Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3389/20.1T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RP202402053389/20.1T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 260.º do Código do Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, o que implica que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.
II - No que se refere à causa de pedir, sendo alegados novos factos sucedâneos dos primeiros, suportados na mesma situação original, é de adotar uma interpretação flexível do art.º 265.º do C.P.C., considerando-se não existir ampliação da causa de pedir em sentido próprio.
III - É o que ocorre na situação em que na petição inicial os inquilinos invocam ausência de conservação de imóvel pelo senhorio, que ocasiona que precipitação abundante impeça a utilização plena do arrendado e cause estragos e sofrimentos, vindo, na pendência da ação, a reportar novo evento de pluviosidade, no mesmo contexto de omissão, ocasionador de novos prejuízos.
IV - Atentos os princípios da economia processual e do aproveitamento dos atos processuais, desde que respeitados os requisitos de superveniência dos factos ou do seu conhecimento, através de articulado superveniente, pode ser invocada uma nova causa de pedir.
V - O processo civil é conformado pelo princípio do dispositivo, mas este deve ser temperado por uma perspetiva flexível e substancialista que assegure uma tutela jurisdicional adequada à situação sob litígio.
VI - Por isso, é de apreciar a pretensão formulada pela parte que esta qualifica como correspondendo a ampliação do pedido, mas que respeita os requisitos próprios do articulado superveniente, sob esta perspetiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 3389/20.1T8MTS-A.P1

Sumário
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I - Relatório
AA e BB intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC e “A... - Companhia de Seguros, S.A.”.
Alegaram que em 19-10-2019 o teto da sala do imóvel arrendado em que habitam ruiu, provocando danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja responsabilidade assacam ao R., encontrando-se a responsabilidade transferida para a R. por contrato de seguro.
Pediram a condenação dos RR. no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Em 15-3-2021, os AA. requereram a ampliação do pedido, conforme o articulado que ora se reproduz na parte com relevo para a decisão:
1. Reiterando o explanado na P. I. e resposta às exceções da contestação,
2. Os AA., na presente ação, peticionam do R. o ressarcimento pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais,
3. Em virtude de, em 19 de Outubro de 2019, pelas 12h, o teto da sala do imóvel arrendado ter ruído,
4. Provocando danos patrimoniais e não patrimoniais,
5. Cuja responsabilidade cabe ao R..
SUCEDE QUE,
6. Em 21 de Janeiro de 2021, atendendo à precipitação aí ocorrida, os AA. aperceberam-se, de novo, de acumulação e infiltrações de águas nos tetos do arrendado,
7. Que pingava para os chãos e pelas paredes,
8. E que originou a queda do teto do corredor,
9. Para além de, pela mesma razão, ficarem os tetos do quarto e cozinha na iminência de desabar,
10. Teto do quarto que desabou em 25 de Janeiro de 2021 – doc. n.ºs 33 a 53, que ora se juntam para todos os legais e devidos efeitos –,
11. Situações que foram comunicadas, pelos AA. ao R. – doc. n.ºs 54 a 55, que ora se juntam para todos os legais e devidos efeitos.
12. Nesse dia, 21 de Janeiro de 2021, foi acionado o Gabinete de Segurança e Proteção Civil – Departamento de Proteção Civil, que lavrou relatório de ocorrência n.º ..., o qual descreve “habitação com infiltrações. Existe risco de incêndio provocado pela presença de água no circuito elétrico” – doc. n.º 56, que ora se junta, para todos os legais e devidos efeitos –,
13. Gabinete de Segurança e Proteção Civil – Departamento de Proteção Civil que foi novamente chamado em 23 de Janeiro de 2021, tendo lavrado o relatório de ocorrência n.º ..., que menciona “... queda de tetos ... existência de acumulação de águas ao longo do teco, tendo caído já parte do mesmo no hall de acesso ao quarto, o morador e a esposa colocaram baldes e plásticos neste local para conter / direcionar a água que cai no local, são visíveis danos no telhado (telhas danificadas) assim como várias infiltrações em diversas divisões, é referenciado que existem ratos e outros rastejantes sobre o teto falso...” – doc. n.º 57, que ora se junta, para todos os legais e devidos efeitos –,
14. Tendo ainda, nesse mesmo dia 23 de Janeiro de 2021, aí se deslocado a P. S. P., que emitiu a declaração que ora se junta sob o doc. n.º 58, que ora se junta, para todos os legais e devidos efeitos.
15. O Gabinete de Segurança e Proteção Civil – Departamento de Proteção Civil ainda se dirigiu ao arrendado no dia 25 de Janeiro de 2021, tendo lavrado o relatório de ocorrência n.º ..., que refere “... queda de tetos em habitação ... verifiquei que o local do incidente referido em relatório dia 23 do corrente e dias antes, se agravou, o casal que habita nesta casa tem dificuldades em aceder ao quarto, devido à queda de mais teto, no hall de acesso ao mesmo, na divisão junto ao hall caiu parte do teto da mesma (refiro que esta fica situada no lado oposto), é notória a existência de acumulação de água nos tetos, existem telhas partidas nos dois locais onde existiu queda parcial dos tetos. Refiro que devido ao incidente este casal pernoita na sala, o que não é benéfico para estes devido ao estado de saúde do inquilino ...” – doc. n.º 59, que ora se junta, para todos os legais e devidos efeitos.
