Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
26147/17.6T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
CONFERÊNCIA
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP2022071326147/17.6T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No processo de alteração de regulação das responsabilidades parentais, junta a alegação do requerido ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido do requerente infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo (artigo 42.º, n.º 4, do R. G. P. T. C.).
II - Se o tribunal determina o prosseguimento dos autos, é porque entendeu que não havia motivo para considerar infundado o pedido (n.º 5, do mesmo artigo 42.º) tendo assim de se realizar conferência de pais e eventual mediação ou audição técnica especializada (artigo 38.º, do referido diploma).
II.I - No caso concreto, obtido o resultado da audição técnica especializada, deve retomar-se a conferência de pais e conferir às partes a oportunidade de apresentarem alegações ou juntarem prova – artigo 39.º, n.º 4, do R. G. P. T. C. -.
III - Tendo o tribunal, após a obtenção do resultado da audição técnica especializada, proferido decisão final, sem reiniciar a conferência de pais e conferir-lhes a oportunidade de apresentarem alegações ou juntarem prova, comete nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do C. P. C., devendo a decisão ser anulada para cumprimento das indicadas formalidades.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 26147/17.6T8PRT

Sumário.
………………………………….
………………………………….
………………………………….
*
1). Relatório.
AA, residente na Rua ..., Porto, propôs contra:
BB, residente na rua ..., n.º .., ..., Maia, por apenso ao processo n.º 26147/17.6T8PRT, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 4, nos termos do artigo 44.º do R. G. P. T. C.:
- processo tutelar (falta de acordo) para suprimento da falta de acordo entre os responsáveis pelo poder paternal, e cumulativamente, nos termos do disposto no artigo 42.º do mesmo diploma,
- ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Alegou, em síntese, que:
- casou com o requerido em 2008, tendo sido o casamento dissolvido por divórcio decretado na C. R. C. ..., em 09/06/2017;
- do casamento nasceram os filhos CC e DD, respetivamente em 25/08/2009 e 23/06/2014;
- no âmbito daquele processo foram, por acordo, reguladas as responsabilidades parentais, posteriormente alterado, também por acordo, homologado em 27/02/2018;
- têm existido problemas quanto a questões de particular importância na vida dos menores e que importam alterar e fixar com o pai daqueles, sendo certo, para além disso, a existência de acontecimento de circunstâncias supervenientes que importam alterar o acordo anteriormente estabelecido, por exemplo;
- a requerente mãe não consegue estipular e definir a rotina e a vida dos menores pois o requerido pai está sempre a complicar e a dificultar seja de que forma for, o que causa graves constrangimentos quer na educação, saúde e rotina dos menores, nomeadamente com aulas de música, catequese;
- também há problemas com as consultas de acompanhamento psicológico e respetivas terapias que o menor DD tem de fazer uma vez que lhe foi diagnosticado Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção do Tipo Misto.
Pede assim que se supra suprir a falta de acordo entre requerente e requerido quanto a todas as questões.
E, por todo o exposto, importa rever, alterar a regulação, definindo o regime quanto:
- consultas, acompanhamento psicológico e respetivas terapias que o menor DD necessita;
- definir a obrigação do pai em contribuir com o pagamento das despesas relacionadas com estes tratamento, consultas e terapias;
- a situação escolar do menor CC;
- aulas de música do menor CC;
- período de férias;
- participação em aniversários de familiares;
- idas à catequese;
- contactos telefónicos dos progenitores com os menores nas semanas em que os mesmos se encontrem com o outro progenitor.
*
O tribunal profere despacho que determina a notificação da requerente no sentido de que informe se pretende o suprimento por falta de acordo ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais por os pedidos não poderem ser cumulados, corrigindo o requerimento.
*
A requerente responde mencionando que, nestes autos, pretende que seja intentada ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, juntando novo requerimento inicial, pedindo a alteração nos termos já referidos.
*
O requerente pai é notificado nos termos do artigo 42.º, n.º 3, do R. G. P. T. C., tendo apresentado alegações onde impugna a versão apresentada pela requerente e conclui que «Face ao exposto, não há dúvidas de que urge regular alguns aspetos do acordo de regulação das responsabilidades parentais, mas sempre com a convicção de que todas as dificuldades inerentes advêm da Requerente e não do Requerido.».
*
Em 08/09/2021, a requerente apresenta aditamento ao pedido de alteração, pedindo que se fixe a residência dos menores junto da mãe, com regime de visitas em fins de semana alternados ao pai.
