Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0743248
Nº Convencional: JTRP00040857
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: BURLA PARA ACESSO A MEIOS DE TRANSPORTE
DESCRIMINALIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200712120743248
Data do Acordão: 12/12/2007
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: A Lei nº 28/2006 não descriminalizou as condutas integradoras da previsão da alínea c) do nº 1 do art. 220º do Código Penal na parte referente a utilização de meio de transporte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

Na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido B………., pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 220.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, distribuído o processo, com o n.º …./06.OTAMTS, ao ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, foi, por despacho de 29/01/2007, declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido e determinado o arquivamento dos autos.
É a seguinte a fundamentação desse despacho:
Vem o/a arguido/a acusado/a da prática de um crime de burla para obtenção de serviços, previsto e punido pelo artigo 220º, n.º 1, al. c), do Cód. Penal.
Nos termos desta disposição legal, na parte que nos interessa, “Quem, com intenção de não pagar, utilizar meio de transporte (...) sabendo que tal supõe o pagamento de um preço e se negar a solver a dívida contraída é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.”.
Entretanto, entrou em vigor no passado dia 4 de Novembro a Lei 28/2006, de 4.07 E, de acordo com o artº 1º desta Lei n.º 28/2006 que “A presente lei estabelece as condições de utilização do título de transporte válido nos transportes colectivos, as regras de fiscalização do seu cumprimento e as sanções aplicáveis aos utilizadores em caso de infracção.” (sublinhado nosso). Da análise desta disposição legal é desde logo possível intuir-se uma pretensão de regulamentação globalizante desta temática, tendo-se como se disse, através do respectivo artigo 15º revogado na íntegra o Decreto-Lei n.º 108/78 e ainda o n.º 1 do artigo 43º do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39780/1954, de 21 de Agosto, cujo conteúdo era semelhante, mas aplicável no âmbito dos caminhos-de-ferro, com regulamentação expressamente diferenciada do pretérito Decreto-Lei n.º 108/78.
No mais, estatui-se da mesma forma que é obrigatória a detenção de título de transporte válido (cfr. artigo 2º, n.º 1), sendo a violação desta norma agora sancionada, em termos gerais, nos termos do artigo 7º, n.º 1, nos moldes seguintes: “A falta de título de transporte válido, a exibição de título de transporte inválido ou a recusa da sua exibição na utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros, em comboios, autocarros, troleicarros, carros eléctricos, transportes fluviais, ferroviários, metropolitano e metro ligeiro, é punida com coima de valor mínimo correspondente a 100 vezes o montante em vigor para o bilhete de menor valor e de valor máximo correspondente a 150 vezes o referido montante, com o respeito pelos limites máximos previstos no artigo 17º do regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, constante do Decreto-Lei n.º 433/1982, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/1989, de 17 de Outubro, Decreto-Lei n.º 244/1995, de 14 de Setembro, e Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, e sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo.” (sublinhados nossos).
Dos termos desta disposição legal é desde logo de realçar o sancionamento com coima (e já não com multa), a declaração marcada que a infracção “é punida” como tal, e a referência expressa ao regime do ilícito de mera ordenação social previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que, aliás, é inclusivamente estabelecido como regime legal subsidiário, nos termos do subsequente artigo 12º. Do que se vem dizendo até agora fica assim definitivamente afastado, pelo menos, o sancionamento a título de contravenção.
Prosseguindo na nossa análise, temos que se mantém a possibilidade de pagamento voluntário da coima, quer logo perante o agente de fiscalização, quer num posterior prazo de cinco dias úteis (cfr. artigo 9º, n.º 1). No entanto, caso o agente não use desta faculdade, verifica-se aqui uma diferença de monta face ao anterior regime constante do Decreto-Lei n.º 108/78: estabelece agora o subsequente n.º 2 que, nestes casos, “a empresa exploradora do serviço de transporte em questão envia o auto de notícia à entidade competente, que instaura, no âmbito da competência prevista na presente lei, o correspondente processo de contra-ordenação e notifica o arguido, juntando à notificação duplicado do auto de notícia.”. Diferentemente, nos termos do pretérito Decreto-Lei n.º 108/78 (artigo 5º, n.º 5), “Findo o prazo a que se refere o n.º 1 (prazo de pagamento voluntário) e sem que o pagamento tenha sido efectuado, será o original do auto enviado ao Tribunal da Comarca do lugar da infracção”.
A diferença é relevante na medida em que, agora de forma totalmente invalidada, se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 2004, relatado por Francisco Caramelo, e no Acórdão da Relação do Porto de 22 de Janeiro de 2004, relatado por Almeida Cabral, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, que a remessa do auto para o tribunal nos termos do artigo 5º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 108/78 só se entenderia como sendo-o para efeitos de procedimento criminal, também como forma de não resultar esvaziada a norma do artigo 220º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal.
Assim, como se viu, em caso algum há na actualidade remessa do auto para o tribunal nesta fase, mas sim para a entidade competente para o subsequente processo contra-ordenacional, que é, nos termos do artigo 10º da Lei n.º 28/2006, e conforme os casos, a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e Fluviais ou o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário.
Prosseguindo, estabelece a nova lei em sujeito, no respectivo artigo 14º um regime transitório que, digamo-lo desde já, não deixa de poder suscitar alguma estranheza face à vasta pendência de processos da natureza criminal como o presente por factos constantes de tal nova lei: é que de parte nenhuma de tal regime transitório se faz referência a tais processos criminais, parecendo que o legislador ou ignora ou afasta a existência dos mesmos. Com efeito, estabelece o n.º 1 que “As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.”. Por seu turno, reza o n.º 2 que “Os processos por factos praticados antes da data da entrada em vigor da presente lei pendentes em tribunal nessa data continuam a correr os seus termos perante os tribunais em que se encontrem, sendo-lhes aplicável, até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo, a legislação processual relativa às contravenções e transgressões.”. Mesmo neste último caso parece mais uma vez que tais processos serão apenas relativos a contravenções ou transgressões, uma vez que “continuam” nos mesmos moldes até final.
