Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
888/18.9T8PVZ.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA PINTO DA SILVA
Descritores: FACTOS NOTÓRIOS
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
JUROS REMUNERATÓRIOS
Nº do Documento: RP20250310888/18.9T8PVZ.1.P1
Data do Acordão: 03/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Factos notórios, como decorre do disposto no artigo 412º, do Código de Processo Civil, são factos que não carecem de prova, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral, os conhecidos pelo cidadão comum de cultura média, pelas pessoas regularmente informadas, sendo ainda indispensável que esses factos apareçam como verdadeiros ou falsos para a generalidade das pessoas de cultura média.
II - Não podem ser considerados factos notórios as meras ilações ou conclusões fáctico-jurídicas ou meramente jurídicas.
III - Em incidente de liquidação, a contabilização dos juros remuneratórios líquidos, isto é, dos juros remuneratórios devidos pelo Banco Réu à Autora após aplicação da taxa liberatória prevista no artigo 71º, do CIRS, não viola o caso julgado formado pela sentença transitada que se visa liquidar e os contornos da obrigação do Banco Réu nela definidos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 888/18.9T8PVZ.1.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível do Porto – ...

Recorrente: Banco 1..., S.A.

Recorrida: AA

Relatora: Juíza Desembargadora Teresa Pinto da Silva

1º Adjunto: Juiz Desembargador José Eusébio Almeida

2ª Adjunta: Juíza Desembargadora Carla Fraga Torres


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Acordam os juízes subscritores deste Acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

AA deduziu contra Banco 1..., S.A., o presente incidente de liquidação da sentença proferida na ação declarativa, sob a forma de processo comum, que instaurou contra aquele Banco, transitada em julgado, nos termos da qual este foi condenado a pagar à Autora a quantia de €100.000,00, acrescida de juros remuneratórios, vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e a instauração daquela ação, deduzidos os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos à subscrição de obrigações A... 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

No requerimento inicial do incidente deduzido conclui que, por força daquela condenação, a Autora deveria ser ressarcida do valor global de €129.342,36, considerando a data de pagamento o dia 18 de julho de 2023.

No entanto, o Banco 1... apenas transferiu para a conta da Autora a quantia de €104.584,02, pelo que a presente liquidação visa reclamar o montante de €24.758,34.

Na contestação, que apresentou em 6 de outubro de 2023, o Banco Réu sustenta que os cálculos apresentados pela Autora estão errados, concluindo pela fixação da liquidação da sentença na quantia de €104.584,02, quantia essa que já pagou à Autora em 25 de julho de 2023.

Por decisão datada de 9 de fevereiro de 2024, o Tribunal a quo prescindiu da realização da audiência prévia, proferiu despacho saneador e dispensou o despacho previsto no artigo 596º, nº1, do Código de Processo Civil.

Em 17 de junho de 2024 realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, no âmbito da qual não foi produzida qualquer prova, tendo apenas sido tentada a conciliação entre as partes e produzidas as alegações finais.

Em 15 de julho de 2024 foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo:

“Assim, face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas liquida-se a indemnização a pagar pela ré à autora na quantia de €89.978,96 (oitenta e nove mil, novecentos e setenta e oito euros e noventa e seis cêntimos), a que acrescem juros moratórios calculados à taxa legal civil, de 4%, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

As custas serão suportadas por autora e ré, na proporção do decaimento (art. 527º, do CPC).

Registe e notifique.”


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Inconformado com esta sentença, veio o Banco 1... dela interpor o presente recurso, pretendendo a revogação daquela decisão e a sua substituição por outra que fixe o valor da liquidação em €86.607,71, sobre o qual incidirão juros de mora, à taxa legal, desde a citação, ou seja, 16 de maio de 2018, até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, apresentou alegações, culminando com as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso da sentença que julgou o presente incidente de liquidação de sentença: “Assim, face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas liquida-se a indemnização a pagar pela ré à autora na quantia de €89.978,96 (oitenta e nove mil, novecentos e setenta e oito euros e noventa e seis cêntimos), a que acrescem juros moratórios calculados à taxa legal civil, de 4%, contados desde a data da citação e até integral pagamento”.

