Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3178/20.3T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: ILEGITIMIDADE SINGULAR
SANAÇÃO
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL
Nº do Documento: RP202305043176/20.3T8STS.P1
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O modelo cooperativo do processo civil que vigora entre nós, assente no princípio da cooperação associado ao princípio de gestão material, tem constituído a base teórica para a defesa da sanação da ilegitimidade singular em certos casos, dado que não há no novo código de processo civil português, um mecanismo expresso de sanação deste vício formal.
II - Os princípios basilares do processo, hoje em dia, são verdadeiros comandos na interpretação normativa e condução do mesmo que servem de base ao modelo e comportamento processuais concretos, quando a norma na sua previsão não é bastante para, de acordo com os mesmos, resolver a situação concreta.
III - A sanação da ilegitimidade singular apoia-se nos princípios basilares do processo civil (cooperação, economia processual, gestão material) e no direito fundamental a uma tutela efetiva, admitindo-se a mesma como possível nos casos em que há (i) inalterabilidade do objeto da ação, (ii) acordo do réu parte ilegítima e do terceiro com legitimidade; impondo-se, em tal caso, ao juiz que proceda de modo a assegurar a sua efetividade (com absolvição da instância do primitivo réu e reconhecimento do terceiro a ocupar aquela posição), garantindo de igual modo o respeito pelo contraditório, com a adequação formal necessária a tanto.
IV - O Código de Processo Civil atribui ao juiz o poder de gestão processual e de adequação formal, quer isto dizer, que o juiz pode, em face das circunstâncias concretas do caso, adequar e adaptar os procedimentos e atos a praticar durante o pleito ao fim que visa atingir (artigo 547º), com observância dos princípios basilares do processo nomeadamente o da equidade, igualdade das partes, celeridade processual, proporcionalidade e contraditório e, obviamente, o dever de fundamentação.
V - O incidente de habilitação de adquirente pela sua natureza e fim só pode ter lugar nos casos em que a transmissão do direito ocorreu na pendência da causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3178/20.3T8STS.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

AA e outros, todos herdeiros da herança indivisa aberta por morte de BB, demandaram,
A..., S.A., sociedade comercial
2. B... S.A.R.L., sociedade comercial Luxemburguesa, sedeada na ... Rue ..., ... LUXEMBURGO, NIPC ....
Formularam pedidos de:
a) Ser reconhecida à herança aberta por morte de BB, por usucapião, a propriedade da parte do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Santo Tirso com o número ..., e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Santo Tirso, com o artigo ..., correspondente ao prédio rústico, nele anexado, com o número ... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... com o artigo ..., ordenando-se o seu registo a favor da Autora;
b) Caso assim não se entenda, ser de igual modo reconhecida à sobredita herança a propriedade das ditas frações, por acessão imobiliária industrial, determinando-se pericialmente o valor que aquela parcela teria antes da edificação;
c) Em qualquer dos casos, que seja desanexada a parte do prédio atrás referida, livre de ónus e encargos.
Os autos prosseguiram tendo sido por despacho de 16/12/2021, transitado em julgado, declarada extemporânea a contestação da Ré B....
Por despacho judicial de 2/03/2022, transitado em julgado, proferido nos termos do disposto no artigo 567º do Código de Processo Civil foram declarados confessados os factos articulados na petição inicial. Foi cumprido o nº 2 do mesmo preceito legal.
CONFORME SENTENÇA DE HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE, JÁ TRANSITADA E PROFERIDA A 27.04.2022- APENSO A, A PRIMITIVA RÉ FOI PROCESSUALMENTE SUBSTITUÍDA PELA C..., ORA RECORRENTE.
A seu tempo foi proferida sentença nos termos do disposto no artigo 567º, nº 2, do CPC. A SENTENÇA DECRETOU:
“a presente ação procedente, por provada, e, em consequência declara-se reconhecida à herança aberta por morte de BB, por usucapião, a propriedade da parte do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Santo Tirso com o número ..., e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Santo Tirso, com o artigo ..., correspondente ao prédio rústico, nele anexado, com o número ... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... com o artigo ..., ordenando-se o seu registo a favor da Autora, determinando-se a do prédio rústico descrito nessa dita Conservatória de Registo Predial com o número ... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... com o artigo ..., livre de ónus e encargos.
