Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20765/20.2T8PRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DECISÃO PROVISÓRIA
ALTERAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RP2024022020765/20.2T8PRT-D.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A impugnação da matéria de facto tem de ser dirigida contra um determinado facto concreto dado como provado ou não provado, não contra a convicção ou motivação em que se baseou o Tribunal de 1ª instância para o julgamento de facto.
II - Incumbe ao Apelante pôr em causa o meio de prova mencionado pelo tribunal para dar como provado determinado facto, ou convocar outro meio de prova não valorado pelo tribunal que imponha decisão diversa, mas sempre tendo por referência o facto que impugna e que tem de ser expressamente concretizado nas conclusões do recurso, sob pena de rejeição.
III - As decisões provisórias em sede de regulação das responsabilidades parentais podem ser alteradas desde que sejam devidamente fundamentadas em termos de facto e de direito e sejam tomadas em prol do superior interesse do menor, nelas devendo ser esclarecido em que medida esse interesse justifica a alteração, de forma a permitir que a decisão possa ser escrutinada pelos progenitores e dela possam recorrer, se for o caso.
IV - Neste contexto, deve o julgador apurar, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, qual é a opção que melhor corresponde ao superior interesse do menor. Não o interesse dos pais, mas o interesse daquela criança em concreto, perante o condicionalismo em que vive, os sentimentos que exterioriza, mormente a vontade que manifesta a respeito de com quem quer ficar a residir habitualmente e da parte de quem sente maior apoio emocional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 20765/20.2T8PRT-D.P1- APELAÇÃO
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Sumário (elaborado pela Relatora):

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I. RELATÓRIO:

1. AA intentou Acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, contra BB, relativamente aos filhos menores CC e DD, por requerimento de 16.11.2020, na sequência da separação do casal.
No dia 17.11.2020 foi a vez do progenitor BB vir também requerer a regulação do exercício das responsabilidades dos dois filhos, tendo sido ordenada a incorporação dos dois processos num só.

2. Tendo sido aberto Processo de Promoção e Proteção em 16.12.2020, o qual correu termos sob o apenso G), por sinalização de situação de perigo em virtude de auto de notícia por causa da progenitora ter apresentado queixa na PSP por violência doméstica- dele constando que a menor DD terá alegadamente presenciado discussões entre os progenitores-, veio a ser aplicada a medida de meio natural de vida- apoio junto dos pais- com início em Março de 2021 e arquivamento em 9.06.2022.

3. Realizada Conferência de Progenitores a 11.01.2021, apenso C, foi fixado um regime provisório, por acordo dos progenitores exarado em acta e homologado por sentença, para vigorar até final do ano lectivo 2020/2021, com o seguinte teor:
- Acordam em fixar a residência das crianças, CC, nascido em ../../2008 e DD, nascida em ../../2012 com ambos os progenitores, nos moldes adiante expostos.
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  As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, nomeadamente a escolha do estabelecimento de ensino privado a frequentar pelas crianças a educação religiosa, desportiva ou cultural das crianças, as intervenções cirúrgicas, a orientação escolar ou profissional da criança, a alteração da residência para o estrangeiro, a administração de bens recebidos por doação ou herança, a autorização para casamento, a obtenção de licença para condução de ciclomotores e a representação em juízo, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que possível.
  O exercício das responsabilidades parentais, relativas aos atos da vida corrente das crianças cabe a ambos os progenitores.--/
  As práticas educativas incumbem a ambos os progenitores.
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  - As crianças continuarão a residir na Casa de Morada de Família, sita na Rua ..., Porto.
  -Os progenitores permanecerão nessa residência em regime de alternância semanal, de 6ºfeira a 6ª feira, sendo que a troca entre progenitores terá inicio à 6ª feira no final das actividades escolares das crianças, momento em que o progenitor que inicia a semana vai buscar os filhos, devendo aquele que a termina sair da casa de morada de família até às 19.00h desse mesmo dia.
  -Na próxima semana, o regime será a iniciar com o progenitor, indo este buscar as crianças aos respetivos estabelecimentos de ensino na 6º feira ( dia 15 de Janeiro) no final das actividades escolares.
  - Durante a semana o progenitor continuará a levar o filho CC aos treinos desportivos que este frequenta.
  - O progenitor que não tenha as crianças consigo durante a semana, pode tomar uma das refeições principais com os filhos às 4º feiras.
  -O progenitor que não tenha as crianças consigo nessa semana poderá ainda contatar, diariamente, com as mesmas via telefone, ou outro meio de comunicação que áudio quer visual, entre o período das 19:00 horas e as 21:30 horas.
  Alimentos:
Não se fixam, visto que cada um dos progenitores suportará as despesas diárias referentes aos menores, na semana em que estejam com os mesmos.
O acordo acabado de alcançar irá vigorar até ao final do presente ano lectivo dos menores.”

4. Em 26.03.2021 o progenitor BB intentou Alteração do Regime das Responsabilidades Parentais, que corre termos sob o apenso D), requerendo que fosse fixado o regime nos seguintes termos:
“a) Residência:
A residência dos filhos é fixada junto do Pai, sem prejuízo de as questões de particular importância para a vida das crianças serem exercidas em comum por ambos os pais, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer deles pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
b) Regime de Visitas:
1. O CC e a DD passam com a Mãe em fins de semana alternados, de quinze em quinze dias, com início no final das atividades letivas de sexta-feira e termo às 19.30 de domingo.
2. As recolhas e entregas são feitas no equipamento educativo, se houver atividades letivas, ou na residência do Pai não as havendo.
3. Os Menores passam com a Mãe a Consoada, entre as 18 horas do dia 24 de dezembro e as 12 horas do dia 25 de dezembro, nos anos pares, alternando-se com o Pai, nos anos ímpares.
4. Os Menores passam o fim de ano, entre as 18 horas do dia 31 de dezembro e as 12 horas do dia 1 de janeiro, nos anos pares, com o pai e o dia de Ano Novo, entre as 12 horas do dia 1 de janeiro e as 10 horas do dia 2 de janeiro, com a mãe, alternando-se nos anos seguintes.
5. No mês de Agosto as crianças passam quinze dias seguidos com cada um dos Pais, em períodos a acertar entre ambos até 30 de abril do ano respetivo. Não havendo consenso, nos anos pares, tem preferência de escolha a mãe e, nos ímpares, o Pai
6. As conduções dos menores são asseguradas pela Mãe.
c) Pensão de Alimentos
1. A Mãe contribuirá, para o sustento dos Menores, com uma prestação de alimentos global no montante mensal de € 600,00 (seiscentos euros), sendo a de € 300,00 para cada um dos Menores.
2. A Mãe pagará ainda metade das despesas incorridas com a educação dos Menores, nomeadamente inscrição, matrícula, propinas, mensalidade, explicações, livros, material didático, e todo o demais relacionado com a educação.
3. As despesas com a saúde da criança, mais concretamente com médicos, medicamentos, órteses, próteses, intervenções cirúrgicas, aparelhos de correção, análise e exames, serão suportadas em partes iguais pelos pais e na medida que não sejam comparticipadas pelo sistema de saúde ou seguro de saúde.
4. Sendo as despesas referidas nos pontos b) e c) supra pagas por um só dos pais, o reembolso da parte que cabe ao outro é feito no prazo de dez dias subsequente à data em que a este for apresentado o respetivo recibo, emitido em nome da criança.”

5. No âmbito desse apenso D) os menores foram ouvidos em sede de Conferência de Pais, constando súmula das suas declarações na acta de 7.06.2021.

6. Nesse mesmo apenso a progenitora AA apresentou articulado superveniente em 20.08.2021 informando que pretendia fixar a sua residência em Barcelos e requerendo a guarda dos menores fixando-se a sua residência em Barcelos, devendo fixar-se regime de visitas ao progenitor com periodicidade quinzenal, com início às sextas findas as actividades lectivas e termo às 19:30 h de domingo, mais requerendo que o progenitor contribuísse com a quantia de €2500,00 mensais e com metade das despesas extraordinárias de saúde.

7. No âmbito desse apenso D) os progenitores foram ouvidos em sede de Conferência de Pais, tendo ambos manifestado o seu desacordo relativamente ao regime então em vigor, mas não acordaram quanto à sua alteração por ambos pretenderem que a residência dos menores fosse fixada junto de si, constando as suas declarações na acta de 13.12.2021.

8. Por decisão proferida em 24.05.2022, Ref Citius 436919996, foi fixado novo regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, com o seguinte teor:
“Face a todo o exposto, decido fixar o seguinte regime provisório:
- fixa-se a residência dos menores CC e DD junto do progenitor, cabendo a ambos os progenitores a decisão das questões de particular importância;
- os menores passarão os fins-de-semana com a mãe e o pai, numa sequência de dois fins-de-semana com a mãe e um com o pai; nos fins-de-semana a passar a com a mãe, esta irá buscar os menores à sexta-feira, no final das atividades letivas, e entregá-los em casa do pai ao domingo, pelas 21h00;
- nas férias escolares (Natal, Páscoa e Verão) os menores passarão semanas alternadas com cada um dos progenitores, com troca à sexta-feira, pelas 19h00;
- nas férias escolares de verão, os menores passarão ainda quinze dias seguidos com cada um dos progenitores, em período a acordar entre ambos, sendo que, em caso de falta de acordo, a mão escolherá primeiro nos anos pares e o pai nos anos ímpares;
- a progenitora pagará uma pensão de alimentos no montante mensal de € 150,00 para o CC e € 250,00 para a DD, a pagar por transferência bancária até ao dia 8 de cada mês;
- as despesas médicas e medicamentosas serão suportadas em partes iguais pelos progenitores.
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Notifique.
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Notifique ainda os progenitores expressamente (e não por remissão para o despacho) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39º/4 do RGPTC.”