POSTO ISTO,
16. O evento que ora se descreve, para o qual em nada os AA. contribuíram mas, antes, as condições débeis e insuficientes em que o arrendado se encontra,
17. Atemorizou, novamente, os AA.,
18. Que receiam que, qualquer dia, possam cair pedaços de teto sobre si,
19. Para além de ter estragado, arruinado e inutilizado mais equipamentos eletrónicos, móveis, candeeiros, cortinas e carpetes, objetos de decoração,
20. Danos cujo ressarcimento é da responsabilidade do R..
21. Constata-se, de novo, que o imóvel arrendado não reúne condições satisfatórias de habitabilidade e salubridade,
22. Apresentando, entre o mais, infiltrações e humidades intensas, aquando da ocorrência de chuvas,
23. Bem como, expondo, no vão do telhado, a presença de roedores e outros rastejantes,
24. Inviabilizando o bem-estar e qualidade de vida dos AA., bem como atentando contra o estado de saúde de ambos.
DOS DANOS PATRIMONIAIS:
25. Como consequência direta e imediata da queda do teto do hall e quarto do locado, os AA. sofreram danos nos seus bens pessoais e correspondentes prejuízos, a saber:
• três cadeiras de madeira de carvalho e pelo, no valor de cerca de 300 €,
• duas cortinas, no valor de cerca de 60 €,
• um tapetão do corredor de pelo alto, no valor de cerca de 80 €,
• uma cama de casal em madeira de carvalho maciça, no valor de cerca de 600 €,
• um colchão de casal em visco-elástico, no valor de cerca de 359 €,
• duas mesinhas de cabeceira com tampo em mármore, no valor de cerca de 300 € (as duas),
• uma secretária de escritório, no valor de cerca de 170 €,
• dois quadros de parede pintados a óleo, no valor de cerca de 350 € (os dois),
• uma cómoda, no valor de cerca de 250 €,
• um computador portátil Toshiba 4gB, no valor de cerca de 699 €,
• uma pasta de transporte do computador portátil, no valor de cerca de 60 €,
• um computador de secretária HIGNSREEN (torre e monitor), no valor de cerca de 1 200,99 €,
• um ecrã plasma com leitor de CD incorporado, de marca Eletronia, no valor de cerca de 350 €,
• um terno de tapetes de quarto, no valor de cerca de 150 €,
• roupas de cama, edredões, cobertores, lençóis, tapetes, camisolas e casacos, colocados junto aos rodapés, para absorver e reter a água da chuva e evitar a sua deslocação para outras divisórias, no valor de cerca de 600 €,
• forno grande, de marca Siemens, no valor de cerca de 580 €,
• Frigorifico No Frost Telefac, no valor de cerca de 650 €,
• Máquina de café, de marca Delta Q, no valor de cerca de 69 € e
• Micro-ondas, no valor de cerca de 100 €
26. Prejuízos que contabilizam o montante global de 6 927,99 € (seis mil novecentos e vinte e sete euros e noventa e nove cêntimos),
27. Cujo pagamento é da responsabilidade do R. e que ora também se peticiona.
DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
28. Os AA. também sofreram, e sofrem, danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
29. Danos morais que são elevados.
30. O A. marido padece de doença respiratória crónica, que se concretiza em apneias e dificuldades respiratórias.
31. Encontram-se os AA. a dormir da sala, num colchão insuflável,
32. Padecendo de perturbações no sono e noites mal dormidas, cansaço e desgaste.
33. Atualmente, não conseguem cozinhar as suas refeições, tendo que as encomendar a espaços que, em altura de pandemia, se encontrem disponíveis,
34. O que implica destabilização em termos de dinâmica familiar.
35. Os AA. sentem-se nervosos, assustados por terem já passado por duas situações semelhantes
36. E receosos por passar por poder passar por outra,
37. Circunstâncias que têm vindo a comprometer o regular desenrolar da sua vida quotidiana, familiar e do convívio com amigos e conhecidos.
38. Tais danos, por merecerem a tutela do direito, devem ser compensados,
39. Pelo que, a título de danos morais, deverá ser atribuída aos AA. a quantia nunca inferior a 2 000 € (dois mil euros), correspondente a 1 000€ (mil e quinhentos euros) a cada um.
ISTO POSTO,
40. O pagamento dos valores ora descritos, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, são da responsabilidade do R. e que, agora, também se peticionam.
41. Estão preenchidos os pressupostos para uma ampliação do pedido, nos termos do art. 265º, n.º 2 C. P. C., o que ora se requer.
42. Tratando-se de factos que poderão e deverão ser comprovados através de perícia, deverão ser aditados os seguintes quesitos ao objeto da perícia, o que se requer: (…).
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O R. respondeu ao articulado, impugnando o alegado e pugnando pelo indeferimento liminar da ampliação do pedido.
*
O tribunal não se pronunciou a este propósito, tendo o processo seguido os seus termos com elaboração de despacho saneador e realização de perícia, que se debruçou também sobre a matéria do articulado de 15-3-2021.
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Da ata da audiência de discussão e julgamento, cujo início teve lugar em 7-11-2022, consta, assinaladamente, o seguinte:
Constato agora, que o tribunal não tomou posição, quanto ao pedido de ampliação formulado pelos autores em 15/03/2021.
Assim, no referido requerimento vem alegado que em 21/01/2021, atendendo à precipitação aí ocorrida, os autores aperceberam-se de novas infiltrações de água no arrendado que originou a queda do teto do corredor e de danos nos tetos do quarto e cozinha, na eminência de cair, vindo a cair o teto do quarto no dia 25 de janeiro de 2021.
Peticionaram os autores a condenação dos réus a indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais dessa nova infiltração de água.
Tal facto não constitui uma mera ampliação do pedido, mas antes uma simultânea alteração do pedido e da causa de pedir uma vez que existe um novo facto superveniente que deu origem a novos danos, não sendo esse danos consequência inicial da infiltração de água ocorrida em 19 de outubro de 2019 em que se sustenta a ação.---
Assim sendo ao abrigo do artigo 265, nº 1 do C.P. Civil, tal alteração da causa de pedir só poderá ser admitido por acordo das partes.---
Assim sendo, convida-se o réu a pronunciar-se quanto ao eventual acordo à requerida ampliação da causa de pedir.