*
O progenitor apresentou alegações, manifestando que existe litispendência entre os pedidos formulados netses autos e no apenso relativo a processo tutelar (falta de acordo) para suprimento da falta de acordo entre os responsáveis pelo poder paternal.
*
Por despacho de 04/10/2021, o tribunal profere despacho no seguinte sentido:
- autuar os autos como ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais – artigo 42.º, do R. G. P. T. C. -;
- indeferir liminarmente o requerido aditamento por nenhum dos factos alegados conduzir «à conclusão de que se torna necessária a alteração na vertente da residência, quando se trata, além do mais, de regime que vem sendo posto em prática desde 2017 e traduz um dos pilares de qualquer regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao qual, mais do que em relação a qualquer outro dos segmentos que o integram, importa conferir estabilidade.»;
- declarar que «o regime fixado vai ao encontro do interesse dos menores e àquilo que globalmente, deve estar definido nesta matéria. Pretender regular exaustivamente, dia-a-dia, hora-a-hora, a forma como são exercidas as responsabilidades não só não é viável como é inútil.
Porque o regime que se mostra fixado versa sobre aquilo que carece de regulação em crianças da idade do DD e do CC – e se serve a outras crianças, não se vê como possa não servir a estas –, se os progenitores pretendem regular de forma mais detalhada algumas das questões que suscitaram, devem fazê-lo por acordo, na certeza de que, não havendo acordo, por não se tratar de questões de particular importância, não será seguramente o Tribunal a definir matérias como se os menores devem frequentar aulas de bateria, se devem fazer-se acompanhar do equipamento de hóquei, se devem ir às festas de Natal organizadas pelas entidades patronais do progenitores, se têm faltado muito ou pouco à catequese, que grau de parentesco será atendível para efeito de permitir a comparência dos menores a festas de aniversário, isto só para dar alguns exemplos.
Trata-se de questões que só os progenitores, com maturidade, podem resolver, cientes de que qualquer desacordo não os prejudica a eles mas apenas as crianças.
Vale isto por dizer, tendo-se manifestado ambos os progenitores no sentido de que poderá ser necessário introduzir algumas alterações – no fundo, limar algumas arestas – ao regime fixado, o Tribunal não deixará de viabilizar essa sua vontade, designando uma conferência para esse efeito. Não obstante, deverão os progenitores – … – encetar contactos no sentido de vir munidos de uma posição conjunta, que indo de encontro ao interesse dos menores seja suscetível de ser homologada pelo Tribunal.
Em seguida, designa dia para realização da conferência de pais a que alude o art.º 35.º do RGPTC (cfr. o art.º 42.º, n.º 5, do mesmo diploma).».
*
Na indicada conferência, o tribunal profere o seguinte despacho:
«Atento a discordância entre os progenitores e em conformidade com o artigo 38.º, do RGPTC, remetem-se as partes para audição técnica especializada pelo período de 2 meses.».
*
Em 01/02/2020, o tribunal profere o seguinte despacho:
«Requerimento com a Ref. 31170870:
O procedimento previsto no art.º 42º do RGPTC não comporta a apresentação de articulados na fase em que o processo se encontra, constituindo o requerimento em análise uma exposição de acontecimentos que, neste momento, não tem cabimento.
Quanto às provas e diligências de prova, poderão e deverão ser apresentadas e/ou requeridas na fase de alegações que terá lugar após a conclusão da Audição Técnica Especializada.
Por não ser legalmente admissível, portanto, determina-se o desentranhamento do requerimento de fls. 185 a 204.».
*
Em 18/03/2022 é junto o relatório sobre a audição técnica especializada que conclui que «a disponibilidade parental para a implementação de uma nova forma de comunicar e diminuir as circunstâncias que potenciam o conflito, sugere-se inexistente, mostrando-se a postura individual de cada um já cristalizada neste domínio.».
*
O M.º P.º promoveu a designação de dia para realização de conferência de pais.
O tribunal, em 02/05/2022 profere decisão (ora decisão recorrida) julgando improcedente a presente ação e, em consequência, manter inalterado o regime fixado.».
*
Inconformada, recorre a requerente, formulando as seguintes conclusões:
……………………………………………..
……………………………………………..
……………………………………………..
Termina pedindo a revogação da sentença.