A HABILITADA ADQUIRENTE C... INTERPÔS O PRESENTE RECURSO TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
a) Os Autores (…) demandaram a sociedade, B..., na qualidade de Ré hipotecária do prédio discutido nos autos.
c) Sucede que a sociedade B... S.A.R.L. não é desde 2019, data anterior à petição inicial titular das hipotecas, mas sim a ora Apelante, C..., S.A.R.L.
d) Citada, veio a B... informar os autos que não era atual titular das hipotecas e por isso, invocava a sua ilegitimidade passiva, por não ter qualquer interesse direto ou indireto em contradizer a presente ação.
e) Porém, foi entendimento do Tribunal “a quo” que a contestação era extemporânea, não admitindo a mesma.
F) Tendo determinado o prosseguimento dos autos, figurando sempre a B... na posição de Ré.
g) Porém, sabendo da ilegitimidade passiva da Ré B..., e tratando-se de uma exceção de conhecimento oficioso, o Tribunal " a quo" deveria ter declarado a absolvição da instância da mesma, nos termos do art. 576.º, 577.º, al. e) e 578.º todos do CPC.
h) Na data de 05/12/2022 o Tribunal “a quo” proferiu saneador-sentença, dando provimento ao pedido dos Autores e ordenando-se o registo a favor dos mesmos, livre de ónus ou encargos.
i) Tal sentença, deveria ter sido antecedido a audição das partes, ou em sede de audiência prévia, nos termos do 591.º, n.º 1 al. b) CPC, ou nos termos do artigo 3.º, n.º 3 CPC.
j) A sentença proferida consubstancia uma verdadeira "decisão surpresa", constituiu uma nulidade, que é impugnável nos termos do art 195, n.º 1 do CPC.
k) Por último, e sem prescindir, sempre se dirá que a Apelante tinha o registo de hipoteca registado a seu favor desde 2019, ou seja, bem antes da presente ação declarativa ter sido instaurada.
l) E pela natureza da presente ação declarativa, estando a mesma sujeita a registo, deveremos entender pela aplicabilidade da última parte do n.º 3 do art.º 263.º do CPC.
m) Quer isto dizer, que no limite, a sentença ora recorrida não poderá ser oponível à ora Apelante por a mesma não ser parte primitiva na ação e como tal, verificando-se a exceção plasmada no citado artigo.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituída por outra em conformidade e
Responderam os AA a sustentar o acerto da decisão impugnada. Nada obsta ao mérito.
OBJETO DO RECURSO.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
1.Saber se (i) a Ré B... SARL é parte ilegítima (ii) se esta exceção de conhecimento oficioso é insuprível (iii) tendo como consequência a absolvição da instância da mesma Ré nos termos do disposto no artigo 576º, 577º, alínea e) e 578º todos do Código de Processo Civil.
2.Saber se em tal caso a sentença não produz efeitos em relação ao adquirente nos termos do disposto no artigo 263º do Código de Processo Civil.
3. sendo caso disso, saber se a sentença proferida deveria ter sido antecedida de audição das partes, ou em sede de audiência prévia, nos termos do 591.º, n.º 1 al. b), ou nos termos do artigo 3.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil
O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os AA intentaram a presente ação em 22.11.2020, demandando os RR. A..., S.A., e B... S.A.R.L.
Requereram a desanexação do prédio dos autos com reconhecimento da sua propriedade livre de ónus e encargos.
Demandaram a Ré B... S.A.R.L, na qualidade de credora hipotecária do prédio discutido nos autos (artigo 9º da petição).
Juntaram documentos – certidão da CRP, na qual consta averbada - AP. ... de 2019/12/11 11:48:13 UTC – Transmissão de Crédito DA APRESENT. 12 de 2006/01/05 - Hipoteca Voluntária (…) CAUSA: Cessão de Crédito, Anotação - OF. de 2017/01/31 12:30:08 UTC – SUJEITO(S) ATIVO(S): ** C... S.À.R.L.
SUJEITO(S) PASSIVO(S): ** B... S. À R.L.
A Ré B... S.A.R.L, por contestação apresentada extemporaneamente deduziu a sua ilegitimidade passiva em face da cessão do crédito hipotecário à C... S.A.R.L, registada na CRP a 11.12.2019.
A contestação foi mandada desentranhar.

A ação não foi contestada pelos demais RR, tendo sido, em 2-03-2022, proferido despacho a considerar confessados os factos articulados na petição inicial, nos termos do artigo 567º, nº 1 do Código de Processo Civil e a dar cumprimento ao nº 2 do citado normativo.
Em 28-10-2021, foi deduzido incidente de habilitação de cessionário da C... S.À.R.L,
Em 27-04-2022, foi proferida sentença, que transitou em julgado, a declarar habilitada a ocupar a posição processual até aqui ocupada pela Ré, B... S.A.R.L, e, nesta qualidade, a C..., S.A.R.L.