Tendo o mesmo declarado que se opõe.--
Após a Mma. Juiz proferiu Despacho:
- Em face da falta de acordo quanto à ampliação da causa de pedir requerida em 15/03/2021, não pode a pretendida alteração do pedido e da causa de pedir ser admitida.---
Aquando da prolação do despacho saneador e do despacho que admitiu a perícia, não se apercebeu o tribunal de que havia sido formulado tal pedido de ampliação do pedido e da causa do pedido.---
Assim, não tomou o tribunal antes da sua prolação posição quanto a esse pedido, fixando-se o valor da ação no montante inicialmente peticionado.--
Assim sendo, a perícia realizada tem que ser reduzida apenas aos danos inicialmente invocados por só esses serem objeto da ação. --
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Inconformados, os AA. interpuseram o presente recurso, rematando com as conclusões que se seguem.
I - O presente recurso de apelação vem interposto do douto despacho judicial proferido pelo Tribunal a quo, a 07/11/2022, com a ref.a CITIUS 441937935, no início da audiência de discussão e julgamento, no qual se verteu o entendimento de que o requerimento de ampliação do pedido formulado pelos recorrentes a 15-03-2021 (requerimento com a ref.a CITIUS 28360914) não era legalmente admissível, sustentando que se tratavam de factos "novos" e que não poderiam ser objeto de discussão nos autos, porquanto implicavam uma alteração cumulativa da causa de pedir e do pedido, sujeita à regra do n.º 5 do art. 265.° do CPC.
II - Andou mal o Tribunal a quo ao perfilhar este entendimento.
III. O requerimento apresentado nos autos pelos Apelantes, a 15-03-2021, não configura uma alteração inadmissível do pedido e/ou da causa de pedir nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 1 do art.º 265.º do CPC, porquanto ali se limitaram a aduzir factos novos, posteriores à instauração da ação mas que desenvolvem o pedido inicialmente formulado na petição inicial, constituído por uma causa complexa.
IV. Nesse requerimento, tal como na petição inicial, os Apelantes invocaram como causa de pedir a ruína/desabamento de várias partes do interior do imóvel, propriedade do Apelado, mas arrendado àqueles, peticionando a respetiva condenação por danos patrimoniais e não patrimoniais daí decorrentes.
V. No seu requerimento de 15-03-2021, os apelantes formularam pedido de ampliação do pedido, demonstrando que outras partes da habitação propriedade do Réu/Apelado haviam ruído, por causa a este imputável.
VI. Não se concebe, desta forma, que o Tribunal a quo tenha entendido que estávamos perante uma alteração do pedido e da causa de pedir sujeita à disciplina do n.º 1 do art.º 265.° do CPC, porque apesar da diferença temporal, estamos perante o mesmo facto base da causa de pedir: o desabamento de partes diferentes do imóvel propriedade do Réu/Apelado, em momentos diferentes - o teto da sala em 2019, o teto do corredor e quartos em 2021.
VII. A jurisprudência tem admitido, de forma consistente, que a ampliação do pedido coenvolve uma alteração do pedido inicial, podendo ser formulada para além dos estritos termos em que tem lugar a apresentação de articulado superveniente, admitindo que tal mecanismo processual - a ampliação - possa ser utilizado mesmo para factos que já eram conhecidos ou passíveis de inclusão no processo na data de apresentação da pretensão inicialmente formulada (vide Jurisprudência citada no corpo das alegações, para as quais se remete).
VIII. Da jurisprudência mais cediça, decorre, sem sofismas, que a ampliação pode, por conseguinte, envolver a formulação de um pedido diverso. Ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.
IX. Esta posição permite harmonizar o princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último quando se verificam reais vantagens na solução definitiva do conflito num único processo, desde que a relação material controvertida seja essencialmente a mesma, assente na mesma causa de pedir.
X. Os factos aduzidos pelos Apelantes no requerimento de ampliação do pedido possuem a qualidade de factos complementares de uma causa de pedir complexa assente na relação de locação estabelecida com o Apelado, acrescentando outras dimensões do dano decorrente do ato ilícito que serve de fundamento à ação, ou seja, estamos apenas perante a complementação ou aperfeiçoamento de um dos elementos essenciais da causa - dano - já alegado na petição inicial mas que obteve um acrescento e/ou desenvolvimento já com a ação em curso.
XI. Com base nestas coordenadas, estava vedado ao Tribunal a quo concluir, como o fez, no sentido de que estávamos perante uma alteração da causa de pedir, enquadrável no n.º 1 do art.º 265.º do CPC.
XII. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual, violando o disposto no n.º 2 e 6 do art.º 265.º do CPC ex vi n.º 1 do art.º 195.º do mesmo diploma, ao indeferir o requerimento para ampliação do pedido formulado pelos Apelantes a 15-03-2022, nulidade esta que desde iá se argui para os devidos e legais efeitos.
XIII. Na eventualidade de se entender que não estamos perante uma nulidade processual stricto sensu, então sempre estaremos perante uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso vertente, tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de interpretação e aplicação do direito na modalidade de erro sobre a norma aplicável.
XIV. Com efeito, o Tribunal a quo entendeu ser de aplicar ao caso a norma contida no n.º 1 do art.º 265.º do CPC, postulando que o requerimento de ampliação do pedido formulado pelos Apelantes pressupunha uma alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, a qual sempre pressuporia o acordo do Apelado.
XV. Em contraposição, o Tribunal a quo deveria ter aplicado ao caso em apreço, as normas conjugadas do n.º 2 e 6 do art.º 265.° do CPC, concluindo que o requerimento de ampliação do pedido formulado pelos apelantes representava não só factos supervenientes, novos e posteriores à instauração da ação, como desenvolvimento e/ou consequência do pedido primitivo, sendo que tal pedido e o pedido primitivo têm essencialmente as mesmas causas de pedir, totalmente idênticas e integradas no mesmo complexo de factos.
