contempla, ainda, uma errada interpretação e aplicação da lei, concretamente do disposto nos artigos 568.º, alínea a), com referência ao artigo 567.º, ambos do CPC, configurando verdadeiro erro de julgamento, nos termos que nos propomos demonstrar infra.
Enquadramento da presente lide
5 – A factualidade relevante para análise e decisão do presente recurso é a seguinte, que resulta da consulta do histórico dos autos:
1. Os Autores intentaram a presente acção de processo comum contra a 1.ª Ré “D...” e a 2.ª Ré “E...”, peticionando a condenação de ambas a pagar a quantia global de € 39.841,59, alegando, para tanto, e em resumo, o seguinte:
• Que celebraram com a 1.ª Ré “D...”, e ora Recorrente, o contrato de seguro, do ramo multi-riscos/habitação, titulado pela apólice n.º ..........., com início em 27.04.2010 e renovável automaticamente;
• Que celebraram com a 2.ª Ré “E...” o contrato de seguro de habitação “E1...”, titulado pela apólice n.º .../......../..., com início em 2010, automaticamente renovável;
• Que ambas as apólices têm como local de risco a residência dos Autores sita na Rua ..., n.º ..., ..., Ovar;
• Que ambas as apólices contemplam a cobertura de furto;
• Que, no dia 23.09.2015, o local de risco foi alvo de um furto, tendo sido furtados diversos bens que compunham o recheio do dito imóvel, que elencam e cujos prejuízos advenientes avaliam num total de € 39.841,59;
• Que ambas as apólices cobrem os prejuízos havidos, a da “D...” pelo capital máximo garantido de € 38.100,00, e a da “E...” pelo capital máximo garantido de € 65.238,66.
2. Ambas as Rés foram regularmente citadas.
3. A 2.ª Ré “E...” deduziu, tempestiva e eficazmente, contestação nos autos, impugnando especificadamente grande parte dos factos alegados na petição inicial.
4. A 1.ª Ré “D...”, ora Recorrente, não contestou.
5. No dia 13.09.2018, a 1.ª Ré “D...” veio juntar aos autos procuração forense e cópia das Condições Gerais e Especiais do contrato de seguro celebrado (tal como requerido pelos Autores), esgrimindo as suas razões de Direito para que não se considerassem confessados os factos que a 2.ª Ré “E...” impugnou, atento o disposto no artigo 568.º, alínea a), com referência ao artigo 567.º, ambos do CPC.
6. No dia 20.09.2018, a 1.ª Ré “D...”, ora Recorrente, veio novamente requerer que se considerasse a sua revelia inoperante e que se reconhecesse o aproveitamento dos factos controvertidos por força da intervenção processual da 2.ª Ré “E...”.
7. Sobre tais requerimentos da 1.ª Ré “D...” não recaiu nenhum despacho.
8. No dia 27.09.2018, vieram os Autores e a 2.ª Ré “E...” apresentar nos autos o requerimento “B... e C..., AA. e E..., SA. respectivamente Autores e 2ª Ré na acção em epigrafe, vêm dizer:
1- No pressuposto de que seja retirada ou desentranhada e considerada sem efeito a contestação da 2ª Ré E..., que assim o requer, os AA. desistem do pedido contra a 2ª Ré, o que esta aceita.
2- Os AA. prescindem de alegações. P.D.
O Mandatário dos Autores, O Mandatário da Ré E...”
9. Nesta sequência, a 1.ª Ré “D...” veio por requerimento apresentado em 08.10.2018, opor-se expressamente ao pedido de desentranhamento / retirada da contestação da 2.ª Ré “E...”, considerando-o legalmente inadmissível e violador do dever de boa-fé processual, já que teria como efeito a alteração dos efeitos da sua revelia.
10. Em 20.12.2017 foi proferido o douto despacho do qual se recorre, onde se decidiu: “Em 27.09.2018, a 2.ª ré veio retirar a contestação que havia apresentado (fls. 30 e segs.) e requerer que a mesma seja dada sem efeito. Os autores deram a sua concordância a tal requerimento e a 1.ª ré (que não contestou a ação, mas veio agora constituir mandatário e intervir nos autos) veio opor-se à pretensão da 2.ª ré. A pretensão da 2.ª ré é legalmente admissível, à luz do disposto no n.º1 do artigo 283.º do Código de Processo Civil. Efetivamente, está na livre disponibilidade da 2.ª ré pedir a retirada da contestação que apresentou, da mesma maneira que poderia confessar em qualquer altura da ação factos que previamente havia impugnado. Em face do exposto, defiro o requerido pela 2.ª ré e declaro sem efeito a contestação de fls. 30 e segs.
