Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
769/21.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
VIOLÊNCIA SOBRE PESSOA
ESBULHO
ESTACIONAMENTO DE VEÍCULO IMPEDINDO O ACESSO A PROPRIEDADE
Nº do Documento: RP20211215769/21.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para deferir a restituição provisória da posse, a violência, caracterizadora do esbulho, pode ser exercida sobre pessoas e sobre coisas, mas neste segundo caso a violência só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação.
II - Se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana.
III - Há esbulho, para efeito de aplicação do referido art.º 377º do Código de Processo Civil, sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar.
IV - O acto de estacionar um veículo automóvel, impedindo a entrada e vedando o acesso do requerente ao prédio do qual é proprietário, traduz-se num acto de esbulho violento, dado intimidar o possuidor, coagindo-o a suportar o desapossamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 769/21.9T8VFR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dra. Deolinda Varão
2º Adjunto Juiz Desembargador Dr. Freitas Vieira
*
Sumário
…………………………………
…………………………………
…………………………………
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

B…, Lda., com sede na Rua …, n.º …, ….-… Santa Maria da Feira, intentou o presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse contra C…, residente na Rua …, n.º …, ….-… …, e D…, Unipessoal, Lda., com sede na Rua …, …, ….-… …, tendo por objecto o prédio urbano sito em …, …, …, inscrito na matriz sob o art. 1942º da freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 322, e sem contraditório prévio foi, após produção de prova, ordenada a restituição provisória da posse do prédio urbano, sito na …, na freguesia …, do concelho de Oliveira de Azeméis inscrito na matriz sob o art. 1942º da freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 322.
No requerimento inicial a requerente alegou em resumo que no âmbito da sua actividade comprou e, por isso, é dona e legítima possuidora do prédio urbano, composto por terreno para construção, com área de dois mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com …, do sul com Dr. E…, do nascente com lote n.º.. do alvará de loteamento n.º ……, e do poente com Município …, sita na …, freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz sob o art. 1942º da freguesia …, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 322. Tal prédio veio à posse da A., em 26/04/2016, por procedimento casa pronta, tendo comprado a F… e mulher, G….
Tal prédio teve origem num prédio urbano, composto por terreno de construção, inscrito na matriz predial com o artigo 1073º, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 322 da freguesia …, comprado por F…, em 18/06/2013, por procedimento de compra e venda a H… e mulher, I….
O prédio supra identificado, não obstante estar inscrito sob um único artigo 1073º, era composto por duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana: 1 - uma parcela com área de dois mil oitocentos e quinze metros quadrados, a confrontar do norte com Herdeiros de J…, do sul com …, do nascente com lote n.º.., do alvará de loteamento n.º …… e do poente com lote . do mesmo loteamento, inscrito na matriz sob o art. P1941º, a destacar do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 322, supra identificado, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º2792; 2 - uma parcela de terreno sobrante com área de dois mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com …, do sul com Dr. E…, do nascente com lote n.º.. do alvará de loteamento n.º ……, e do poente com Município …, inscrita na matriz sob o art. P1942º, descrita Conservatória de Registo Predial sob o n.º322;
As duas parcelas de terreno foram individualizadas em dois artigos matriciais, tendo dado origem a 2 prédios urbanos, compostos por terreno de construção, um deles com o artigo 1941º, outro com o artigo 1942º.
Mais refere que adquiridos os prédios, passou a A. a tratar deles, procedendo à sua limpeza, conservação, reparação e melhoramentos, deles retirando todas as suas utilidades, pagando as respetivas contribuições e impostos e que há mais de 20, 30 e 40 anos que a A. por si e seus ante-possuidores, com exclusão de outrem, estão na posse e fruição dos referidos prédios na convicção de que se trata de coisa sua, de que são seus donos.
Alega em resumo que é nesta data, titular do direito de propriedade do prédio referido em 2º por o ter adquirido por usucapião que desde já se invoca, uma vez que vendeu o outro prédio inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo nº 1941º.
Refere que em novembro de 2020, a A. teve conhecimento que o Réu C… tinha depositado, sem o seu conhecimento e autorização, uma grua, uma roullote, materiais de construção e lixo (entulho, cascalho e pedras), no seu prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1942º, descrito Conservatória de Registo Predial sob o n.º322 da freguesia …, contíguo ao prédio que vendeu à sociedade “K…, Lda.”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1941º.
Mais refere que a autora, acreditando que o Réu C… tivesse desocupado o respectivo prédio em dezembro de 2020, conforme lhe prometera, no dia 10-02-2021 foi descarregar um camião de pedra naquele seu prédio a fim de iniciar umas obras, quando foi impedido pelo Réu C…, que estacionou uma carrinha, ligeiro de mercadorias, marca Citroen, modelo … de cor branca, propriedade da sociedade 2 requerida, impedindo a entrada do camião com a carga de pedra e vedando à A. o acesso ao mesmo e impedindo-a de depositar os seus pertences no seu prédio. E que perante tal situação, o gerente da A., sem perceber o que se passava e o motivo pelo qual o réu C… se encontrava ali acompanhado de várias pessoas, suas familiares, ficou estupefacto e amedrontado e confrontado com a impossibilidade de entrar e usar o seu prédio, chamou a GNR que se dirigiu ao local e redigiu o auto de ocorrência.
Foi proferida decisão nos seguintes termos: «V - Decisão
Em face do exposto, julgo procedente, por provada, o presente procedimento cautelar e, em consequência, determino que a Requerente seja restituída à posse do prédio urbano, sito em …, …., …, inscrito na matriz sob o art. 1942º da freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 322.
***
Atenta a invocação de resistência, desde já se autoriza o auxílio das autoridades policiais nos termos do art.º 375.º, do Novo Código de Processo Civil.
***
Designa-se para agente de execução o que seja indicado pela Requerente.
***
Custas pela Requerente, a serem atendidas na acção definitiva, nos termos do artigo 539.º, n.ºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil.
***
Oportunamente notifique os Requeridos (cfr. art.º 366.º, n.ºs 1 e 6, 372.º e
375.º, todos do Novo Código de Processo Civil).
***
Registe e notifique…»(sic).
*
Vieram os Requeridos C… e D…, Unipessoal, Lda. após citação, deduzir oposição a tal decisão alegando, em suma, que tal imóvel, não obstante a sua pertença sucessiva à L…, Ldª, sociedade de que primeiro requerido era sócio, a H…, sobrinho do mesmo requerido, a F… e mulher, G… e finalmente à aqui Requerente, o referido imóvel esteve sempre na posse: 1º - da L…, Ldª e do primeiro requerido até ao encerramento de actividade e insolvência da primeira; 2º - do primeiro requerido depois disso; e, 3º - da segunda requerida, sociedade de que é sócio um filho do primeiro Requerido.
Acrescenta a segunda Requerida que usa esse terreno como estaleiro desde finais de 2012, que foi ela quem vedou o prédio e que em 1 de Janeiro de 2013 tal sociedade celebrou com o então proprietário H… contrato de arrendamento que justifica e titula a posse exercida
Mais negaram os actos de esbulho violento que foram alegados e julgados indiciados defendendo que antes do episódio descrito na petição inicial e ocorrido a 10-01-2021, já informara a Requerente que não iria desocupar o prédio e por que razões o não faria, requerente essa que, alegam, nunca esteve na posse do imóvel em causa.