XVI. Face ao exposto, tem o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo de ser revogado e substituído por outro que admitido o requerimento apresentado nos autos pelos Apelantes, com a prova nele incluída e peticionada, ordenando-se a repetição de tudo o processado.
§
SEGUNDA
XVII. A ampliação do pedido e da causa de pedir pelos Apelantes, formulado, como o foi, não foi objeto de indeferimento no despacho saneador.
XVIII. Ademais, nesse mesmo despacho saneador, o Tribunal a quo deferiu o alargamento da perícia à matéria e quesitos indicados pelos Apelantes no seu requerimento de ampliação do pedido.
XIX. Indeferir o pedido de ampliação do pedido, em primeira sessão de julgamento, coloca em causa aquele despacho saneador e o efeito de caso julgado formal que dele emanou, razão pela qual o Tribunal a quo violou o disposto no n.0 3 do art.º 595.° do CPC e incorreu numa nulidade processual, por força do disposto no n.º 1 do art.º 195.° do CPC.
XX. O despacho do Tribunal a quo viola também o disposto no n.º 1 do art.º 588.° do CPC.
XXI. Se o Tribunal a quo perfilhou o entendimento de que se tratavam de factos "novos", então deveria ter utilizado o seu poder de gestão e adequação processual para convolar e aproveitar o requerimento de ampliação do pedido formulado pelos Apelantes a 15-03-2021, admitindo tal articulado e submetendo-a à disciplina do art.º 588.º do CPC.
XXII. No caso dos autos julga-se evidente o interesse em apreciar os danos provocados aos Apelantes pelo desabamento, em momentos diferentes, de partes diferentes do imóvel de que o Apelado proprietário e que os Apelantes habitavam a título de arrendamento.
XXIII. Ao não ter entendido dessa forma, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do art.º 588.º do CPC e, bem assim, os princípios da economia, celeridade e concentração processual, ao não ter admitido o articulado levado aos autos pelos Apelantes.
XXIV. Em contraposição, o Tribunal quo deveria utilizado os seus poderes de gestão e adequação processual para que, ao convolar e admitir o requerimento dos Apelantes ao abrigo do disposto no n.º 1 e 3 do art.º 588.º do CPC, observa-se também os princípios da economia, celeridade e concentração processual.
XXV. Por conseguinte, deverá o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento apresentando pelos Apelantes a 15-03-2021 (ampliação do pedido).
§
QUARTA
XXVI. A oposição do Apelado ao requerimento de ampliação do pedido, expressa em audiência de discussão de julgamento, é completamente antagónica com a posição que manifestou aquando da apresentação do requerimento de ampliação do pedido pelos Apelantes a 15-03-2021, revelando um flagrante abuso do direito na modalidade do venire contra factum proprium.
XXVII. A conduta do Apelado é a sua própria acusadora, encontrando-se expressa no requerimento datado de 23/03/2021, com a ref.a CITIUS 28419558. Nesse requerimento, o qual veio em resposta do requerimento de ampliação do pedido formulado pelos Apelantes, o apelado limitou-se a suscitar uma questão prévia relativa à vigência do (s) contrato (s) de arrendamento e, num segundo momento, procedendo a impugnação do teor da alegação veiculada ali, pelos Apelantes.
XXVIII. Nunca, em nenhum momento, o apelado invocou a inadmissibilidade legal do requerimento de ampliação do pedido formulado pelos Apelantes, tendo limitado o seu contraditório a uma questão prévia menor e à impugnação direta dos factos alegados pelos Apelantes.
XXIX. Ao ter permitido ao Apelado opor-se à alteração a uma eventual alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos em que o fez, quando antes nem sequer tinha suscitado essa questão, em momento próprio, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 334.º do Código Civil em conjugação com o n.º 1 do art.º 265.º do CPC.
XXX. Por tudo o exposto, o Tribunal a quo violou, entre outros, os n.ºs 1, 2 e 6 do art.º 265.º, o n.º 1 do art.º 588.º e o art.º 334.º do Código Civil.
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O R. contra-alegou, finalizando da seguinte forma:
I - A Mma. Juíza a quo decidiu com objetividade, rigor, ponderação e sensatez, proferindo uma decisão irrepreensível e bem fundamentada, pois que fez uma ponderosa aplicação do direito, aderindo-se na integra ao despacho proferido.
2 - Verifica-se claramente que o douto despacho não padece de qualquer erro de interpretação e aplicação do direito e, por isso, não se demonstra a violação dos artigos 265.º, n.º 2 e 6 do CPC ex vi art. 195.º do mesmo diploma, art.º 265.º, n.º 1, 2 e 6 do CPC, art. 588.º, n.º 1 e 3 do CPC ex vi art.º 195.° do CPC, art.º 595.º, n.° 3 do CPC ex vi art. 195.º do CPC e art. 334.º do CC em conjugação com o disposto no art. 265.º, n.º 1 do CPC.
3 - Até ao momento da citação, o autor pode ainda alterar a conformação por si efetuada, mediante modificação dos sujeitos ou do objeto da ação, marcando tal ato processual o momento em que, por princípio, se fixam os elementos definidores da instância, que seguidamente somente serão alteráveis na medida em que a lei adjetiva o permita.
4 - Mas, tal como emerge do regime consagrado nos artigos 264.° e 265.° do CPC, os pressupostos dessa modificação da causa de pedir (tanto a nível qualitativa, onde se substitui a causa de pedir invocada por uma outra que é subsumível a uma diferente qualificação jurídica ou a nível quantitativa, quando a parte amplia ou reduz a mesma causa de pedir inicialmente alegada) dependem sempre da posição das partes perante a mesma,
5 - Com relevo para o caso em apreciação, se as partes não concordarem quanto a essa modificação, de acordo com o disposto no n° 1 do art. 265.º do citado preceito legal, a causa de pedir somente pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
6 - No entanto, a realidade factual articulada pelos AA. no requerimento que apresentaram a 15/03/2021 (de ampliação do pedido) distancia-se da causa de pedir que foi invocada em suporte do pedido condenatório formulado no terminus da petição com que deu início à presente ação.