9. Os progenitores e os menores foram submetidos a audição técnica especializada, os menores foram avaliados pela Dra EE, psicóloga junto do tribunal a quo, que emitiu parecer que se mostra junto aos autos em 12.07.2023 e, posteriormente foram todos submetidos a exame no INML, constando dos autos os respectivos relatórios juntos em 6.02.2023.

10. Iniciou-se a audiência de julgamento, tendo sido ouvidos novamente os menores constando as suas declarações por súmula na acta de julgamento de 25.05.2023 e as declarações dos progenitores ficaram gravadas na acta de 4.07.2023 .

11. Nesse apenso D) veio a ser proferida decisão em 13.07.2023, Ref. Citius 450491676, que fixou novo regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, com o seguinte dispositivo:
Face a todo o exposto, decido fixar o seguinte regime provisório:
- fixa-se a residência da menor DD junto da progenitora, a quem caberá a decisão quanto aos atos da vida corrente, aqui se incluindo a escolha de médicos e seguimento das prescrições dos mesmos, assim como a escolha das atividades extracurriculares;
- o menor CC continuará a residir com o progenitor, a quem caberá a decisão quanto aos atos da vida corrente, aqui se incluindo a escolha de médicos e seguimento das prescrições dos mesmos, assim como a escolha das atividades extracurriculares;
- a decisão das questões de particular importância para a vida dos menores caberá a ambos os progenitores;
- os menores passarão os fins-de-semana, alternadamente e em conjunto, com o pai e a mãe, entre sexta-feira no final das atividades escolares e domingo às 21h30;
- as deslocações dos menores do Porto para Barcelos serão asseguradas pela mãe e de Barcelos para o Porto asseguradas pelo pai;
- fora do período de férias escolares, cada um dos progenitores poderá jantar com a DD e o CC, em conjunto, uma vez por semana, jantar que deverá ocorrer, alternadamente, em Barcelos e no Porto, sem prejuízo das atividades escolares e extracurriculares de cada um dos menores;
- as despesas médicas, medicamentosas e escolares (livros e material escolar) serão suportadas em partes iguais por cada um dos progenitores;
- mantém-se o regime fixado para as férias escolares;
- é eliminada a pensão de alimentos a cargo da progenitora.”

12. Inconformado com esta última decisão, o Requerente/Apelante interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. Por douto Despacho de 13 de julho de 2023 veio o Insigne Tribunal a quo determinar a alteração do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais da Menor DD, confiando a sua guarda à Progenitora, ora RECORRIDA,
Decisão com a qual não pode conformar-se atenta a incorreta valoração da prova carreada e produzida e consequente violação de normas imperativas, em particular no que respeita à tutela do superior interesse do menor.
II. Entende o RECORRENTE que mal andou o Insigne Tribunal a quo ao fixar a factualidade como o fez e que consequentemente veio erroneamente ponderar o superior interesse da Menor.
III. Mais concretamente, e no que respeita à matéria de facto dada como assente, entende o RECORRENTE que não foram aportados elementos probatórios suficientes para suportar que (i) o RECORRENTE veio admitir ter inquirido a Menor sobre o teor das declarações por estas prestadas a 25 de maio de 2023, que (ii) a Menor não gosta de viver no agregado familiar do Progenitor, e que (iii) o Progenitor boicotou os tratamentos da Menor.
IV. Abordando primeiramente a suposta admissão pelo Progenitor de uma dita inquirição realizada à Menor sobre o teor das suas declarações, e auscultando-se as gravações da sessão de audiência de julgamento de 4 de julho de 2023 (sessão em que o RECORRENTE prestou declarações), verdade é que em momento algum veio o RECORRENTE admitir o que lhe foi imputado pelo Tribunal a quo.
V. Pelo contrário, e conforme clara e expressamente foi relatado perante o Tribunal a quo, o que na realidade o Recorrente admitiu foi ser um pai preocupado e atento.
VI. Concretizando: no dia 25 de maio de 2023, foram a Menor e o seu irmão recolhidos por órgão de polícia criminal junto das instituições de ensino que frequentavam à data, para virem prestar declarações em sede de audiência de julgamento.
VII. Por sua vez, consciente da enorme pressão que deverá ter representado para a sua filha, de 11 anos apenas, ser objeto de tal diligência, entendeu o RECORRENTE assegurar o seu transporte de volta para o ... Colégio ..., escola que frequentava à data.
VIII. Ao agir como agiu, acreditou o RECORRENTE estar a acautelar o melhor interesse da menor.
IX. Com esse propósito, o Progenitor deslocou-se para o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca Porto no final de tal diligência e conduziu a Menor até ao supra-aludido Colégio.
X. Acontece que, quando já se encontravam diante da porta dessa instituição, começou a Menor a chorar, pedindo desculpa pelo que havia imputado ao pai nessa diligência.
XI. Preocupado com tão inesperada reação e ciente da pressão a que havia sido sujeita, questionou o RECORRENTE a Menor, no sentido de vir descortinar a fonte de tal angústia.
XII. E foi neste contexto que a Menor terá revelado, ainda que laconicamente, o teor das suas declarações.
XIII. Pelo exposto, entende o Recorrente não resultar da prova produzida perante o Tribunal a quo a sua admissão do que lhe foi imputado, muito menos que a situação acima descrita poderia evidenciar algum tipo de pressão exercida pelo pai.
XIV. Pelo contrário, é forçoso concluir que qualquer bom pai de família teria reação idêntica, pelo que de tal comportamento não podem ser tiradas as nefastas conclusões avançadas pelo Tribunal a quo.
XV. Em suma, ao dar como assente a suposta admissão pelo ora RECORRENTE da factualidade acima referida, julgou o Tribunal a quo mal, devendo, por isso, ser dado como não provado o facto a que este se refere e, consequentemente, serem revogadas quaisquer ilações deste decorrentes.
XVI. A respeito das preferências da Menor, importa salientar que grande parte das frases imputadas à Menor, mais concretamente os segmentos que aparentam fundamentar a decisão tomada pelo Tribunal a quo, são absolutamente conclusivas e não indicam às partes quais os concretos fundamentos dos quais a Menor ou o Insigne Tribunal a quo retirou tais conclusões.
XVII. Por outro lado, encontra-se devidamente reportado nos autos o ascendente psicológico que a Progenitora detém sobre a Menor, ascendente este consolidado pela sistemática vitimização da RECORRIDA perante esta.
XVIII. Ainda assim, quer o Tribunal a quo suportar que se deva valorar declarações prestada pela Menor, sem que se tenha também em consideração o ascendente psicológico que a Progenitora sobre esta detém.
XIX. Pelo que é forçoso concluir que as declarações prestadas pela Menor deverão ser valoradas, tendo em consideração (i) a pressão a que esta se encontrava sujeita durante a sua inquirição e (ii) o ascendente psicológico da Progenitora, ora RECORRIDA.
XX. Em suma, deve ser revogada a parte decisória do Despacho ora recorrido que fixa a preferência da Menor no sentido de ir residir com a Progenitora, ora RECORRIDA.
XXI. Por fim, e no que respeita ao suposto boicote pelo Progenitor dos tratamentos da Menor, não pode o RECORRENTE deixar de vir insurgir-se, frontal e expressamente, contra tão vil imputação, por ser manifestamente contrária à verdade.
XXII.  A Menor encontrava-se à data da prolação do Despacho a ser acompanhada por psicóloga associada ao ... Colégio ..., Colégio este em que o Progenitor inscreveu a filha e o qual recomendou tal apoio.
XXIII. O Progenitor, ora RECORRENTE, foi sempre o principal promotor deste acompanhamento, tendo inscrito a Menor em Colégio com infraestruturas humanas que viabilizem tal acompanhamento, acatado a recomendação desta instituição e viabilizado a realização das consultas.
XXIV. De relevar será ainda que foi o Progenitor quem suportou todos custos associados com tal acompanhamento, sem nunca tendo vindo a reclamar qualquer comparticipação à RECORRIDA.
XXV.  Acontece que, em contraposição ao papel ativo do Progenitor, limitava-se a ora RECORRIDA a tentar descredibilizar os esforços por este empregues, assumindo uma postura passiva, mesmo de laissez-faire.
XXVI. Por outro lado, à Progenitora, ora RECORRIDA, foi SEMPRE dado conhecimento de todo o acompanhamento prestado à Menor, tendo sido feita uma tentativa de inclusão da mãe nesses mesmos tratamentos, tentativa esta que saiu frustrada.
XXVII. Em suma, deve dar-se por não provado o facto 39. e ser este substituído por outro que evidencie o papel ativo do Progenitor, ora RECORRENTE, na procura do bem-estar psicológico e da estabilidade emocional da Menor, custeando e, desse modo, viabilizando o acompanhamento semanal da Menor por uma psicóloga, em contraposição com a postura passiva e, por vezes, disruptiva da Progenitora, ora RECORRIDA.
XXVIII. Estabelecidos que estejam os erros na apreciação da prova que o Tribunal a quo incorreu, s.m.o., ao decidir como decidiu, importa salientar que o Despacho recorrido não acautela o superior interesse da Menor, por (i) pôr em causa o projeto educativo da Menor e por (ii) sujeitar a Menor a uma violenta alteração das relações de amizade e familiares, contribuindo exponencialmente para a instabilidade emocional e afetiva que já assombram a Menor.
XXIX. Ora, a respeito do projeto educativo da Menor, sempre se deverá relevar que esta se encontrava inscrita no melhor colégio em Portugal – o ... Colégio ....
XXX. Ora, é nesse Colégio que a Menor tem vindo a ser acompanhada por psicóloga.
XXXI. A par desse acompanhamento, encontra-se a situação da Menor devidamente sinalizada junto do corpo docente dessa instituição que, consequentemente, tem vindo a prestar uma atenção redobrada ao seu aproveitamento escolar.
XXXII. Acontece que é também nesse Colégio que a Menor, que padece de dificuldades em integrar-se em novos grupos, encontra todos os seus amigos de infância, com os quais mantem relações que contribuem para a sua estabilidade emocional.
XXXIII. Pelo exposto, é forçoso concluir que a frequência dessa instituição de ensino reflete uma aposta formativa segura e consciente, representando, por tanto, um projeto formativo que acautela o superior interesse do menor.
XXXIV. Em contraposição a tal projeto, entende a Progenitora, o Digno Magistrado do Ministério Público e a Meritíssima Juiz ser “melhor”para a Menor arrancá-la das suas raízes, retirá-la do Colégio e, por conseguinte, do núcleo de amigos que sempre teve e que sempre a apoiou, e de a colocar numa escola não determinada em Barcelos, localidade em que a Menor não conhece ninguém e onde não se encontra garantido o necessitado apoio oferecido pelo Colégio.
XXXV. Neste conspecto, entende o RECORRENTE que, ao ser retirada a Menor da sua guarda, e sendo esta forçada a frequentar escola ainda desconhecida, localizada algures em Barcelos, veio o Tribunal a quo comprometer o projeto formativo da Menor, em prejuízo do seu superior interesse.
XXXVI. Por outro lado, a Progenitora não consegue proporcionar a mesma estabilidade e apoio emocional que o Progenitor, ora RECORRENTE, quer (i) por não ser conhecida a sua disponibilidade horária, quer (ii) por não possuir uma retaguarda familiar que possa vir a cuidar da Menor quando a Progenitora não o possa fazer, quer (iii) por a Progenitora se encontrar ela mesma numa situação de fragilidade emocional, evidenciada pela sua constante vitimização.
XXXVII. Ademais, a atribuição da guarda exclusiva da Menor à Progenitora implicará também a sua separação do irmão, relação esta que em muito contribui para a estabilidade emocional da Menor.
XXXVIII. Ora, sendo a regra a da não separação dos irmãos, e não tendo sido avançadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público e pelo Insigne Tribunal a quo razões suficientes que justificassem o afastamento de tal regra, não consegue o RECORRENTE conceber, muito menos conceder, que esta separação tenha ainda assim sido decretada, à revelia da lei e da prática jurisprudencial nacional.
XXXIX. Por tudo o exposto, é forçoso concluir que a alteração do regime provisório no que respeita à Menor é manifestamente contrária à lei, por não salvaguardar o seu superior interesse.
XL. Ainda no que respeita à integração de conceito indeterminados pelo Tribunal a quo, não se pode o RECORRENTE conformar com a inclusão por este último da escolha de médicos e de prescrições a serem administradas à Menor no conceito de atos de vida corrente, na aceção dada pelo artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil.
XLI. Acontece que a Meritíssima Juiz tratou a “(...) escolha de médicos e seguimento das prescrições dos mesmos (...)” (realçado e sublinhado nossos) como “atos da vida corrente”, em pé de igualdade com a escolha das atividades extracurriculares.
XLII. Atendendo ao perfil da Menor e às divergências que já surgiram entre os Progenitores quanto ao acompanhamento que a esta deve ser assegurado, entende o RECORRENTE que certas decisões respeitantes à escolha de médicos e de prescrições a serem administradas à Menor não se encontram incluídos nos atos de vida corrente confiados à discrição de um só progenitor, impondo-se que estas decisões, por configurarem questões de particular importância, devam ser tomadas em conjunto.
XLIII. Por outro lado, não se encontra no douto Despacho fundamentação suficiente para justificar o afastamento do regime da decisão conjunta (cfr. artigo 1906.º, n.º 3, do CC).
XLIV. Em suma, por configurarem questões de particular importância, devem a seleção de psicólogos e psiquiatras que acompanhem os Menores, bem como a administração de fármacos por estes prescritos, ser objeto de ponderação conjunta dos Progenitores.
XLV. Por fim, destaca-se ainda que, conforme se tem vindo a evidenciar, as fragilidades probatórias do Despacho ora posto em crise são ou deveriam ser do conhecimento do Tribunal a quo, entendendo o RECORRENTE que, atendendo à data em que foi proferido o Despacho (apenas um dia após a apresentação do Requerimento a que acima se fez referência), não ter sido dada devida consideração ao teor desse Requerimento.
XVI. Neste conspecto, deve o douto Despacho proferido a 13 de julho de 2023 ser (i) revogado, por não dever ser tida por provada a necessidade de alteração do regime provisório em vigor à data da sua prolação, e (ii) substituído por um que indefira o promovido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, a 10 de julho de 2023, dignando-se V./ Ex.ªs a ordenar, consequentemente, a restituição da guarda da Menor ao Progenitor, ora RECORRENTE, e a reinstituição do regime de exercício de responsabilidades parentais previamente em vigor.