Em 4-12.2022, foi proferida a sentença de que se recorre. Nos autos não foi proferido despacho saneador. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Quanto à questão de saber se se (i) a Ré B... é parte ilegítima (ii) se esta exceção de conhecimento oficioso é insuprível (iii) tendo como consequência a absolvição da instância da mesma Ré nos termos do disposto no artigo 576º, 577º, alínea e) e 578º todos do Código de Processo Civil (diploma a que doravante pertencem todas as normas citadas sem outra menção:
I
A LEGITIMIDADE DA RÉ B... SARL:
No que respeita ao conceito de legitimidade determina o art. 30.º: n.º 1, que a aferição da legitimidade das partes se faça segundo o critério do interesse direto em demandar - quanto ao autor - ou em contradizer - quanto ao réu. O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha”. Dispõe ainda a lei no n.º 3 seguinte acerca do modo como se afere a titularidade daquele interesse: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
O critério operativo utilizado pela lei para identificar o interesse em litigar - titularidade da relação material controvertida tal como ela é delineada pelo autor - reconduz a questão da legitimidade a um plano meramente processual, de índole formal, refletindo a opção do legislador pela tese - já, de algum modo, subscrita no DL n.º 224/82 - classicamente atribuída ao Prof. BARBOSA DE MAGALHÃES na controvérsia que historicamente o opôs ao Prof. ALBERTO DOS REIS. Sublinhe-se, todavia, que não basta a mera alegação do autor de que as partes são legítimas para, assim, ficar resolvido o problema da legitimidade. Com efeito, se o autor se arroga da titularidade do direito - ou atribui ao réu uma obrigação - que, segundo a relação material controvertida por si desenhada, pertence a outra pessoa por si identificada, estar-se-á perante uma questão de ilegitimidade.
Tal como sustentou o Prof. BARBOSA DE MAGALHÃES, em comentário ao afamado Ac. do TRL de 16 de janeiro de 1918, ainda que se suponha a relação jurídica controvertida, o réu não é parte legítima quando não se alegue - através da invocação de factos - que ele seja o sujeito da respetiva obrigação - Gazeta da Relação de Lisboa, Ano 32, n.º 18, p. 176, 2.ª coluna. A legitimidade afere-se, assim, em primeira linha, comparando os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, com os sujeitos da relação processual. Em caso de disparidade, há ilegitimidade.
Aqui, apenas uma nota para afirmar a distinção entre legitimidade substantiva – condição da ação –, situação em que a falta deste pressuposto conduz à improcedência da ação, por, só em face do conhecimento de mérito, ser possível decidir da mesma (i) e legitimidade processual – mero pressuposto processual –, em que a ausência é apenas processual impedindo o prosseguimento da causa.
II
Ora, constata-se que do teor dos documentos juntos aos autos pelos AA (certidão da Conservatória de Registo Predial é manifesta a ilegitimidade da ré, B... S.A.R.L, logo em face da petição inicial, porquanto, como resulta dos mesmos, esta cedeu o seu crédito hipotecário à ora recorrente, que registou a hipoteca em 11.12.2019, portanto em data anterior à propositura da ação que é de 22.11.2020, donde que não restam dúvidas quanto à ilegitimidade processual desta mesma Ré, em face do teor do artigo 30º nº 3.
Esta ilegitimidade não foi declarada no processo, que não contém qualquer despacho, sequer tabelar, a conhecer dos pressupostos processuais, podendo e devendo sê-lo agora, dado que é um vício não sanável e de conhecimento oficioso.
III
No entanto, vieram os AA, já após o decurso do prazo para a primitiva ré contestar, suscitar o incidente de habilitação de adquirente em relação à ora recorrente, o qual foi admitido – não obstante, aquela ilegitimidade mercê da transmissão da respetiva posição contratual anterior à propositura da ação, ser causa de inadmissibilidade do mesmo incidente (SALVADOR DA COSTA, OS INCIDENTES DA INSTÂNCIA, ALMEDINA 8ª ed pp 235, “que pela sua natureza e fim, não pode a habilitação ter lugar, na ação declarativa se a transmissão ou direito ocorreu antes do inicio ou depois do seu termo”), tendo apesar disso, sido proferida sentença transitada que decidiu admitir a ora Recorrente a intervir nos autos em substituição da primitiva Ré.