7 - As proposições factuais que foram alegadas pelos Recorrentes no referido requerimento de ampliação, não constituem um complemento ou concretização da materialidade inicialmente alegada, traduzindo antes a alegação de uma nova causa petendi.
8 - A ampliação requerida pelos AA. (que mais não se trata de uma cumulação de pedidos assente em diversas causas de pedir), não se mostra legitimada, porque a alegação dos factos assenta numa nova causa de pedir, para além de que não constituiu um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
9 - Os novos factos suportam-se, antes, em factos que não haviam sido anteriormente alegados, tanto que no requerimento de ampliação os AA. requereram a produção de novos meios probatórios tendentes à demonstração dessa nova realidade factual.
10 - Os novos factos alegados no requerimento em crise e o pedido daí decorrente, ainda que respeitante a uma nova ocorrência de precipitação ocorrida a 21/01/2021, torna-se um pedido com autonomia e individualidade diferenciada do pedido primitivo, que não desenvolve nem aumenta o pedido primitivo, porquanto implica factos a considerar diversos dos até ali alegados - cf. Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 992/18.3T8GMR.G1, de 06-02-2020.
11 - Dispõe o n.º 6 do art.º 265.º do CPC, como já vimos, que é possível a modificação simultânea da causa de pedir e do pedido desde que não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
12 - Sendo possível a modificação simultânea não só quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir originária, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporta a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, "Código de Processo Civil Anotado," Volume 1.°, 4o ed., pág. 529).
13 - Contudo, este preceito legal não contende com os pressupostos referidos nos n.ºs 1 e 2 daquele dispositivo, concretamente quanto ao prazo em que tal modificação pode acontecer.
14 - Estando em causa factos essenciais estruturadores de causa de pedir diferente da originária - e que nem sequer se observou o disposto no art. 588.º do CPC, como adiante iremos ver - o pedido de ampliação formulado torna-se um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada do pedido primitivo, porquanto implica factos a considerar diversos dos até ali alegados e consequente relação jurídica controvertida diversa.
15 - Pelo que, bem andou o Tribunal ao decidir no sentido em que decidiu, porquanto do articulado de ampliação do pedido, formulado pelos AA,/Recorrentes, em 15/03/2021, decorre a existência de um novo facto, facto esse superveniente e que deu origem a novos danos, mas cujos danos não são consequência inicial da infiltração de água ocorrida em 2019 e em que os AA./Recorridos fundamentam a presente ação.
16 - Não tendo, por esse motivo, o Tribunal a quo incorrido em qualquer nulidade, tal qual arguida pelos AA/Recorrentes,
17 - Alegam ainda os Recorrentes que os factos constantes do requerimento apresentado poderão ser considerados factos novos para o processo, aptos de caber na previsão do art. 588.° do CPC, referente aos articulados supervenientes - não lhes assistindo, igualmente, nesta parte razão.
18 - Só se poderia considerar que a ampliação importa a alegação de factos novos, se esses factos fossem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.0 588.° do CPC, e fossem alegados nos termos aí prescritos (cf. Acórdão supra citado), o que facilmente se verifica que não foi feito no caso vertente, pois que os Recorrentes nem sequer alegaram a superveniência do seu conhecimento no requerimento de ampliação.
19 - Ainda assim, na eventualidade de se consideram os factos novos alegados pelos AA./Recorrentes, no requerimento de ampliação, como factos supervenientes, é certo que a utilidade desse articulado seria avaliada casuisticamente, à luz do pedido, causa de pedir e das exceções invocadas pelas partes (caso existissem).
20 - É entendimento unânime que, na pendência da causa, é possível introduzir no processo matéria factual essencial nuclear, concernente à relação controvertida, contudo, demonstra-se que o requerimento apresentado pelos RR./Recorrentes, independentemente de ser considerado/convolado como articulado superveniente, não tem o seu âmbito circunscrito à relação controvertida, pelo que nunca poderia ser admitido, nos termos pretendidos.
21 - E assim, inexiste qualquer violação do art. 588.º, n.º 1 do CPC ou dos princípios da economia,
22 - Terminam os Recorrentes alegando que a posição do aqui Recorrido, expressa em audiência de julgamento, é contrária à posição que manifestou em momento processual anterior, por requerimento datado de 23/03/2021, constituindo abuso de direito.
23 - Mas se atentarmos a esse mesmo requerimento, em que o Recorrido exerce o contraditório ao pedido de ampliação, facilmente se verifica que por este é requerido que seja indeferido liminarmente a ampliação requerida - logo, considerando a posição aí assumida pelo Recorrido, não podem agora os Recorrentes vir dizer que é contrária à adotada em sede de audiência de julgamento, porque não é.
24 - Manteve o Recorrido a posição de ser de indeferir o pedido de ampliação requerido pelos Recorrentes, cabendo, em última instância, ao douto Tribunal a decisão de ser o mesmo admissível ou não, pelo que não existe abuso de direito, não se verificando, no caso, qualquer atuação abusiva por parte do Recorrido, devendo por isso improceder tal exceção invocada pelos Recorrentes.
25 - Isto dito, reforce-se que o Recorrido nada tem a acrescentar ao douto despacho proferido pelo Tribunal, no início da audiência de julgamento, e com o qual concorda integralmente.