13. A Requerida/Apelada não ofereceu contra-alegações.

14. O Magistrado do Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela confirmação do julgado.

15. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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Questões a decidir:
1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2ª Questão- Alteração do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais quanto à menor DD.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. por despacho de 24/05/2022, a residência dos menores CC e DD foi fixada junto do progenitor, cabendo a ambos os progenitores a decisão das questões de particular importância;
2. foi ainda determinado que os menores passariam os fins-de-semana com a mãe e o pai, numa sequência de dois com a mãe e um com o pai e que nas férias escolares passariam semanas alternadas com cada um dos progenitores;
3. na referida decisão considerou-se que, para além do mais, que: - O CC e a DD mantêm entre si uma relação salutar, com manifestações de afeto e preocupação; - A DD identifica o pai e a mãe como figuras de referência positiva, evidenciando um processo de vinculação segura a ambos; - Manifesta afetos positivos quer pela mãe, quer pelo pai, sendo a mãe por si representada como alguém que garante um contexto mais estruturado e com regras; - Manifesta vontade de ter uma relação próxima com ambos os pais e manter contactos regulares com ambos; - Não perspetiva como positiva uma mudança de contexto escolar ou de cidade; - Evidencia conflito de lealdade e tendência de aliança à progenitora, assumindo uma postura protetora face à mesma, sentida como mais frágil e vulnerável; - O CC perspetiva a mãe e o pai como elementos de afeto, identificando ambos como figuras de referência positiva; - Evidencia um processo de vinculação segura a ambos os progenitores; - Denota necessidade de manter uma relação próxima com ambos os progenitores; - Manifesta vontade de manter contactos e convívios regulares com ambos os progenitores; - Não admite a possibilidade de mudar de residência do Porto para Barcelos, sentindo-se integrado e ajustado no contexto escolar e grupo de pares; - Ambos os progenitores mantêm uma relação afetiva próxima com os filhos e mostram-se capazes de satisfazer as necessidades físicas e psicológicas dos mesmos;
4. o conflito existente entre os progenitores provoca um impacto nefasto na DD e no CC, não possuindo os mesmos recursos internos para lidar com a complexidade desse conflito;
5. atualmente, a DD não gosta de viver no agregado familiar do progenitor;
6. já teve ataques de ansiedade, sentindo-se com falta de ar e o corpo a tremer;
7. sente a mãe como mais preocupada consigo do que o pai, parecendo-lhe o pai assustador quando está zangado;
8. sente a mãe como mais carinhosa do que o pai;
9. é sua vontade ir residir para casa da mãe, em Barcelos, mesmo tendo consciência que tal implica uma mudança de escola;
10.tem um relacionamento saudável com o irmão, mas o facto de o irmão pretender continuar a viver com o pai não afeta a sua vontade;
11.o CC gostaria de prestar igual período de tempo com cada um dos progenitores;
12.considera que a DD se abre mais com a mãe do que com o pai e que tem uma relação mais estável com a mãe;
13.sente que a irmã não está feliz com a atual situação, compreendendo a sua vontade de querer viver com a mãe;
14.pretende continuar a viver com o pai e nas férias de verão quer passar igual período de tempo com ambos;
15.gostaria de a meio da semana jantar com a mãe;
16.ambos os progenitores possuem competências para responder às necessidades dos filhos, embora o conflito em que se mostram envolvidos os impeça por vezes de pôr em prática tais competências;
17.após a audição da DD, o progenitor confrontou a mesma com as declarações por si prestadas, procurando justificar as declarações da menor com a influência que imputa à mãe;
18.exerceu pressão sobre o CC no sentido de convencer a irmã a ficar a viver consigo;
19.O progenitor vive no Porto na casa que era a casa de morada de família; 20.a avó paterna vive próximo, contando o progenitor com o seu apoio, se necessário;
21.é economista numa empresa familiar de que é sócio, sendo gerente a sua mãe, auferindo rendimento mensal superior a € 1.000,00;
22.a aludida empresa não tem feito distribuição de lucros;
23.o colégio privado que a DD frequentou no passado ano letivo era suportado pela referida empresa;
24.Paga de empréstimo bancário referente à casa que era a casa de morada de família a quantia de € 880,00 mensais;
25.de seguro multiriscos referente a tal imóvel paga cerca de €250,00 por ano; 26.e de seguro de vida cerca de € 20,00 a € 25,00 mensais;
27.paga mensalmente € 35,00 pela frequência pelo CC da atividade de basquetebol;
28.e € 30,00 mensais pelo aluguer de instrumento referente à atividade frequentada pela DD;
29.a progenitora vive sozinha em Barcelos, em imóvel comum do casal;
30.exerce a atividade de professora em ..., auferindo o salário líquido mensal de € 1.500,00;
31.paga de prestação bancária a quantia mensal de €470,00, acrescida de €55,00 de condomínio e €72,00 para obras, mantendo-se este último encargo até ao final do ano;
32.os seus pais, irmão, cunhada e sobrinhos residem em Barcelos, contando com o apoio dos mesmos, se necessário;
33.a DD tem vaga em escola pública em Barcelos, próxima de casa;
34.O CC frequenta um centro de estudos cujo custo é de €125,00 mensais, e a atividade de basquetebol, cujo custo é de €35,00 mensais;
35.a mãe levou a DD a consulta de pedopsiquiatria, por sugestão do pediatra;
36.foi-lhe prescrita medicação, a qual iniciou;
37.o pai consultou uma outra pedopsiquiatra que desaconselhou a toma da medicação, tendo a mesma sido interrompida pelo pai;
38.o Colégio frequentado pela DD aconselhou a mesma a ter consultas de psicologia clínica, por demonstrar fragilidade emocional;
39.o acompanhamento não se iniciou de imediato, por o pai não ter dado logo o seu consentimento;
40.a DD adaptou-se bem ao colégio que frequentou no ano letivo 2022/2023, tendo uma boa adaptação à turma e às dinâmicas e regras do colégio;
41.não é muito expansiva e revela dificuldade em expor as suas dúvidas e emoções oralmente;
42.o colégio reforçou a organização da DD ao nível do seu estudo e dos seus métodos, mostrando a DD empenho em ultrapassar as suas lacunas.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1]
São as Conclusões de recurso, que balizam e estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, devendo estas ser autossuficientes no sentido de delas se extrair imediatamente e de forma evidente quais os pontos de facto impugnados, qual a decisão que no entender do recorrente devia ter sido proferida quanto a esses factos impugnados o que, no caso em apreço, só em parte e de forma deficiente aconteceu, porquanto, com excepção da indicação do ponto de facto 39 que foi expressamente impugnado na Conclusão XXVII o Apelante não fez alusão a nenhum outro ponto de facto concreto elencado na sentença recorrida, misturando segmentos de factos dados como provados e motivação do tribunal a quo, discordando essencialmente desta última, obrigando este Tribunal a tentar discernir a que outros factos se refere na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que não lhe é exigível, pois que o modo como abordou tal impugnação não respeitou os ónus acima mencionados, como se pode ver da leitura das Conclusões III a XXVI, deficiência essa que não é passível de ser sanada com convite ao aperfeiçoamento.[2] 
Já Abrantes Geraldes ensina, de forma lapidar, “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”[3]
Ora, analisadas as conclusões de recurso do Apelante se este cumpriu, minimamente, o ónus de especificação dos concretos pontos de facto impugnados no que diz respeito ao ponto 39 dos factos provados, descurou-o quanto à demais matéria factual cuja impugnação pretenderia.
Repare-se que na Conclusão III escreveu o Apelante que entende que não foram aportados elementos probatórios suficientes para suportar que:
(i) o recorrente veio admitir ter inquirido a Menor sobre o teor das declarações por estas prestadas a 25 de Maio de 2023;
(ii) a menor não gosta de viver no agregado familiar do progenitor;
(iii) o progenitor boicotou os tratamentos da menor.
Quanto à primeira questão (i), para além de o Apelante não ter feito referência nesta conclusão de recurso, nem em qualquer outra, a qualquer um dos pontos de facto 1 a 42 dos elencados na sentença, também não vislumbramos qualquer ponto de facto que contenha tal redação.