Assim sendo, a apreciação da falta de legitimidade da primitiva Ré não prescinde da determinação dos os efeitos processuais decorrentes daquela sentença proferida no incidente de habilitação de adquirente, ou seja da resposta à seguinte questão: deve (ou não) ser declarada sanada a ilegitimidade singular da primitiva ré, e em tal caso quais os correspondentes efeitos na posição processual da adquirente.
Vejamos, pois.
IV
Tem sido entendido na jurisprudência de modo praticamente uniforme que a ilegitimidade singular é insanável ao contrário da ilegitimidade plural que admite a sua sanação mediante a intervenção de terceiros (cfra. entre outros, o acórdão, publicado na página da DGSI, do TRE de 7/12/2017 (MÁRIO COELHO). 4035/15.0T8LLE-A.E2
Sem prejuízo, recentemente tem feito um certo caminho o pensamento que sustenta, em certos casos , a admissibilidade da sanação da ilegitimidade singular como defendem entre outros, Miguel Mesquita (“Princípios De Gestão Processual, O «Santo Graal» do Novo Processo Civil?”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 145, nº 3995, ano 2015, pg. 93 e ss.), em que afirmou que se é certo que não há, no novo código de processo civil português, um mecanismo expresso de sanação da ilegitimidade singular, não é menos verdade que o modelo cooperativo do processo civil que vigora entre nós assente no princípio da cooperação associado ao princípio de gestão material têm constituído a base teórica para a defesa da sanação da ilegitimidade singular em certos casos.
V
Com efeito, dando corpo aos referidos princípios e sobretudo a um modelo processual assente na prevalência da justiça substantiva sobre a justiça adjetiva, o artigo 590º, nº 2, al. a), prescreve o dever (vinculado) de oficiosamente o juiz promover o suprimento das exceções dilatórias.
Ora, se estamos perante uma situação de ilegitimidade, pressuposto processual, em face dos alegados princípios e modelo de processo civil, torna-se difícil aceitar que a sua ausência acarrete sem mais a extinção da causa.
A legitimidade processual diz respeito à posição da parte perante o objeto da ação. Daí que seja coerente defender que, admitindo-se expressamente o suprimento da ilegitimidade plural, é defensável que se sustente um modo de suprir também a ilegitimidade singular.
O caminho para a solução passa pela interpretação dos artigos 278º, nº 3 e 6, nº 2, enquanto normas que impõem ao juiz o «poder dever» de, no âmbito dos seus poderes de gestão material, por si, providenciar pelo suprimento de falta de pressupostos processuais que são suscetíveis de sanação, ou convidar as partes a suprir as falhas sempre que estas dependam de ato das mesmas.
Com efeito, tem sido identificado no artigo 6º, nº 2, um princípio de tendencial sanação oficiosa de falta de pressupostos processuais, já que desta norma decorre que ao juiz se impõe que tome todas as medidas necessárias ao prosseguimento da ação (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª edição Coimbra, Almedina 2018, pg. 130 e ainda Miguel Teixeira de Sousa, sobre O Sentido e a Função da Falta de Pressupostos Processuais: Algumas Reflexões Sobre O Dogma da Apreciação Prévia dos Pressupostos Processuais Na Ação Declarativa Revista Da Ordem Dos Advogados, Lisboa ano 49º vol. I, Pg. 106 e ss.).
O princípio da gestão processual (artigos 6º e 590º) implica a intenção de flexibilização da rigidez do processo civil, seja na vertente formal (a que aqui está em causa), em que o juiz providencia pelo suprimento das falhas processuais que impossibilitam a decisão de mérito, seja na vertente material, em que o juiz procede à programação dos atos processuais.
A gestão processual permite a “adequação formal”, prevista no artigo 547º, que promove a adaptação do rito processual, bem assim como a eliminação de atos processuais que se revelam dispensáveis.
E aqui, situa-se por excelência, o domínio em que o juiz (com respeito equitativo de todos os demais princípios estruturantes do processo), procura ao máximo assegurar o suprimento dos pressupostos processuais.
Este dever pro actione do juiz é, aliás, uma decorrência do princípio constitucional inserto no artigo 20º da CRP, norma que garante uma tutela judiciária efetiva dos direitos.
VI
A mudança de paradigma traz consigo o esbatimento do dispositivo em favor do inquisitório ou da oficiosidade no cumprimento do objetivo que é o de ser alcançada a verdade material.
Há que ponderar, ainda assim, a coexistência de todos os princípios basilares do processo nomeadamente o da equidade, igualdade das partes, celeridade processual, proporcionalidade e contraditório e, obviamente, o dever de fundamentação.