Notifique e anote a fls. 30.
*
Através do requerimento de 27.09.2018, os autores vieram desistir do pedido que formularam contra a 2.ª ré e esta veio aceitar tal desistência.
O presente litígio não versa sobre direitos indisponíveis.
A pretensão dos autores é legalmente admissível, à luz do disposto no artigo 283.º do Código de Processo Civil, sendo aqueles livres de desistir do pedido, sem necessidade de a desistência ser aceite pela parte contrária (cf. o n.º 2 do artigo 286.º do mesmo Código). Foi observada a forma de desistir prescrita pelo n.º 1 do artigo 290.º do Código de Processo Civil.
O ilustre mandatário dos autores está munido de procuração com os poderes que o n.º 2 do artigo 45.º do mesmo Código exige para desistir do pedido – cf. a procuração constante de fls. 25 verso.
Em face do exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 283.º, no n.º 1 do artigo 285.º, no n.º 1 do artigo 289.º (a contrario) e no n.º 3 do artigo 290.º do Código de Processo Civil, julgo válida e homologo a desistência do pedido formulado pelos autores contra a 2.ª ré, dele absolvendo esta.
As custas serão fixadas a final.
Registe e notifique.
*
Nos termos previstos no artigo 566.º do Código de Processo Civil, consigno que a 1.ª ré foi regularmente citada, por via postal (cf. fls. 29).
A 1.ª ré não apresentou contestação no prazo fixado na lei para o efeito.
Assim, a revelia da 1.ª ré é operante, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 567.º e no artigo 568.º do Código de Processo Civil, sendo que os factos alegados na petição inicial necessitados de prova documental estão provados pelo documento junto a fls. 8 e 9 (contrato de seguro) e pelo documento de fls. 11 e 12 (processo de inquérito aberto na sequência do furto).
Nos termos previstos no n.º 2 do artigo 567.º do Código de Processo Civil, concedo aos ilustres mandatários dos autores e da 1.ª ré o prazo de 10 dias para, querendo, apresentarem alegações escritas”.
Do objecto do recurso
6 – As questões que cumprem apreciar e decidir consistem em saber se:
- Padece de vício de nulidade do despacho proferido por omissão de pronúncia e/ou por terem sido praticados atos que a Lei não prevê nem admite susceptíveis de influir na decisão da causa?
- Poderia/deveria o Meritíssimo Tribunal a quo ter julgado válida a retirada da contestação da 2.ª Ré “E...” e declarado essa contestação sem efeito?
- Poderia/deveria o Meritíssimo Tribunal a quo ter julgado válida a desistência do pedido formulada pelos Autores sujeita à condição de ser desentranhada / retirada e considerada sem efeito a contestação da 2.ª Ré “E...”?
- A retirada da contestação da 2.ª Ré “E...” produz algum efeito no que respeita à revelia (in)operante da 1.ª Ré “D...”? Na hipótese afirmativa, quais efeitos e em que termos?
Nulidade do despacho recorrido
Omissão de pronúncia
7 – No caso em apreço, a Recorrente apresentou oposição ao requerido pelos Autores e pela única Ré contestante no que concerne à “retirada da contestação”, esgrimindo as suas razões para que aquele ato processual se considerasse inadmissível, entre o mais, invocando má-fé na “retirada da contestação” e explicando que este ato conduziria a um resultado contrário à Lei, por impossibilitar o cumprimento do disposto no artigo 568.º, alínea a) do CPC.
8 – Pese embora, no despacho proferido, o Meritíssimo Tribunal a quo limitou-se, tão só, a deferir o requerido pelos Autores e pela 2.ª Ré, considerando admissível a “retirada da contestação”, dando-a sem efeito e, seguidamente, sem nenhuma explicação, declarando operante a revelia da 1.ª Ré.
9 – O Meritíssimo Tribunal a quo omitiu, assim, o conhecimento de questões que foram atempadamente invocadas pela Có-R. revel, entre o mais:
• Eventual fraude ao Direito pelos Autores e 2.ª Ré contestante.
• Eventual má-fé processual dos Autores e 2.ª Ré contestante;
• Eventual uso anormal do processo pelos Autores e 2.ª Ré contestante;
• Eventual abuso de direito pelos Autores e 2.ª Ré contestante.