 É certo que o ponto 17 faz alguma alusão a um episódio desse género mas o seu teor não se esgota nele, sendo que o inconformismo do Apelante dirige-se contra um segmento da motivação da sentença, em que o tribunal afirmou que a “convicção no tocante aos factos supra enumerados baseou-se (…) nas declarações do progenitor que admitiu ter questionado a DD sobre o teor das declarações por si prestadas”.
Ora a impugnação da matéria de facto tem de ser dirigida contra um determinado facto concreto dado como provado ou não provado, não contra a convicção do tribunal ou motivação ou convicção que se baseou não só nas declarações do progenitor mas na articulação de vários outros meios de prova.
Incumbirá ao Apelante pôr em causa o meio de prova mencionado pelo tribunal para dar como provado determinado facto, ou convocar outro meio de prova não valorado pelo tribunal que imponha decisão diversa, mas sempre tendo por referência o facto que impugna que tem de ser expressamente concretizado nas conclusões de recurso, não o tendo sido neste caso.
Por conseguinte, não sendo passível de ser suprida com recurso a convite ao aperfeiçoamento, aquela gritante omissão conduz inevitavelmente à rejeição do recurso nesta parte.
Neste mesmo sentido, citamos, entre outros, o Ac RP de 8/11/2021 segundo o qual “o recorrente que impugna a decisão de facto tem que fazer constar das conclusões do recurso os exactos pontos da matéria de facto de cujo julgamento discorda e por referência aos pontos constantes da decisão recorrida (factos provados e não provados), em conformidade com o disposto no artigo 640º, n.º 1, alínea a), do CPC.  Por outro lado, ainda, o mesmo recorrente tem, nos termos da alínea c) do n.º 1 do citado artigo 640º, que indicar, relativamente às respostas que, na sua perspectiva, deveriam ser restritivas ou explicativas, a resposta alternativa por si proposta. O incumprimento destes ónus primários, atinentes à delimitação do objecto do recurso e do âmbito da actividade jurisdicional que é reclamada do Tribunal ad quem, conduzem à imediata rejeição do recurso na vertente de impugnação da decisão de facto, sem possibilidade de convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do n.º 1 do artigo 640º”[4], tal como reitera de forma muito explícita o recente Ac RP de 9/3/2023 ao afirmar que “querendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto o recorrente tem de indicar, nas conclusões das alegações de recurso, pelo menos, os concretos pontos da matéria de facto cuja decisão pretende ver modificada e o sentido da decisão que deve ser proferida (os restantes requisitos podem ser cumpridos apenas no corpo das alegações), sob pena de rejeição dessa impugnação”[5].
Pelo exposto, rejeita-se nesta parte o recurso na parte relativa a impugnação da matéria de facto  não se conhecendo da mesma, por incumprimento do ónus consagrado no art. 640º al. a) do CPC.
Quanto à segunda questão (ii) sendo certo que o Apelante mais uma vez não fez qualquer referência, nem nesta conclusão, nem nas demais, ao ponto de facto que estava a impugnar por referência aos 42 pontos de facto elencados na sentença recorrida, admitimos que por recurso à redação, coincidindo essencialmente com o ponto de facto 5, dele poderemos conhecer.
Insurge-se o Apelante contra aquilo que apelida de “preferências da menor”, sustentando nas Conclusões XVI a XX que grande parte das frases imputadas à menor são absolutamente conclusivas, concluindo que as declarações prestadas pela menor deverão ser valoradas tendo em consideração a pressão a que esta se encontrava sujeita durante a sua inquirição e o ascendente psicológico que a progenitora sobre esta detém.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como resulta evidente da argumentação do Apelante o mesmo insurge-se contra a valoração que foi dada pelo tribunal a quo às declarações da menor DD, contudo sem razão, porquanto as mesmas foram prestadas quer perante a juíza que presidiu ao julgamento, sem a presença dos progenitores, cuja súmula ficou vertida na acta de 25.05.2023, documento autêntico cuja falsidade não foi invocada, onde consta que “refere que se encontra a residir no agregado familiar do progenitor, embora não esteja a gostar de lá estar”, concretizando depois as razões que a levaram a proferir tal afirmação (que também estão elencadas em alguns dos demais factos provados), quer perante a perita em psicologia forense que elaborou o relatório do exame a que foi submetida no INML, também valorado pelo tribunal a quo, do qual consta que a menor apesar de denotar “uma grande necessidade de proteger a mãe, sentida como mais próxima afetivamente e mais frágil” afirmou claramente “eu acho que é muito pouco tempo com a minha mãe.(…) queria ficar à semana com a minha mãe e todos os fins-de-semana com o pai, porque assim é melhor”, não estando naqueles momentos sujeita a qualquer pressão de inquirição que toldasse a sua vontade, estando-lhe reconhecidas capacidades adequadas à idade (11 anos) que permitem atender à sua vontade quanto à residência a fixar junto de um dos progenitores ( como aconteceu anteriormente quando foi ouvida aquando da fixação da residência junto do pai) nem condicionada por “ascendente psicológico” da mãe apesar de na situação actual a vontade demonstrada pela mãe em ter consigo os filhos possa naturalmente influir no desejo da menor, mas isso não significa necessariamente que esteja a ser “manipulada” a expressar vontade diferente da que sente.
De todo o modo o Apelante não mencionou qualquer outro meio de prova que impusesse decisão diferente da que foi vertida no ponto de facto impugnado, o qual se mantém.
Finalmente, quanto à última questão (iii), que coincidirá com o único facto especificamente impugnado- ponto 39 dos factos provados- o Apelante insurge-se contra aquilo que apelidou na Conclusão XXI de “suposto boicote pelo progenitor dos tratamentos da menor”.
O ponto 39 dos factos provados tem a seguinte redação: “o acompanhamento não se iniciou de imediato, por o pai não ter dado logo o seu consentimento”.
Este facto vem na sequência do ponto 38 dos factos provados, do qual se lê que “o colégio frequentado pela DD aconselhou a mesma a ter consultas de psicologia clínica, por demonstrar fragilidade emocional.”
Relativamente àqueles factos nada é dito de concreto na motivação do tribunal a quo, tendo este feito referência genérica a ter baseado a sua convicção em determinados meios de prova que concretizou, mas relativamente a todos os factos e não a cada um deles em concreto como se impunha, de todo o modo aludiu aos relatórios periciais elaborados pelo INML, à informação prestada pelo colégio frequentado pela DD datada de 12.07.2023, bem como às declarações dos progenitores e dos menores.
Ora, em nenhum desses meios probatórios se pode confirmar aquele facto impugnado, nem sequer na declaração prestada pelo colégio que a DD frequentava, que tendo referido que esta foi acompanhada pela psicóloga do colégio, tendo tido sessões periódicas que surtiram efeito positivo na estabilidade emocional da DD, não fez qualquer alusão a que o pai a ele não tenha dado consentimento.
Diferente é o que consta dos pontos 35 a 37, que dizem respeito a desacordo do progenitor com a toma de medicação prescrita por pedopsiquiatra a que a mãe da DD a levou, factos esses que o progenitor não impugnou mas que não se confundem com o ponto impugnado.
Pretende o Apelante que tal facto seja “substituído por outro que evidencie o papel ativo do progenitor na procura do bem-estar psicológico e da estabilidade emocional da Menor, custeando e, desse modo, viabilizando o acompanhamento semanal da menor por uma psicóloga, em contraposição com a postura passiva e, por vezes, disruptiva da progenitora”(Conclusão XXVII).
O Apelante não cumpriu devidamente com o ónus previsto no art. 640º nº 1 al. c) do CPC pois que aquela alegação não corresponde a qualquer facto concreto que possa ser incluído no elenco dos factos provados em substituição do que estava mencionado no ponto 39, contudo, conforme decorre dos autos, designadamente da informação prestada pelo colégio, ficou provado e como tal deve ficar a constar, que esse acompanhamento foi prestado em sessões periódicas que surtiram efeito positivo na estabilidade emocional da DD.
Deste modo, decide-se alterar a redação do referido ponto 39 dos factos provados para a seguinte:
39. A DD foi acompanhada por uma psicóloga nas instalações do colégio, tendo sessões periódicas que surtiram efeito positivo para a sua estabilidade emocional. 
Pelo exposto, procede apenas em parte este segmento recursivo, alterando-se a redação do ponto 39 dos factos provados atendidos na sentença recorrida.