VII
A sanação da ilegitimidade singular tem a vantagem de poupar recursos e custos redobrados com a propositura de nova ação, assegurando proporcionalidade no uso dos meios disponíveis.
Aqui cumpre fazer um parêntesis para referir que na doutrina alemã se tem admitido que a sanação da legitimidade singular possa ocorrer nos casos em que (i) nisso concorde a parte ilegítima, a contraparte e a pessoa com legitimidade para intervir como parte (ii) se mantenha inalterado o objeto da ação. Admitindo-se a intervenção do terceiro quer pelo lado ativo, quer pelo lado passivo. Este instituto, o gewillkurte Parteiwechsel, viabiliza a substituição processual de uma parte por outra, mediante iniciativa das mesmas (ver RESPONDEK, ILONA, Parteiwechsel im Schieddverfahren, Berna in htpp: //doi.org/10.3726/978-3-653-05854-3/20.p 82 e ss e Miguel Teixeira de Sousa, “Sanação da ilegitimidade Singular por acordo das partes, in https://blogippc. Blogpot/com/2015/02).
Nesta situação, perante o acordo das partes processuais e do terceiro com legitimidade, este adere ao processo aproveitando a desistência (negociada) da parte ilegítima e os autos prosseguem devendo o juiz adaptar o rito processual à entrada da nova parte, por forma a garantir o contraditório e a equidistância.
VIII
Castanheira Neves (in “Entre o «Legislador», a «Sociedade» e o «Juiz» ou entre «sistema», «função» e «problema» - os modelos atualmente alternativos de realização jurisdicional do direito, pg. 9, Boletim da FDUC, no LXXIV-1998, pg 1-44), salientou que para o sistema jurídico responder cabalmente às constantes solicitações da realidade tem de ser um sistema aberto, mutável, que parte do caso concreto para o qual pretende dar uma solução normativa adequada e não pode afastar-se da realidade que o envolve. Daí que seja imperativa uma constante interpretação da norma à luz dos “fundamentos axiológicos normativos” do Direito.
O juiz deve estar atento às necessidades do caso concreto e deve pretender alcançar uma solução justa e adequada ao mesmo, inclusive quando tal implique o desrespeito por formalismos processuais previstos na lei.
Ora, a sanação da ilegitimidade singular apoia-se nos princípios basilares do processo civil (cooperação, economia processual, gestão material) e no direito fundamental a uma tutela efetiva.
Os princípios basilares do processo, hoje em dia, são verdadeiros comandos na interpretação normativa e condução do mesmo que servem de base ao modelo e comportamento processuais concretos, quando a norma na sua previsão não é bastante para, de acordo com os mesmos, resolver a situação concreta.
Como já referido, o Código de Processo Civil atribui ao juiz o poder de gestão processual e de adequação formal, quer isto dizer que o juiz pode, em face das circunstâncias concretas do caso, adequar e adaptar os procedimentos e atos a praticar durante o pleito (Miguel Teixeira de Sousa, “Sanação da ilegitimidade Singular por acordo das partes, in https://blogippc. Blogpot/com/2015/02) daqui que, para a solução do concreto problema suscitado no recurso, há, por conseguinte, que convocar o princípio da adequação formal (artigo 547º).
Assim sendo e assente que o mecanismo da sanação da ilegitimidade processual não prescinde da inalterabilidade do objeto da ação, se estamos numa ilegitimidade singular passiva (a que no caso nos interessa), deverá admitir-se a sua sanação se o terceiro com legitimidade tem por qualquer modo intervenção na causa, impondo-se ao juiz que proceda de modo a assegurar a efetividade do pressuposto (com absolvição da instância do primitivo réu) e reconhecimento deste terceiro a ocupar aquela posição, garantindo de igual modo o respeito pelo contraditório, com a adequação formal necessária a tanto.
A aparente incompatibilidade desta solução com o dispositivo e autorresponsabilidade das partes não obsta à mesma, porquanto o consentimento de todos à substituição processual assegura o seu cumprimento. Por outro lado, o princípio da estabilidade da instância que aqui fica beliscado não se assume processualmente com limites irredutíveis ao ponto de não ter plasticidade suficiente para esta quebra, que visa, além do mais, garantir o interesse público no prosseguimento da ação.
Finalmente, a admissibilidade da sanação deste vício põe em prática o princípio da elasticidade processual que concretiza a ideia de que o processo deve estar ao serviço das partes e da pacificação social e não o contrário.