*
O M.º P.º apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
*
O tribunal pronuncia-se sobre as nulidades arguidas pela recorrente nos termos que se resumem:
- já em 04/10/2021, por despacho transitado em julgado, indeferiu-se liminarmente a pretensão da requerente aduzida em articulado superveniente no sentido de ver alterada a regulação do exercício das responsabilidades parentais na vertente da residência;
- o tribunal alertou as partes para a circunstância de que as questões suscitadas extravasavam aquilo que se considera ser o objeto da regulação das responsabilidades parentais mas, porque ambos os progenitores se haviam pronunciado no sentido de que poderia ser necessário introduzir algumas alterações ao regime fixado – em lugar de aplicar o disposto no artigo 42.º, n.º 4, do R. G. P. T. C. e, imediatamente, “mandar arquivar o processo” – o Tribunal não deixou de viabilizar essa possibilidade, designando uma conferência para o efeito e com recurso a audição técnica especializada, tudo sem sucesso no sentido de as partes resolverem as questões que considerassem carecer de alteração;
- o tribunal nunca disse que faria seguir o processo mesmo que considerasse inviável a pretensão da requerente;
- o tribunal considerou (e já o considerava, no despacho de 04/10/2021 – que qualquer que fosse o sentido da prova produzida, não iria alterar o regime fixado no sentido preconizado pela requerente, por ir além do objeto da regulação do exercício das responsabilidades parentais. O pedido era, portanto, infundado.
*

As questões a decidir são:

- nulidade de sentença ou omissão da prática de formalidades exigidas por lei;

- no caso de improcedência da arguição, análise do mérito no sentido de ser julgado improcedente o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais sem produção de prova, nomeadamente sobre o alegado fundamento não tem lugar neste tipo de processos.


*
2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram considerados assentes os seguintes factos:
«a) CC e DD nasceram, respetivamente em 25/08/2009 e 23/06/2014, e são filhos de requerente e requerido;
b) Por decisão de 09.06.2017, transitada em julgado, proferida no processo 768/2017, que correu termos na 1ª CRCivil do Porto foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores nos seguintes termos:
“1- As responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida dos filhos serão exercidas em comum por ambos os progenitores, de acordo com o artigo 1906.º n.º 1 do Código Civil;
2- A guarda e o exercício das responsabilidades parentais relativos aos atos da vida corrente dos menores cabe a ambos os progenitores;
3- Os menores ficarão a residir com ambos os progenitores, alternadamente, uma semana com cada um, iniciando-se a semana à sexta feita;
3.1- Para o efeito, o progenitor com quem os menores forem ficar nessa semana, vai busca los à escola no final das atividades de sexta-feira, garantirá o transporte e acompanhamento dos menores nos dias seguintes a escola até sexta-feira seguinte pela manhã, no início das respetivas atividades escolares, inclusive;
3.2- Caso os menores não tenham escola, o progenitor irá buscá-los a casa do outro em igual dia, antes do jantar (até as 19h) e entrega-los no inicio do dia (ate as 9h);
3.3 -A primeira semana com os menores iniciar-se-á com a progenitora (mãe);
4- Progenitor que não tiver a guarda nessa semana poderá estar com os menores pelo menos dois dias por semana ao final do dia, comunicando previamente com o outro progenitor;
5- As atividades extracurriculares dos menores deverão ser asseguradas pelo progenitor que tiver os menores a seu cargo na respetiva semana, garantindo, assim, ambos, a participação dos filhos nessas atividades;
6- Festas e aniversários:
a) No dia de aniversário dos menores, deverão estes passar uma das principais refeições com cada um dos progenitores. Se o dia de aniversário calhar em dia de escola, os menores lancharão com um dos progenitores e jantarão com o outro, em regime alternado;
b) Havendo festas de aniversário dos menores com os colegas da escola deverão estar os dois progenitores presentes;
c) No dia de anos dos progenitores, os menores almoçam ou jantam com o progenitor respetivo;
d) Os menores almoçam, ou jantam, com o pai no dia do pai, com a mãe no dia da mãe;
e) Os progenitores possibilitarão a presença dos menores nos eventos familiares (incluindo festas de aniversário de primos, etc…), informando o progenitor com quem os menores estejam nesse dia, com antecedência;
7- Férias e feriados:
a) Nas férias escolares dos menores de Natal e Páscoa, manter-se-á o regime de semanas alternadas;
b) Os menores passarão o domingo de ramos com um dos progenitores e o domingo de Páscoa com o outro progenitor, alternado de ano para ano;
c) Os progenitores acordarão as datas das férias até ao final do mês de abril;
d) Nas férias de verão (agosto), os menores passarão uma quinzena com cada um dos progenitores, sendo em 2017 a primeira quinzena com a mãe e a segunda com o pai;