2ª Questão- Alteração do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais quanto à menor DD.
Para perspetivarmos a decisão que melhor acautelará os interesses da menor DD- se permanecer a residir com a mãe em Barcelos ou voltar a residir com o pai no Porto- não podemos deixar de ter em mente que estamos perante uma decisão provisória de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, que vigora apenas e só enquanto estiver em curso o julgamento que culminará com a decisão final definitiva que fixará o regime a cumprir para futuro (com as nuances que qualquer decisão desta natureza tem de definitivo), e que a menor e o seu irmão CC já foram sujeitos a dois outros regimes provisórios entretanto alterados, apesar de este último ser o que maior impacto tem sobre a menor DD pois que mudou a residência junto do pai para passar a residir junto da mãe, o que acontece desde o início deste ano lectivo, período de tempo manifestamente curto para se poder avaliar serenamente as vantagens ou inconvenientes que tal decisão provisória aqui sob recurso acarretou para a menor.
Recordemos que o Apelante e a Apelada separaram-se em circunstâncias muito conflituosas em finais do ano de 2020, altura em que residiam no Porto, embora tivessem começado a vida de casados e constituído a família em Barcelos, na casa em que actualmente reside a Apelada com a DD, filha de ambos.
Logo em início de 2021, mais precisamente em 11.01.2021, foi homologado acordo de regulação das responsabilidades parentais dos dois filhos, nos termos do qual as crianças continuavam a residir na casa morada de família e os progenitores nela permaneciam em regime de alternância semanal, sendo que o progenitor na semana em que não estava com os filhos permanecia em casa da mãe (no Porto) e a progenitora em casa dos seus pais em Barcelos ou do namorado em ..., trabalhando em ....
Cedo todos perceberam que esse regime sui generis de residência alternada não funcionava bem, potenciando maior conflito, o que foi elucidativamente verbalizado pelos próprios menores quando foram ouvidos em tribunal e que constam dos relatórios de psicologia juntos aos autos, sendo claramente contrário aos interesses de estabilidade emocional e psicológico de todos os membros da família então desagregada, evidenciando os menores sinais de angústia e ansiedade associados ao conflito interparental e ao processo judicial em curso, porque expostos pelos pais directamente ao conflito.
O regime da residência alternada apesar de tudo sempre foi o regime de eleição dos menores, que por mais de uma vez afirmaram querer viver com o pai e com a mãe, embora separados, em semanas alternadas, mas em casa de cada um dos progenitores, mantendo fortes laços afectivos com qualquer um dos progenitores, sendo que ambos os progenitores possuem todas as competências para lhes assegurarem uma vivência adequada aos seus interesses, não fora o conflito exacerbado que mantêm e que se reflecte negativamente nos filhos.
Também o facto de a progenitora assumir o propósito de fixar a sua residência em Barcelos, embora legítimo porque tem lá toda a sua família e trabalha em ..., acabou por tornar evidente ser dificilmente praticável a residência alternada, atenta a distância entre Barcelos e os colégios que ambos os menores frequentavam aqui no Porto, tendo nessa altura ambos os menores verbalizado não quererem deixar de viver na cidade do Porto e de frequentar os colégios aos quais se adaptaram bem.
Perante aquela realidade, impunha-se ao tribunal que a tal pusesse cobro, como veio a fazer, alterando o regime de exercício das responsabilidades parentais então em vigor, depois de devidamente ouvidos ambos os menores, os progenitores e de socorrer-se do relatório de ATE junto em 15.10.2021, e do relatório junto pela psicóloga que colabora com o tribunal a quo-EE- fixando a residência dos menores CC e DD junto do progenitor, atribuindo regime de visitas à progenitora aos fins de semana e parte das férias em decisão proferida em 24.05.2022.
Nessa ocasião, convém relembrar, fez-se expressa menção na decisão proferida em 24.05.2022, que a DD identificava o pai e a mãe como figuras de referência positiva, evidenciando um processo de vinculação segura a ambos, manifestava afetos positivos quer pela mãe, quer pelo pai, sendo a mãe por si representada como alguém que garante um contexto mais estruturado e com regras, manifestando vontade de ter uma relação próxima com ambos os pais e manter contactos regulares com ambos, mas não perspectivava como positiva uma mudança de contexto escolar ou de cidade, tal como o irmão CC que tendo o mesmos laços afectivos com ambos os progenitores não admitia a possibilidade de mudar de residência do Porto para Barcelos, sentindo-se integrado e ajustado no contexto escolar e grupo de pares.
Compreende-se, pois, que naquela decisão, de carácter mais uma vez provisório, tenha ficado exarado como fundamento da fixação da residência de ambos os menores com o pai o seguinte: “de tais factos resulta que o ideal, do ponto de vista do superior interesse dos menores, seria a fixação de uma residência alternada, a qual é, no entanto, inviabilizada pelo propósito da progenitora de fixar a sua residência em Barcelos. Ora, os menores demonstram forte rejeição à mudança do Porto para Barcelos. Não faz qualquer sentido, do ponto de vista do seu superior interesse, sujeitá-los a uma mudança com carácter provisório, a qual implicaria mudança de escolas, uma vez que o Tribunal correria o risco de fixar uma residência aos menores que poderia vir a ser alterada em sede de sentença final, depois de ponderadas todas as provas a produzir.
Assim sendo, entendemos que a residência das crianças deverá ser provisoriamente fixada junto do progenitor, não porque este se mostre mais capaz de assegurar as necessidades dos filhos- uma vez que se apurou que ambos os progenitores mantêm uma relação afetiva próxima com os filhos e mostram-se capazes de satisfazer as necessidades físicas e psicológicas dos mesmos- mas porque a solução em apreço se mostra mais estável para os menores, permitindo-lhes manter a sua integração em termos escolares, de actividades extracurriculares e de convívio com os pares.”
Essa decisão provisória acabou por respeitar a vontade então manifestada por ambos os menores de não quererem mudar novamente de contexto escolar e de cidade, não tendo sido fixada a residência dos menores com o pai por qualquer desfuncionalidade da mãe, porque ambos os progenitores tinham iguais capacidades e competências parentais e ambos mantinham uma relação afectiva próxima com os filhos, o que ainda hoje resulta continuar a ser assim conforme elementos recolhidos nos autos.
Entretanto o processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais seguiu o seu curso, foram novamente ouvidos os menores, foram submetidos a exames no INML, foram ouvidos os progenitores e, decorrido pouco mais de um ano sobre a fixação da residência dos menores junto do pai, em 13.07.2023 é proferida nova decisão provisória que alterou fundamentalmente a residência da menor DD para passar a ser junto da mãe, em Barcelos.
Surge-nos então uma interrogação, que também terá assolado o Apelante e que se depreende estar na base da interposição do presente recurso: Qual a justificação para a filha DD querer ir viver com a mãe, deixando de frequentar o colégio particular no Porto que gostava de frequentar, para passar a frequentar um estabelecimento de ensino público em Barcelos e, com isso deixar de conviver diariamente com o pai e o irmão CC?
O Apelante, apesar de estar ciente que essa vontade foi expressamente verbalizada pela filha DD, que afirmou perante o tribunal a quo, e perante os psicólogos que a ouviram, que tomava essa decisão consciente que deixaria de contactar diariamente com o irmão e deixaria de frequentar o colégio onde estava bem adaptada, quando um ano antes afirmara não ser positiva essa mudança, não concorda em respeitar aquela vontade e argumenta que a filha está sob ascendente psicológico da progenitora e que a mudança “não acautela o superior interesse da menor, por pôr em causa o projecto educativo da menor e sujeitá-la a uma violenta alteração das relações de amizade e familiares, contribuindo exponencialmente para a instabilidade emocional e afetiva que já assobram a menor”(alegação condensada na Conclusão XXVIII, escalpelizada nas conclusões seguintes).
É compreensível que o progenitor considere esta opção da filha como uma escolha “condicionada” ou influenciada pela progenitora e que considere que esta mudança de residência não respeita os interesses que ele entende serem os que melhor garantem a estabilidade emocional e afectiva da menor, mas nem essa sua argumentação encontra respaldo nos factos dados como provados e que em grande medida nem sequer impugnou, nem os interesses que aponta como sendo os primordiais têm a importância que lhes quer atribuir, como veremos mais à frente.
Afigura-se-nos que, por princípio não se deve estar consecutivamente a alterar provisoriamente o regime do exercício das responsabilidades parentais, só se justificando quando a situação assuma gravidade e premência bastante para impôr uma alteração antes de proferida a decisão definitiva, mormente quando a alteração recai sobre a residência do menor, nem se deve decidir em função do interesse que o menor verbalize a cada momento, mas aguardar pela produção de todos os meios probatórios tidos por essenciais para a prolação de uma decisão definitiva consciente e segura.
Isto não invalida que sejam alteradas decisões provisórias desde que sejam devidamente fundamentadas em termos de facto e de direito e sejam tomadas em prol do superior interesse do menor, nelas devendo ser esclarecido em que medida esse interesse justifica a alteração, de forma a permitir que a decisão possa ser escrutinada pelos progenitores e dela possam recorrer, se for o caso.
Já Tomé, d´Almeida Ramião, em anotação ao art. 28º do RGPTC escreve que, “o tribunal pode, ainda, desde que o entenda conveniente, alterar provisoriamente as decisões tomadas a título definitivo- seu nº 2.
E, por maioria de razão, pode alterar ou revogar as medidas provisórias tomadas e adotar outras que julgue mais adequadas e oportunas, tendo em conta os interesses da criança.
Em qualquer dos casos, antes de decidir, o tribunal pode ordenar as diligências sumárias que julgue oportunas, com vista a sustentar as decisões provisórias, que serão sempre fundamentadas de facto e de direito.”[6]
Uma decisão provisória não tem de ter o mesmo nível de exigência de fundamentação que a decisão definitiva, e os factos a ponderar são necessariamente elencados com base em prova sumária, porém, no caso em apreço realçamos que a decisão recorrida apesar de tudo tem o núcleo de factos suficientemente elucidativo da razão que veio a determinar a alteração preconizada, estando suficientemente explicado o sentido decisório tomado, como abordaremos de seguida.