2) No entanto, por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, assim considerando o Tribunal Recorrido, salvo melhor opinião em contrário, não julgou corretamente.

3) Com tal decisão, a Mma. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 346.º, 374.º e 376.º todos do Código Civil e artigo 412.º do Código de Processo Civil.

4) O Apelante entende que o facto dado como provado no número “1” dos factos provados nos autos de liquidação, não deveria constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida. Por outro lado, deveria ter sido dado como provado o n.º 4 do elenco dos factos considerados como não provados e o n.º 2 ser considerado não provado.

5) Quanto ao facto provado número 1, refira-se que tratando-se de juro remuneratório, os juros dos depósitos a prazo serão pagos já líquidos de imposto, uma vez que estes rendimentos são, por defeito, objeto de retenção na fonte de IRS, (atualmente) à taxa liberatória de 28%, pela entidade pagadora – in casu, o Banco Recorrente.

6) O juro remuneratório devido à Recorrida seria no valor (bruto) de 12.798,09€. Aplicando-se a taxa liberatória sobre os mesmos, em cada período de pagamento (e que variou entre 20% e 28%), o total de imposto a reter seria de 2.559,62€.

7) Destarte, tratando-se de liquidação de sentença, o valor a ser pago, líquido, ao Recorrido, a título de juro remuneratório, seriam 10.238,47€ (Dez mil e duzentos e trinta e oito mil Euros e quarenta e sete cêntimos).

8) Pelo exposto, deveria o facto dado como provado n.º 1, ter a seguinte redação: “1. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam à quantia de €12.798,09, pelo que o valor líquido a pagar à A., deduzidos os respetivos impostos, seria de 10.238,47€.

9) Em relação ao facto provado número 2 e ao facto não provado número 4, refira-se que o Recorrente, por Requerimento de 20.02.2024, com a referência 38205174, aditou ao seu rol um documento que consubstancia o extrato integral da conta da Recorrida, com todos os pagamentos aí discriminados a título de cupões das Obrigações A... 2006, o qual não foi impugnado pela Recorrida.

10) Destarte, pelos motivos expendidos, devia o facto n.º 4 “Os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam a €23.630,86.” ser considerado como provado e, por maioria de razão, o n.º 2 ser considerado não provado!

11) Resulta do artigo 412.º do CPC que os factos notórios não carecem sequer de alegação, muito menos de prova, devendo considerados como tais os factos que são conhecimento geral.

12) Parece-nos de meridiana clareza, e é do conhecimento do cidadão comum, e, portanto, factos notórios, que sobre os juros remuneratórios há de recair uma taxa liberatória e que a retenção na fonte de tal valor é feita por conta e interesse do sujeito passivo do imposto!

13) Assim, não tendo a sentença tido este facto em consideração, mesmo tendo sido alegado pelo Recorrente, violou o Tribunal a quo o artigo 412.º do CPC – o que expressamente se argui!

14) Tendo o Recorrente apresentado documento(s!) particular onde se demonstrava cabalmente, fosse pelo quadro sintético, seja pelo extrato global de conta da Recorrida que lhe conferiu amparo, devia a questão ser decidida contra a Recorrida, a quem incumbia o ónus da prova do valor que lhe foi pago a título de cupões. Não entendendo assim o douto Tribunal, violou frontalmente o artigo 346.º do Código Civil, o que expressamente se argui!

15) Tratando-se de documento particular que não foi impugnado pela Recorrida (parte contra quem o mesmo foi apresentado), o seu teor teria de ser considerado como verdadeiro nos termos do artigo 374.º do CC.

16) Assim, nos termos do artigo 376.º do CC, deveriam os factos inscritos em tal documento particular, nomeadamente o somatório dos valores pagos a título de cupões as Obrigações A... 2006, que ascendeu a 23.630,86€, serem dados como provados.

17) Não tendo assim considerado a douta sentença, violou os artigos 374.º e 376.º, ambos do código civil, o que expressamente se argui!