e) Os feriados serão gozados com quem estão nessa semana;
8- Natal, Ano Novo;
a) O natal e ano novo, incluindo vésperas, será repartido entre ambos os progenitores, alternadamente, ficando um com a véspera e dia de Natal e o outro com a véspera e dia de ano novo;
b) No ano de 2017 os menores passarão com o pai a véspera e dia de Natal e com a mãe a véspera e o dia de ano novo;
9- Despesas escolares e atividades extra-curriculares:
a) As despesas de educação, atividades curriculares e extracurriculares, decorrentes de decisão conjunta, serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores e imediatamente pagas à respetiva entidade credora ou ao progenitor que as tiver suportado por inteiro, contra recibo;
10- Despesas de saúde:
a) As despesas de saúde dos menores serão suportadas, na parte não comparticipada, por ambos os progenitores em partes iguais e imediatamente pagas à respetiva entidade credora ou ao progenitor que as tiver suportado por inteiro, contra recibo;
b) Os progenitores continuarão a assegurar a manutenção dos respetivos seguros de saúde dos menores na M... e na A...;
11- Atento o regime de guarda partilhada, os progenitores assegurarão em conjunto e na respetiva semana em que tem os menores a seu cargo os respetivos alimentos necessários aos menores, prescindindo respetivamente da fixação de prestação de alimentos;
12- Tendo em conta que os progenitores estão a desenvolver todos os esforços para que seja possível a um manter a casa que foi residência da família, para que os menores sintam o menor impacto com a mudança, assegurarão também que os vestuários, brinquedos e utensílios dos menores sejam repartidos em partes sensivelmente iguais para que deles os menores possam usufruir, quando na casa de morada do outro progenitor;”
c) Por decisão de 27.02.2018, transitada em julgado, proferida no processo principal, foi alterada a regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
“ - Mantém-se a residência alternada.
- Consigna-se que cada um dos progenitores tem que avisar com antecedência mínima de uma semana as consultas médicas, reuniões/decisões escolares.
- Acordam que ambos os progenitores são encarregados de educação de ambos os menores.
- Cada um dos progenitores pode pernoitar com os menores na semana em que não estiverem com os mesmos fixando-se desde já a quarta-feira como dia de pernoita devendo para o efeito o respectivo progenitor ir buscar os menores ao estabelecimento de ensino onde eles se encontrarem no final do período de quarta-feira e entregá-los no mesmo local na quinta- eira de manhã.
- Caso algum dos progenitores não possa estar/pernoitar com os menores neste dia deverá comunicar por escrito ao outro com pelo menos uma semana de antecedência quer a sua impossibilidade, quer dia alternativo nessa mesma semana.
- Caso os menores estejam em férias escolares de Natal e Páscoa este regime de pernoitas a meio da semana não será executado, o mesmo sucedendo no período de férias de verão mas apenas no concreto período em cada um dos menores está efectivamente de férias com cada um dos progenitores.
- No que respeita a este último ponto cada um dos progenitores devem comunicar ao outro a concreta quinzena em que estará de gozo pessoal de férias com os menores.
- Os menores deverão sempre fazer-se acompanhar dos respectivos elementos de identificação pessoal e nos períodos de férias do boletim de saúde.
- Os menores deverão fazer-se acompanhar sempre dos seus objectos pessoais, designadamente vestuário e brinquedos; numa primeira fase até aos sete anos a escolha é dos pais e a partir desta idade a escolha é dos próprios.
- Caso os menores estejam de férias escolares as entregas e recolhas devem ser efectuadas na residência dos respectivos progenitores;
- Cada um dos progenitores se obriga a avisar com antecedência mínima de 24 horas por escrito quando algum dos menores não poder estar presente em actividades extra-curriculares, designadamente treinos, jogos e catequese.
- Cada um dos progenitores se compromete a recolher os menores no final das respectivas actividades extra- curriculares de forma a que a sua segurança esteja garantida.”.».

*
2.2). Do mérito do recurso.
Da nulidade da decisão.
A recorrente considera que a decisão é nula por na tramitação processual da ação ter sido violado o estipulado no artigo 39.º, do R. G. P. T. C., gerando-se desta forma uma nulidade.
A alegada violação prende-se com a tramitação que se prevê neste artigo, a saber:
- finda a intervenção da audição técnica especializada, o tribunal é informado do resultado e notifica as partes para a continuação da conferência a realizar nos cinco dias imediatos, com vista à obtenção de acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais – n.º 1 -;
- se os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos – n.º 4 -;
- findo o prazo das alegações previsto no número anterior e sempre que o entenda necessário, o juiz ordena as diligências de instrução, de entre as previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 21.º - n.º 5 -.