10 – Se o Meritíssimo Tribunal a quo tivesse conhecido destas questões, a decisão de Direito seria, certamente outra, e, forçosamente, no sentido do indeferimento da “retirada da contestação”.
11 – É evidente que os Autores e a 2.ª Ré estabeleceram como condição para a desistência do pedido a retirada da contestação e que a mesma fosse considerada sem efeito pelo Meritíssimo Tribunal a quo, não com o fito de solucionar definitivamente o litígio quanto à 2.ª Ré contestante, nem tendo em vista a satisfação de algum interesse desta, mas com o propósito de precipitar a admissão dos factos por parte da co-Ré revel.
12 – Ou seja, mediante a prática intencional de conjugação de actos processuais, foi obtido um resultado contrário à Lei, concretamente, contrário ao disposto no art.º 568.º, alínea a) do CPC.
13 – Estamos perante uma verdadeira fraude ao direito por conluio da 2.ª Ré contestante com os Autores.
14 – Cabia ao Meritíssimo Tribunal a quo ter obstado a que fosse alcançado o objectivo anormal desejado pelos Autores e pela 2.ª Ré contestante, indeferindo o requerido, nos termos do disposto no art.º 612.º do CPC, reconduzindo, ainda, a situação à estatuição-previsão do artigo 334º do Código Civil, e, por fim, concluindo pela violação do dever de boa-fé processual previsto no art.º 8.º do CPC.
15 – A Recorrente foi alertando para todos estes aspectos nos seus requerimentos e, pese embora, não recaiu sobre os mesmos qualquer pronúncia por parte do Meritíssimo Tribunal a quo, motivo pelo qual ocorre nulidade do despacho proferido por omissão de pronúncia - al. d) do citado nº 1 do art.º 615.º do CPC.
16 – Nulidade inerente à prática de atos que a lei não admite, susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa.
17 – Considerou o Meritíssimo Tribunal a quo que “está na livre disponibilidade da 2.ª R. pedir a retirada da contestação que apresentou, da mesma forma que poderia confessar em qualquer altura da acção factos que previamente havia impugnado”.
18 – Com todo o devido respeito, não concordamos com este entendimento.
19 – De facto, a 2.ª R. poderia confessar em qualquer altura da acção os factos que previamente havia impugnado, sem que tal produzisse qualquer efeito ao nível da revelia inoperante a co-Ré revel.
20 – Por outro lado, e como todo o devido respeito por opinião contrária, não é processualmente possível a “retirada a contestação” dos autos.
21 – A contestação produz os efeitos que lhe são próprios e aqueles que decorrem das normais processuais vigentes, entre os quais, os consagrados no artigo 568.º, alínea a) do CPC.
22 – Assim, embora possa, a qualquer momento, o Réu contestante confessar os factos impugnados, sem que isso torne operante a revelia da co-Ré revel no que concerne aos factos anteriormente impugnados, por outro lado, não pode o Réu contestante retirar a sua contestação do processo para com isso afastar a aplicação do disposto no artigo 568.º, alínea a) do CPC.
23 – No caso concreto, estamos perante a prática de dois atos que a lei não prevê, nem admite:
• A “retirada da contestação” dos autos pela única Ré contestante;
• O despacho proferido pelo Meritíssimo Tribunal a quo que declarou sem nenhum efeito a contestação da única Ré contestante.
24 – Estes actos são susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa.
25 – Com efeito, estamos perante actos nulos, nos termos do disposto no art.º 195.º n.º 1 do CPC. Ainda,
26 – No caso sub judice, os Autores condicionaram a desistência do pedido a uma decisão judicial de direito bem explícita, que vale como contrapartida do seu acto - o de se considerar sem efeito a contestação da 2.ª Ré “E...”.
27 – Todavia, não é permitido às partes subordinar a prática de ato processual a condição baseada em decisão do juiz sobre a lide.
28 – Isso seria, na verdade, e com todo o devido respeito, condicionar a própria decisão do Tribunal e constituiria violação grave princípio da igualdade de armas.
29 – Também por este motivo é nulo o despacho que admitiu a desistência condicional do pedido – art.º 195.º, n.º 1 do CPC.
Erro de julgamento
30 – No entender da Recorrente, o despacho sub judice contempla, ainda, uma errada interpretação e aplicação da lei, concretamente do disposto no art.º 568.º, alínea a), com referência ao art.º 567.º, ambos do CPC. 33/41 30
31 – Dos preceitos legais em análise resulta que a revelia da ora Recorrente é inoperante e que é continuará a ser inoperante até à decisão final a proferir nos autos, independentemente do destino da contestação da sua co-Ré.