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Não foi apresentada resposta às alegações.

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Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.

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Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelo Banco Recorrente nas suas alegações (artigos 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido.

Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pelo Banco Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

1ª – Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença quanto aos pontos 1) e 2) dos factos provados e ao ponto 4 dos factos considerados não provados.

2ª – Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto
É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
Factos provados
Na decisão objeto da presente liquidação foram dados como provados os seguintes factos:
1. A Autora, em Maio de 2005 abriu conta, na agência do Banco 2... em ..., sita no Largo ..., ... ...- (actual Banco 1... S.A.);
2. No inicio de Setembro de 2015, é a aqui Autora, informada pelo gerente/gestor de cliente do Banco 1... (que sucedeu ao Banco 2...), de que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da A..., S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de Insolvência;
3. Segundo o funcionário, o Banco 2..., ao vender as referidas obrigações, apenas funcionou enquanto intermediário da dita A..., não sendo tais obrigações propriedade ou títulos do BANCO, mas apenas e só, vendidas ao Balcão do Banco por conta e risco da dita A...;
4. Em 9 de Dezembro de 2011 o Estado Português, então accionista único do Banco 2... e no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o aqui Réu;
5. No dia 30 de Março de 2012 foi assinado o contrato de compra e venda do Banco 2... entre o Estado Português e o Réu;
6. A CMVM instaurou contra o Banco 2..., SA o processo de contra-ordenação nº ...1/2010, no âmbito do qual proferiu decisão no dia 8/5/2015 com o teor de fls. 35;
7. No inicio de Abril de 2006, o pai da Autora, BB, resolveu doar à filha-aqui Autora- €100.000,00 (cem mil euros);
8. O Sr. BB, deslocou-se ao balcão do Banco 2..., sito em ..., com o propósito de depositar o cheque de € 100.000,00 na conta da filha;
9. Uma vez aí, foi recebido pelo gerente do Balcão do Banco, CC, que lhe propôs aplicar o referido montante numa aplicação financeira que traria à filha deste uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo;
10. O gerente do Banco Réu, CC, disse ao pai da Autora que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos;
11. Com o intuito de o convencer, disse-lhe que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele pretendia doar à filha, aqui Autora;
12. Bem como a garantia de elevada taxa de remuneração;
13. Perante os argumentos do gerente do Banco 2..., pessoa que o pai da Autora enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo e na qual depositava confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento das respectivas contas, e que lhe propôs a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o pai da Autora acedeu em realizar essa aplicação financeira, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente do Banco Réu, CC;
14. Assim, para a concretização da aplicação financeira nas condições supra referidas, em 02 de Maio de 2006 foi depositado na conta titulada pela Autora n.º ...01 o montante de 100.000,00 (cem mil euros);
15. No inicio de Abril de 2006, o pai da Autora deu-lhe conhecimento que tinha feito uma aplicação financeira em nome da Autora e que ela precisava de assinar o documento que lhe entregou;
16. De imediato o assinou e voltou a entregar ao seu pai;
17. Assim, em 07 de Abril de 2006, a aqui Autora, subscreveu o documento “comunicação de cliente”, dando ordem de subscrição do montante de € 100.000,00 (cem mil euros) em A... 2006 (Obrigações), da conta à ordem n.º ...01, valor correspondente ao montante que o seu pai lhe tinha depositado;
18. Até ao dia 07 de Maio de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira;
19. Sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira, semestralmente, ficando por pagar os dois últimos semestres;
20. Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo Banco 2... até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu Banco 1..., S.A., a partir dessa data e, até 08 de Maio de 2015, data do último pagamento dos juros reportados á aplicação financeira em causa, ficando assim por pagar o último semestre de 2015 e o primeiro semestre de 2016;
21. Tendo em consideração as informações e garantias prestadas e dadas ao pai da Autora, pelo Sr. CC, aquele deu a sua anuência à concretização da aplicação em activos financeiros, porque se tratava de um produto comercializado pelo referido Banco 2...- com capital garantido e em que era assegurada a liquidez do montante de capital;
22. Foi com base na “informação de capital garantido” que o pai da Autora deu o seu acordo na aplicação financeira;
23. Se o gerente/gestor de cliente do Banco Réu CC, não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido, o pai da Autora não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro;
24. Não foi apresentada qualquer ficha técnica sobre o produto;
25. O pai da Autora à data de 2006, pretendia ter o dinheiro aplicado num depósito a prazo no Banco Réu, sabia bem no que consistia e foi-lhe oferecida a possibilidade de investimento num produto que lhe foi apresentado como tão seguro como um depósito a prazo e em que o Banco garantia quer o capital quer a rentabilidade contratada;
26. Pelo gerente/gestor de cliente do Banco Réu, o que lhe foi dito é que estava a fazer uma operação financeira que era tão segura quanto um depósito a prazo, que tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo, mas que não era um depósito a prazo;
27. Foi isto que o pai da Autora aceitou, sabendo que ao fazê-lo não estava a celebrar um contrato de depósito a prazo mas a dar uma ordem de aquisição de um produto financeiro do banco, embora convicto de que o risco do mesmo seria idêntico ao de um depósito a prazo;
28. A Autora, em Setembro de 2015, solicitou ao Banco 1... uma Declaração de Titularidade;
29. A Autora sabe desde a data da subscrição que efectuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro;
30. No mês seguinte à subscrição a Autora recebeu por correio, em casa, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhes aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos;
31. Em Abril de 2006, o pai da Autora foi informado de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a A..., SGPS,S.A;
32. O pai da Autora foi informado que poderia ceder as suas obrigações a um terceiro interessado, o que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade;
33. O funcionário do Banco informou o pai da Autora que o capital do investimento em Obrigações A... estava garantido pelo próprio Banco, referindo esse mesmo compromisso/garantia de cumprimento da devolução do capital e pagamento de juros no prazo estabelecido;
34. O banco réu interveio nas ditas operações de subscrição das Obrigações A... 2006 como intermediário financeiro;
35. A Autora sabia que o produto em causa não era emitido pelo banco mas da A...;
36. A Autora expressamente autorizou que a sua conta DO fosse debitada para pagamento da operação resultante da subscrição do produto ora em causa;
37. Até à nacionalização do então Banco 2..., em Novembro de 2008, junto dos diversos balcões do então Banco 2..., era fácil obter interessados na compra do produto em causa, dada a sua rentabilidade;
38. Após essa nacionalização, esse mercado deixou de existir, os interessados na compra de tais Obrigações “desapareceram”, e essa venda deixou de ser possível;
39. O que toda a rede comercial do banco transmitia aos seus clientes, quando questionada sobre a segurança do produto e sua liquidez, era que a A..., a entidade emitente do produto em causa, era a dona do banco, detentora da totalidade do seu capital, pelo que os subscritores das ditas Obrigações não deixariam de ser reembolsados aquando do seu vencimento;
40. Esta informação, prestada ao pai da Autora, era verdadeira e correspondia à realidade então existente;
41. Sendo de todo imprevisível que, dois anos depois, o banco viesse a ser nacionalizado, e que a A... ficasse fora da órbita dessa nacionalização;