IX
Admitimos, por consequência, que, no caso de ilegitimidade singular passiva, havendo acordo de todos na desistência da ação quanto ao primitivo réu e na sua substituição pelo terceiro, parte legitima, com o aproveitamento da ação, possa haver lugar ao suprimento da falta deste pressuposto, ao abrigo dos princípios enunciados.
Caberá ao juiz, nos casos em que promove oficiosamente o suprimento do vício, proceder a prévia audição de todos.
Em qualquer caso, o aproveitamento dos atos processuais praticados tem como limite o contraditório, que nunca poderá ser postergado, pelo que aqui há que introduzir um rito processual que salvaguarde a efetivação deste princípio à nova parte (artigo 547º).
Sendo certo que mesmo na hipótese de haver um retrocesso no andamento da causa mercê desta adequação formal, ainda assim, há um ganho na economia processual, por não terem sido desaproveitados atos como a petição inicial e contestação de outros eventuais RR.
Compete ao juiz, por consequência, assente que está a inalterabilidade do objeto processual (i) identificar o vício e ouvir as partes assegurando o contraditório quanto ao seu interesse na sanação do vício; (ii) promover o suprimento da ilegitimidade singular, cuja iniciativa depende sempre da vontade das mesmas; (iii) adaptar o rito processual por modo a que a nova parte tenha ao seu dispor todos os meios de defesa que a lei consagra e nomeadamente o contraditório.
X
Concluímos em face do exposto que, no caso dos autos, é admissível o suprimento da ilegitimidade singular, porquanto, estão observados os pressupostos supra identificados: (i) inalterabilidade do objeto processual (ii) acordo das partes e do terceiro.
Com efeito quanto ao requisito do acordo das partes e do terceiro entendemos que, o mesmo tem-se por verificado, em face da (i) dedução pelos próprios AA do incidente de habilitação de adquirente, (ii) posição da primitiva Ré que veio ela própria alegar a sua ilegitimidade e (iii) da Recorrente já que, tendo sido citada no incidente de habilitação de adquirente não contestou.
Da conjugação de tais termos processuais podemos, com segurança, extrair o acordo de todas as partes na substituição da primitiva Ré, declarando-se deste modo sanada a ilegitimidade processual, da Ré B..., pela sua substituição processual.
XI Prosseguindo,
Atentos os termos constantes do processo, a Recorrente não beneficiou de prazo para contestar uma vez que o incidente foi intentado já após o termo do prazo concedido à primitiva Ré.
Impõe-se, por consequência, para garantia do contraditório e da defesa desta Ré/Recorrente que a mesma venha a gozar de prazo para deduzir contestação, nos termos do disposto nos artigos 547º e 569º, o que implica a anulação do despacho que declarou confessados os factos articulados na petição e termos subsequentes.
Carecem de utilidade as demais questões colocadas no recurso, que, deste modo, se têm por prejudicadas.

SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO.
DECLARADA SANADA A ILEGITIMIDADE SINGULAR DA RÉ B... SARL, COM A SUA SUBSTITUIÇÃO PELA RECORRENTE, C... SARL ANULADO O DESPACHO QUE FOI PROFERIDO NOS TERMOS DO ARTIGO 567º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E TERMOS POSTERIORES, INCLUÍDA A SENTENÇA, DEVENDO SER PROFERIDO DESPACHO A CONCEDER AO RECORRENTE PRAZO PARA CONTESTAR NOS TERMOS LEGAIS.

Custas, pelos Recorridos.

Porto, 4 de maio de 2023
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento [VENCIDO, CONFORME DECLARAÇÃO DE VOTO:
Os autores intentaram a presente ação em 22.11.2020, demandando as rés A..., S.A., e B... S.A.R.L. pedindo a desanexação do prédio dos autos com reconhecimento da sua propriedade livre de ónus e encargos. Demandaram a Ré B... S.A.R.L, na qualidade de credora hipotecária do prédio discutido nos autos (artigo 9º da petição).
Juntaram documentos – certidão da CRP, na qual consta averbada - AP. ... de 2019/12/11 11:48:13 UTC – Transmissão de Crédito DA APRESENT. 12 de 2006/01/05 - Hipoteca Voluntária (…) CAUSA: Cessão de Crédito, Anotação - OF. de 2017/01/31 12:30:08 UTC – SUJEITO(S) ATIVO(S): ** C... S.À.R.L.
SUJEITO(S) PASSIVO(S): ** B... S. À R.L.
A Ré B... S.A.R.L, por contestação apresentada extemporaneamente deduziu a sua ilegitimidade passiva em face da cessão do crédito hipotecário à C... S.A.R.L, registada na CRP a 11.12.2019.