Ora, afastando, por irrazoável, o “esquecimento” ou “ignorância” do legislador (e presumindo que o mesmo consagra sempre as soluções mais acertadas e se sabe exprimir adequadamente, nos termos do artigo 9º, n.º 3, do Cód. Civil), tal regime transitório pode perfeitamente ser entendido como uma forma de se vislumbrar uma espécie de expressão de vontade manifestada agora pelo legislador no sentido de que as infracções que aqui se encontram em causa deveriam sempre ter sido entendidas como ilícito contravencional, e não como ilícito criminal.
Acresce ainda que não nos parece de todo razoável ou coerente defender a ideia segundo a qual coexistirá o ilícito contravencional para os casos de negligência e o criminal para os casos de dolo. É que, pretendendo agora, com lei nova e posterior ao Código Penal, estabelecer-se a falta de porte de título válido como contra-ordenação, e extraindo todas as consequências de se trazer à liça, como direito subsidiário, todo o regime do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, estabelece então o correspondente artigo 8º, n.º 1, que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”. No caso vertente, a infracção por negligência encontra-se prevista (cfr. artigo 7º, n.º 6 da nova lei), mas o que é facto é que o regime regra de punibilidade continua a ser a título de dolo (tanto mais que a referência expressa à punibilidade negligente foi considerada, e bem, como necessária), sendo certo que desta feita não se pode considerar que os casos em que tal dolo se verifica são afastados pelo Código Penal, uma vez que a nova lei em sujeito lhe é posterior.
De referir ainda que mesmo o argumento segundo o qual persistiria em simultâneo o ilícito contravencional como forma de proteger o bom funcionamento e a credibilidade dos transportes públicos colectivos, e o ilícito criminal como forma de proteger o património da empresa transportadora perdeu acutilância. Na verdade, já não se torna premente a protecção do património da empresa transportadora a título criminal, uma vez que, nos termos do artigo 11º da nova lei, uma percentagem do produto das coimas aplicadas reverte sempre a favor de tal empresa, enquanto que nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 1008/78 a multa constituía receita do Estado.
Assim, da análise do novo diploma legal que se vem empreendendo, é já por demais evidente que propendemos para considerar que os factos em apreço nestes autos se encontram actualmente punidos exclusivamente como ilícito contra-ordenacional, atenta a forma esgotante como o legislador pretendeu agora regular a situação. Particularmente impressivo é, no nosso entender, e como se disse, a remessa do auto para entidade administrativa mesmo após a falta de pagamento voluntário, e a consequente intervenção de todo o arsenal normativo do Decreto-Lei n.º 433/82, mesmo, caso seja necessário, para eventual execução do valor coima por parte do Ministério Público. Tal novo regime obedece também, e além do mais, ao propósito actual e confessado do legislador em proceder por este meio à progressiva abolição do ilícito contravencional e transgressional.
Contra o que se acaba de defender não se diga que desta forma fica o artigo 220º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal esvaziado de conteúdo na parte em que se refere a “transporte” sem que tal tenha sido expressamente revogado. É que o mesmo subsiste claramente para os casos em que se encontre em causa meio de transporte que não caiba no âmbito da Lei n.º 28/2006, designadamente por não se revestir da qualidade de transporte colectivo de passageiros, como é exemplo óbvio o táxi.
Com efeito, pelo menos para este caso manterá plena aplicabilidade a sanção penal, o que, aliás, faz inteiro sentido. É manifesta a claramente maior danosidade social nestes casos, uma vez que tal meio de transporte se desloca e procede à viagem por único e exclusivo interesse do agente da infracção, que não tem intenção de pagar pelo serviço que lhe é prestado e se recusa a fazê-lo, sendo certo que neste caso, o prejuízo do transportador corresponde à totalidade dos custos em que incorreu com a deslocação.
Com efeito, bem diferente é a situação do utilizador não pagador de transporte colectivo, que apenas pretende “passar despercebido” entre os restantes utilizadores, sendo também certo que a empresa transportadora sempre procederia à viagem mesmo que o agente não acedesse ao veículo em causa. Por seu turno, o prejuízo da referida empresa neste caso encontra-se muito longe de corresponder ao custo total da deslocação, dado que equivale apenas, pelo menos em regra, ao singelo preço do bilhete em falta.
Aqui chegados, entendendo como entendemos, que os factos constantes da acusação consubstanciavam crime na data da sua prática, mas que actualmente, face a lei entretanto vigente, apenas consubstanciam a prática de uma contra-ordenação, despiciendo se torna averiguar qual o regime que em concreto se revela mais favorável ao/à arguido/a por ser obviamente o contra-ordenacional, face à diferente natureza da própria sanção abstractamente aplicável, que de pena de multa ou de prisão passa a mera coima.
Referindo-se à eficácia temporal da lei contra-ordenacional nova face a antiga lei penal, escreve Taipa de Carvalho (“Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, págs. 90 e 91) que “o princípio geral é o de que a lei que «cria» contra-ordenações só se aplica aos factos praticados depois da sua entrada em vigor (Dec.-Lei n.º 433/82, art. 3º, n.º 1 – eficácia pós-activa). Todavia, não está constitucionalmente consagrada – pelo menos de forma expressa – a proibição da retroactividade da lei sobre contra-ordenações.
Assim, se a lei que altera a qualificação do facto de crime (ou de contravenção) para contra-ordenação não estabelece, mediante norma transitória, a sua aplicabilidade às acções praticadas antes do seu início de vigência, tais acções que, necessária e constitucionalmente, são despenalizadas, também não podem ser julgadas como ilícitos de mera ordenação social. Tornam-se, portanto, juridicamente irrelevantes. (...)
Se, pelo contrário, a lei que converte a infracção penal em contra-ordenação estabelecer, por disposição transitória, a sua eficácia retroactiva, no sentido de tornar extensivo o seu regime e as coimas respectivas aos factos praticados na vigência da lei antiga (evitando, assim, a impunidade total dos factos ainda não julgados), podem não levantar-se, mas também poderão surgir problemas de constitucionalidade da norma transitória.”