Antes disso, cumpre mencionar que o objecto deste recurso centra-se em dois aspectos essenciais:

2.1. Regime da residência da menor DD;

2.2 Regime estabelecido quanto às escolhas dos médicos e seguimento das prescrições dos mesmos.
Apreciemos cada um dos aspectos sob recurso:

2.1 Regime da residência.
A fundamentação vertida na sentença recorrida no tocante à alteração da fixação da residência da menor para passar a residir junto da mãe, em detrimento da residência junto do pai, que era o regime provisório que estava a vigorar desde há cerca de 1 ano, foi a seguinte:
“No caso concreto, por decisão proferida em 24/05/2022, o Tribunal fixou a residência dos menores com o pai, pese embora na altura manifestassem vontade de passar igual período de tempo com o pai e com a mãe, mas no Porto.
Atualmente a mãe reside em Barcelos, pelo que tal impossibilidade se mantém.
Ao fim de um ano de vigência do regime provisório, a DD manifesta grande infelicidade face ao mesmo, sendo intensa a sua vontade de ir viver com a mãe, o que até o irmão, com 14 anos, demonstrou compreender e aceitar.
A audição das crianças e jovens não pode limitar-se a um formalismo que o Tribunal cumpre para obedecer ao regime legal, devendo ser tanto mais levada em consideração quanto maior for a idade e maturidade da criança.
No caso concreto, a vontade da DD é firme e mostra-se devidamente fundamentada pela sua perceção de que a mãe é mais preocupada consigo do que o pai, parecendo-lhe o pai assustador quando está zangado; e que sente a mãe como mais carinhosa do que o pai; está disposta a aceitar a mudança de escola (onde está bem integrada) e a residência em casa diversa do irmão só para poder viver com a mãe.
Não podemos ainda olvidar que a pressão a que é sujeita pelo pai – note-se que o mesmo questionou a DD sobre as declarações prestadas e pressionou o filho a fazer a irmã mudar de ideias, demonstrando não saber aceitar a vontade da filha – não se mostra saudável para uma jovem de 11 anos.
Por outro lado, face ao número de testemunhas a inquirir - 19 – não se antevê que a audiência de julgamento seja breve; para além disso, o início do ano letivo sempre constituiria um obstáculo a uma mudança que assim apenas poderia ocorrer daqui a cerca de um ano.
Não se ignora que, por regra, o superior interesse das crianças e jovens se satisfaz com a manutenção dos irmãos a viver juntos.
No entanto, e no caso concreto, é de realçar, repete-se, que ambos os menores aceitam tal situação e que o regime de convívios poderá suprir tal separação, tanto mais que é sabido que o convívio se dá mais ao fim-de-semana do que nos dias de semana.”
Fazendo-se alusão ao superior interesse da menor, o que perpassa desta fundamentação, para além da impossibilidade de implementação de um regime de residência alternada da menor DD com cada um dos progenitores, porque para além de não morarem na mesma cidade (a mãe vive em Barcelos e o pai no Porto) não mantêm uma comunicação minimamente funcional um com o outro, é a constatação de que o regime provisório implementado há cerca de 1 ano atrás está a causar grande infelicidade à menor por serem poucos os contactos com a mãe ( só vive com a mãe aos fins de semana), estando subentendido que não se justificava manter a menor nesse sofrimento por mais um ano lectivo (a decisão data de Julho de 2023) porque perante as diligências probatórias a decorrer em sede de julgamento não se perspetivava uma decisão definitiva senão a meio deste ano lectivo 2023/2024, altura em que não seria de todo conveniente uma alteração de estabelecimento de ensino.
Tal como se extrai da factualidade dada como provada, o tribunal entendeu que havia premência em alterar a residência da menor DD para junto da mãe, não por cedência a uma vontade caprichosa ou manipulada da menor, mas porque ela exteriorizou essa vontade de forma genuína, segura, quando já experienciara durante aproximadamente 1 ano o que era a vivência diária durante a semana só com o pai e o irmão.
 Resultou provado dos autos que atualmente a DD não gosta de viver no agregado familiar do progenitor, não porque tenha deixado de gostar de estar com o pai, mas porque sente a mãe como mais preocupada consigo do que o pai, parecendo-lhe o pai assustador quando está zangado, já teve ataques de ansiedade, sentindo-se com falta de ar e o corpo a tremer,  sente a mãe como mais carinhosa do que o pai, sendo sua vontade ir residir para casa da mãe, em Barcelos, mesmo tendo consciência que tal implica uma mudança de escola, sendo até de realçar que apesar de ter um relacionamento saudável com o irmão, o facto de o irmão pretender continuar a viver com o pai não afeta essa sua vontade.
Devemos ter presente que a menor DD tem 11 anos, até há cerca de um ano não sabia o que era viver durante a semana sem a mãe, pelo que quando foi envolvida de forma significativa na separação dos pais e conflitos mantidos entre ambos, a sua principal preocupação- natural numa menina dessa idade- terá sido a de não querer mudar novamente de cidade, ou de colégio onde se adaptara bem e onde fizera amigos- essas eram, à data, as suas prioridades.
Decorrido um ano a viver com o pai e o irmão, sem a presença diária da mãe, com quem mantém um relacionamento afectuoso e muito próximo, a menor DD já não hesita em afirmar que “gostava de ir residir para casa da mãe em Barcelos, porque a mãe a faz mais feliz e não se importa que isso implique uma mudança de escola; mesmo que o irmão não queira viver com a mãe, isso não a impede de querer ir; considera que viver com o pai tornou-a uma pessoa mais ansiosa; a mãe sempre foi uma pessoa mais carinhosa consigo; já teve alguns ataques de ansiedade, sentindo-se com falta de ar e o corpo a tremer; frequentou consultas de psiquiatria, tendo tomado medicação mas o pai retirou-lhe a medicação por considerar desnecessária; evita ao máximo o confronto com o pai; acha que o pai não se preocupa tanto consigo como a mãe, parecendo-lhe assustador quando o mesmo está zangado; o pai não é tão carinhoso como a mãe; não gosta de frequentar a actividade de música no Conservatório, sentindo-se stressada com isso, disse muitas vezes ao pai que não queria continuar, preferia frequentar uma actividade desportiva mas ele não quis entender a sua posição”.
Salienta-se que a menor DD aquando do exame de psicologia forense realizado no INML (meio probatório também valorado na decisão recorrida) terá referido “ eu acho que é muito pouco tempo com a minha mãe (…) eu queria ficar à semana com a minha mãe e todos os fins de semana com o pai.”
Não bastassem estas declarações da menor DD, o próprio irmão CC (14 anos) transmitiu que “na sua opinião a irmã DD tem uma relação mais estável com a mãe, abre-se mais com a mãe, o que acha normal porque são duas meninas; se a sua irmã fosse viver com a mãe compreendia a sua vontade, sente que a mesma não está feliz com a actual situação, mas pretende conviver com a irmã, aos fins de semana e a meio da semana.”
Nesse relatório é dado nota que a DD revelou um nível de funcionamento emocional frágil, demonstrando frágeis recursos e competências desadequadas de resolução de problemas de cariz emocional e relacional, que se nota uma grande necessidade de a criança proteger a mãe, sentida como mais próxima afetivamente e mais frágil, mas o mesmo se escreveu relativamente ao menor CC e nem por isso este deixou de verbalizar que embora lhe custe estar afastado da mãe, quer continuar a viver com o pai, seguramente porque na sua decisão também pesa manter-se a viver e a estudar no Porto, evitando mais mudanças, sem que isso nos permita afirmar que qualquer uma das decisões dos menores esteja condicionada por influência da mãe ou do pai, não havendo indícios  de qualquer manipulação por parte da mãe relativamente à decisão manifestada pela menor DD.
É natural que a menor DD, atendendo até à fase de crescimento e desenvolvimento que atravessa, tenha entretanto tomado mais consciência da falta que lhe faz a convivência diária com a mãe, falta essa que contribuirá para o aumento da sua instabilidade emocional e psicológica, alterando aquelas que eram as suas prioridades, tendo agora manifestado preferência em viver durante a semana com a mãe apesar de estar ciente que essa mudança poderá acarretar mudança de estabelecimento de ensino e que os contactos diários com o irmão passem a ocorrer a meio da semana e aos fins-de-semana.