No âmbito dos presentes autos de liquidação, apenas se provou que:
1. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam, pelo menos à quantia de €12.798,09.
2. Os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam pelo menos a €22.819,13.

Factos não provados
Designadamente não se tendo provado:
3. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam a €23.754,00.
4. Os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam a €23.630,86.

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Fundamentação de direito

1 – Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença quanto aos pontos 1) e 2) dos factos provados e ao ponto 4 dos factos considerados não provados
Pretende o Banco Apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, por entender que foi efetuada uma incorreta apreciação da prova no incidente de liquidação quanto à matéria considerada provada pela 1ª instância sob os pontos 1 e 2 e quanto ao ponto 4 dos factos não provados.
Estipula o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no seu nº 1, que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Ao assim dispor pretendeu o legislador no citado preceito, como evidencia Abrantes Geraldes[1], deixar claro que“ (…) a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia(…)”.
Por sua vez, o artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao Recorrente o cumprimento de vários pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, ali se consagrando um verdeiro e rigoroso ónus a cargo daquele, cujo incumprimento determina a rejeição do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto.
No caso, esse ónus mostra-se devidamente cumprido, porquanto o Banco Apelante:

- Indicou claramente os concretos pontos de facto constantes da decisão que considera afetados por incorreta apreciação da prova: pontos 1º e 2º dos factos provados e ponto 4º dos factos não provados neste incidente de liquidação.
- Fundamentou as razões da sua discordância, indicando quanto ao facto provado sob o nº 1 a circunstância de constituir facto notório que sobre os juros remuneratórios há-de recair uma taxa liberatória e que a retenção na fonte de tal valor é feita por conta e interesse do sujeito passivo do imposto e, no que respeita ao facto provado sob o ponto 2 bem como quanto ao facto não provado número 4, o teor do documento com a referência 38205174, junto pelo Banco Recorrente por requerimento de 20 de fevereiro de 2024, que consubstancia o extrato integral da conta da Recorrida, com todos os pagamentos aí descriminados a título de cupões das Obrigações A... 2006, o qual não foi por esta impugnado.

- Enunciou qual a decisão que, em seu entender, deveria ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas, qual seja:

* O facto provado sob o nº1 passar a ter a seguinte redação “1. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam à quantia de €12.798,09, pelo que o valor líquido a pagar à A., deduzidos os respetivos impostos, seria de 10.238,47€.

* O facto não provado nº 4 – “Os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam a €23.630,86” – ser considerado como provado.
* O facto provado nº2 – “Os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam pelo menos a €22.819,13” – ser considerado como não provado.
Mostra-se, por conseguinte, cumprido por parte do Banco Recorrente o ónus que sobre si impendia ao pretender a alteração da matéria de facto, previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil, e, consequentemente, preenchidos todos os pressupostos necessários para a Relação proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Cumpre salientar que essa reapreciação deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
i) O Tribunal da Relação só tem de se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
ii) Sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem de realizar um novo julgamento;
iii) Nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destes limites, o Tribunal da Relação está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, sendo a sua atuação praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto à imediação e oralidade.
Partindo destas premissas, passa-se a efetuar o julgamento da matéria de facto por parte deste Tribunal da Relação.

O Banco Recorrente pretende que o facto provado sob o nº1 tenha a seguinte redação: 1. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam à quantia de €12.798,09, pelo que o valor líquido a pagar à A., deduzidos os respetivos impostos, seria de 10.238,47€.

Para tanto, alega que constitui um facto notório que sobre os juros remuneratórios há-de recair uma taxa liberatória e que a retenção na fonte de tal valor é feita por conta e no interesse do sujeito passivo do imposto. Por isso, ao não ter tido em consideração esse facto, mesmo tendo sido alegado pelo Banco Recorrente, entende que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Civil.

A sentença recorrida baseou a prova do impugnado facto provado sob o nº 1 nos seguintes termos:

«Quanto ao facto 1, baseia a autora o seu cálculo na informação que terá colhido junto do Banco de Portugal.

Conforme consta do documento que junta com a liquidação formulou tal pedido de informação nos seguintes termos “Para efeitos de liquidação de sentença, necessito de informação sobre o juro remuneratório praticado para os depósitos a prazo a um ano, desde o dia 8 de Outubro de 2004 até 14/11/2018”.

Não faz nesse pedido concreta referência ao banco réu, nem este vem mencionado no documento (com origem claramente em base de dados informática) que pelo Banco de Portugal foi, na sequência de tal pedido, remetido à autora.

Acontece que é facto notório (por ser do conhecimento geral) que diferentes bancos aplicam diferentes taxas de juros remuneratórios.

E tanto é assim, que até consta dos autos e-mail proveniente do Banco de Portugal (de 18-03-2019) onde este sustenta que “Não dispõe de informação sobre taxas de juro praticadas pelos bancos a nível individual”. E que apenas “disponibiliza informação sobre as taxas de juros passivas médias bancárias no seu sistema de difusão estatística na internet”.