Veio a Requerida defender que a natureza do presente procedimento cautelar não permite o conhecimento da pretensão da Requerente que, não tendo havido qualquer acto de esbulho, não tem fundamento para ver o seu direito de propriedade acautelado por esta via.
A Requerente, por sua vez, pugnou pela manutenção do decidido sustentando, em suma, que a detenção que foi mantida pelos Requeridos se deveu a um pedido do primeiro dele deferido, por amizade do legal representante da Requerente, se reduziu e limitou ao imóvel inscrito na matriz sob o artigo 1941 e que o prédio objecto deste litígio esteve devoluto de pessoas e bens, à excepção de resíduos de materiais e equipamentos da construção civil e da vegetação ali existente alterando o seu aspecto mediante o seu crescimento e seu corte, desde 2013 a meados de 2020.

Foi proferida a sentença recorrida que decidiu nos seguintes termos: «.. IV –Nestes termos julga-se a oposição parcialmente provada mas improcedente e mantém-se a decisão proferida.
Custas pela oponente – cfr artigos 527º e 53º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.. ..»(sic).
*
Inconformado com a predita decisão, veio o requerido C… interpor o presente recurso, o qual foi admitido como de apelação a subir de imediato, nos autos e com efeito devolutivo.
O requerido com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES
1. Com todo o devido respeito, que é muito, o recorrente entende que a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância não está conforme aos princípios e regras do direito por três razões:
1º Existe excesso de pronúncia, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento;
2º Existe contradição na matéria de facto provada;
3º Existe erro na aplicação do direito (error juris).
- Do excesso de pronúncia
2. Da fundamentação de facto da sentença recorrida, consta como provado:
«30. O prédio referido em 1 foi adquirido pela sociedade L…, L.da em 19 de novembro de 1998.
31. Desde a data em que essa empresa de construção civil iniciou a empreitada referente á urbanização do loteamento, o aludido terreno foi utilizado como depósito e armazenamento das máquinas, equipamentos e materiais utilizados nessa obra.
32. Em 13 de Abril de 2012, a aludida L…, L.da deu em pagamento o supra mencionado terreno a H…, sobrinho do aqui requerido C….
33. Por autorização deste, o requerido C… e a sua L…, L.da mantiveram-se a usar o referido terreno, nos exatos termos em que o vinham fazendo, ou seja, armazenando máquinas e equipamentos e materiais utilizados nas empreitadas de construção civil.
35. Mesmo a partir dessa data, o requerido C…, a consentimento do seu sobrinho, manteve-se na posse do aludido terreno, tendo mantido o mesmo como depósito das mais variadas coisas, desde restos de pedra, areia, brita, equipamentos velhos.»
3. Dos aludidos factos resulta que o Tribunal de Primeira Instância considerou provado que, após o recorrido ter procedido à transmissão do direito real de propriedade sobre o imóvel em causa ao sobrinho H…, a detenção daquele manteve-se por consentimento/autorização deste.
4. Ora, tal questão - autorização/consentimento do titular do direito real quanto á fruição do imóvel pelo recorrente - (a qual se revela fundamental na subsunção dos factos ao Direito e, portanto, essencial á boa decisão da causa) – não foi alegada pelas partes.
5. Em momento algum, a requerente colocou essa questão; ao invés, argumentou, sempre, que seria ela e não os requeridos quem detinha o domínio e detenção concreta do imóvel, «procedendo á sua limpeza, conservação, reparação e melhoramentos, deles retirando todas as suas utilidades» e que só «em novembro de 2020, a A. teve conhecimento que o Réu C… tinha depositado, sem o seu conhecimento e autorização, uma grua, uma roulotte, materiais de construção e lixo» (cfr. arts. 7 e 16º da p.i).
6. Ou seja, a requerente não alegou sequer que o imóvel em causa estava a ser ocupado pelos requeridos; muito menos, pois, que essa ocupação fosse feita a título de mero favor ou por simples tolerância.
7. Ao invés, a requerente tentou sempre convencer o Tribunal de que até novembro de 2020 era ela quem detinha essa mesma ocupação, ou seja, o domínio concreto e efetivo do imóvel.
8. Quanto aos requeridos, também estes nunca alegaram tal facto, tendo, pelo contrário, invocado a existência de um contrato de arrendamento (se bem que não tenham logrado provar a sua existência e daí que tal facto não se possa considerar como escrito ou atendível), o que só por si e dada a natureza onerosa do mesmo, contraria uma situação de mero favor ou tolerância.
9. Além de as partes não terem alegado tal facto referente à autorização/consentimento do titular do direito real quanto á fruição do imóvel, o mesmo não foi objeto de discussão no presente processo, razão pela qual, o Tribunal a quo não faz qualquer referência a essa situação em sede de motivação da sentença recorrida.
10. O Tribunal está legalmente impedido de conhecer de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
11. Relativamente a este conceito de «questões», a jurisprudência tem vindo a defender que se tratam de questões de fundo, isto é, aquelas questões que integram a matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e ás exceções.
12. Ora, o facto aqui em causa - autorização/consentimento do titular do direito real quanto á fruição do imóvel – é fundamental para se aferir, á luz da legislação aplicável, da existência da situação possessória alegada pela requerente (e, em particular no que respeita ao instituto do constituto possessório, o qual integra uma forma de aquisição derivada da posse).
13. Com todo o respeito, o recorrente considera que o Tribunal a quo, ao pronunciar-se sobre tal questão, a qual julgou provada, fez a sentença proferida eivar de vício que afetou o silogismo judiciário que conduziu ao resultado da mesma.
- Da contradição na matéria de facto provada
14. Conforme ensina o TRP, no acórdão de 24.04.2013 (in Proc. n.º 1800/10.9TAVLG.P1):
«O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada com provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão. Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.»
15. Ora, in casu, da fundamentação de facto da sentença recorrida constam os seguintes elementos:
«3. Tal prédio teve origem num prédio urbano, composto por terreno de construção, inscrito na matriz predial com ao art. 1073º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 322 da freguesia …, comprado por F…, em 18/06/2013, por procedimento de compra e venda a H… e mulher, I….
4. O prédio supra identificado, não obstante estar inscrito sob um único artigo 1073º, era composto por duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana: (…)
5. As duas parcelas de terreno foram individualizadas em dois artigos matriciais, tendo dado origem a 2 prédios urbanos, compostos por terreno de construção, um deles com o artigo 1941º, outro com o artigo 1942º.
6. Adquiridos os prédios, passou a requerente a tratar deles, procedendo à sua limpeza, conservação, reparação e pagamento das respetivas contribuições e impostos.
7. Há mais de 20 anos que a Requerente por si e seus ante-possuidores, com exclusão de outrem, estão na posse e fruição dos respetivos prédios na convicção de que se trata de coisa sua, de que são seus donos.
8. À vista de toda gente, de forma continuada e ininterrupta, sem oposição de quem quer que fosse e na convicção de exercerem um direito próprio.