Do trecho que nos permitimos citar extrai-se então a ideia fundamental de que, ou a lei nova estabelece norma transitória que defina a forma de punição dos factos praticados antes da sua entrada em vigor, e então será tal norma aplicável, ressalvados problemas de eventual inconstitucionalidade que aqui não vêm ao caso, ou então não existe qualquer norma transitória, e os factos anteriores à entrada em vigor da nova lei ficam impunes.
Revertendo ao nosso caso concreto, e conforme se adiantou já acima, a nova Lei n.º 28/2006 dispõe de uma norma transitória no seu artigo 14º. A questão é que, conforme já igualmente se disse, tal norma não contempla os casos de crime praticado antes da sua entrada em vigor, mas apenas de contravenções ou transgressões. Com efeito, estabelece o respectivo n.º 1 que “As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.” (sublinhado nosso). Os restantes números da mesma disposição legal em nada relevam para o caso, designadamente o n.º 2, que apenas se refere a “legislação processual”, e igualmente parecendo abarcar apenas os casos contravencionais ou transgressionais, na medida em que “continuam a correr os seus termos”.
Assim sendo, apesar de formalmente existir um “regime transitório”, a hipótese do nosso caso concreto não se encontra aí prevista, pelo que, em conformidade com o entendimento acima vertido, defendido pelo autor Taipa de Carvalho, e o qual subscrevemos, a/s conduta/s do/a arguido/a nestes autos terão de passar neste momento a considerar-se juridicamente irrelevantes, e consequentemente a ficar impunes.
Contra o que se acaba de dizer não se afirme que, se o regime transitório aludido determina a punição de antigas contravenções e transgressões agora como contra-ordenações, por maioria de razão assim deverão ser punidos os crimes. Tal não entendemos, uma vez que semelhante solução traduzir-se-ia numa aplicação analógica in malam partem de lei sancionatória, que é vedada pelo disposto no artigo 1º, n.º 3, do Cód. Penal.».
Pelo exposto e apreciando em conformidade ao estado dos autos, declara-se extinto o procedimento criminal intentado contra o/a arguido/a.
Notifique e d.n.
Oportunamente arquivem-se os autos.
A presente peça processual estriba-se no raciocínio e análise expendidos no âmbito do procº crime nº …./05.5 TAMTS que correu seus termos neste . º juízo criminal, na sentença proferida pelo Sr. Dr. C………., no âmbito do seu estágio. Concordando com o mesmo depois de revisto, subscrevemo-lo na íntegra adoptando-o ao presente caso.
X X X
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, cuja motivação concluiu nos termos seguintes:
1.º O crime de burla para obtenção de serviços, p. e p. pelo artigo 220.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal está numa relação de concurso aparente com a contra-ordenação, p. e p. pela Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho;
2.º Isto porque a norma penal se encontra em vigor, mesmo no caso de os agentes viajarem em transportes colectivos, dado nunca ter sido expressamente revogado por legislação penal posterior, nem se encontrar tacitamente revogado, por ter um campo de aplicação distinto da contra-ordenação em apreço;
3.º Assim, segundo o disposto no artigo 20.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, e o princípio do concurso de normas lex specialis derrogat lex generalis, deve prevalecer a lei penal;
4.º Pois que, na acusação pública constam todos os pressupostos – elementos típicos – do crime de burla de serviços (a utilização pelo agente de um meio de transporte; o conhecimento que essa utilização supõe o pagamento de um preço; a intenção de não pagar tal preço; a recusa de solver a dívida) pelo que o Mmº Juiz a quo deveria havê-la recebido e designado dia para julgamento.
X X X
Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que receba a acusação e designe dia para julgamento.
X X X
Na 1.ª instância não houve resposta.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
X X X
Este processo foi distribuído à Exma. Desembargadora Dra. Isabel Pais Martins, de quem o ora relator é primeiro adjunto. No entanto, porque ambos os adjuntos discordaram da decisão por ela defendida no projecto de acórdão que lhes apresentou, reproduzido na declaração de voto anexa, coube ao ora relator, na qualidade de 1.º adjunto, elaborar o acórdão.
A questão colocada nos presentes autos consiste em saber se a entrada em vigor da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho – que veio “estabelecer as condições de utilização do título de transporte válido nos transportes colectivos, as regras de fiscalização do seu cumprimento e as sanções aplicáveis aos utilizadores em caso de infracção» (diploma citado, artigo 1.º) –, implicou ou não a «descriminalização» das condutas que, caindo sob o seu âmbito de aplicação, são igualmente susceptíveis de ser abrangidas pela previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, que pune, como burla para obtenção de transportes, «quem, com intenção de não pagar: (…) c) Utilizar meio de transporte (…) sabendo que tal supõe o pagamento de um preço (…), e se negar a solver a dívida contraída (…)».
Quanto a esta questão pronunciou-se o ora relator no acórdão elaborado no processo n.º 3327/07 - 4, desta secção e tribunal, já transitado, pelo que, não tendo entretanto mudado de opinião, por uma questão de economia de tempo, vai a fundamentação ser aqui reproduzida com as adaptações consideradas necessárias.
Sobre este problema já por várias vezes, e recentemente, se pronunciou este Tribunal, tendo sempre concluído (com excepção do projecto de acórdão anteriormente referido) – eventualmente com fundamentos porventura distintos de aresto para aresto – que a entrada em vigor da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, não implicou a descriminalização das condutas que, nela previstas, são igualmente abrangidas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal (assim, vd. os acórdãos desta Relação de 23/05/2007 [relator: Dr. Custódio Silva], 13/06/2007 [relatora: Dra. Olga Maurício], 27/06/2007 [relator: Dr. Artur Oliveira] e 04/07/2007 [relator: Dr. Manuel Braz], que podem ser consultados, sob os números de processo 0742046, 0741884, 0743140 e 0713247, respectivamente, na base de dados de jurisprudência deste Tribunal que o Instituto para as Tecnologias da Informação na Justiça mantém na World Wide Web, no endereço www.dgsi.pt).