Cremos que a questão da alegada separação dos irmãos também será uma falsa questão, porquanto o próprio irmão aquando da sua audição no tribunal e no INML não colocou qualquer reserva à opção da DD, não tendo nenhum dos dois condicionado as suas decisões em função do outro (nem o CC o fez) sabendo que vão continuar a estar juntos a meio da semana e durante todos os fins de semana, não acarretando a decisão de mudança de residência da DD alterações significativas que obstaculizem a implementação do novo regime provisório. 
De todo o modo, consideramos que o tribunal a quo a esse propósito valorou devidamente os referidos meios probatórios e baseou essencialmente a sua convicção nas declarações dos menores, tendo esclarecido porque não valorava o relatório a que o Apelante se socorreu pelas razões que fez constar na sentença recorrida e que acompanhamos:
“(…) declarações prestadas pelos menores, cuja audição foi decidida no próprio dia, tendo sido recolhidos para o efeito na escola (precisamente para evitar pressão dos pais quanto ao teor das mesmas), as quais se mostraram totalmente espontâneas e genuínas, sendo patente o sofrimento manifestado pela DD com a sua situação atual, o reconhecimento do irmão de tal situação e a perspetiva dos menores de que não constitui um problema para si um viver com a mãe e outro com o pai, desde que mantenham os convívios. Face a tais declarações, o Tribunal não valorou o relatório de avaliação psicológica junto pelo progenitor, datado de 26/06/2023, quer por o acompanhamento ter sido requerido apenas pelo pai (conforme resulta do teor do próprio relatório, não havendo notícia de que a sua subscritora alguma vez tenha falado com a mãe), quer porque a diferença de perspetivas manifestada pelo CC relativamente à possibilidade de a DD residir com a mãe em Tribunal e, depois disso, em consulta com a Sra Psicóloga, apenas poder explicar-se através da pressão a que terá sido sujeito pelo pai, patente no telefonema supra referido.”
Tal como o tribunal a quo decidiu, também nós não vemos razões ponderosas para não respeitar a vontade tão clara e expressiva da menor DD, não significando a prolação de decisão provisória nesse sentido nenhum acatamento cego do interesse subjectivo da menor mas uma decisão sustentada nos factos apurados, factos esses que aconselhavam a mudança da residência para junto da mãe em prol da estabilidade emocional e psicológica da menor.
É que, contrariamente ao defendido pelo Apelante, o interesse primordial da menor não passa só ou essencialmente pela estabilidade no projecto educativo, ou pela manutenção das relações de amizade e familiares, mas passa essencialmente por potenciar que ela viva mais feliz, que ganhe estabilidade  emocional e psicológica que lhe permita gerir melhor e defender-se do conflito interparental em que se viu envolvida, de nada lhe valendo frequentar um bom colégio, estar integrada em actividades extracurriculares (algumas que nem gostava) e manter-se perto dos amigos, quando o que a perturba, a deixa instável e infeliz é conviver tão pouco com a mãe durante a semana.
De todo o modo, não resulta dos autos provado qualquer facto que impeça que a menor vá viver durante a semana com a mãe, para uma cidade que conhece e onde vivem inclusivamente familiares maternos e onde seguramente a mãe lhe assegurará um projecto educativo adequado (sendo a mãe professora).
“O ponto nevrálgico da intervenção judicial em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais é a figura da criança, entendida como sujeito pleno de direitos, designadamente o de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando-os a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
Na definição concreta do que convém ao superior interesse da criança o julgador não goza de discricionariedade, nem o seu juízo pode ser arbitrário; o julgador deve em qualquer caso guiar-se por critérios sustentáveis racionalmente e ancorados nas circunstâncias objectivas com que se depara.
(…) Não podendo objectivamente ser fixada a residência alternada que seria a situação ideal, há que escolher a situação menos má, qual seja a de fixar a residência com o progenitor com o qual a criança viveu a maior parte do seu tempo de vida e que representa para a criança o seu porto de abrigo, o seu espaço de vivência, segurança e felicidade.”[7]
Deve o julgador apurar, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, qual é a opção que melhor corresponde ao superior interesse do menor.
Não o interesse dos pais, mas o interesse daquela criança em concreto, perante o condicionalismo em que vive, os sentimentos que exterioriza, mormente a vontade que manifesta a respeito de com quem quer ficar a residir habitualmente e da parte de quem sente maior apoio emocional.
Tal como ensina Clara Sottomayor, em anotação ao art. 1906º do CC“o conceito de interesse da criança é um conceito indeterminado que carece de preenchimento valorativo e que deve ser concretizado pela doutrina e pela jurisprudência (…) sendo a posição mais consensual nesta matéria a de que, havendo litígio entre os pais, a guarda da criança deve ser confiada ao progenitor que dela cuidou predominantemente, na constância do casamento, a chamada pessoa de referência da criança (…) b) a pessoa de referência é o progenitor que cuida, no dia-a-dia, do planeamento das refeições e do vestuário da criança, que lhe presta cuidados de higiene e de saúde, que deita a criança à noite(…) que quando a criança é mais velha acompanha o seu desenvolvimento e melhor conhece as suas necessidades sociais e intelectuais, que tem mais capacidade de diálogo e de empatia com ela, que a apoia emocionalmente(…) e que a nova lei exige ainda que sejam ponderadas todas as circunstâncias relevantes: p ex. a idade da criança, o seu temperamento, a sua vontade; a sua saúde e necessidades físicas, psíquicas, emocionais, educativas e sociais; a relação afetiva da criança com cada um dos pais e a disponibilidade destes para cuidar dela(…)”.[8]
Também Tomé D Almeida Ramião defende que, “a solução mais ajustada será aquela que, no caso concreto, melhores garantias dê de assegurar e valorizar o desenvolvimento físico e psíquico do menor, do seu bem- estar, a sua segurança e a formação da sua personalidade, sendo certo e sabido que o conteúdo das responsabilidades parentais se consubstancia no conjunto de poderes/deveres ou poderes funcionais atribuídos legalmente aos progenitores no interesse dos filhos e para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais destes, com vista a assegurar convenientemente o seu desenvolvimento integral e harmonioso ( art. 1878º do C. Civ).”[9]
Relembra-se que tal como se faz menção num dos relatórios efectuados pelo INML aos menores e progenitores, “os vínculos afectivos são de suma importância para um adequado desenvolvimento da criança e esta tem de sentir que o afecto por cada um dos progenitores não constitui um conflito ou ataque agressivo ao outro progenitor, situação que os menores poderão estar atualmente a vivenciar”.
Uma vez que resulta dos autos que ambos os menores mantêm um vínculo afectivo forte com ambos os progenitores, qualquer que fosse o regime implementado- residência junto da mãe ou residência junto do pai- não sendo a residência alternada praticável, sabemos que quer a DD, quer mesmo o irmão vão sempre sentir a falta de contactos permanentes com o progenitor com quem não viverão durante a semana, no entanto, a opção passa pelo respeito pela vontade manifestada pela menor aliada à prova sumária de que a menor sentir-se-á mais estável e tranquila a viver junto da mãe, mantendo contactos regulares e de qualidade com o pai, opção que traduz a consideração do superior interesse da menor no caso concreto por favorecer um equilibrado desenvolvimento da DD mormente em termos emocionais.   
Neste momento, seguindo de perto tais ensinamentos e, pelas razões objectivas e concretas acima expostas, ponderadas todas as circunstâncias relevantes mencionadas, acompanhamos a decisão recorrida, afigurando-se-nos acertada a fixação provisória da residência da menor junto da mãe, por corresponder tal opção ao superior interesse da DD.
Não vemos, pois, que as alegações recursivas do recorrente imponham decisão diferente da proferida a esse propósito na sentença recorrida, a qual se mostra suficientemente alicerçada nos factos dados como provados, analisados à luz do superior interesse da filha menor, devendo manter-se a residência habitual com a mãe, com convívios regulares com o pai nos moldes nela fixados.