A contestação foi mandada desentranhar.
A ação não foi contestada pelos demais RR, tendo sido, em 2-03-2022, proferido despacho a considerar confessados os factos articulados na petição inicial, nos termos do artigo 567.º/1 CPCivil e a dar cumprimento ao nº 2 do citado normativo.
Em 28.10.2021, foi deduzido incidente de habilitação de cessionário da C... S.À.R.L,
Em 27.4.2022, foi proferida sentença, que transitou em julgado, a declarar habilitada a ocupar a posição processual até aqui ocupada pela Ré, B... S.A.R.L, e, nesta qualidade, a C..., S.A.R.L.
Em 4.12.2022, foi proferida sentença que decretou,
“a presente ação procedente, por provada, e, em consequência declara-se reconhecida à herança aberta por morte de BB, por usucapião, a propriedade da parte do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Santo Tirso com o número ..., e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Santo Tirso, com o artigo ..., correspondente ao prédio rústico, nele anexado, com o número ... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... com o artigo ..., ordenando-se o seu registo a favor da Autora, determinando-se a do prédio rústico descrito nessa dita Conservatória de Registo Predial com o número ... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... com o artigo ..., livre de ónus e encargos. Inconformada recorre a habilitada adquirente, pugnando pela revogação da sentença e substituição por outra em conformidade, formulando as seguintes conclusões:
a) Os Autores (…) demandaram a sociedade, B..., na qualidade de Ré hipotecária do prédio discutido nos autos.
c) Sucede que a sociedade B... S.A.R.L. não é desde 2019, data anterior à petição inicial titular das hipotecas, mas sim a ora Apelante, C..., S.A.R.L.
d) Citada, veio a B... informar os autos que não era atual titular das hipotecas e por isso, invocava a sua ilegitimidade passiva, por não ter qualquer interesse direto ou indireto em contradizer a presente ação.
e) Porém, foi entendimento do Tribunal “a quo” que a contestação era extemporânea, não admitindo a mesma.
F) Tendo determinado o prosseguimento dos autos, figurando sempre a B... na posição de Ré.
g) Porém, sabendo da ilegitimidade passiva da Ré B..., e tratando-se de uma exceção de conhecimento oficioso, o Tribunal " a quo" deveria ter declarado a absolvição da instância da mesma, nos termos do art. 576.º, 577.º, al. e) e 578.º todos do CPC.
h) Na data de 05/12/2022 o Tribunal “a quo” proferiu saneador-sentença, dando provimento ao pedido dos Autores e ordenando-se o registo a favor dos mesmos, livre de ónus ou encargos.
i) Tal sentença, deveria ter sido antecedido a audição das partes, ou em sede de audiência prévia, nos termos do 591.º, n.º 1 al. b) CPC, ou nos termos do artigo 3.º, n.º 3 CPC.
j) A sentença proferida consubstancia uma verdadeira "decisão surpresa", constituiu uma nulidade, que é impugnável nos termos do art 195, n.º 1 do CPC.
k) Por último, e sem prescindir, sempre se dirá que a Apelante tinha o registo de hipoteca registado a seu favor desde 2019, ou seja, bem antes da presente ação declarativa ter sido instaurada.
l) E pela natureza da presente ação declarativa, estando a mesma sujeita a registo, deveremos entender pela aplicabilidade da última parte do n.º 3 do art.º 263.º do CPC.
m) Quer isto dizer, que no limite, a sentença ora recorrida não poderá ser oponível à ora Apelante por a mesma não ser parte primitiva na ação e como tal, verificando-se a exceção plasmada no citado artigo.
Foi entendido que as questões a decidir são as seguintes:
1.Saber se,
(i) a Ré B... SARL é parte ilegítima;
(ii) se esta exceção de conhecimento oficioso é insuprível;
(iii) tendo como consequência a absolvição da instância da mesma Ré nos termos do disposto no artigo 576º, 577º, alínea e) e 578º todos do Código de Processo Civil;
2. saber se em tal caso a sentença não produz efeitos em relação ao adquirente nos termos do disposto no artigo 263º do Código de Processo Civil;
3. sendo caso disso, saber se a sentença proferida deveria ter sido antecedida de audição das partes, ou em sede de audiência prévia, nos termos do 591.º/1 alínea b), ou nos termos do artigo 3.º/3 CPCivil.
E, assim, na tese que fez vencimento começou por se expender acerca da polémica que perdurou durante cerca de um século, acerca da querela da legitimidade, encabeçada pelos Professores Barbosa de Magalhães e Alberto dos Reis, que ao caso não vem, de todo, dado que o legislador já colocou termo à mesma, consagrando, expressamente a tese defendida pelo primeiro.