30. O prédio referido em 1 foi adquirido pela sociedade L…, L.da em 19 de novembro de 1998.
31. Desde a data em que essa empresa de construção civil iniciou a empreitada referente à urbanização do loteamento, o aludido terreno foi utilizado como depósito e armazenamento das máquinas, equipamentos e materiais utilizados nessa obra.
32. Em 13 de Abril de 2012, a aludida C… e a sua L…, L.da, deu em pagamento o supra mencionado terreno a H…, sobrinho do aqui requerido C….
33. Por autorização deste, o requerido C… e a sua L…, L.da mantiveram-se a usar o referido terreno, nos exatos termos em que o vinham fazendo, ou seja, armazenando máquinas e equipamentos e materiais utilizados nas empreitadas de construção civil.
34. A L…, L.da foi declarada insolvente em 13 de fevereiro de 2014.
35. Mesmo a partir dessa data, o requerido C…, a consentimento do seu sobrinho, manteve-se na posse do aludido terreno, tendo mantido o mesmo como depósito das mais variadas coisas, desde restos de pedra, areia, brita, equipamentos velhos.
36. Situação que se foi estendendo à sociedade D…, L.da, pertencente a um filho do requerido C…, a qual já vinha ocupando uma parte do terreno entretanto dividido em duas partes por uma das ruas projetadas no loteamento.
37. Na data de aquisição referida nas alíneas 2 e 4 (julga-se que aqui há um lapso de escrita e que o 4 significa 3), os requeridos mantinham no imóvel correspondente ao artigo 1942 a ocupação referida em 36.
38. Na data referida em 2 era público e notório para qualquer pessoa que a Requerida D… usava o imóvel para depósito de gruas, máquinas escavadoras, tubos de cimento, areias, pedras, visíveis a olho nú por quem ali passasse ou se encontrasse nas imediações.
39. O que faziam à vista de toda a gente sendo visível para qualquer pessoa que ali passasse que ali estavam guardados gruas, máquinas escavadoras, tubos de cimento, areais e pedras.
40. O que era do conhecimento de F… aquando da aquisição referida em 2.
41. E se manteve ininterruptamente até 10.02.2021, data em que o representante legal da requerente, F…, se deslocou à parcela situada a sul da … para descarregar pedra.»
16. Acresce que, da motivação de facto da sentença recorrida consta, ainda: «De todas as fotos conjugadas resulta inequívoca a presença de materiais de construção no referido terreno e de marcas de passagem para o mesmo a partir da via pública, em consonância com os depoimentos das referidas testemunhas que indicaram o uso desse prédio como depósito de materiais pela Requerida D… (…).
Também as testemunhas M… e N…, vizinhos do imóvel, que afirmaram com segurança e sem demonstrar qualquer interesse nos autos ou qualquer proximidade a qualquer das partes, sempre ali ter visto camiões estacionados, a carregar e descarregar, afirmando o segundo que é eletricista que ali se deslocou já várias vezes para reparar a bomba de um duro ali existentes a pedido da Requerida, o que faz há pelo menos 12 anos.»
17. Da análise da aludida matéria de facto (provada) resulta, pois, que existe uma contradição entre os factos constantes dos pontos 6, 7 e 8 e os factos constantes dos pontos 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41 supra reproduzidos.
18. Além da sentença recorrida nada concretizar quanto aos pontos 6 e 7, designadamente em termos de circunstâncias de tempo e lugar, também não refere a motivação em que sustenta tal juízo.
19. Por outro lado, é notório que tais factos estão em plena contradição com os factos que vieram a ser julgados provados em função da oposição apresentada pelos requeridos e que vieram a integrar os pontos 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41 da sentença de que agora se recorre.
20. Com efeito, como é que o Tribunal pode concluir que a requerente, logo após a aquisição dos prédios, passou a tratar da sua limpeza, conservação e reparação, quando, ao mesmo tempo aceita:
- Que foi sempre o recorrente quem, desde 1998, usou o prédio em questão (referindo, inclusive, atos concretos de domínio e fruição);
- Que foi ele quem sempre se manteve na posse do mesmo, mesmo após dação em pagamento ao seu sobrinho H…;
- Que a sua posse continuou em 2013 e em 2016, datas em que, respetivamente, o F…, representante legal da requerente e a requerente os adquiriram;
- E que tal perdurou ininterruptamente até 10.02.2021 (data em que ocorreram os factos que originaram o presente processo).
21. A aludida contradição agrava-se, ainda, se atentarmos ao referido no ponto 7 da fundamentação de facto da sentença recorrida, no qual o Tribunal de Primeira Instância afirma que «há mais de 20 anos que a Requerente por si e ante-possuidores, com exclusão de outrem, estão na posse e fruição dos referidos prédios (…)» (reprodução com sublinhado nosso).
22. Com todo o respeito, o recorrente considera que a aludida contradição constitui um vício de construção/formação da sentença recorrida, o qual afetou o silogismo judiciário que conduziu ao resultado da mesma.
- Do erro na aplicação do Direito
23. A ação de restituição da posse é uma ação possessória, isto é, uma ação judicial destinada a tutelar a posição do possuidor, violada por outrem.
24. Assim, a ação de restituição da posse, pressupõe, em primeiro lugar, uma situação possessória.
25. Ora, a posse é constituída por dois elementos estruturais cumulativos: o corpus, consubstanciado na relação concreta e efetiva da pessoa com a coisa, e o animus, o qual se traduz na intenção de agir como beneficiário do direito.
26. Destarte, para que alguém se encontre instituído numa situação possessória tem que estar investido desses dois elementos, se bem que, a própria lei faz presumir a posse naquele que tem o poder de facto sobre a coisa.
27. Em função da aludida caracterização substantiva da posse, o legislador processual consagrou como requisitos de facto da providência cautelar da restituição provisória da posse:
- A demonstração da posse do requerente;
- A sua perda por esbulho;
- A violência no desapossamento.
28. O que o legislador pretendeu, com o aludido procedimento cautelar, foi proteger a posse e a continuidade da posse daquele que foi privado da retenção ou fruição da coisa. O elemento protegido pela lei é, pois, a posse e não o bem em si mesmo.
29. Não há dúvidas, pois, que, in casu, cabia á requerente o ónus de provar a sua posse sobre o imóvel em causa (art. urbano 1941 da freguesia …).
30. Ora, com todo o respeito, a requerente não só não logrou provar a posse sobre o imóvel em causa, como até tal raciocínio resulta inferido dos factos provados constantes dos pontos 34 a 41 da sentença recorrida.
31. Com efeito, mesmo resultando inequivocamente dos factos que a requerente é titular de um direito real pleno sobre o imóvel em causa (direito de propriedade), o qual adquiriu do seu anterior proprietário, (e não estando aqui em causa a apreciação da validade desse direito, se bem que corre termos no Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1, uma ação para declaração de nulidade do contrato que titulou a transmissão do mesmo para o representante legal da requerente e depois deste para a requerente), certo é que, em momento algum a requerente logrou provar o elemento material da posse, ou seja, que à data da ação se encontrava no domínio, efetivo e concreto, do imóvel.
32. Ademais, da fundamentação de facto da sentença resulta, ainda, que o proprietário do imóvel, do qual o representante legal da requerente recebeu o direito real, também não teve posse desse bem (por falta do elemento material).
