Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
786/22.1T8FLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: OBRIGAÇÃO INFUNGÍVEL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RP20250929786/22.1T8FLG.P1
Data do Acordão: 09/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é nula a sentença por oposição dos fundamentos com a decisão sempre que os fundamentos de direito não se adequam aos fundamentos de facto e a decisão final está em perfeita consonância com a fundamentação de direito.
II - Nessa eventualidade, a sentença padece de ilegalidade por erro de subsunção dos factos ao direito.
III - A matéria de contraprova não deve integrar os fundamentos de facto da sentença.
IV - Obrigações infungíveis são aquelas que necessitam ser cumpridas pelo próprio devedor, seja porque assim foi acordado pelas partes, seja por se assim não for, o interesse do credor é afetado.
V - A obrigação de os réus se absterem da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da autora e o caminho público ali existente constitui uma prestação de facto negativo de natureza duradoura que apenas pelos réus pode ser cumprida, sendo por isso uma prestação infungível.
VI - Além da remissão para um critério de razoabilidade (artigo 829º-A, nº 2, do Código Civil) a lei civil não fornece quaisquer outros critérios para fixação do montante da sanção pecuniária compulsória, apenas distinguindo o modo de fixação em função da duração do atraso no cumprimento ou do número de infrações (artigo 829º-A, nº 1, do Código Civil).
VII - A sanção pecuniária compulsória deve ser fixada num montante suficientemente elevado para que as suas funções compulsória e dissuasora sejam satisfeitas, sendo também a condição económica do sujeito passivo da sanção pecuniária compulsória um elemento relevante para a fixação do seu montante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 786/22.1T8FLG.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 786/22.1T8FLG.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 01 de junho de 2022, com referência ao Juízo Local Cível de Felgueiras, Comarca do Porto Este, a Freguesia ... instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra AA e esposa BB pedindo o seguinte:

a) Ser declarado e reconhecido que o caminho identificado sob os artigos 3.º a 9.º, é uma via publica cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – Freguesia ...;

b) Serem os RR. condenados a reconhecerem o sobredito na alínea a);

c) Serem os RR. condenados a demolir o muro de vedação referido sob os artigos 13.º e 14.º supra, que construíram em manifesta violação daquele espaço público e assim restituírem o caminho à situação anterior àquelas obras;

d) Serem os RR. condenados a restituir à A., o caminho livre e desimpedido e a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade da A. e ainda do caminho público ali existente, o que devem fazer no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da sentença que os condene, sob cominação de sanção pecuniária compulsória de €100,00 por cada dia de incumprimento;

e) Serem os RR. condenados nas custas e demais encargos legais.

Para fundamentar as suas pretensões, a autora alegou, em síntese que no extremo da Rua ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras, existe um caminho público que liga aquela Rua à Travessa..., da mesma freguesia e concelho; este caminho confina com diversas propriedades ao longo do seu percurso e para além de ligar as referidas ruas ou localidades da freguesia, é também o caminho de acesso ao ... e à ... existentes naquela área da freguesia; o caminho é em terra batida, tem cerca de 1,5 metros de largura e um comprimento de 230 metros, encontra-se calcado e trilhado, com o leito bem definido ao logo do seu percurso; desde tempos imemoriais que escapam à memória dos vivos, dos seus pais, dos seus avós e anteriores gerações, que o aludido caminho existe e vem sendo livremente utilizado pela comunidade e população da Freguesia ..., que nele passa a pé, com animais, veículos motorizados de duas rodas e pequenos atrelados de tração manual ou animal, com o conhecimento de todos e sem oposição de ninguém; a autora no interesse da população e no uso das suas competências de administração dos bens do domínio público, desde sempre o administrou, cuidando e zelando pelo seu leito, designadamente tapando os buracos e cortando a vegetação que ali nasce de forma espontânea; os réus são donos e possuidores do prédio urbano, composto de casa de habitação sita no Lugar ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras, com a área coberta de 70 m2 e logradouro com a área de 229 m2, edificada no descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número .../..., inscrita na matriz sob o artigo ...; este prédio dos réus confronta com o referido caminho pelo seu lado sul e poente, numa extensão de 45 metros de comprimento; no mês de maio de 2020, os réus, na zona de confrontação com o caminho, demoliram o muro que delimitava o seu prédio pelo sul e pelo poente relativamente ao caminho e em substituição deste construíram um outro muro em blocos de cimento, deslocado mais para sul e para poente cerca de 1,5 metros, assim ocupando a totalidade do leito do caminho numa extensão de 45 metros, interrompendo o seu percurso.