Efetivamente, o tribunal, após a receção do resultado da audição técnica especializada, não notificou as partes para continuação da conferência, proferindo decisão final.
Houve assim um caminho processual que não foi adotado pelo tribunal, mas isso não implica que a sentença seja nula pois a violação de regras processuais que impõe a prática de determinados atos não é motivo de nulidade de sentença – artigo 615.º, n.º 1, do C. P. C. -.
Essa omissão pode ser motivo de nulidade do processo, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do C. P. C.:
«Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.». E, se tal nulidade for declarada, podem anular-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2, do mesmo artigo), onde se pode incluir a decisão em causa.
Não sendo caso de nulidade de sentença, importa então aferir se se pode conhecer da alegada omissão até porque o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dada pela parte.
Nos termos do artigo 199.º, do C. P. C., essa nulidade teria de ser arguida, se a parte estivesse presente, enquanto o ato não terminasse ou, se não estivesse, quando interviesse nalgum ato ou fosse notificada para algum termo do processo.
Ou seja, notificada da decisão, podia entender-se que a parte tinha 10 dias (artigo 149.º, n.º 1, do C. P. C.) para arguir a nulidade o que, no caso, significava que, por um dia (10 dias a que acrescem os três dias previstos no artigo 139.º, n.º 6, do C. P. C., que findavam em 19/05/2022, tendo o recurso entrado em 20/05/2022), a arguição não podia ser atendida.
Não é este o entendimento que pensamos ser mais adequado pois o que sucede é que a parte só é confrontada, com a sentença, com a prática da referida nulidade pelo que é a própria sentença que cobre a omissão geradora da nulidade. Por isso entende-se que, através do recurso da sentença, no respetivo prazo, pode ser questionada a validade do processo, não tendo de ser arguida a nulidade autonomamente e em prazo específico.[1]
Avançado, pensamos que o praticado pelo tribunal recorrido, no decurso da tramitação dos autos, dá razão, a nível processual, à recorrente. Na verdade, o tribunal, após convidar a requerente/recorrente a esclarecer que pedido pretendia que fosse apreciado neste processo e acabando por se seguir a tramitação prevista a ação de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais, notifica o requerido para apresentar alegações e:
- designa dia para realização da conferência de pais a que alude o art.º 35.º do RGPTC (cfr. o art.º 42.º, n.º 5, do mesmo diploma).».
Os citados artigos 35.º e 42.º, nºs. 3 a 5 (estes números estão interligados), dispõem que:
- autuado o requerimento ou a certidão, os pais são citados para conferência, a realizar nos 15 dias imediatos – artigo 35.º, n.º 1 -;
- o requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente (n.º 3);
- junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente (n.º 4);
- caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º (n.º 5, todos do artigo 42.º, do R. G. P. T. C. -).
No caso concreto, o tribunal, expressamente, reporta a marcação de conferência de pais à situação em que não se está perante um pedido infundado ou que é desnecessária a alteração, pelo que entendeu que não havia motivo para arquivar o processo, mandando prosseguir os autos.
Quando o entendeu infundado, indeferiu liminarmente (ou seja, sem prévia audição do requerido) o pedido – alteração da residência dos menores -; mas naquela outra situação, determinou a prossecução dos autos.
Poderia eventualmente entender-se que o tribunal tinha determinado a realização de diligências prévias para aferir se o processo havia de prosseguir ou não, conforme o possibilita o disposto no citado artigo 42.º, n.º 6 (antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias)[2].
Mas o tribunal determinou o prosseguimento dos autos e não a realização de diligências para aferir se iria arquivar o processo.
Não vemos que, depois de iniciada a conferência de pais e obtido o resultado da audição técnica especializada, se possa considerar, sem que nada tenha sucedido de novo nos autos, que o pedido devesse (e pudesse) ser desde logo julgado improcedente. E, para reforço desta nossa opinião, tem-se que depois de realizada a conferência de pais e de não se ter atingido o acordo, é que os pais são notificados para apresentarem alegações, onde podem indicar a sua prova.
Ou seja, se o pedido de alteração se inicia com um requerimento onde o progenitor alega, sucintamente, os respetivos fundamentos e o outro é citado para alegar o que tiver por conveniente, é após a realização da conferência de pais e da (no caso) audição técnica especializada, que estes não só podem apresentar alegações como indicarem meios de prova – artigo 39.º, n.º 4, ex vi citado artigo 42.º, n.º 5, do R. G. P. T. C. -.