33. Com efeito, o que resulta da fundamentação de facto da sentença, é que, quando a requerente/recorrida adquiriu o bem, era o recorrente e mais tarde também a D…, quem estava na fruição e domínio concreto e efetivo do bem (cfr. pontos 38, 39, 40 e 41).
34. Aliás, resulta até provado mais: não obstante as transmissões do direito real em causa, o recorrente encontra-se ininterruptamente na posse do imóvel desde novembro de 1998 até aos factos que deram origem à presente ação (ocorridos em 10.02.2021).
35. Aliás, adquirido o direito real em 2013 pelo representante legal da requerente e depois em 2016 pela própria requerente, a situação relativa ao domínio concreto e efetivo do bem manteve-se, sem qualquer oposição daqueles, na pessoa do recorrente.
36. Ademais, nos termos do disposto no art. 1257º do CC, a posse mantém-se enquanto durar a possibilidade de a continuar e presume-se que a posse continua em nome de quem a começou.
37. Destarte, entende o recorrente que a recorrida não logrou provar a sua posse sobre o bem e, como tal, o presente procedimento cautelar teria de ser indeferido por falta deste pressuposto legal.
38. Por outro lado, o recorrente considera que falhou, também, o pressuposto da violência (esbulho violento).
39. Da sentença recorrida resulta que o recorrente colocou uma carrinha no local da entrada a barrar o acesso do camião com as pedras que a requerente pretendia descarregar.
40. Todavia, dos mesmos factos, resulta que, não obstante a oposição do recorrente, a requerente logrou descarregar as pedras que pretendia depositar no imóvel em causa.
41. Ora, conforme é referido no acórdão do TRC de 31.03.2020, in Proc. n.º 539/19.4T8LMG.C1:
«É matéria controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão de se saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre coisas, ou se o conceito deve ser limitado á coação exercida sobre o possuidor.
A violência está definida no art. 1261º, n.º 2 do Código Civil, considerando-se violenta a posse quando, para obtê-la. O possuidor usou de coação física, ou se coação moral nos termos do art. 255º.
Ora, de acordo com o n.º 2 do citado artigo, a ameaça integradora da coação moral tanto pode respeitar à pessoa como á honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
Assim, não pode afastar-se liminarmente a relevância da ação do esbulhador sobre a coisa, havendo que analisar, em concreto, em que medida a violência exercida afeta a relação do possuidor com essa mesma coisa, adiantando-se que a caracterização como esbulho violento, para efeitos do disposto no artigo 1279º do Código Civil, não se limita ao uso de força física contra as pessoas, sendo, ainda, de considerar violento o esbulho quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face os meios ou á natureza dos meios usados pelo esbulhador e, por isso, há-de considerar-se privado da posse, em virtude de ação violenta dos esbulhadores, exercida sobre a coisa.
Deve também considerar-se violento o ato de esbulho quando o esbulhador fica impedido de contactar com a coisa como resultado dos atos empregues pelo esbulhador.
Teremos de ter em atenção que uma ação concretizadora de esbulho se não pode confundir com um ato de turbação da posse, porquanto se, porém, o possuidor não perde o contacto com a coisa possuída, mas é meramente inquietado na sua posse por alguém não legitimado a fazê-lo, temos a turbação (Guerra da Mota: Ação Possessória; pág. 134).
Só de ações de restituição provisória da posse ou ações de esbulho violento se pode falar se o possuidor, mercê do ato violento, perde o contacto com a coisa possuída. Se o possuidor apenas for perturbado ou turbado na sua posse, pode ele recorrer a tribunal para nela ser mantido ou restituído (art. 1278º do C. Civil). (sublinhado nosso)
42. Tendo por presente este ensinamento, a recorrente considera que, in casu, não se verificou uma situação de esbulho violento.
43. É certo que dos factos provados resulta que o gerente da requerente, quando chegou ao local, se sentiu intimidado e amedrontado pela presença do recorrente e dos seus familiares (os quais afinal trabalham em frente e por isso estavam ali), mas chamou o seu filho e a GNR e logrou levar a bom contendo o propósito inicial de descarregar a pedra no imóvel.
44. Ora, não há dúvidas que no momento em que a recorrida chegou ao prédio, era o recorrente e a requerida D… que se encontravam a fruir do mesmo e que aquela bem sabia disso, porque tal posse era exercida de forma pública e visível a olho nú (conforme referido na sentença).
45. Era, pois, previsível, face ás regras da experiência comum, que, a partir do momento em que a requerente pretendesse apoderar-se do terreno, houvesse oposição do recorrente.
46. Ainda assim, conforme foi relatado pelo senhor GNR que depôs em julgamento e que se deslocou ao local no dia 10.02.2021, o recorrente soube manter a calma e nunca dirigiu qualquer palavra agressiva ou injuriosa aos representantes da requerente que ali se encontravam.
47. Por outro lado, no que que respeita á carrinha que se encontrava estacionada a barrar o acesso, tal ato não consubstancia algo de permanente ou definitivo, na medida em que ficou provado que o imóvel tem duas entradas e que a recorrida logrou, ainda assim, efetuar a descarga das pedras.
48. Destarte, o recorrente considera que, no que concerne à violência, e tendo por presente a interpretação que a jurisprudência tem vindo a fazer do conceito, os factos decorrentes da fundamentação de facto da sentença recorrida não são de molde a preencher o mesmo.
49. Pelo exposto e sempre com muito respeito, o recorrente considera que a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 1.251, 1.257, 1.261 e 1.264 do Código Civil e os artigos 377 e 378 do Código do Processo Civil.
Termos em que, o recurso merece provimento, o que, data venia, se requer...»(sic).

A requerente juntou contra-alegações tendo pugnado em resumo pela manutenção da decisão recorrida.
*
Após os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
***
II- DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que em resumo a recorrente indica os seguintes pontos a analisar:

A- Existência de excesso de pronúncia, na medida em que considera que o Tribunal de Primeira Instância conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento;
B- Existência de contradição na matéria de facto provada;
C- Existência de erro na aplicação do direito
***
III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo.
Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto: «… II – Cumpre decidir para o que se fixa a seguinte matéria de facto de entre a alegada com relevo para o mérito da pretensão em apreço:
Indiciados:
A) Resultantes da anterior decisão:
1. A Requerente é uma sociedade por quotas, cujo objecto social é compra e venda de imóveis, compra de imóveis para revenda, arrendamento de imóveis, gestão de imóveis, gestão de condomínios, construção e venda de imóveis, prestação de serviços de construção civil, comércio por grosso e a retalho de materiais de construção, eléctricos, canalização, climatização e gás.
2. No âmbito da sua actividade a Requerente, em 26/04/2016, por procedimento casa pronta, realizado na Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra, adquiriu, através de compra a F… e mulher, G…, o prédio urbano, composto por terreno para construção, com área de dois mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com …, do sul com Dr. E…, do nascente com lote n.º.. do alvará de loteamento n.º ……, e do poente com Município …, sita na …, freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz sob o art. 1942º da freguesia …, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 322.
3. Tal prédio teve origem num prédio urbano, composto por terreno de construção, inscrito na matriz predial com o artigo 1073º, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 322 da freguesia …, comprado por F…, em 18/06/2013, por procedimento de compra e venda a H… e mulher, I….