32 – Como foi já decidido por diversas vezes em sede de segunda instância: “Os factos impugnados pelo réu contestante terão de se ter como impugnados qualquer que seja a sorte da acção em relação ao contestante“.
33 – A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber, precisamente, o que sucede aos factos impugnados na hipótese de o único réu contestante ser absolvido do pedido, por desistência dos Autores.
34 – Em nosso entender, em tal hipótese, os factos por impugnados pelo réu contestante permanecem como tal até à decisão final quanto a todas as restantes partes em litígio.
35 – A desistência do pedido relativamente ao único Réu contestante, e a consequente absolvição deste, não altera os efeitos da revelia inoperante do co-Réu revel.
36 – Neste mesmo sentido reza, em uníssono, a doutrina portuguesa (veja-se, entre muitos outros, ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA).
37 – Este entendimento é igualmente defendido em inúmeros arestos: acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 10.03.2018, proferido no âmbito do processo n.º 517/08.9TBCBR.C1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 21.09.2010, proferido no âmbito do processo n.º 474/04.0TBOAZ-I.P; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 05.02.2012, no âmbito do processo n.º 534/10.9TBVLN.G1; 34/4131 acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 07.10.2014, no âmbito do processo 257058/11.5YIPRT.C1; entre muitos outros.
38 – Mas o que dizer da “retirada da contestação” do processo?
39 – Conforme atrás aduzimos, não é, no nosso entender, processualmente admissível a “retirada da contestação”, nem despacho judicial a declarar a contestação sem efeito.
40 – No entanto, equacionado por mero dever de patrocínio a hipótese de vir a ser alcançado diferente entendimento relativamente a esta concreta questão, consideramos que não pode ser aceite a “retirada da contestação” quando a mesma nenhum efeito surta em relação à R. contestante e tenha como único efeito a admissão de factos pela co-Réu revel, como é o caso.
41 – Se se admitisse a alteração dos efeitos da revelia pela retirada de efeitos à contestação do único réu-contestante, configurar-se-ia uma actuação lesiva da lei, contrária ao disposto no artigo 568.º, alínea a) do CPC.
42 – Isto é, estaria a admitir-se a possibilidade de conluio entre os Réus contestantes e os Autores, que passariam a poder decidir a condenação dos réus revéis, como se fossem os verdadeiros “juízes da causa”, o que manifestamente não pode suceder.
43 – No caso em apreço, os Autores e a 2.ª Ré contestante, a coberto de despacho judicial, retiraram efeitos à contestação e, por via disso, viram alterados os efeitos da revelia da co Ré revel, ora Recorrente, o que resulta inaceitável.
44 – Através da “retirada da contestação” do processo e mediante uma conjugação de actos ou formas em si mais ou menos lícitas, praticados intencionalmente, foi obtido um resultado contrário à Lei.
45 – Por outro lado, tem a recorrente a legítima expectativa de que a sua revelia seja inoperante, porque essa legitima expectativa lhe foi criada pelo legislador, nos exactos termos das normas processuais vigentes.
46 – Nessa medida, a contestação terá que continuar a produzir os seus efeitos, pelo menos os efeitos que lhe são próprios no que concerne da revelia da có-ré revel, previstos no art.º 568.º, alínea a) do CPC.
47 – O Meritíssimo Tribunal a quo, ao ter decidido em sentido inverso, proferiu uma decisão contrária ao disposto no art.º 568.º, alínea a), com referência ao art.º 567.º, ambos do CPC.
48 – Foi colocado em causa o princípio da segurança jurídica.
49 – Deverá, pois, e sem prejuízo da nulidade atrás invocada, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que, entre o mais:
- Indefira a “retirada da contestação” por inadmissibilidade legal e, consequentemente, dê por não preenchida a condição estabelecida para a desistência do pedido formulada pelos AA., mantendo-se na acção ambas as RR.
- Em qualquer caso, declare inoperante a revelia da 1.ª R., ora recorrente, com total aproveitamento da impugnação da R. contestante, na sua plenitude e com todas as 36/41 33 consequências adjectivas, desde o momento da apresentação da dita contestação e nos termos nesta formulados, até a decisão final a proferir nos autos.
50 – Ao consignar diverso entendimento, andou mal o douto despacho proferido, violando, entre outras normas, o disposto nos citados artigos 334.º do Código Civil e 8.º, 195.º, n.º 1, 568.º, alínea a), com referência ao art.º 567.º, 612.º e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC.»