2.2. Regime estabelecido quanto às escolhas dos médicos e seguimento das prescrições dos mesmos.
Na decisão recorrida ficou estabelecido que caberia a cada um dos progenitores a decisão quanto aos atos da vida corrente, aqui se incluindo a escolha de médicos e seguimento das prescrições dos mesmos, assim como a escolha das atividades extracurriculares.
O tribunal determinou que considerava que a escolha de médicos e seguimento das prescrições médicas, relativos a cada um dos menores, incluem-se nos actos da vida corrente e como tal caberão provisoriamente a cada um dos progenitores com quem residam, não necessitando do acordo prévio do outro progenitor.
Insurgiu-se o Apelante quanto a este regime, defendendo nas Conclusões XL a XLIV, que não encontra fundamentação suficiente na decisão recorrida para justificar o afastamento do regime da decisão conjunta previsto no art. 1906º nº 3 do CC, e que por configurarem questões de particular importância devem a seleção de psicólogos e psiquiatras que acompanhem os menores, bem como a administração de fármacos por estes prescritos, ser objecto de ponderação conjunta dos progenitores.
Dispõe o art. 1906º do CC sobre o modo de exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, como é o caso em apreço, estabelecendo o seguinte regime:
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
“Em regra, a lei não enumera que atos devem ser considerados de particular importância. Pertence à doutrina e à jurisprudência a tarefa de preencher o conceito. No regime legal das responsabilidades parentais, esta noção marca o limite da autonomia de cada um dos pais perante o outro, em relação aos atos praticados com terceiros (art. 1902/1, 1ª parte) e o grau necessário de relevância para a divergência de opinião entre os pais ser levada ao tribunal. Tem-se entendido que estas questões abrangem o núcleo essencial da educação e da saúde da criança: (…) intervenções cirúrgicas de risco;(…) Já diferentemente, não são atos de particular importância, mas da vida corrente :«(…) a frequência de actividades extracurriculares por parte das menores, bem como as consultas médicas, colocação de próteses, aquisição de medicamentos (…). Temos por certo que tais actos, realizados pela progenitora com a qual as filhas menores têm residência habitual, devem qualificar-se como “actos da vida corrente das filhas” para os efeitos do nº 3, do art. 1906ºCC»(TRP 08/03/2018)”[10]
Afigura-se-nos não ser isento de dúvida se a consulta com psicóloga clínica ou com pedopsiquiatra e toma de medicação por estas prescrita constitui ou não um acto de particular importância.
Conforme escreve Clara Sottomayor a este propósito, “a noção de acto de particular importância deverá estar mais relacionado com o carácter excepcionalíssimo da sua ocorrência na vida da criança e o conceito de acto usual com a sua repetição no quotidiano da criança”.[11]
Pese embora as demais consultas médicas rotineiras (pediatra, dentista, oftalmologista, otorrino…) e toma de medicação habitualmente prescrita para problemas de saúde ligeiros serem consensualmente considerados actos de rotina relativos à saúde da criança, que não exigem o acordo de ambos os progenitores, pela frequência e normalidade com que ocorrem na vida das crianças, já as consultas de acompanhamento com pedopsiquiatra (diferentemente das de psicologia que ocorrem com alguma regularidade se a criança for emocionalmente mais frágil) e a toma de medicação que por regra lhe está associada, sendo aconselhadas em situações que demandam maior preocupação com a saúde mental da criança e podendo ter, apesar de tudo, maior interferência no desenvolvimento da criança, não assumindo o carácter rotineiro característico do acto de vida corrente, podem perfeitamente ser enquadradas como questões de particular importância a demandar o acordo de ambos os progenitores e a intervenção do tribunal em caso de desacordo.
Porém, afigura-se-nos que no caso em apreço não é isso que se nos pede que decidamos, pelo simples facto de que o Apelante não se insurge propriamente contra o facto de a progenitora poder sozinha decidir se a menor DD deve ou não ir a consultas com psicóloga ou com pedopsiquiatra, ou se deve ou não tomar medicação prescrita por este tipo de profissionais, porque como ficou provado nos autos a menor DD foi aconselhada pelo pediatra a recorrer a consulta de pedopsiquiatria e iniciou a toma de medicação por esta prescrita e tem acompanhamento com psicóloga.
O próprio colégio que a DD frequentava aconselhou a mesma a ter consultas de psicologia clínica, por demonstrar fragilidade emocional, ao que o Apelante não se opôs (segundo o progenitor até as incentivou), tendo a menor DD esse tipo de acompanhamento em sessões periódicas.
Isto é, não estamos perante actos que possam vir a ocorrer no futuro mas que já ocorrem, não tendo sido questionados pelo progenitor, a não ser a toma de medicação prescrita pela pedopsiquiatra que ele próprio não se coibiu de tomar a iniciativa de a interromper.
Verdadeiramente o que pretende  o Apelante não é excluir dos actos da vida corrente aquele tipo de consultas e/ou medicação que sabe que a filha precisa,  e que lhe está a ser proporcionado, mas, como ele próprio salientou, a sua pretensão é que “devem a seleção de psicólogos e psiquiatras que acompanhem os menores, bem como a administração de fármacos por estes prescritos, ser objecto de ponderação conjunta dos progenitores”.
Pois bem, o que poderia constituir acto de particular importância seria o recurso a consultas de pedopsiquiatria e psicologia e a toma da medicação prescrita, não a mera seleção dos médicos e dos medicamentos em si mesma.
Não faz sentido que se qualifique como acto de particular importância a mera escolha concreta do médico especialista em pedopsiquiatria e psicologia, só porque um dos progenitores não concorda com a opção por determinado médico escolhido pelo outro progenitor, sob pena de estarmos a condicionar a saúde da menor a um acordo dos progenitores sobre a escolha do concreto profissional médico que a deva consultar e, em último caso, se houver desacordo dos pais (como é patente nos autos) deva haver intervenção do tribunal para decidir não sobre se a menor deve recorrer a consultas de psicologia ou psiquiatria (tipo de consultas em que os progenitores nem sequer estão em desacordo) mas sobre a escolha do concreto profissional médico ou do concreto medicamento a que deve recorrer, o que se afigura não ter sido, de todo, o propósito do legislador.
Tal como escreve Tomé d´Almeida Ramião, “as denominadas questões de particular importância para a vida do filho, deverão estar relacionadas com questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os atos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias.”[12]
Acolhendo tais ensinamentos e atendendo ao tipo de pretensão formulado pelo Apelante, não vemos motivo para alterar o segmento decisório que determina que caberá a cada um dos progenitores a decisão quanto a escolha de médicos e seguimento das prescrições dos mesmos.
Na improcedência dos argumentos recursivos, nenhuma censura merece a sentença recorrida, a qual vai confirmada.

**

V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Apelante, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do Apelante, que ficou vencido.

Notifique.




Porto, 20 de Fevereiro de 2024

Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
João Diogo Rodrigues
(1ª Adjunto)
Alexandra Pelayo
(2ª Adjunta)

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
_________________
[1]Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[2] Neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2ª edição, pág. 134
[3] Recursos no Novo CPC, 2ª edição, pág. 135
[4] Proc. Nº 388/21.0T8VCD.P1, www.dgsi.pt
[5] Proc. Nº 361/22.0T8GDM.P1, www.dgsi.pt
[6] Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 2ª edição, pág. 89
[7] Ac RP de 10/2/2022, Proc. Nº 3323/18.9T8VFR-A.P1, www.dgsi.pt
[8] Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, 2ª edição, pág. 923 a 934
[9] RGPTC Anotado e Comentado, pág. 129
[10] Maria Clara Sottomayor, ob. Cit., pág. 904
[11] Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, pág. 324
[12] Ob. Cit, Pág. 178