Para tanto, tem-se ponderado, no essencial, que:

a) A Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, visou apenas aprovar, como a sua epígrafe refere, «o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros»; com ela pretendeu-se, assim, e apenas, «regular em moldes diferentes as situações que anteriormente caíam sob a alçada do Decreto-Lei n.º 108/78, de 4 de Maio, e do n.º 1 do artigo 43.º do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 780, de 21 de Agosto de 1954, que expressamente revogou» (acórdão de 04/07/2007, cit.; substituíram-se as abreviaturas constantes do original), qualificando como contra-ordenações infracções «que no regime anterior constituíam contravenções ou transgressões» (id.; vd., ainda, no mesmo sentido, os acórdãos de 23/05/2007 e 13/06/2007, também atrás citados);
b) Isto mesmo, aliás, é cabalmente confirmado pela história legislativa da falada Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, e pelas tomadas de posição pública do Governo (autor da proposta de lei que resultou no aludido diploma legal) sobre a mesma – que demonstram que o legislador só se preocupou com a conversão de contravenções e transgressões em contra-ordenações, e não em alterar o ordenamento jurídico-penal (acórdão de 27/06/2007, já citado) – e pelo teor do artigo 14.º do mesmo diploma – onde na referência, exclusivamente, às «contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor» da lei em apreço, se pode ver a manifesta intenção, por parte do legislador, de nada regular em matéria criminal (acórdãos de 23/05/2007, 13/06/2007 e 04/07/2007, atrás mencionados);
c) Tal como a entrada em vigor do Código Penal (e concretamente, do seu artigo 316.º, n.º 1, alínea c)), em 1982, não implicou a revogação dos diplomas que a Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, veio substituir, também a entrada em vigor deste diploma não pode implicar a derrogação do artigo 220.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, já que o âmbito de aplicação dos dois regimes punitivos é diverso (assim, os citados acórdãos de 23/05/2007 e de 13/06/2007). Dito de outro modo, «os preceitos em questão só coincidem em dois requisitos: (a) a utilização de meios de transporte pelo agente, e (b) o conhecimento de que tal utilização supõe o pagamento de um preço. Já o crime de burla em meios de transporte supõe dois outros requisitos típicos: (c) a intenção do agente de não pagar, e (d) negar-se o agente, efectivamente, a solver a dívida», sendo que «estes últimos requisitos são indiferentes para a ocorrência das contravenções prevenidas no referido Decreto-Lei n.º 108/78, pois que, para a perfectibilização do correspondente “tipo-de-ilícito” basta a mera negligência (o agente esqueceu-se de adquirir o bilhete ou de o obliterar), podendo mesmo o agente ter pago a dívida (como ocorre quando tem passe válido que não traz consigo)» (cita-se o aludido acórdão de 13/06/2007, cit., que por seu turno reproduz o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/4/2004, processo n.º 2163/2004);
d) O regime contra-ordenacional agora consagrado na Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, «visa assegurar regras de funcionamento do sistema de transporte colectivo de passageiros no que respeita às condições de utilização do título de transporte» (ou, nas palavras do acórdão de 23/05/2007, já citado, aludindo ao Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio, «visa proteger o bom funcionamento e a credibilidade dos transportes públicos, na vertente da obrigação legal de pagamento do preço do transporte»), enquanto que o artigo 220.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, «visa a protecção do património da empresa concessionária», donde, tratar-se de «tipos-de-ilícitos diferentes, para comportamentos diferentes, que violam bens jurídicos distintos e são merecedores de diferentes graus de censura ético-jurídica» (todas as citações cuja origem não foi expressamente identificada são do acórdão de 27/06/2007, atrás mencionado).

Em nossa opinião, estas decisões não podem deixar de ser acompanhadas. Expliquemos rapidamente porquê.
Tal como «só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática» (artigo 1.º, n.º 1, do Código Penal), convém também não esquecer que um facto criminoso só pode deixar de ser punido, de todo, com base numa determinada norma que o descreve e declara passível de pena se esta cessar entretanto a sua vigência, deixando de produzir os seus efeitos na ordem jurídica. Como explicava Francesco Ferrara (Interpretação e aplicação das leis, 4.ª ed. da trad. portuguesa, 1987, pág. 189, em termos que seguramente não deixaram de influenciar o seu tradutor, Manuel de Andrade, autor do projecto do Código Civil relativo às Fontes do direito, vigência, interpretação e aplicação da lei, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 102, pág. 141 e segs.), «as normas jurídicas não são imortais, mas sujeitas a modificarem-se e a extinguirem-se. Como na natureza, assim no mundo jurídico não há imobilidade, mas transformação: o direito renova-se com os tempos. Um direito imóvel não pode existir»; no entanto, «as leis, normalmente, têm um carácter de estabilidade, e são destinadas a uma duração indefinida. Valem enquanto o Estado não declarar suprimi-las no todo ou em parte» (aut. cit., id.; sublinhado no original).
Questão diversa desta, por seu turno – que obviamente só faz sentido colocar depois de ultrapassadas as dúvidas sobre a vigência de uma determinada norma – é decidir qual, ou quais, de duas ou mais normas se devem considerar aplicáveis a um determinado comportamento, naquelas hipóteses em que as previsões dos preceitos em questão sejam (parcial ou totalmente) coincidentes. Neste caso já não se coloca qualquer problema de vigência da lei (e da sua respectiva cessação), mas antes (naturalmente, para quem os admita) um problema de concurso de preceitos legais, que tem critérios de resolução próprios e que visa ultrapassar quaisquer antinomias que possam ocorrer no seio do ordenamento jurídico.
A primeira pergunta a que aqui devemos responder, portanto, é a que procura saber se a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, na parte em que pune, como burla para obtenção de serviços, a utilização de transportes colectivos sem pagamento do respectivo preço, foi ou não revogada pelas disposições da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho.
A problemática da cessação (expressa ou tácita) da vigência da lei releva da teoria geral do direito, resolvendo-se, portanto, também no tocante à norma penal, de acordo com as regras que, nesta matéria, e em geral, vigoram.
A solução do problema enunciado pode encontrar-se, antes de mais, no artigo 7.º do Código Civil, onde se estabelece, sob a epígrafe «cessação da vigência da lei», que «quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei» (artigo citado, n.º 1). E acrescenta que essa revogação, para além dos casos em que for expressamente determinada, pode resultar ainda «da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior» (idem, n.º 2).