Assim, a documentação junta pela autora não se mostra suficiente para fazer a prova do valor dos juros remuneratórios em causa.

Apenas se podendo dar como provados aqueles que o réu aceita como correspondendo à taxa de juro que alega praticar.

Daí o que se provou em 1 e não se provou em 3.»

Tendo presente as considerações que antecedem, entendemos que deve proceder parcialmente a pretensão do Banco Recorrente, ainda que por fundamentos diversos dos por ele invocados.

De notar que não se mostra impugnado na totalidade o que se provou em 1.

O que o Banco Apelante sustenta é que a redação daquele facto seja completada, passando a fazer-se referência ao valor líquido a pagar à Autora.

Não podemos concordar com o Banco Recorrente quando pretende que se dê como provado que “o valor líquido a pagar à Autora, deduzidos os respetivos impostos, seria de €10.238,47”, com o argumento de que se trata de um facto notório.

Factos notórios, como decorre do disposto no artigo 412º, do Código de Processo Civil, são factos que não carecem de prova, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral, os conhecidos pelo cidadão comum de cultura média, pelas pessoas regularmente informadas.

Por outro lado, não é suficiente qualquer conhecimento, sendo indispensável que aquele facto apareça como verdadeiro ou falso para a generalidade das pessoas de cultura média, ou seja, que o facto apareça, por assim dizer, revestido do carácter de certeza.

Acresce que é necessário que se trate de factos concretos, o que implica não poderem ser considerados como tal as meras ilações ou conclusões fáctico-jurídicas ou meramente jurídicas.

No caso, apurar qual o valor líquido a pagar por parte do Banco Réu à Autora a título de juros remuneratórios e, em concreto, se a quantia apurada está ou não sujeita a retenção na fonte, através da aplicação da taxa liberatória prevista no Código do Imposto Sobre o Rendimento das pessoas Singulares, constitui uma questão jurídica, que adiante trataremos, pelo que não poderá proceder nesta parte a pretensão do Banco Recorrente quanto a passar a constar no ponto 1) dos factos provados “, pelo que o valor líquido a pagar à A., deduzidos os respetivos impostos, seria de 10.238,47€.”.

No entanto, entendemos que deverá aquele facto passar a ter a seguinte redação:

1. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam à quantia bruta de €12.798,09”. Isto porque, apesar de se concordar com o Tribunal a quo quando sustenta que, perante a insuficiência da documentação junta pela Autora para provar o valor dos juros remuneratórios por ela peticionados nos autos, apenas se pode dar como provados aqueles que o Banco Réu aceita como correspondendo à taxa de juro que alega praticar, a verdade é que, conforme decorre dos artigos 4º a 7º da contestação, resulta do ali alegado que o Banco Réu apenas reconhece aquele montante de €12.798,09 como sendo o quantitativo bruto (isto é, antes da aplicação da taxa liberatória).