Em resposta assim concluiu a sua alegação a Recorrida:
1 – A 1ª Ré não apresentou contestação nos presentes autos, apesar de ter sido citada para esse efeito.
2 – Apesar de não ter apresentado contestação, a 1ª Ré pretende beneficiar – ao abrigo do disposto no artigo 568º CPC – da impugnação dos factos que constam na contestação da 2ª Ré.
3 – Esse invocado benefício poderia eventualmente ter alguma concretização se, além do mais, a contestação da 1ª Ré continuasse a figurar nos autos.
4 – Sucede que os autores desistiram do pedido contra a 2ª Ré, no pressuposto desta retirar/desentranhar a sua contestação.
5 – Na sequência da citada desistência do pedido dos autores contra a 2ª Ré, esta pediu o desentranhamento dos autos da sua contestação.
6 – A 1ª Ré nada tem a ver com a desistência do pedido dos autores contra a E..., S.A. e também nada tem a ver com o pedido de desentranhamento da contestação desta ré e também nada tem a ver com os fundamentos que presidiram à citada desistência e ao referido pedido de desentranhamento, porquanto essa fundamentação também só diz respeito e também só interessa aos autores e à ré E..., S.A.
7 – Não há qualquer motivo válido, que impeça a concretização da desistência do pedido dos autores contra a E..., S.A., bem como do pedido de desentranhamento dos autos da contestação da ré E..., S.A.
8 – A situação prevista no artigo 568º, alínea a) do Código de Processo Civil só existiria neste caso concreto, se a contestação da E..., S.A. continuasse a figurar nos autos e não foi isso que aconteceu por não ser isso o pretendido pelos autores e pela própria E...,
9 – Assim sendo, deve ser mantido o deferimento do requerido pelas autoras e pela ré E..., S.A. (desistência do pedido daquelas contra a E..., S.A., bem como o desentranhamento da contestação da E..., S.A.), que foi sufragado na douta sentença proferida no douto Juízo Local Cível de Ovar do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.
10 – A douta sentença recorrida não merece qualquer censura e, consequentemente, devem improceder todas as conclusões do recurso interposto pela 1ª Ré.
Nestes termos e nos mais que V.Exas muito doutamente suprirão, devem ser julgadas improcedentes todas as conclusões do recurso interposto e, consequentemente, deve lavrar-se acórdão a manter integralmente o decidido na douta sentença recorrida, fazendo-se, assim, inteira JUSTIÇA».
2. Objeto recursivo
O âmbito do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo de questões de conhecimento oficioso (artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, doravante designado “CPC”). Como os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o seu objeto é ainda delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Medida em que, à luz do iter processual destacado no relatório, são as seguintes as questões solvendas:
2.1. Nulidades da decisão;
2.2. Desentranhamento da contestação;
2.3. Desistência do pedido.

3. Fundamentação
3.1. Nulidades da decisão
A Recorrente defende que padece de nulidades o despacho impugnado «por omissão de pronúncia e/ou por terem sido praticados atos que a Lei não prevê nem admite susceptíveis de influir na decisão da causa». E baseia-se na invalidade da retirada do processo da contestação da Ré “E...” e da homologação da desistência do pedido sujeita à condição de ser desentranhada aquela contestação.
Mais uma vez, como é frequentíssimo, confunde a Recorrente nulidades processuais com erros de julgamento, quando as primeiras se reportam a vícios formais decorrentes de atividade ou procedimento (error in procedendo) e os segundos (error in judicando) respeitam à errónea apreciação dos factos (error facti) ou aplicação do direito (error juris)[1]. De tal modo se distinguem que as nulidades ditam a anulação da decisão e as ilegalidades a sua revogação.
Esta distinção leva-nos a concluir, sem margem para dúvidas, que o vício sinalizado à decisão recorrida não é de índole adjetiva, mas de errada subsunção jurídica, o que enjeita a verificação de qualquer nulidade e nos remete para o erro de julgamento, que apreciaremos em sede de enquadramento jurídico.
Aliás, a Recorrente apenas identifica a nulidade decorrente de omissão de pronúncia, à qual se reporta o artigo 615º/1, d), do CPC, segundo o qual a sentença é nula (regime aplicável aos despachos, por força do artigo 613º/3 do CPC), quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigo 608º/2 do CPC).