No caso vertente é evidente que a Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, não revogou, expressamente, qualquer preceito constante da codificação penal: com a sua entrada em vigor só foram revogados, de acordo com o artigo 15.º do diploma, «os Decretos-Leis n.os 108/78, de 24 de Maio, e 110/81, de 14 de Maio, bem como o n.º 1 do artigo 43.º do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 780, de 21 de Agosto de 1954». Mas tê-lo-á feito tacitamente?
Os arestos deste Tribunal, atrás citados, de 23/05/2007, 13/06/2007, 27/06/2007 e 04/07/2007, demonstram, a nosso ver cabalmente, que não existe nenhuma incompatibilidade normativa entre o regime consagrado na Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, e o constante do artigo 220.º do Código Penal, sendo perfeitamente possível recortar um âmbito de aplicação próprio para cada um deles.
Sendo assim, a revogação tácita da alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, na parte em que pune a utilização de transportes colectivos sem título de transporte, só poderá afirmar-se, a nosso ver, se se dever considerar que a Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, regula integralmente a matéria que constitui objecto daquela norma (ao menos no segmento indicado).
Isto pressupõe, entretanto, aceitar que a Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, poderá, porventura, ter ido, no alcance objectivo da sua disciplina, para além do que era a intenção conhecida do legislador histórico, que como se refere nos arestos deste Tribunal atrás citados, seguramente (talvez mais correctamente, expressamente), se terá limitado à «mera» conversão das transgressões previstas e punidas pelos citados Decretos-Leis n.os 108/78, de 24 de Maio, e 110/81, de 14 de Maio, e n.º 1 do artigo 43.º do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 780, de 21 de Agosto de 1954.
E de facto, se é certo que a interpretação da lei penal não pode prescindir integralmente das indicações eventualmente resultantes dos antecedentes e génese histórica da norma interpretanda, não o é menos que, como assinala a doutrina, e com razão, essas indicações têm um valor muito relativo. Como escreve Gustav Radbruch (Filosofia do Direito, trad. portuguesa de Cabral de Moncada, 6.ª ed., 1979, págs. 230-231), é «possível, muitas vezes, darmos por assente, como vontade do legislador, um determinado sentido que aliás nunca se achou presente no espírito do autor da lei. Pode, inclusivamente, o intérprete entender a lei melhor que o seu autor, como pode a própria lei ser mais inteligente do que ele. Pode mesmo dizer-se, sem paradoxo, que ela o deve ser em todos os casos» (sublinhado no original).
A história legislativa de um preceito, portanto, pode ajudar a compreender o sentido deste, mas não deve precludir a tarefa do intérprete e aplicador da Lei, e designadamente a adopção daquelas interpretações de uma norma que se mostrem eventualmente mais ajustadas, teleológica e sistematicamente, à realidade a que esta tem de ser aplicada. O critério decisivo do problema em análise não pode, por isso, e sempre em nossa opinião, encontrar-se nos antecedentes legislativos da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho. Estes, quando muito, serão um dos elementos a ter em conta na consideração da questão que nos ocupa.
O despacho recorrido, se bem o compreendemos, conclui pela «descriminalização» do crime de burla para obtenção de transportes, na dimensão aqui em causa, precisamente com fundamento no carácter abrangente da falada Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, considerando:

a) Antes de mais, o que caracteriza como a «pretensão de regulamentação globalizante» por parte do legislador, da «temática» das «condições de utilização do título de transporte válido nos transportes colectivos, das regras de fiscalização do seu cumprimento e das sanções aplicáveis aos utilizadores em caso de infracção» (na formulação do artigo 1.º da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho; as interpolações são nossas);
b) Em segundo lugar – e ainda no que não pode deixar de ver-se uma consequência de tal «pretensão» – a opção, conscientemente tomada pelo legislador, de punir todas as violações do regime consagrado neste diploma legal, como contra-ordenações, e não já, como sucedia até à entrada em vigor do mesmo, (também) como contravenções;
c) Por último, as regras legalmente estabelecidas para o processamento das infracções às disposições do diploma, que em momento algum apontam para um seu eventual tratamento no âmbito do ordenamento jurídico-penal e conferem maior solidez à ideia de que foi intenção do legislador regular, de forma global, os ilícitos relativos à utilização de transportes colectivos sem título válido de transporte.

Cremos, no entanto, que isto não basta para fundar a conclusão alcançada na decisão sob impugnação.
As hipóteses de revogação tácita suscitam sempre especiais dificuldades no domínio do direito penal, tendo em consideração os limites decorrentes das particulares exigências que fluem (sobretudo) dos princípios da legalidade (com os seus requisitos de certeza e segurança, mormente no que respeita à determinação das condutas criminalmente puníveis) e da separação de poderes (que claramente reserva para o legislador a selecção e delimitação dos comportamentos criminosos e das consequências que lhes hão-de ser associadas, e veda ao julgador a usurpação, directa ou indirecta, de tal poder: cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa; vd., ainda, a propósito desta problemática, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/99, de 07/04/1999, publicado no Diário da República, II Série, n.º 131, de 05/11/1999, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, pág. 51 e segs., e sua respectiva progénie). Daí que a cautela que do julgador se exige na afirmação de situações de revogação tácita de normas legais em geral seja acrescida quando estão em causa normas de natureza penal e contra-ordenacional, como sucede no caso concreto.
De qualquer modo, de revogação tácita com fundamento em substituição – digamos assim – de regimes legais só deve falar-se, para aproveitar mais uma vez a sugestiva formulação de Francesco Carrara (cit., pág. 194) quando for possível dizer que, com a nova disciplina, se manifesta «a vontade por parte do legislador de liquidar o passado, estabelecendo um novo sistema de princípios completo e autónomo». Só nesse caso teremos «um novo reordenamento jurídico com directivas originais, que não tolera desvios ou enxertos de leis precedentes» (id., ib.).
A completude e a autonomia da nova regulação jurídica, no entanto, não têm, a nosso ver, de afirmar-se por referência à totalidade de um diploma legal, podendo perfeitamente referir-se exclusivamente a uma norma concreta; mas, atendendo à natureza e estrutura da norma jurídico-penal, essas completude e autonomia não poderão deixar de verificar-se quer no tocante à descrição da conduta típica, quer em relação à respectiva sanção.