O Banco Recorrente pugna, ainda, que passe a considerar-se provado o ponto 4. dos factos não provados (“4. Os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam a €23.630,86”) e como não provado o facto provado nº2 (“2. Os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam pelo menos a €22.819,13”).
Para tanto, alega que juntou aos autos o documento com a referência 38205174, por requerimento de 20 de fevereiro de 2024, que consubstancia o extrato integral da conta da Recorrida, com todos os pagamentos aí descriminados a título de cupões das Obrigações A... 2006, o qual não foi por aquela impugnado.
Antes de mais, há que ter presente que esse documento junto pelo Banco Recorrente com a referência 38205174, por requerimento de 20 de fevereiro de 2024, que consubstancia, segundo a sua alegação, o extrato integral da conta da Recorrida, enquanto documento particular goza, nos termos do disposto no artigo 376º, nº1, do Código Civil, de força probatória plena quanto à materialidade das declarações atribuídas ao seu autor (no caso, o Banco Réu), se apresentado contra este, nas relações inter partes. Se é o autor dos documentos particulares a utilizá-los, como sucede in casu, deve entender-se que fica sujeito à livre apreciação do Tribunal, cabendo-lhe produzir livremente prova sobre a exatidão do respetivo conteúdo [2].
Não obstante, no caso concreto, conjugando toda a prova produzida, entendemos ser de concluir que o Banco Réu logrou provar que pagou à Autora, a título de juros semestrais relativos à subscrição de obrigações A... 2006, a quantia global líquida de €23.630,86. Aliás, face às regras da repartição do ónus da prova, deverá ser esta a redação do facto provado sob o ponto 2, pois que é ao Banco Réu que cabe provar o pagamento daqueles juros.
Alicerçamos esta conclusão na conjugação dos seguintes elementos que emergem dos autos:
a) Teor do documento com a referência 38205174, junto pelo Banco Réu aos autos por requerimento de 20 de fevereiro de 2024, relativo ao extrato global de conta da Autora, onde se encontram (destacados) os valores por esta recebidos a título de cupões A..., e que não foi impugnado pela Autora, os quais, no total, ascendem precisamente ao montante de €23.630,86.
b) Teor do documento nº6, junto com a petição inicial pela Autora, do qual resulta que apenas se mostram ali indicados os pagamentos dos juros semestrais relativos à subscrição de obrigações A... 2006, no período compreendido entre 8 de maio de 2008 a 8 de maio de 2015. Por comparação com o documento junto pelo Banco Réu em 20 de fevereiro de 2024, é possível constatar que os cupões ali indicados, respeitantes àquele período, têm a mesma numeração, apenas divergindo quanto ao valor. Aplicando as taxas liberatórias vigentes em cada momento, conclui-se que os valores constantes do documento 6 junto pela Autora com a petição inicial respeitam a valores brutos, enquanto os valores destacados no documento junto pelo Banco Réu correspondem aos respetivos valores líquidos, isto é, valores que já exprimem a retenção da fonte através da aplicação das taxas liberatórias previstas no artigo 71º, do Código do imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
c) Factos que foram dados como provados sob os pontos 14., 18., 19. e 20. na decisão objeto da presente liquidação, quais sejam:
14. Assim, para a concretização da aplicação financeira nas condições supra referidas, em 02 de Maio de 2006 foi depositado na conta titulada pela Autora n.º ...01 o montante de 100.000,00 (cem mil euros);
18. Até ao dia 07 de Maio de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira;
19. Sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira, semestralmente, ficando por pagar os dois últimos semestres;
20. Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo Banco 2... até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu Banco 1..., S.A., a partir dessa data e, até 08 de Maio de 2015, data do último pagamento dos juros reportados á aplicação financeira em causa, ficando assim por pagar o último semestre de 2015 e o primeiro semestre de 2016.
É, por conseguinte, legítimo concluir que, sendo os juros pagos semestralmente, e tendo a aplicação financeira em causa sido efetuada em Maio de 2006, o Banco Réu tivesse pago, para além dos juros que constam do documento 6 junto pela Autora, onde apenas se descrevem os valores ilíquidos daqueles juros pagos pelo Banco Réu à Autora a partir de 8 de maio de 2008, os juros que se venceram em novembro de 2006, maio de 2007 e novembro de 2007, que constam, com valores líquidos, no documento junto pelo Banco Réu em 20 de fevereiro de 2024, não impugnado.
Pelo exposto, quanto à impugnação do facto provado sob o ponto 2 e não provado sob o ponto 4 do presente incidente de liquidação há que concluir pela eliminação do ponto 2 dos factos provados, passando o ponto 4 dos factos não provados a constar dos factos provados, ainda que com uma redação diferente, qual seja:

“Facto 2.“Os juros semestrais pagos pelo Banco Réu à Autora relativos à subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam à quantia líquida de 23.630,86”.

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Em função do supra decidido, o elenco dos factos provados e não provados no âmbito dos presentes autos de liquidação, para além daqueles que foram dados como provados na decisão objeto da liquidação, passa a ser o seguinte:

Factos provados:

1. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam, pelo menos, à quantia bruta de €12.798,09.