4. O prédio supra identificado, não obstante estar inscrito sob um único artigo 1073º, era composto por duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana:
1 - uma parcela com área de dois mil oitocentos e quinze metros quadrados, a confrontar do norte com Herdeiros de J…, do sul com …, do nascente com lote n.º .., do alvará de loteamento n.º …… e do poente com lote . do mesmo loteamento, inscrito na matriz sob o art. P1941º, a destacar do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 322, supra identificado, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º2792;
2 - uma parcela de terreno sobrante com área de dois mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com …, do sul com Dr. E…, do nascente com lote n.º.. do alvará de loteamento n.º ……, e do poente com Município …, inscrita na matriz sob o art. P1942º, descrita Conservatória de Registo Predial sob o n.º322.
5. As duas parcelas de terreno foram individualizadas em dois artigos matriciais, tendo dado origem a 2 prédios urbanos, compostos por terreno de construção, um deles com o artigo 1941º, outro com o artigo 1942º.
6. Adquiridos os prédios, passou a Requerente a tratar deles, procedendo à sua limpeza, conservação, reparação e pagando as respectivas contribuições e impostos.
7. Há mais de 20 anos que a Requerente por si e seus ante-possuidores, com exclusão de outrem, estão na posse e fruição dos referidos prédios na convicção de que se trata de coisa sua, de que são seus donos.
8. À vista de toda a gente, de forma continuada e ininterrupta, sem oposição de quem quer que fosse e na convicção de exercerem um direito próprio.
9. Após a Requerente adquirir os prédios supra identificados, o Requerido C… propôs à Requerente a compra dos dois prédios urbanos, melhor identificados nos itens 4 e 5.
10. No âmbito de tal negociação e enquanto a mesma durou, por mero favor e tolerância, F…, enquanto gerente da Requerente, permitiu que o seu amigo, C…, ora R., depositasse materiais de construção no prédio inscrito na matriz predial urbana com o artigo 1941º, até que este o comprasse, o que aconteceu em 02/06/2020, através de procedimento de compra e venda “casa pronta”.
11. Das negociações, apenas e só se efectivou a venda do prédio urbano composto por terreno de construção, inscrito na matriz sob o art. 1941º e descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 2792 da freguesia ….
12. Compra que ocorreu em 02/06/2020 através da venda pela Requerente à sociedade “K…, Lda.”, com NIPC ………, com sede na Rua …, n.º…, ….-… …, cujo sócio gerente é O…, filho do Requerido C….
13. Nessa data, a Requerente entregou a posse do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana com o artigo 1941º à sociedade “K…, Lda.”.
14. Em 20/11/2020, através de carta enviada pela S/Mandatária, Dra. P…, a Requerente solicitou ao Requerido C…, a desocupação do respectivo prédio urbano, concedendo-lhe o prazo de oito dias.
15. O Requerido C… foi protelando a desocupação do respectivo prédio, tendo, mais tarde, contactado com F…, gerente da Requerente, informando-o que desocuparia o respectivo prédio até final de Dezembro de 2020.
16. A Requerente acreditando que o Requerido C… tivesse desocupado o respectivo prédio em Dezembro de 2020, conforme lhe prometera, no dia 10-02-2021 foi descarregar um camião de pedra naquele seu prédio a fim de iniciar umas obras, quando foi impedido pelo Requerido C…, que estacionou uma carrinha de mercadorias, marca Citroen, modelo … de cor branca, propriedade da sociedade “D…, Unipessoal, Lda.”, impedindo a entrada do camião com a carga de pedra.
17. Vedando à Requerente o acesso ao mesmo.
18. Impedindo-a de depositar os seus pertences no seu prédio.
19. Perante tal situação, o gerente da Requerente, sem perceber o que se passava e o motivo pelo qual o Requerido C… se encontrava ali acompanhado de várias pessoas, seus familiares, ficou amedrontado.
20. Intimidado, o legal representante da Requerente ligou ao seu filho contando-lhe que o Requerido C…, acompanhado de vários familiares, tinha barrado a entrada do camião no prédio com uma carrinha, impedindo a descarga da pedra.
21. Mais referiu que, afinal, o dito Requerido, não tinha desocupado o prédio de coisas suas, conforme se comprometera.
22. Foi então que o filho se deslocou ao prédio e quando ali chegou verificou que a carrinha do Requerido se encontrava estacionada no local de entrada impedindo/barrando a entrada do camião com as pedras.
23. O legal representante da Requerente, confrontado com a impossibilidade de entrar e usar o seu prédio, chamou a GNR que se dirigiu ao local e redigiu o auto de ocorrência n.º …../.. ……….
24. O gerente da Requerente informou os agentes da GNR que o prédio urbano em causa foi por si adquirido em junho de 2013 e que em abril de 2016 o vendeu à sociedade “B…, Lda.”.
25. Mais referiu que o dito C… se tinha comprometido com ele a desocupar o prédio até finais de dezembro de 2020, o que não fez, estando agora a impedir a legitima proprietária de aceder ao mesmo.
26. O Requerido C…, justificou a ocupação do respectivo prédio por si e pela Ré “D…, Unipessoal, Lda.” alegando a existência de um contrato de arrendamento celebrado, há mais de 30 anos, entre a Ré sociedade e o anterior proprietário, H…, e que pagava a este, mensalmente, o valor de 120,00€ a título de renda, não tendo junto qualquer documento que comprovasse a existência do alegado contrato.
27. A Requerente desconhece a existência de qualquer contrato de arrendamento celebrado entre a Ré “D…, Unipessoal, Lda.” e o anterior proprietário H….
28. A Requerente adquiriu o prédio descrito no item 2, juntamente com outro prédio inscrito na matriz predial urbana com o art. 1941º, livre de ónus ou encargos.
29. Os Requeridos, nunca deram conhecimento da existência de tal contrato, nem pagaram à Requerente qualquer valor a título de renda do referido prédio que agora ocuparam.

B) Resultantes da oposição
30. O prédio referido em 1 foi adquirido pela sociedade L…, L.da em 19 de Novembro de 1998.
31. Desde a data em que essa empresa de construção civil iniciou a empreitada referente à urbanização do loteamento, o aludido terreno foi utilizado como depósito e armazenamento das máquinas, equipamentos e materiais utilizados nessa obra.
32. Em 13 de Abril de 2012, a aludida L…, L.da deu em pagamento o supra mencionado terreno a H…, sobrinho do aqui requerido C….
33. Por autorização deste, o requerido C… e a sua L…, L.da, mantiveram-se a usar o referido terreno, nos exactos termos em que o vinham fazendo, ou seja, armazenando máquinas e equipamentos e materiais utilizados nas empreitadas de construção civil.
34. A L…, Ldª foi declarada insolvente em 13 de fevereiro de 2014.
35. Mesmo a partir dessa data, o requerido C…, a consentimento do seu sobrinho, manteve-se na posse do aludido terreno, tendo mantido o mesmo como depósito das mais variadas coisas, desde restos de pedra, areia, brita, equipamentos velhos.