De acordo com o preceituado no artigo 2.º da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, «a utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros pode ser feita apenas por quem detém um título de transporte válido», donde, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do mesmo diploma, «a falta de título de transporte válido [incluindo os casos em que o passageiro tem direito a transporte sem custos para si, ou de livre trânsito, mas não tem consigo o título comprovativo de tais direitos], a exibição de título de transporte inválido ou a recusa da sua exibição na utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros, em comboios, autocarros, troleicarros, carros eléctricos, transportes fluviais, ferroviários, metropolitano e metro ligeiro, é punida com coima», constituindo, portanto, uma contra-ordenação (cfr. o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
A lei em apreço abrange, pois, um conjunto amplíssimo de comportamentos, tanto dolosos como negligentes (vd., quanto a estes, o n.º 6 do artigo 7.º do diploma), independentemente da concreta intenção perseguida pelo agente com a sua conduta (maxime, de pagar ou não o preço devido pela utilização de um transporte colectivo) e da sua disponibilidade (ou não) para proceder ao pagamento do preço devido pela utilização do transporte colectivo que utilizou, em caso de detecção. Por isso mesmo, a disciplina constante deste diploma pode, em abstracto, estender-se também aos casos que caem no âmbito do ilícito previsto e punido pelo artigo 220.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, sempre e quando estejam em causa transportes colectivos.
A Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, porém, não representou a adopção de um novo regime legal abrangendo todos os casos de «burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços» em geral, e muito menos para as situações em que esteja em causa a utilização fraudulenta de um qualquer meio de transporte, em especial, abrangendo apenas o «sistema de transporte colectivo de passageiros». Nestas circunstâncias, não pode dizer-se que através dela procedeu o legislador a uma reconsideração global do regime legal aplicável à utilização (fraudulenta) do serviço de transportes, lato sensu (que é precisamente a matéria regulada no artigo 220.º do Código Penal), em termos que permitam considerar, inequivocamente, que o regime dela resultante regula integralmente a matéria tratada na lei anterior (no caso, na referida disposição da codificação penal).
Confirmam e reforçam este entendimento – como assinalam as decisões deste Tribunal que atrás citámos – quer os antecedentes legislativos da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho (desde o Programa do XVII Governo Constitucional, disponível, para consulta, na World Wide Web, no endereço:http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC17/Programa/, à exposição de motivos da proposta de Lei n.º 41/X, que deu origem ao diploma, publicada no Diário da Assembleia da República, II série-A, n.º.61/X/1, de 10/11/2005, págs. 112-116, disponível também online em http://www.parlamento.pt/dari/DARII.aspx, e ao comunicado de imprensa emitido pelo Ministério da Justiça a propósito da publicação deste diploma e, bem assim, das Leis n.ºs 25/2006, de 30 de Junho, e 30/2006, de 11 de Julho, disponível no website do Ministério da Justiça, no endereço http://www.mj.gov.pt/sections/documentos-e-publicacoes/temas-de-justica/conversao-em-contra), quer o texto do próprio diploma (que em lugar nenhum refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, ou a matéria por ele regulada), quer, finalmente, a norma revogatória constante do artigo 15.º da lei em apreço (que, ao derrogar expressamente apenas os mencionados Decretos-Leis n.os 108/78, de 24 de Maio, e 110/81, de 14 de Maio, e o n.º 1 do artigo 43.º do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 780, de 21 de Agosto de 1954, aponta nitidamente para a conclusão de que só a matéria destes diplomas constitui objecto da lei aqui sob análise).
Em resumo, pois: a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal não foi tacitamente revogada, permanecendo plenamente em vigor.
A questão que agora se coloca é a de saber que relações devem ter-se por intercedentes entre os regimes constantes da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, e esta mesma alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal.
Ela, porém, encontra simples resolução no preceituado no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (que institui o regime geral do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo), e onde precisamente se estabelece que «se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação» (interpolações e sublinhados nossos).
Processualmente, por seu lado, a solução é a mesma: segundo o artigo 38.º do mesmo Decreto-Lei, «quando se verifique concurso de crime e contra-ordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação, o processamento da contra-ordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal» (preceito citado, n.º 1). Neste caso, e «se estiver pendente um processo na autoridade administrativa, devem os autos ser remetidos à autoridade competente nos termos do número anterior» (idem, n.º 2), ou seja, ao Ministério Público, que decidirá, em termos que vinculam as autoridades administrativas, se o facto deve ou não ser efectivamente processado como crime (cfr. os n.ºs 3 e 4 da disposição em referência).
É, pois, totalmente inerme o argumento que, no despacho recorrido, e em supedâneo da conclusão a que aí se chega, se pretende retirar das regras predispostas na Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, para o processamento das infracções às disposições do diploma: levantado auto de notícia pela utilização de um meio de transporte colectivo sem título válido, logo que a autoridade recorrida entenda verificados, no caso, os requisitos típicos que integram a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, deverá, no cumprimento do que lhe impõem os artigos 20.º e 38.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, transmitir os autos ao Ministério Público, que decidirá então da sua ulterior tramitação (como processo crime ou como processo contra-ordenacional). A regulamentação de natureza processual constante do diploma não permite, assim, a conclusão de que a utilização fraudulenta dos meios de transporte colectivo deixou de ser criminalizada nos termos do já referido artigo 220.º do Código Penal por passarem as infracções a esta norma sempre a ser tramitadas no âmbito do processo contra-ordenacional.
Neste contexto, forçoso é concluir, portanto, que o despacho recorrido chegou a uma conclusão incorrecta e não pode, por isso, deixar de ser revogado, de modo a ser substituído por outro que ordene a prossecução dos autos, nos termos das disposições legais que lhe forem aplicáveis.”
X X X
Deste modo, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos nos termos das disposições legais que lhe forem aplicáveis.
Sem tributação.