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II - Questões a dirimir
a - Se o despacho proferido incorre em nulidade por violação do disposto no art.º 265.º/2/6 do C.P.C. ex vi art.º 195.º/1 do mesmo Código.
b - Se o requerimento dos AA. deveria ter sido admitido nos termos formulados ou se o tribunal deveria ter usado dos seus poderes de gestão e de adequação processual para convolar o requerimento apresentado, sujeitando-o à disciplina do articulado superveniente.
c - Se pela circunstância de o pedido de ampliação não ter sido objeto de despacho aquando da prolação do despacho saneador, o indeferimento ocorrido no início da audiência de discussão e julgamento viola caso julgado formal, verificando-se nulidade processual nos termos do art.º 195.º do C.P.C..
d - Se o R. incorreu em abuso do direito ao opor-se à alteração e se o tribunal violou o disposto no art.º 334.º do Código Civil.
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III - Fundamentação de facto
A matéria fáctica com interesse para a decisão é a que vem enunciada no relatório.
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IV - Subsunção jurídica
a - Se o despacho proferido incorre em nulidade por violação do disposto no art.º 265.º/2/6 do C.P.C. ex vi art.º 195.º/1 do mesmo Código.
Os apelantes invocam a nulidade do despacho proferido, aduzindo que estava vedado ao tribunal a quo concluir, como o fez, no sentido de que com o seu requerimento de 15-3-2021 alteraram a causa de pedir nos termos do n.º 1 do art.º 265.º do C.P.C..
O tribunal a quo teria incorrido em nulidade processual, violando o disposto nos n.ºs 2 e 6 do art.º 265.º do C.P.C. ex vi n.º 1 do art.º 195.º do mesmo diploma, ao indeferir o requerimento para ampliação do pedido formulado pelos Apelantes a 15-03-2022.
O vício apontado pelo recorrente não se refere à prática de um ato que a lei não admita nos termos do aludido art.º 195.º/1 do C.P.C.. Os apelantes insurgem-se, isso sim, contra o sentido da decisão proferida em 1.ª instância - estaria neste caso em causa erro de direito, correspondente à aplicação inadequada da realidade normativa.
Lê-se no ac. do S.T.J, de 3-3-2021 (proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Leonor Cruz Rodrigues): há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma»).
Como se disse, as imputações efetuadas ao despacho recorrido não consubstanciam a invocada nulidade, antes visando os recorrentes pôr em crise o conteúdo do juízo efetuado.
Assim, desatende-se a nulidade arguida.
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b - Se o requerimento dos AA. deveria ter sido admitido nos termos formulados ou se o tribunal deveria ter usado dos seus poderes de gestão e de adequação processual para o convolar, sujeitando-o à disciplina do articulado superveniente.
Os recorrentes alegam, em síntese, que o seu requerimento deveria ter sido admitido por nos encontrarmos em face de pedido decorrente dos mesmos factos que consubstanciavam a causa de pedir primitiva.
Subjaz à pretensão recursória dos AA. a alegação de que houve lugar a ampliação do pedido, mas não da causa de pedir.
Vejamos se lhes assiste razão.
Nos termos do art.º 552.º/1/d) do C.P.C., é na petição inicial que devem ser expostos os factos que constituem a causa de pedir que servem de fundamento à ação.
O art.º 260.º do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, o que significa que após a citação do réu a instância deverá manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, ressalvando, as exceções legalmente previstas.
No que se refere ao pedido e à causa de pedir, as exceções estão previstas nos arts. 264.º e 265.º do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 264.º do C.P.C., a lei admite a alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, por acordo das partes em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se tal perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito.
Consigna, por seu turno, o art.º 265.º/1 que, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
Nos termos do n.º 2 do art.º 265.º, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido ou pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Consigna o n.º 6 do mesmo art.º 265.º que é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
A propósito da ampliação do pedido, Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, p. 93) ensinava: a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial.
Em idêntico sentido vejam-se o ac. TRL de19/5/1994, proc. n.º 0070956 Rodrigues Condeço; o ac. TRL de 25/6/1996, proc. n.º 0012701, Guilherme Pires e o ac. TRL de18/1/2011, proc. n.º 271/09.7TBCDV-A. L1-1, Manuel Marques, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Constituem exemplo de ampliação em “consequência do pedido primitivo” a situação em que o autor pede a restituição de um imóvel, vindo depois a pedir uma indemnização pelo esbulho desse mesmo prédio e o caso em que o autor pede a condenação do réu no pagamento duma dívida, vindo posteriormente a pedir a condenação no pagamento de juros de mora. Trata-se de situações em que o autor poderia desde logo ter formulado a sua pretensão ampliada na petição inicial.
No caso dos autos, os AA. invocaram factos novos supervenientes ao termo dos articulados e formularam nova pretensão indemnizatória.
O pedido adicionalmente formulado não poderia estar, em sentido próprio contido no pedido primitivo, pelo simples motivo de que a segunda vaga de pluviosidade que terá conduzido ao desabamento de outros tetos e prejuízos inerentes ocorreu em momento ulterior ao da petição inicial.
Pese embora os AA. invoquem que o R. incorreu em venire contra factum proprium por, alegadamente, não se ter oposto à ampliação no momento próprio, conforme decorre do articulado de resposta ao requerimento de ampliação, que parcialmente se reproduziu, independentemente do fundamento com que o fez, não oferece dúvidas que o R. se opôs à pretensão dos AA.. Logo, não se pode aquilatar da situação como se tivesse existido acordo a propósito da mesma.