36. Situação que que se foi estendo à sociedade D…, L.da, pertencente a um filho do requerido C…, a qual já vinha ocupando uma parte do terreno entretanto dividido em duas partes por uma das ruas projectadas no loteamento.
37. Na data da aquisição referida nas alíneas 2 e 4, os requeridos mantinham no imóvel correspondente ao artigo 1942 a ocupação referida em 36.
38. Na data referida em 2 era público e notório para qualquer pessoa que a Requerida D… usava o imóvel para depósito de gruas, máquinas escavadoras, tubos de cimento, areias, pedras, visíveis a olho nú por quem ali passasse ou se encontrasse nas imediações
39. O que faziam à vista de toda a gente sendo visível para qualquer pessoa que ali passasse que ali estavam guardados gruas, máquinas escavadoras, tubos de cimento, areias e pedras.
40. O que era do conhecimento de F… aquando da aquisição referida em 2.
41. E se manteve ininterruptamente até 10.02.2021, data em que o representante legal da requerente, F…, se deslocou à parcela situada a sul da … para descarregar pedra.
42. A Requerente logrou descarregar as pedras que ali pretendia depositar não obstante a oposição da Requerida.
43. Após 10-02-0221, em data não apurada, o Requerido deslocou-se ao posto da GNR a fim de entregar cópia do contrato de arrendamento ao qual tinha feito menção no dia.

Não indiciados:
Resultantes da anterior decisão:
a) Em Novembro de 2020, a Requerente teve conhecimento que o Requerido C… tinha depositado, sem o seu conhecimento e autorização, uma grua, uma roullote, materiais de construção e lixo (entulho, cascalho e pedras), no prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1942º, descrito Conservatória de Registo Predial sob o n.º 322 da freguesia …, contíguo ao prédio que vendeu à sociedade “K…, Lda.”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1941º.

Resultantes da oposição:
b) No final do ano de 2012, a aludida L…, L.da encerrou a sua actividade.
c) Foi a aqui requerida que vedou o aludido prédio com uma rede suportada em esteios de cimento que ela própria fixou, deixando somente um acesso livre para a entrada de camiões.
d) A requerida D… celebrou com H… um contrato de arrendamento, com uma renda meramente simbólica, o qual teve início em 01 de janeiro de 2013 cujo teor é o do documento número 2 junto com a oposição e aqui se dá por integralmente reproduzido, arrendamento, o qual se dá como integralmente.
e) Corre termos no Juízo Local Cível deste Tribunal de Santa Maria da Feira – Juiz 1, uma acção intentada por Q… contra o H…, F… e a aqui requerente B…, na qual é peticionada a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado entre estes últimos que teve por objecto o terreno aqui em apreço.
f) A Requerente foi citada para a aludida ação judicial em 19 de fevereiro de 2021.
g) A requerente só intentou a presente ação, porque se viu confrontada com o pedido de declaração de nulidade deduzido pela credora do vendedor H….
h) Em 20.11.2020, a mandatária da requerente enviou uma carta ao requerido C…, carta à qual a mandatária deste respondeu via email.
i) Nessa data, já a requerida D… deu conhecimento à requerente das razões pelas quais não iria desocupar o prédio em questão.
j) Situação essa que despoletou a incidente ocorrido no terreno em 10.02.2021, no qual estiveram presentes as forças policiais.
k) A requerente nunca praticou quaisquer actos de posse do imóvel esteve, desde sua aquisição na posse do prédio em questão (do requerimento inicial»(sic)
***
IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

A- Excesso de Pronúncia

Verifica-se que a sentença recorrida que julgou a oposição parcialmente provada mas improcedente e que manteve a decisão proferida, em resumo referiu em termos de fundamentação que a oposição dos requeridos baseia-se em duas ordens de razões: a alegação de que têm justo título para a posse que exerciam sobre o imóvel objecto dos autos – um contrato de arrendamento do mesmo; e a de que a não impediram ou tomaram a posse da Requerente por meio violento já que se limitaram a continuar a exercer a posso nos termos que até então vigoraram.
Considerou a sentença recorrida que ambos os fundamentos improcederam, sendo que desde logo, a primeira linha de defesa – a da existência de um contrato de arrendamento -, improcedeu por falta de prova da existência e veracidade do referido contrato. E por outro lado, que ambas os requeridos, não demonstraram título que legitime a posse do imóvel em causa e tendo-se mantido a indiciação de que a Requerente, após a sua aquisição passou a tratar da sua limpeza e conservação, pagou os respectivos impostos e que em 20/11/2020, através de carta enviada pela S/Mandatária, solicitou ao Requerido C… a sua desocupação em oito dias, o que este protelou comprometendo-se a fazê-lo, contudo, até final de Dezembro de 2020. Por outro lado, foi considerado que os requeridos não têm qualquer fundamento quanto alegam que a Requerente nunca esteve na posse do imóvel, dado que desde logo a aquisição da propriedade determina, nos termos do constituto possessório previsto no artigo 1264º do Código Civil, que a Requerente haja adquirido a sua posse independentemente de um terceiro continuar a deter a coisa adquirida.
Da matéria de facto que se manteve indiciada resulta que a Requerente, desde a compra do imóvel em questão, passou a proceder à sua limpeza e ao pagamento das suas obrigações e que ficou que a Requerente fixou um prazo aos Requeridos para dali retirarem os seus pertences.
Por fim, refere que não lograram os oponentes pôr em crise a indiciação de que usaram de violência na forma como impediram a entrada no imóvel pela Requerente, sua proprietária e possuidora, através do aparcamento de um veículo automóvel impediram o livre acesso ao respectivo terreno, afastando-a de aceder à coisa possuída.
Concluiu a sentença recorrida que não tendo os Oponentes posto em causa os factos indiciados na anterior decisão que bastaram à qualificação da sua conduta como de esbulho violento nem conseguindo indiciar qualquer título que legitime a sua detenção ou, sequer, convencer de que nunca a Requerente adquirira a posse sobre o bem imóvel objecto dos autos, improcede a sua pretensão.

Alega o recorrente que a sentença recorrida incorreu em excesso de pronuncia ao dar como provados os pontos 30º, 31, 32, 33, 35, porque desses factos resulta que o Tribunal de Primeira Instância considerou provado que, após o recorrido ter procedido à transmissão do direito real de propriedade sobre o imóvel em causa ao sobrinho H…, a detenção daquele manteve-se por consentimento/autorização deste. E que essa questão - autorização/consentimento do titular do direito real quanto á fruição do imóvel pelo recorrente não foi alegada pelas partes.
Refere que a requerente sempre argumentou, que seria ela e não os requeridos quem detinha o domínio e detenção concreta do imóvel, nunca tendo alegado sequer que o imóvel em causa estava a ser ocupado pelos requeridos; muito menos, pois, que essa ocupação fosse feita a título de mero favor ou por simples tolerância.
E refere que, por outro lado, os requeridos, também estes nunca alegaram tal facto, tendo, pelo contrário, invocado a existência de um contrato de arrendamento (se bem que não tenham logrado provar a sua existência e daí que tal facto não se possa considerar como escrito ou atendível).