X X X

Porto, 2007/12/12
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
Isabel Celeste Alves Pais Martins (vencida conforme declaração que junto)

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Discordo da solução que obteve vencimento, pelas razões que fiz constar da fundamentação do projecto de acórdão que, oportunamente, elaborei e que são as seguintes:
1. O crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, do artigo 220.° do Código Penal, integra uma burla privilegiada, que tem de preencher todos os elementos constitutivos do tipo legal do artigo 217.°
«Acresce que, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 220.°, o crime apenas se encontra perfeito quando o agente "(...) se negar a solver a dívida contraída". A respectiva consumação observa-se, assim, quando o sujeito activo depois de instado para o efeito ou, em alternativa, no momento adequado segundo os usos do sector - adopte uma atitude que signifique a recusa efectiva em proceder à liquidação do débito.» [1]
A acusação deduzida, nos autos, que, afinal, foi rejeitada, por ser manifestamente infundada (os factos não constituírem crime), ao abrigo do disposto no artigo 311.°, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal, contém todos os factos necessários ao preenchimento do tipo objectivo e do tipo subjectivo do crime de burla para obtenção de serviços de transporte, da alínea c) daquele artigo 220.°, pois que dela consta que:
- o arguido utilizou o metro ligeiro, sem que possuísse qualquer título válido de transporte;
- o arguido sabia que a utilização desse meio de transporte pressupunha o pagamento de um preço;
- o arguido agiu, dessa forma, com a intenção de utilizar aquele meio de transporte sem efectuar o pagamento do preço do respectivo serviço;
- o arguido recusou-se a solver a dívida, correspondente ao preço do bilhete em falta, no montante de € 0,85, acrescida da penalização prevista no artigo 16.°, alínea a), das Condições Gerais de Transporte, no valor de € 77,00.
No despacho recorrido não se questiona que a acusação contenha todos os elementos típicos do crime imputado ao arguido.
O que se entende é que esses factos deixaram de constituir crime.
E é contra esse entendimento que o Ministério Público reagiu, por via do recurso.
2. A questão que o recurso convoca está, portanto, em saber se a Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, implicou, ou não, a descriminalização das condutas, anteriormente subsumíveis à alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, no âmbito da utilização de transporte colectivo de passageiros.
Esta relação já se pronunciou variadas vezes sobre o tema, tendo sempre, segundo sei, concluído que a entrada em vigor da Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, não implicou a descriminalização das condutas que são abrangidas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal.
Não é esse o meu entendimento.
A Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, aprovando "o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros", é a expressão do objectivo do legislador de estabelecer, de modo abrangente, "as condições de utilização do título de transporte válido nos transportes colectivos, as regras de fiscalização do seu cumprimento e as sanções aplicáveis aos utilizadores em caso de infracção" (cfr. epígrafe e artigo 1.°).
Nos termos do seu artigo 7.°, n.º 1, é punida com coima “a falta de título de transporte válido, a exibição de título de transporte inválido ou a recusa da sua exibição na utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros, em comboios, autocarros, troleicarros, carros eléctricos, transportes fluviais, ferroviários, metropolitano e metro ligeiro”, pelo que todas as condutas descritas passaram a constituir contra-ordenação[2].
Converteu, portanto, as transgressões e contravenções previstas nos Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio, e no n.º 1 do artigo 43.° do Regulamento para Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39780, de 21 de Agosto de 1954, em contra-ordenações, revogando, consequentemente, esses diplomas (artigo 15.°).
A alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, no segmento «utilização de meio de transporte que supõe o pagamento de um preço» englobava quer a utilização de transporte incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros quer a utilização de transporte não incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros.
É ponto assente que a Lei n.º 28/2006 não revogou expressamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, na parte respeitante a utilização de transporte incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros.
Também se reconhece que os elementos gramatical e histórico[3] não confortam a tese de que a Lei n.º 28/2006 revogou tacitamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.°, nessa parte, muito embora os factores hermenêuticos considerados no despacho recorrido - os elementos racional ou teleológico e sistemático - apontem, nesse sentido.
É de lembrar que é pela descoberta da "racionalidade" da lei que, por vezes inconscientemente, inspirou o legislador na fixação de um certo regime jurídico particular, que o intérprete se apodera de um ponto de referência que o habilita a definir o exacto alcance da norma e que na interpretação da lei releva a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca do sistema jurídico, quer dizer, o postulado da coerência intrínseca do ordenamento [4].
Afigura-se-me, óbvio e seguro, que com a Lei n.º 28/2006 houve uma revogação tácita parcial (derrogação) da alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, por incompatibilidade entre esta norma, na parte relativa à utilização de transporte incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros, e a nova disciplina da utilização desse sistema de transporte, no que se refere aos meios de transporte taxativamente indicados no artigo 7.°, n.º 1, da Lei n.º 28/2006.
Com efeito, a revogação tácita pode resultar «da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior» (artigo 7.°, n.º 2, do Código Civil).
«Na maioria dos casos o legislador não procede à revogação expressa.
Verificar dentro da mole imensa das leis existentes quais as que são atingidas pela nova lei é trabalho muito grande, e que com frequência revela dificuldades com que não se contava. O legislador então poupa-se: quando muito revoga expressamente os preceitos que pretendia directamente substituir, e quanto aos restantes deixa ao intérprete o ónus da verificação da sua incompatibilidade com os novos textos.
«Isto significa a imposição à prática dum esforço muito maior, e além disso inquina a certeza que é a principal vantagem da legiferação. Mas o princípio de que havendo uma incompatibilidade prevalece a lei posterior não sofre qualquer contestação, e é ele que justifica a revogação tácita.»[5]
Como antes referi, um dos elementos típicos do crime de burla, traduzido na utilização de meio de transporte, que suponha o pagamento de um preço, é o sujeito activo negar-se a solver a dívida. O que reclama, antes de mais, a existência de um débito (correspondente ao preço devido pela utilização do meio de transporte) e, ainda, que o sujeito activo, chamado a liquidá-lo, assuma um comportamento demonstrativo de uma efectiva recusa da liquidação desse débito.
Ora, este elemento típico do crime de burla para obtenção de serviços de transporte, quando sejam usados transportes colectivos de passageiros (todos os enunciados no artigo 7.° da Lei n.º 28/2006), deixou de poder ser preenchido, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 28/2006.