2. Os juros semestrais pagos pelo Banco Réu à Autora relativos à subscrição de obrigações A... 2006 ascenderam à quantia líquida de €23.630,86.

Factos não provados:
3. Os juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e Maio de 2018 ascenderam a €23.754,00.

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2ª Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso

Em sede de enquadramento jurídico, alterada a matéria de facto enunciada na sentença recorrida, segue-se o conhecimento da questão da repercussão da alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.

Resulta da sentença objeto da presente liquidação que o Banco Réu foi condenado a pagar à Autora a quantia de €100.000,00, acrescida de juros remuneratórios, vencidos no período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e a instauração daquela ação, deduzidos os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos à subscrição de obrigações A... 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 806º e 805º, nº1, do Código Civil.

Na decisão recorrida entendeu-se que “As questões fiscais que as partes agora reportam nos seus articulados, não foram trazidas à colação na ação, nem a sentença as incluiu na sua parte decisória.

Estando o tribunal vinculado ao aí decidido, considera-se que caiem as mesmas fora do âmbito desta liquidação, a presente sentença não visa condenar (tal já foi feito nas decisões anteriormente proferidas), mas apenas liquidar o decidido.

Isto sem prejuízo dos legais impostos sobre este rendimento atribuído à autora deverem ser entregues ao Estado nas taxas e moldes aplicáveis.”.

No entanto, entendemos que, nesta parte, não assiste razão ao Tribunal a quo.

A liquidação em causa não é impeditiva de que se contabilizem os juros líquidos relativos, isto é, os juros remuneratórios devidos pelo Banco Réu à Autora após aplicação da taxa liberatória prevista no artigo 71º, do CIRS relativamente à quantia bruta de €12.798,09 a que se alude no facto provado sob o ponto 1.

Com efeito, tais juros constituem rendimentos de capitais e, nessa medida, sempre seriam sujeitos a tributação, conforme aquela disposição legal. Por isso, essa contabilização dos juros remuneratórios líquidos não viola o caso julgado formado pela sentença transitada que se visa liquidar e os contornos da obrigação do Banco Réu nela definidos.

Tendo presentes as sucessivas taxas liberatórias que foram sendo praticadas ao longo do período a que se reportam os autos, haverá que concluir que os cálculos apresentados pelo Banco Recorrente no documento junto com a contestação se mostram corretos, ascendendo assim a €2.559,62 o valor do imposto a reter no que respeita aos juros remuneratórios a que se alude naquele facto provado sob o ponto 1. Por isso, conclui-se que, em termos líquidos, ascende a €10.238,47 (ou seja, €12.798,09-€2.559,62= €10.238,47) o valor destes juros remuneratórios.

Partindo destas premissas, haverá que proceder-se à liquidação da parte ilíquida da sentença nos seguintes moldes:

- Tendo presente que o Banco Réu foi condenado a pagar à Autora a quantia de €100.000,00, acrescida de juros remuneratórios vencidos no período compreendido entre 8 de maio de 2006 e a instauração daquela ação - ou seja, €10.238,47 -, deduzidos os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos à subscrição de obrigações A... 2006 - €23.630,86€ -, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento, tal condenação, em termos líquidos, corresponde a:

€100.000,00 + €10.238,47 - €23.630,86= €86.607,61 + juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

Procede, nestes termos, a apelação.

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Decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, que a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.

Como a apelação foi julgada procedente, mercê do princípio da causalidade, as custas do recurso serão da responsabilidade da Recorrida.

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Síntese conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, fixando o valor da liquidação da sentença em €86.607,61, acrescido de juros de mora à taxa legal civil, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Custas do recurso pela Recorrida/Apelada.







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Porto, 10 de março de 2025
Des. Teresa Pinto da Silva
Des. José Eusébio Almeida
Des. Carla Fraga Torres

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[1] Cf. Recursos em Processo, Civil, Almedina, 7ª edição atualizada, p. 333, 334 e 340.
[2] Neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de janeiro de 2022, proferido no âmbito do processo nº 553/19.0T8LRA.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.