A decisão padece, então, do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Só que apenas as questões que integram o thema decidendum, relativas ao pedido, à causa de pedir ou às exceções constituem verdadeiras questões de que o tribunal deve conhecer. Já os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista não constituem questões no sentido normativizado e a omissão do seu tratamento não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Vistas as matérias suscitadas nos requerimentos apresentados pelas partes, todas as questões foram afrontadas pela decisão sindicada, não focalizando toda a argumentação aduzida, é certo, mas tratando de todas as questões aportadas pelas partes. Donde não ocorra a omissão de pronúncia.

3.2. Desentranhamento da contestação
Estatui o artigo 567º/1 do CPC que se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. É a denominada revelia operante ficta confessio , por efeito da qual são considerados confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial. Há, porém, exceções a esta previsão legal, como sucede, no que ao caso importa, quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar [artigo 568º, a), do CPC], apelidada de revelia inoperante, a significar que, não obstante o réu, regularmente citado, não ter apresentado contestação, não se consideram confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial e que o contestante ou contestantes tenham impugnado, o que significa que o réu não contestante aproveita da impugnação dos réus contestantes.
Como vemos, os Autores demandaram as duas companhias de seguro para obtenção de indemnização pelos danos sofridos em consequência do furto de que a sua casa de habitação foi alvo. Para tanto invocaram, relativamente à Ré D... o contrato de seguro, do ramo multi-riscos/habitação, titulado pela apólice n.º ..........., e quanto à Ré E... o contrato de seguro de habitação “E1...”, titulado pela apólice n.º .../......../..., sendo que ambas as apólices têm como local de risco a casa de habitação dos Autores, sita na Rua ..., n.º ..., ..., Ovar. Donde deriva que os Autores vieram exercitar, na mesma ação, a responsabilidade contratual das demandadas, porque ambos os contratos de seguro contemplam a cobertura de furto na sua residência e cobrem os prejuízos por eles sofridos. Trata-se de uma situação de litisconsórcio voluntário passivo, porque a relação material controvertida, embora reconduzida a um pedido único, respeita às duas demandadas (artigo 32º/1 do CPC). E a regra, em processo civil, é a do litisconsórcio voluntário, pois se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota parte do interessado ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade (artigo 32º/1 do CPC). É certo que o litisconsórcio exige uma pluralidade de sujeitos e também, segundo uns, uma única relação jurídica material (artigo 32º do CPC) e, segundo outros, uma unidade de pedidos (artigo 36º do CPC), neste ponto residindo o critério de distinção da figura jurídica da coligação, pese embora a lei adjetiva pareça usar indistintamente estes dois critérios.
No caso, não obstante a dedução de um pedido único, não era necessária a demanda das duas seguradoras, pois admite-se «a possibilidade de, nas relações plurais, a acção ser instaurada apenas por algum ou alguns dos seus titulares, ou contra algum ou alguns deles. Essencial é que a decisão a proferir em tais circunstâncias possa regular definitivamente as pretensões formuladas pelas partes»[2].
Revisitada a situação em causa, ambas as Rés foram regularmente citadas e apenas a Ré E... apresentou contestação, impugnando especificadamente muitos dos factos alegados na petição inicial. Já a Ré D... não contestou. Ora, a opção dos Autores por esta via de demanda única transporta a convocação das regras processuais que especificámos quanto ao aproveitamento da contestação do impugnante pelo réu revel, a denunciar que a Ré D..., apesar de não ter contestado, aproveita da impugnação efetuada pela Ré E....
Só que a Ré contestante requereu o desentranhamento da sua contestação e a Ré não contestante opôs-se a que tal sucedesse, por pretender aproveitar da impugnação feita pela Ré E..., naturalmente pretendendo gozar da eficácia impugnatória relativamente aos factos do seu interesse. Regra de que beneficia o Réu não contestante, quer se trate de litisconsórcio necessário, quer de litisconsórcio voluntário[3]. O mesmo é dizer que não se apaga globalmente o efeito da revelia em relação ao demandado que não contestou; apenas a afasta em relação aos factos que o contestante impugnar e, quanto aos demais, considerar-se-ão confessados os factos articulados pelo autor. Resolução legal que encontra justificação na intenção de afastar a solução chocante de os mesmos factos se terem, na mesma ação, como provados em relação a um dos réus e não provados em relação a outro, mas ainda o propósito de facilitar aos réus a possibilidade de delegarem, expressa ou tacitamente, em algum ou alguns deles, o ónus de contestar no interesse de todos[4].