Invoca assim, que além de as partes não terem alegado tal facto referente à autorização/consentimento do titular do direito real quanto á fruição do imóvel, o mesmo não foi objeto de discussão no presente processo, razão pela qual, o Tribunal a quo não faz qualquer referência a essa situação em sede de motivação da sentença recorrida e que o tribunal está legalmente impedido de conhecer de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso e que o Tribunal a quo, ao pronunciar-se sobre tal questão, a qual julgou provada, fez a sentença proferida eivar de vício que afetou o silogismo judiciário que conduziu ao resultado da mesma.
Compulsados os autos verifica-se que a sentença não padece de qualquer vício de excesso de pronuncia porque a mesma apenas teve em conta a factualidade alegada pelas partes, sendo que os requeridos invocam na sua contestação para além de um contrato de arrendamento para justificar a sua posse do imóvel (contrato esse que não ficou provado conforme o recorrente admite nas suas alegações de recurso) invocam essa autorização de H… enquanto titular do direito real, nos artigo 7º, 9º a 12º e 17 do articulado de oposição.
Nesses preditos artigos da oposição os requeridos alegam que: – “Não obstante a aludida venda, o requerido C… e a sua empresa L…, Lda., mantiveram-se na posse do referido terreno, nos exatos termos em que o vinham fazendo, ou seja, entrando e saindo a seu bel prazer, armazenando máquinas e equipamentos e materiais utilizados nas empreitadas de construção civil.”
- “Mesmo a partir dessa data, o requerido C…, a consentimento do seu sobrinho, manteve-se na posse do aludido terreno, tendo mantido o mesmo como depósito das mais variadas coisas, desde restos de pedra, areia, brita, equipamentos velhos…;”
- “Posse essa, que se foi estendo à sociedade D…, L.da, aqui requerida, pertencente a um filho do requerido C…, a qual já vinha ocupando uma parte do terreno identificado em 3, entretanto dividido em duas partes por uma das ruas projetadas no loteamento.”
- “Com efeito, desde a data da sua constituição, a requerida D… passou a utilizar como estaleiro a parte do terreno que veio ficar situada a norte da rua denominada ….”
- “E, desde pelo menos, finais de 2012, passou, também a ocupar, a consentimento do H…, o terreno aqui em questão (parte que veio ficar situada a sul da …).” e
- Acresce que, de forma a legitimar a detenção, pública e consentida, que a requerida D… começou a fazer sobre o imóvel em questão, o aludido H… celebrou com esta um contrato de arrendamento, com uma renda meramente simbólica, o qual teve início em 01 de janeiro de 2013.»
Assim, é manifesto que o tribunal não incorreu no invocado vício de excesso de pronuncia.
+
B - Contradição entre a matéria de facto provada
Neste segmento invoca o recorrente que da análise da matéria de facto provada resulta, que existe uma contradição entre os factos constantes dos pontos 6, 7 e 8 e os factos constantes dos pontos 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41 supra reproduzidos.
Refere que a sentença nada concretiza quanto aos pontos 6 e 7, designadamente em termos de circunstâncias de tempo e lugar, também não refere a motivação em que sustenta tal juízo. E que tais factos estão em plena contradição com os factos que vieram a ser julgados provados em função da oposição apresentada pelos requeridos e que vieram a integrar os pontos 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41 da sentença recorrida.
Invoca que, como é que o Tribunal pode concluir que a requerente, logo após a aquisição dos prédios, passou a tratar da sua limpeza, conservação e reparação, quando, ao mesmo tempo aceita: - Que foi sempre o recorrente quem, desde 1998, usou o prédio em questão (referindo, inclusive, atos concretos de domínio e fruição); - Que foi ele quem sempre se manteve na posse do mesmo, mesmo após dação em pagamento ao seu sobrinho H…; - Que a sua posse continuou em 2013 e em 2016, datas em que, respetivamente, o F…, representante legal da requerente e a requerente os adquiriram;- E que tal perdurou ininterruptamente até 10.02.2021 (data em que ocorreram os factos que originaram o presente processo). Mais refere que a aludida contradição agrava-se, ainda, se atentarmos ao referido no ponto 7 da fundamentação de facto da sentença recorrida, no qual o Tribunal de Primeira Instância afirma que «há mais de 20 anos que a Requerente por si e ante-possuidores, com exclusão de outrem, estão na posse e fruição dos referidos prédios.
Quanto á alegada ausência de motivação quanto aos pontos 6, 7 e 8 dos factos provados resulta que essa motivação consta de forma objectiva na decisão que julgou procedente a providência cautelar e nessa medida improcede a invocada omissão.
Por outro lado, constata-se que não se considera existir nenhuma contradição entre os factos provados nos pontos 6, 7 e 8 e os dos pontos 34, 35, 37, 38, 39, 40 e 41, dado que fazendo a leitura integral da matéria de facto e motivação resulta que existe um manifesto lapso de escrita no ponto 37, devendo considerar-se escrito artigo 1941 em vez de 1942.
Refere o artigo 37 o seguinte: «Na data da aquisição referida nas alíneas 2 e 4, os requeridos mantinham no imóvel correspondente ao artigo 1942 a ocupação referida em 36.»
Deve considera-se escrito artigo 1941 e não 1942 dado que tal resulta de um manifesto lapso de escrita que resulta do teor do próprio artigo 37e 36 que se referem ao artigo 1941 e não ao artigo objecto dos autos, ao remeterem para o ponto 36 o qual indicava a ocupação de parte do terreno entretanto dividido em duas partes.
Acresce que no ponto 10 da matéria de facto indica essa ocupação, mas limitada ao artigo 1941, e o ponto 11 refere-se á venda do artigo 1941, e o ponto 13 indica também a entrega desse artigo 1941.
Assim, se conclui que não existe nenhuma contradição na matéria de facto.
+
C Erro na aplicação do Direito

Por fim, o recorrente invoca existir erro na aplicação do direito dado considerar que incumbia à requerente o ónus da prova dos requisitos da providência cautelar da restituição provisória da posse:- A demonstração da posse do requerente;- A sua perda por esbulho;- A violência no desapossamento.
Considera que a requerente não logrou provar a posse sobre o imóvel (resulta que é titular do direito real pleno sobre o imóvel, mas não provou o elemento material da posse) e que esse raciocínio resulta afastado dos factos versados nos pontos 34 a 41 (porque quando a requerente adquiriu o bem, eram os requeridos que fruíam do bem).
Assim, entende o recorrente que a recorrida não logrou provar a sua posse sobre o bem e, como tal, o presente procedimento cautelar teria de ser indeferido por falta deste pressuposto legal.
Por outro lado, o recorrente considera também que não está demonstrado o pressuposto da violência (esbulho violento).
Invoca que da sentença recorrida resulta que o recorrente colocou uma carrinha no local da entrada a barrar o acesso do camião com as pedras que a requerente pretendia descarregar e que, dos mesmos factos, resulta que, não obstante a oposição do recorrente, a requerente logrou descarregar as pedras que pretendia depositar no imóvel em causa e que no que respeita á carrinha que se encontrava estacionada a barrar o acesso, tal ato não consubstancia algo de permanente ou definitivo, na medida em que ficou provado que o imóvel tem duas entradas e que a recorrida logrou, ainda assim, efetuar a descarga das pedras.