Em suma, não se poderá deixar de entender que houve lugar a ampliação do pedido. Mas fundar-se-á esta em ampliação da causa de pedir? Consubstanciarão, os eventos reportados pelos AA., referentes a uma vaga de precipitação, infiltrações e estragos posterior à data da entrada do processo em juízo, uma nova causa de pedir para os efeitos visados pelo art.º 265.º/1 do C.P.C.? É que, como se viu, nos termos do n.º 2 do art.º 265.º, o autor só poderá ampliar o pedido se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
À luz do disposto no art.º 581.º/4 do C.P.C., considera-se como causa de pedir a factualidade, afirmada pelo autor, de que se faz derivar o efeito jurídico pretendido. De acordo com a teoria da substanciação, essa factualidade deverá traduzir o facto gerador do direito, individualizando o objeto do processo, de modo a prevenir a repetição da causa. Cabe ao autor definir o objeto da ação, formulando o pedido e a causa de pedir, indicando os factos concretos em que baseia a pretensão que quer acautelar. A causa de pedir constitui, afinal, o cerne da ação.
Na petição inicial, os inquilinos invocam ausência de conservação de imóvel pelo senhorio, que ocasiona que precipitação abundante impeça a utilização plena do arrendado e cause estragos e sofrimentos. Na pendência da ação, reportaram novo evento de pluviosidade, no mesmo contexto de omissão do dono do prédio, ocasionador de novos prejuízos. No primeiro dos casos, os eventos têm como área dominante da habitação o teto da sala. No segundo, o teto do quarto e da cozinha.
No ac. da Relação de Lisboa de 5/7/2018 (proc. n.º 1175/13.4T2SNT.B.L1-2, Arlindo Crua, também consultável em www.dgsi.pt, tal como os demais invocados, salvo indicação diversa) sustentou-se que se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, como sejam a concretização de um dano já alegado, é processualmente admissível a ampliação do pedido, sem necessidade do consentimento da parte contrária.
Também no ac. da Relação de Évora de 10/10/2019 (proc. n.º 38/18.1T8VRL-A.E1, Cristina Dá Mesquita) se admitiu a ampliação do pedido que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos.
Confira-se o sumário do ac. do STJ de 19-06-2019 (proc. 22392/16.0T8PRT.P1.S1, Oliveira Abreu, disponível em sumários do Supremo):
IV- Estando no âmbito de uma ação declarativa de indemnização por responsabilidade civil, em razão de acidente de viação sofrido pelo demandante, cuja causa de pedir é complexa, temos de convir que não é qualquer alteração dos factos alegados que importa uma modificação da respetiva causa de pedir da ação, pois, ao ter-se alegado factos concretos no articulado inicial com vista a demonstrar os danos causados pelo ato ilícito, cuja indemnização se reclama, temos a causa de pedir como definida, não se alterando, de todo, se o demandante se limita, em momento posterior aos articulados, e até à audiência final, acrescentar novos danos, reconhecendo-se, claramente, estes novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, como factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, como factos que acrescentam outras dimensões do dano decorrente do ato ilícito que serve de fundamento à ação, sem que se possa afirmar, por isso, que a demanda passa a ter uma dissemelhante causa de pedir ou passa a estar sustentada em fundamento que antes não possuía.
Lê-se ainda no ac. da Relação do Porto de 27-1-2022 (proc. 1218/21.8T8AMT-A.P1): embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum. Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência, ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objeto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
Escreve Miguel Teixeira de Sousa Blog do IPPC (in https://blogippc.blogspot.com/2020/07/jurisprudencia-2020-35.html): (…) o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir. Sendo que, no caso, a ampliação do pedido compreende-se claramente na previsão do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C., por ser o desenvolvimento do pedido primitivo.
Adota-se uma interpretação flexível do art.º 265.º do C.P.C.. Surgindo a nova pretensão como sucedânea da primeira, sendo suportada pela situação original que deu causa ao direito do autor, considera-se não existir verdadeira ampliação da causa de pedir.
No caso vertente, o núcleo de factos essenciais que dão causa à ação são os mesmos: aqueles que integram o estado de conservação deficitário da habitação dos AA..
Esta abordagem da questão afigura-se-nos, porém, em bom rigor, despicienda. Na verdade, a matéria alegada pelos AA. no articulado por si configurado como de ampliação do pedido consubstancia um verdadeiro e próprio articulado superveniente, nada impedindo que no âmbito deste haja lugar a ampliação do pedido. O pedido primitivo e o pedido adicional têm subjacentes o mesmo complexo de factos, ainda que a ampliação importe a alegação de factos novos. Esta situação encontra-se reconhecida na lei processual civil através do recurso ao articulado superveniente, bastando que se reporte a factos que revistam essa caraterística de superveniência, isto é, que ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados, nos termos e prazos previstos.
Efetivamente, nos termos do disposto no art.º 588.º/1 do C.P.C. os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
Nos termos do n.º 2 do mesmo art.º, dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tivesse conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
Leia-se no ac. da Relação de Lisboa de 22-02-2018 (proc. 1951/07.7TBTVD-A.L1-6, António Santos): a superveniência de que fala o dispositivo tanto pode ser a objetiva - quando os factos têm lugar já depois de esgotados os prazos legais de apresentação pela parte dos articulados -, como subjetiva, ou seja, quando os factos ainda que tenham tido lugar em momento anterior ao da apresentação pela parte do/s seu/s articulado/s, certo é que apenas chegaram ao seu conhecimento já depois de esgotados os prazos legais de apresentação dos aludido/s articulado/s.
Vem-se defendendo, por força do princípio do princípio da economia processual e do aproveitamento dos atos processuais, que, através do articulado superveniente, pode ser invocada uma nova causa de pedir (cf. José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, p. 170, Coimbra Editora, p. 170, e Código de Processo Civil Anotado, 2001, p. 342 e Miguel Teixeira de Sousa, in As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, pp. 189 e 190, 1990, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pp. 299-300, e também em blogippc.blogspot.pt).
Vejam-se ainda Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª ed., p. 529): É (…) possível a modificação simultânea não só quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir originária, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporta a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira (cf.).
É precisamente o que ocorre no caso vertente.