Aqui chegados, cremos que não assiste ao Réu contestante o direito a ver desentranhada a sua contestação, porque o Réu não contestante aproveita da sua impugnação qualquer que seja a sorte da ação em relação ao contestante. Isto é, ainda que a ação venha a improceder, por qualquer razão que beneficie apenas o contestante, os factos por si impugnados permanecem controvertidos e a impugnação aproveita aos Réu não contestante. Doutro modo, colocar-se-ia em crise o princípio da confiança, pelo que a impugnação dos factos permanece válida não obstante a homologação da desistência do pedido, ou seja, os factos alegados em sede de petição inicial, uma vez impugnados, não podem, mais tarde, considerar-se confessados, se a ação veio, por qualquer motivo, a ser julgada improcedente contra o réu contestante. A impugnação dos factos feita pelo Réu contestante é como se tivesse sido efetuado pelos demais réus, na medida em que estes tiram proveito da contestação apresentada, relativamente aos factos que o contestante impugnar[5].
Neste sentido a unânime decisão da jurisprudência, sempre defendendo que, em caso de pluralidade de réus, contestando um dos demandados, a ineficácia da revelia relativamente aos factos por este impugnados deverá subsistir, ainda que a instância venha a extinguir-se, relativamente ao único réu contestante, em consequência da homologação de desistência do pedido por parte do autor[6]. Importa, portanto, revogar o ordenado desentranhamento da contestação e substituir o despacho proferido pelo indeferimento desse desentranhamento.
Esta solução é também mobilizada pelo princípio geral da segurança jurídica, no âmbito do qual os indivíduos têm o direito de poder confiar que aos seus atos se ligam os efeitos jurídicos previstos no ordenamento jurídico e também pela ponderação concreta dos interesses em jogo, desde logo, porque não vislumbramos que resulte para os Autores qualquer agravamento sensível da sua posição processual pelo facto de ser inoperante a revelia da Ré não contestante[7]. Ao instaurarem a ação não poderiam os demandantes deixar de contar com o ónus da prova que sobre eles impende quanto à demonstração dos factos constitutivos do direito a que se arrogam.

3.3. Desistência do pedido
Entramos, pois, na segunda vertente da questão afrontada pela decisão impugnada: a homologação da desistência do pedido formulado pelos Autores relativamente à Ré E..., quando o mesmo foi formulado sob condição de desentranhamento da sua contestação.
A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer e é livre, designadamente em caso de litisconsórcio voluntário, embora limitada ao interesse do beneficiado na causa (artigos 285º/1, 286º/2 e 288º/1 do CPC). Qualifica-se como ato jurídico unilateral e só pode ser declarada nula ou anulada, como os outros atos da mesma natureza, ou seja, em função das causas que, segundo a lei civil, determinam a nulidade ou a anulabilidade do ato ou negócio jurídico, como sejam a simulação, erro, dolo, coação ou outras de similar natureza (artigo 291º/do CPC)[8]. Como negócio unilateral, através dele reconhece o autor a falta de fundamento do pedido formulado e, como a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, a sua homologação tem, pois, força de caso julgado material, ficando o litígio definitivamente resolvido com o trânsito em julgado da decisão de homologação[9].
A desistência do pedido enquadra-se nas formas de autocomposição do litígio e encontra-se, portanto, submetido ao regime legal do negócio jurídico (artigo 205º do Código Civil), impondo-se a indagação da sua condicionabilidade.
A condição é definida como a cláusula em virtude da qual a eficácia de um negócio jurídico é posta na dependência de um acontecimento futuro e incerto, de forma a que só a sua verificação determinará a produção dos efeitos desse negócio (condição suspensiva) ou só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)[10]. Isto mesmo deriva da noção legal de condição, tidas como a subordinação, pelas partes, a um acontecimento futuro e incerto da produção dos efeitos de um negócio jurídico ou a sua resolução, qualificando-se como suspensiva no primeiro caso e resolutiva no segundo (artigo270º do Código Civil).
Destarte, os efeitos do ato jurídico só se tornariam efetivos se verificada a condição, não se produzindo os seus efeitos definitivos se a mesma não ocorrer[11].

Os Autores, ao declararem desistir do pedido se for desentranhada a contestação da Ré contestante exprimiram a vontade hipotética, mas atual e efetiva, embora subordinada a um evento tido como possível, mas não como certo o despacho de desentranhamento da contestação do processo. Situação em que a declaração produziria os seus efeitos a desistência do pedido ou, inverificada a condição, essa declaração seria retirada condição resolutiva. Ainda assim, a estipulação condicional não se desdobra em duas declarações de vontade, mas apenas numa declaração de vontade única e incindível, que faz corpo com o negócio a que é aposta[12].