Resulta dos autos que foi proferida decisão inicial que deferiu a providência cautelar e que ulteriormente os requeridos deduziram oposição e o recurso versa sobre a decisão que decidiu manter a providência decretada tendo julgada a oposição improcedente.
Atento o objecto do processo importa decidir se a providência decretada deve ou não ser mantida, ou ser revogada, atento o teor do artigo 372, do CPCivil o qual estabelece que quando a parte contrária não tiver sido ouvida antes do decretamento da providência é-lhe lícito em alternativa e após a notificação do artigo 366º do CPC: recorrer do despacho que decretou a providência quando entenda que face aos elementos apurados a mesma não devia ter sido decretada; ou deduzir oposição quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução (aplicando-se o disposto nos artigos 367 e 368 do CPC).
No caso de oposição á providência cautelar decidida, produzida a prova deve o tribunal decidir da manutenção redução ou revogação da providência decretada, decisão essa que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.

A oposição ao procedimento cautelar, nas circunstâncias do mesmo ser decretado sem prévia audição da parte contrária, tem por objecto a alegação de factos ou a produção de provas não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
Dispõe o art. 372 do CPC que quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa:
- Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido deferida;
- Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tido em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
Como afirma A. Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, III, 1ª ed., 232], a oposição pressupõe sempre a alegação de novos factos ou de novos meios de prova não considerados pelo tribunal no primeiro momento e que tenham a virtualidade de uma vez provados, determinarem o afastamento da medida cautelar decretada.
Sem prejuízo da valoração dos meios de prova produzidos na primeira fase e no âmbito da oposição, o certo é que o objectivo fundamental deste meio de defesa não é o de proceder à reponderação dos primeiros, actividade que mais se ajusta ao recurso da decisão.
Na oposição não se trata, pois, de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos elementos de prova ou de novos factos com que o tribunal não pôde contar [Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, 3ª ed., 278].
Assim, produzida a prova, três soluções são possíveis:
- se nenhum argumento de facto ou meio de prova for considerado suficiente para afastar os motivos em que se fundou a convicção será mantida a decisão;
- se os novos elementos carreados para os autos determinarem a formação de uma convicção oposta à que anteriormente fora fundada nos primitivos elementos, a decisão será revogada;
- pode também o tribunal atenuar os efeitos da medida decretada, com redução da providência aos limites necessários e suficientes para afastar a situação de periculum in mora verificada nos autos (cfr. art. 372 do CPC).
É sobre o requerido que recai o ónus da prova dos factos que possam levar ao afastamento da providência ou à sua redução [Abrantes Geraldes, Ult. Ob. Cit., 285 e 286 e Ac do STJ de 22.3.2000, BMJ 495-271].
*
Dispõe o artigo 377.º do Código de Processo Civil que: “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.
A restituição provisória de posse exige para a sua procedência a verificação cumulativa de vários pressupostos: a) Posse, b) Esbulho, c) Violência (vide, Moitinho de Almeida, Restituição de Posse, pagina 22).
A posse é um poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real - art. 1251º do C. Civil.
O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.
Por outro lado, ocorre a violência quando se use de coacção física ou moral, nos termos do art. 255º do C. Civil, se forem praticados actos que constranjam a vontade do possuidor, obrigando este a submeter-se ao desapossamento.
Noutros termos, o esbulho caracteriza-se, pela privação total ou parcial, do poder do possuidor de exercer os actos correspondentes ao direito real que se traduzem na retenção, fruição do objecto da coisa ou da possibilidade de o continuar a exercer.
Mas esta privação só pode constituir fundamento de restituição provisoria de posse se for ilícita ou violenta - artigo 1279 do Código Civil.
A exequibilidade prática de tal direito encontra-se garantida pelo disposto nos art.s 377º do C. P. Civil e agora, mesmo que não exista violência, também pelo processo cautelar comum, previsto nos art.s 362 e segs. do mesmo código por via do disposto no art. 379º.
Resulta da matéria de facto que a requerente demonstrou a aquisição do prédio objecto destes autos e também demonstrou que apos a sua aquisição passou a tratar da sua limpeza e conservação e pagou os impostos e nessa medida é patente que demonstrou os dois elementos da posse o corpus e o animus.
Os requeridos tinham invocado a existência de um contrato de arrendamento como justo título para a posse que alegavam exercer sobre o imóvel objecto dos autos, mas tal como os próprios referem nas alegações de recurso, esse contrato não ficou provado, e nessa medida os recorrentes não demonstraram terem justo titulo para a posse.
O segundo elemento necessário para que seja decretada a restituição provisória da posse é o esbulho.
No âmbito desta providência é necessário, ainda, que o esbulho seja violento, nos termos do artigo 393.º do CPC e do artigo 1279.º do Código Civil, segundo o qual “o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.”
A violência está definida no artigo 1261.º, n.º 2, do Código Civil. Segundo aí se refere “considera-se violenta a posse, quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255.º”.
É matéria controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à coacção exercida sobre o possuidor.
A violência está definida no art. 1261°, n.º 2, do Código Civil, considerando-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art. 255°.
Ora, de acordo com o n.º 2 do citado artigo, a ameaça integradora da coacção moral tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
Assim, não pode afastar-se liminarmente a relevância da acção do esbulhador sobre a coisa, havendo que analisar, em concreto, em que medida a violência exercida afecta a relação do possuidor com essa mesma coisa, adiantando-se que a caracterização como esbulho violento, para efeitos do disposto no artigo 1279º do Código Civil, não se limita ao uso da força física contra as pessoas, sendo ainda de considerar violento o esbulho quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios ou à natureza dos meios usados pelo esbulhador e, por isso, há-de considerar-se privado da posse, em virtude de acção violenta dos esbulhadores, exercida sobre a coisa.
Teremos de ter em atenção que uma acção concretizadora de esbulho se não pode confundir com um acto de turbação da posse, porquanto se, porém, o possuidor não perde o contacto com a coisa possuída, mas é meramente inquietado na sua posse por alguém não legitimado a fazê-lo, temos a turbação (Guerra da Mota; Acção Possessória; pág. 134).
Só de acções de restituição provisória de posse ou acções de esbulho violento se pode falar se o possuidor, mercê de acto violento, perde o contacto com a coisa possuída.
Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RG, processo: 3208/19.1T8GMR.G2, Relator: PAULO REIS, 17-10-2019: «Sumário: I- A violência que caracteriza o esbulho, suscetível de determinar a providência cautelar de restituição da posse, tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre coisas; II- Para integrar o conceito de violência no esbulho é suficiente a verificação de uma ação física exercida sobre determinada coisa como meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade ao impedi-la, face aos meios utilizados, de aceder ou utilizar a coisa que vinha possuindo.».
No caso dos autos resulta que o requerido estacionou um veículo que vedou a entrada do prédio objecto desta providência, tendo impedido o legal representante da requerente de aceder ao prédio e impedido a entrada do camião que pretendia entrar a mando do legal representante da requerente, e nessa medida esse acto traduz-se num acto de esbulho violento ao implicar que o possuidor haja ficado privado da posse que tinha.
***
O presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum.
***
III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante/recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2).
Notifique-se.

DS
Porto, 15-12-2021
Ana Vieira
Deolinda Varão
Freitas Vieira
______________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.