Com efeito, dispõe, hoje o artigo 30.º/3 CPCivil que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Donde, a questão, no caso, nunca se enquadraria na excepção dilatória da ilegitimidade, na falta de um pressuposto processual, que conduziria a uma decisão de forma e à absolvição da instância.
Mas sim, a uma questão atinente com o fundo e o mérito da pretensão dos autores, cuja improcedência conduziria, a uma decisão de fundo, à improcedência da pretensão dos autores e à absolvição do pedido, da 2.ª ré.
Esta seria parte legítima, dada a configuração dada pelos autores à causa de pedir. Isto, não obstante, desde logo, terem feito prova documental que a segunda ré já não era a credora hipotecária, por haver cedido a sua posição a outrem.
O que, então seria fundamento de improcedência da sua pretensão, quanto àquela ré demandada. Discordamos por isso do entendimento de que com a habilitação está sanada a ilegitimidade da segunda ré.
E, discordamos do entendimento que fez maioria, de que pelo facto de a habilitada não ter beneficiado de prazo para contestar uma vez que o incidente foi intentado já após o termo do prazo concedido à primitiva ré, se impõe, por consequência, para garantia do contraditório e da sua defesa, que a mesma venha a gozar de prazo para deduzir contestação, nos termos do disposto nos artigos 547.º e 569.º CPCivil, o que implica a anulação da sentença e do despacho que declarou confessados os factos articulados na petição e termos subsequentes.
Carece este entendimento de fundamento legal.
Não se conhece outra situação, salvo a falta ou a nulidade da citação, que faça repristinar o processo da decisão final até à concessão de prazo para contestar.
Nem a apelante o pede, de resto. Pede a revogação da sentença e a sua substituição por uma outra em conformidade.
E não se diga, como faz a apelante, a dado passo, que a sentença consubstancia uma verdadeira "decisão surpresa", constituiu uma nulidade, que é impugnável nos termos do artigo 195.º/1 CPCivil. Como é sabido, desde logo, se a transmissão, como no caso, não ocorrer na pendência da causa não há lugar a habilitação.
Mas houve.
E, como se sabe, uma decisão – do incidente de habilitação - transitada pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito, e em homenagem aos princípios e interesses da certeza e segurança jurídicas, tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça.
Por outro lado, é incontroverso que o, mal, habilitado sucede na posição do transmitente e terá que aceitar o processo no estado em que o encontrou e, que a sentença produz efeitos em relação a ele, ainda que não intervenha no processo.
Com efeito.
A habilitação do adquirente ou cessionário reveste carácter facultativo, não sendo, assim, condição indispensável ao prosseguimento da causa. Se a habilitação não for requerida, ou enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituir o transmitente, este continua a ter legitimidade para a demanda até ao final do processo, ou até o adquirente ser admitido a substituí-lo, produzindo a sentença, neste caso, efeitos em relação ao adquirente, cfr. Prof. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, I, 604 e Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º, 74 a 76. Todavia, o legislador introduziu uma excepção a esta regra – consignada no artigo 263.º/3 CPCivil, que dispõe que, “a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção”.
Isto é, a sentença proferida no processo principal produz efeitos em relação ao adquirente, mesmo que este não seja habilitado como adquirente.
Donde, o artigo 263.º/3 CPCivil aplica-se apenas aos casos em que não há habilitação e, consequentemente, o transmitente não é processualmente substituído pelo adquirente.
Requerida a habilitação do adquirente, tomando este no processo a posição do transmitente/vendedor, a sentença que vier a ser proferida (ou já proferida, mas que ainda não transitou em julgado), produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que a acção não haja sido registada ou o seja depois de o adquirente ter registado, a seu favor, a transmissão, cfr. Prof. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º, 81.
Deste modo, o direito de defesa do habilitado não fica comprometido, uma vez que, não estando a acção principal ainda finda, terá ela oportunidade de litigar no lugar da 2.ª ré, até ao trânsito em julgado da sentença nela proferida, não se verificando, por isso, qualquer nulidade insanável ou inconstitucionalidade material na interpretação dada ao citado artigo 263.º/1 CPCivil, por violação do artigo 202.º/2 da CRP, entendimento sufragado no acórdão da RG de 21.6.2018, consultado no site da dgsi.
Assim, discordando dos fundamentos e do sentido que fez a maioria, negaria provimento ao recurso.]
Carlos Portela