Centrados no ato jurídico em causa, julgamos que é incondicionável a desistência do pedido em processo judicial, por razões de tutela do interesse público e até pelo antagonismo desta cláusula com o devir do processo judicial, submetido a um conjunto de princípios e de procedimentos que, embora protegendo os interesses das partes, visa atingir um interesse público a realização de uma justiça célere e eficaz. Donde seja vedado às partes, no âmbito da justiça estadual, impor condições que limitem o livre exercício dos direitos legalmente estabelecidos, como seja o livre exercício do direito do Autor a desistir do pedido. O processo desenrola-se segundo regras certas e definidas, previamente estabelecidas pela lei adjetiva, que não podem ser condicionadas pelas partes, mormente quando está em causa um ato jurídico unilateral, proveniente de uma parte, mas que atinge a esfera jurídica do declaratário, a Ré E...[13]. Não cremos que a circunstância desta contraparte ter aposto uma declaração de aceitação modifique tal asserção, porque a desistência do pedido não necessita de consentimento do réu e a sua aceitação não a transmutar num contrato.
Ajuizando que a desistência do pedido é um ato jurídico unilateral incondicionável, cabe-nos apurar qual a consequência da aposição da cláusula sob destaque. Como vimos, é inquestionável a incindibilidade do negócio condicional e, por isso, constituindo um bloco uno indivisível, o ato jurídico e a condição não podem ter sorte diversificada, ou seja, o ato não pode valer com a condição porque a lei o não consente, nem pode valer sem ela porque as partes o não quiseram assim[14]. A condição aposta é até contrária à lei, por modificar as regras da revelia e, nesta ordem de ideias, o ato é nulo, tal como resulta do preceituado no artigo 271º/1 do Código Civil, ao estatuir que é nulo o negócio jurídico subordinado a uma condição contrária à lei. Por tal razão não pode subsistir a sentença homologatória da desistência do pedido, que revogamos em conformidade com as considerações tecidas.
Este desfecho é o que mais se compagina com a posição dos Autores e da Ré E..., que parece ter sido estruturada com base em erro de direito, mas não pode, contudo, ser por eles invocado como fundamento de revogação, pois «quem confessa, desiste, ou transige deve saber o que faz, qual o alcance e as consequências jurídicas do seu acto, qual o direito que lhe assiste; se não sabe, consulte um técnico; se pratica o acto sem ouvir pessoa que possa elucidá-lo, “sibi imputet”»[15].
Do exposto deriva a revogação da decisão recorrida, determinando que fique nos autos a contestação da Ré E..., bem como a nulidade da formulada desistência do pedido e consequente revogação da sentença homologatória, devendo os autos prosseguir os seus legais termos.

Regime de custas: Custas a cargo do vencido a final (artigo 527º/1 do CPC).

4. Dispositivo
À luz do expendido, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, determinando:
4.1. a manutenção nos autos da contestação da Ré E...;
4.2. a nulidade da formulada desistência do pedido e a revogação da respetiva sentença homologatória;
4.3. o prosseguimento dos legais termos do processo.
Custas da apelação a cargo do vencido a final.
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Porto, 26 de fevereiro de 2019.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 30/09/2010, processo 341/08.9TCGMR.G1.S2.
[2] Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117º, pág. 383.
[3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª ed., pág. 12.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 348.
[5] In www.dgsi.pt: Acs. RC de 10/03/2009, processo 517/08.9TBCBR.C1; RP de 21/09/2010, processo 474/04.0TBOAZ-I.P1 (embora tirados no domínio do CPC revogado, é idêntica a redação do artigo 568º, a), do atual regime adjetivo).
[6] In www.dgsi.pt: Acs. RC de 16/09/2014, processo nº 3495/10.0TBLRA.C1; 07-10-2014, processo 257058/11.5YIPRT.C1. [7] Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª ed., pág. 258.
[8] In www.dgsi.pt: Ac. RE de 30/11/2016, processo 3443/14.9T8STB.E1.
[9] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 205/206.
[10] Manuel Domingues de Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1983, pág. 356; Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, Lex, 3ª ed. revista e atualizada, págs. 380.
[11] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1980, pág. 449.
[12] Manuel Domingues de Andrade, ibidem, pág. 357.
[13] Manuel Domingues de Andrade, ibidem, pág. 364.
[14] Manuel Domingues de Andrade, ibidem, pág. 365.
[15] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra Editora, 1946, págs. 550/552.