Depois de o tribunal ter ouvido os pais e de se ter apercebido das questões que os podem dividir e que podem até já ser menos do que as que inicialmente existiam e após saber se as alegações acrescentam alguma concretização ao pedido de alteração, é que poderá estar em condições de decidir que não há que avançar para julgamento, podendo proferir sentença.
Se o tribunal não concluiu, pela leitura do requerimento inicial ou da alegação da parte contrária, que o processo deveria ser arquivado, não será após ter parcialmente ouvido os pais (a diligência foi suspensa e é retomada depois de se saber do resultado da audição técnica especializada, conforme artigo 39.º, n.º 1, do R. G. P. T. C.) e sem os mesmos poderem alegar o que tiverem por conveniente, que o tribunal passa a saber que o processo já pode ser decidido.
Terá que se aguardar que sejam apresentadas as alegações ou que as partes juntem prova para depois, analisando o que é pedido e o que é alegado, se aferir se há necessidade de se produzir prova ou se, pelo contrário, mesmo que se produza prova, o resultado é seguro que será o que se vai decidir (em situação semelhante ao que sucede quando se profere decisão no saneador (artigo 595.º, n.º 1, b), do C. P. C.).
Admite-se, teoricamente que, finda a audição técnica especializada, onde se obteve um resultado expressivo no sentido de não haver diálogo entre os progenitores, o tribunal possa entender que é inútil continuar a conferência de pais por se perspetivar, com grande probabilidade, o insucesso na obtenção de acordo; mas este raciocínio é sempre falível atenta a natureza da situação.
No caso concreto, importa não esquecer que, já por duas vezes, os progenitores celebraram acordo entre si, acabando por ter sido inviabilizada uma hipotética concretização de um terceiro acordo ao não se finalizar a conferência de pais.
E, para nós, é certo que não se pode prescindir judicialmente da fase da alegação e apresentação de prova, não só por estar legalmente estipulada mas também porque, antes da sua concretização, o tribunal não pode concluir que pode decidir do pedido com segurança.
Assim, não podia o tribunal, no momento em que o fez, ter proferido a decisão, tendo omitido a prática de atos processuais que influem na decisão da causa: as partes não puderam alegar o que entendiam ponderando, por exemplo, o que sucedeu na conferência de pais, na audição técnica especializada e não puderam apresentar meios de prova, novos ou que alterassem os que anteriormente apresentaram.
Nessas alegações, podem as partes reduzir as suas pretensões ou esclarecer que o que pretendem não é determinar se os menores vão ou não à catequese ou se devem frequentar aulas de bateria, mas antes que existe um incumprimento que não torna possível manter o acordo.
Tudo isto sem prejuízo de se poder entender que, estando reguladas as responsabilidades parentais, as vicissitudes que se alegam não podem ser entendidas como motivo para alterar o já regulado, constituindo unicamente fatores para se verificar que não está a ser cumprido o que foi acordado - artigo 41.º, do R. G. P. T. C. -.
Não sendo arquivado o pedido, naquele momento já referido, só após a realização da conferência (ao contrário do mencionado na sentença, o tribunal não realizou conferência de pais, apenas a iniciou, não a finalizando), é que se pode aferir se não é necessário realizar julgamento (sendo apresentadas provas, como já foram).
Há assim motivo para anular a referida sentença, ora recorrida, por ter sido esse ato praticado em contravenção do legalmente estatuído, tendo que ser praticados os atos em falta: conclusão da conferência de pais e conferir às partes a oportunidade de apresentarem alegações ou juntarem prova.
*
Uma última nota: quanto à questão do pedido de alteração da residência dos menores que, como consta no relatório, foi liminarmente indeferida (decisão da qual não houve recurso), face à anulação da decisão, não será objeto de análise na decisão do presente recurso, apesar de constar das alegações.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, anula-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir para conclusão da conferência de pais e, se for caso disso, cumprimento do disposto no artigo 39.º, n.º 4, do R. G. P. T. C..

Custas do recurso a cargo do recorrido.

Registe e notifique.

Porto, 2022/07/13.
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira.
Ana Vieira.
______________________________
[1] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 183: «se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer ato que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.».
[2] Pensamos que foi este o entendimento expresso no Ac. da R. G. de 04/10/2017, José Alberto Dias, www.dgsi.pt.