É que, no regime aprovado por essa lei, a utilização de qualquer transporte colectivo de passageiros, dos nela indicados, sem título de transporte válido, não origina uma dívida que o utilizador, sem título de transporte, seja instado a pagar ou, até, que, por iniciativa própria, possa pagar, de modo a que seja possível verificar-se uma recusa a solver a dívida.
Diferentemente do que acontecia nas previsões das normas revogadas (artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 108/78 e artigo 43.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39780), nada existe na Lei n.° 28/2006 susceptível de conferir conteúdo ao conceito de "dívida" constante do tipo-de-ilícito do artigo 220.° do Código Penal.
Nas normas revogadas, a "dívida" era o preço do bilhete, em singelo ou acrescido das sobretaxas, de acordo com as posições jurisprudenciais que, na matéria, vingaram[6].
Na Lei 28/2006, a falta de título de transporte válido é punido com coima.
Não há "dívida" a pagar pelo utilizador.
Há coima. E a coima é a sanção do ilícito de mera ordenação social, de natureza exclusivamente patrimonial, que «serve como mera "admonição", como mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições» [7].
No momento da autuação, o arguido é notificado da infracção e da sanção em que incorre, mediante a entrega do aviso do pagamento da coima (artigo 8.°, n.º 4, da Lei n.º 28/2006), o que significa que o sujeito activo não é instado a pagar uma dívida; é notificado de que tem de "cumprir" uma sanção, que passa pelo pagamento de uma quantia pecuniária.
E mesmo quando deva liquidar, também, o preço do bilhete, o que acontece nos casos de pagamento voluntário da coima (artigo 9.°, n.º 4, da Lei n.º 28/2006), o pagamento desse preço não pode ser nunca realizado de forma autónoma, uma vez que, então, é condição do pagamento da coima. Para poder beneficiar da redução de 20% no mínimo da coima (caso do n.º 1 do artigo 9.°) ou do mínimo da coima (caso do n.º 3 do mesmo artigo), o arguido terá de, simultaneamente, pagar a coima e o valor do bilhete em dívida, o qual acresce, portanto, ao valor da coima. Não podendo o valor do bilhete em dívida ser pago independentemente do pagamento da coima, esse valor participa da natureza da sanção. E, de qualquer modo, se o arguido não quiser pagar o preço do bilhete ("recusa" a pagar o preço do bilhete), o único efeito é não poder efectuar o pagamento voluntário da coima.
Deve, portanto, concluir-se que o tipo-de-ilícito da alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, não pode verificar-se, no que se refere à utilização, com intenção de não pagar, de meio de transporte que se integre no sistema de transporte colectivo de passageiros, dos taxativamente indicados no artigo 7.°, n.º 1, da Lei n.º 28/2006, a partir da sua entrada em vigor, por o regime sancionatório aprovado pela Lei n.º 28/2006 obstar à verificação de um dos elementos do tipo.
O elemento típico "existência de uma dívida que o sujeito activo se recuse a solver" é incompatível com o regime sancionatório aprovado pela Lei n.º 28/2006, o que significa que esta revogou (tacitamente) a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, no que se refere à utilização, com intenção de não pagar, de meio de transporte, dos indicados no n.º 1 do artigo 7.°, que se integre no sistema de transporte colectivo de passageiros (revogação parcial).
A utilização, com intenção de não pagar, de meio de transporte, dos taxativamente indicados no n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 28/2006, que se integre no sistema de transporte colectivo de passageiros é, por isso, facto exclusivamente compreendido na Lei n.º 28/2006.
3. Operou-se, assim, a descriminalização da conduta que foi convertida em contra-ordenação.
O que deve ser declarado em qualquer fase do procedimento (artigo 2.°, n.º2, do Código Penal).
4. Atendendo à autonomia material do direito contra-ordenacional face ao direito penal, o facto, pelo menos sem lei transitória, não pode ser sancionado a título contra-ordenacional, uma vez que, no momento da sua prática, não existia, ainda, uma norma legal que para ele cominasse uma coima [8].
Sobre a problemática da conversão da qualificação jurídico-legal de uma conduta de infracção penal em infracção de natureza administrativa (contra-ordenação), segue-se AMÉRICO A. TAIPA DE CARVALHO, Sucessão de Leis Penais, 2.ª edição revista, Coimbra Editora, 1997, pp. 120 e ss., citado no despacho recorrido. Em sentido divergente, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pp.187 -188.

Isabel Celeste Alves Pais Martins

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[1] A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 324.
[2] «Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima» - artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
[3] Destacados no acórdão.
[4] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 12.ª reimpressão, p. 183.
[5] JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 10.ª edição, Almedina, 1997, pp. 302-303.
[6] Como é conhecido, a jurisprudência dividiu-se. Para uns, a "dívida contraída" reportava-se apenas ao preço do bilhete (título de transporte) necessário à realização da viagem [neste sentido, v.g., o acórdão da Relação de Coimbra, de 3 de Novembro de 2003 (recurso n.º 2642/03), publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo V/2003, p. 39 e ss., onde, a dado passo, se escreveu: «De avivar, desde já, que a dívida contraída é o preço do bilhete e, nunca, os acréscimos previstos, pois que estes são já a sanção para a contravenção»]. Para outros, a sobretaxa tinha, ainda, a natureza de uma parte do preço do bilhete devido sempre que o passageiro não adquirisse, previamente, o título de transporte, pelo que a "dívida" correspondia ao preço do bilhete acrescido das sobretaxas devidas [neste sentido, entre outros, acórdão da Relação de Coimbra, de 23/09/1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo IV/1993, p. 77 e ss.) e o acórdão da Relação do Porto, de 8 de Janeiro de 2003, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo 1/2003, p. 207 e ss.]
[7] JORGE DE EIGUEIREDO DIAS, «O Movimento de Descriminalização», Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, p. 333.
[8] Sobre a problemática da conversão da qualificação jurídico-legal de uma conduta de infracção penal em infracção de natureza administrativa (contra-ordenação), segue-se AMÉRICO A. TAIPA DE CARVALHO, Sucessão de Leis Penais, 2.ª edição revista, Coimbra Editora, 1997, pp. 120 e ss., citado no despacho recorrido. Em sentido divergente, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pp.187 -188.