Tal entendimento tem também vindo a ser seguido na jurisprudência (cf. ac. da Relação de Coimbra, de 11-09-2012, proc. 408-F/2001.C1, Sílvia Pires; ac. da Relação de Guimarães, de 25-05-2016, proc. 1827/09.5TBBCL-A.G1, Maria Purificação Carvalho; ac. da Relação de Coimbra, de 26-04-2016, proc. 933/12.2TBCLD.C1, Maria Domingas Simões, todos permitindo a alteração ou ampliação da causa de pedir através de articulado superveniente).
Escrevem ainda António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pp. 670 e 671, em anotação ao art.º 588.º) que o art.º 611º, nº 1 prescreve que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à instauração da ação, de modo a que a decisão final corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão (…). Pode suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada a petição inicial (…). Estes são os chamados factos (objetiva ou subjetivamente) supervenientes. Face ao prescrito no citado art.º 611º, nº 1, impõe-se carrear para o processo tais factos, sendo essa a função dos articulados supervenientes (…).
E no ac. da Relação de Guimarães de 6-2-2020 (proc. 992/18.3T8GMR.G1, Anizabel Sousa Pereira): o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265º,nº 2 do CPC), ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos: a) quando a ampliação do pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 265.º do CPC não implique a alegação de factos novos ( como acontece no caso de pedido de juros ou de atualização monetária) pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente em audiência de julgamento; b) quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito.
No que se reporta ao caso concreto, foi alegada pelos AA. a verificação de factos supervenientes aos articulados, fundados na mesma relação jurídica complexa. Sem embargo, tal materialidade não foi carreada para os autos socorrendo-se aqueles da figura do articulado superveniente. Cingiram-se os ora apelantes a introduzir a sua pretensão ao abrigo da figura da ampliação do pedido. Afigura-se-nos ser manifesto que o desiderato dos AA. deve poder ser apreciado ainda no âmbito da presente ação. Para aferir da pertinência do requerido importa aquilatar se o requerido pode ser encarado como constituindo um articulado superveniente, pese embora não lhe tenha sido atribuída tal denominação.
O princípio do pedido está ínsito na figura estruturante do princípio dispositivo que continua a caracterizar o processo civil (art.º 661.º/1 do C.P.C.).
Sem embargo, o princípio da cooperação entre o tribunal e as partes que preside ao atual modelo de processo civil dita que, previamente à prolação de qualquer decisão que impeça a prossecução dos autos, se esgotem as tentativas de alcançar um resultado útil. Está em causa o primado do conteúdo sobre a forma, do direito substantivo, sobre o direito adjetivo.
Não há como olvidar a filosofia subjacente à recente revisão do Código de Processo Civil levada a cabo através do decreto-lei 329-A/95, de 12 de dezembro, em cujo relatório se lê: ter-se-á de perspetivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.
O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal convolar ou entender um assim denominado pedido de ampliação como um articulado superveniente que contém um pedido de ampliação.
Como sublinha Lopes do Rego no ac. do STJ de 07-04-2016 (proc. 842/10.9TBPNF.P2.S1), a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios - também fundamentais em processo civil - da economia e da celeridade processuais.
Assim, é lícito ao tribunal, requalificar ou reconfigurar a caraterização de um articulado, atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão deduzida, aquela que corresponde à melhor forma de compor o litígio.
Se é certo que o princípio do pedido domina o processo privado, impedindo que o tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido, isso “não obsta a que profira uma decisão que se inscreva no âmbito da pretensão formulada” (in ac. STJ, de 11-02-2015, proc. 607/06.2TBCNT.C1.S1, Abrantes Geraldes).
É, por isso, de admitir “o suprimento ou correção de um deficiente enquadramento normativo do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou requerente, admitindo-se a convolação do juiz para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequado à situação litigiosa” (Lopes do Rego, O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença, in “Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, p. 794).
Na situação em apreço, há que ponderar qual a solução que melhor serve os fins da justiça. Ora é certo mostrar-se já configurado o essencial da causa e ter sido produzida prova pericial a propósito dos factos alegados.
Dada a natureza essencialmente flexível e substancialista do atual processo civil, afigura-se-nos, pois, ser de acolher a pretensão dos apelantes de ver apreciada na presente ação a ampliação formulada.
Em suma, a rejeição do articulado superveniente só deve ter lugar quando se verifique qualquer dos pressupostos de indeferimento a que alude o n.º 4 do art.º 588.º.
Preceitua este que o juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias.
É manifesto estarem em causa factos supervenientes, isto é, factos que ocorreram, e por isso foram conhecidos, depois da apresentação da petição inicial (art.º 588.º/1 do C.P.C.). Por outro lado, o R. já se pronunciou a respeito do alegado.
É, por isso, de deferir o recurso interposto.
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Atento o sentido da decisão, o conhecimento das demais questões fica prejudicado.
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Posto que o apelado já se pronunciou sobre a matéria alegada e que foi produzida prova pericial a propósito da mesma, deverá esta ser aproveitada. As partes deverão ser convidadas a indicar se pretendem produzir ulterior prova a respeito da matéria aditada, cingindo-se esta à já anteriormente apresentada, na medida em que não tenha tido lugar, seguindo-se alegações. No mais, manter-se-á a prova produzida, sendo, a final, proferida sentença que contemple agora a matéria da ampliação.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em revogar a decisão recorrida proferida em 7-11-2022, que não admitiu a pretensão dos AA. de verem apreciado o seu pedido formulado por requerimento de 15-3-2021, devendo os autos prosseguir os seus trâmites com aproveitamento da prova já produzida.
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Custas pelo R./recorrido, por se mostrar vencido na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 5-2-2024
Teresa Fonseca
José Eusébio Almeida
Manuel Domingos Fernandes