Citados, os réus contestaram alegando que requereram apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e impugnaram a generalidade da matéria alegada pela autora para suportar as suas pretensões, negando que hajam ocupado qualquer caminho ou espaço público; ao construírem a sua habitação, os réus decidiram construir, ao longo do lado poente e sul do seu mencionado prédio, uma passagem com cerca de 70 cm de largura e cerca de 45 metros de comprimento, decisão que foi, aliás, concertada e combinada com o vizinho que confronta de sul com os réus, o Sr. CC, para permitir que, com tal passagem a continuar pelo terreno desse seu vizinho, os réus pudessem ter um acesso mais facilitado à atual Travessa...; na altura, o réu trabalhava na sociedade A... S.A., sediada na zona da ..., da freguesia ..., concelho de Felgueiras, a qual dispunha de um autocarro de transporte para o trabalho para os seus trabalhadores, o qual tinha como ponto de paragem para entrada dos trabalhadores que residiam naquela zona da ..., a Rua ... e o réu apanhava, todos os dias da semana, esse autocarro, nesse ponto de paragem; foram passando os anos e a verdade é que alguns vizinhos, com a conivência dos Réus que assim o autorizavam, consentiam e toleravam, aproveitavam a existência dessa passagem, para, igualmente, beneficiarem desse acesso mais facilitado à referida Travessa...; o único caminho público que, desde tempo imemoriais, que escapam à memória das pessoas vivas, entroncava na Rua ... e fazia a ligação à atual Travessa..., passava a cerca de 65 metros de distância do prédio atualmente dos réus, apontando ao seu lado nascente; tal caminho público foi sendo, paulatinamente, fechado, até cerca do ano de 1989, ano em que fechou definitivamente, deixando os moradores daquela Rua ... sem qualquer caminho público facilitado e expedito até à Travessa...; em março de 2020, apercebendo-se que a passagem que haviam aberto começou a ser utilizada por desconhecidos que incomodavam o seu descanso durante a noite e que o muro apresentava evidentes sinais de que podia ruir, acrescendo ao facto de terem deixado, entretanto, de utilizar essa mesma passagem, os réus decidiram fechá-la, colocando um muro de vedação nos limites reais do seu terreno; terminam os réus pedindo a consequente improcedência da ação.

Em 16 de setembro de 2022, os réus informaram ter sido indeferido o apoio judiciário que haviam requerido, comprovando o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação.

Realizou-se audiência prévia, sendo proferido despacho saneador tabelar, fixando-se o valor da causa no montante de € 7 685,31, dispensou-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes.

Posteriormente, determinou-se a realização de verificação não judicial qualificada, fixando-se em trinta dias o prazo para oferecimento do relatório.

Em 01 de junho de 2023 foi oferecido o relatório da verificação não judicial qualificada, tendo a autora arguido a nulidade da diligência, nulidade que veio a ser atendida por despacho de 27 de setembro de 2023.

Em 20 de novembro de 2023, a autora ofereceu articulado superveniente em que, em síntese, alega que os réus ampliaram o seu prédio urbano ocupando com a nova construção parte substancial do leito do caminho público em discussão nestes autos e, em consequência, formulou, a final, os seguintes pedidos de condenação dos réus a:

a) Demolir a construção/ampliação do prédio urbano referido e identificado nos documentos sob o artigo 8.º supra, que construíram em manifesta violação daquele espaço público e assim restituírem o caminho à situação anterior àquelas obras;

b) Restituir à A., o caminho livre e desimpedido e a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade da A. e ainda do caminho público ali existente, tudo com as legais consequências.

Os réus responderam ao articulado superveniente reconhecendo terem procedido, mediante licença municipal, à ampliação da sua habitação para a zona em que em tempos idos haviam aberto uma passagem sobre o seu próprio prédio, como descreveram na sua contestação, concluindo assim pela improcedência dos pedidos formulados neste articulado.

A autora ofereceu articulado pronunciando-se sobre a prova documental oferecida pelos réus com a resposta ao articulado superveniente.

Em 11 de dezembro de 2023 foi admitido o articulado superveniente deduzido pela autora.

Em 12 de dezembro de 2023 foi oferecido novo relatório da verificação não judicial qualificada.

Em 13 de dezembro de 2023 a autora reclamou do relatório da verificação não judicial qualificada.

Notificado da reclamação apresentada contra o relatório da verificação não judicial qualificada, o Sr. Perito pronunciou-se, tendo a autora reiterado o seu pedido de esclarecimentos, pretensão que foi indeferida por despacho proferido em 22 de fevereiro de 2024.

A audiência final realizou-se em duas sessões e em 21 de outubro de 2024 foi proferida sentença[1] que terminou com o seguinte dispositivo:

Nestes termos, o Tribunal julga a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, decide:

1) Declarar e reconhecer que o caminho identificado sob os artigos 3.º a 9.º da PI, é uma via pública cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – Freguesia ....

2) Condenar os Réus a reconhecerem o decidido no anterior p. 1).

3) Condenar os Réus dos a demolirem o muro de vedação referido sob os artigos 13.º e 14. º da PI e as obras de ampliação do prédio urbano referidas no facto provado 18) e a restituírem o caminho à situação anterior àquelas obras.

4) Condenar os Réus a restituírem à Autora o caminho livre e desimpedido e a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da A. e ainda do caminho público ali existente, o que devem fazer no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da sentença.

5) Condenar os Réus no pagamento à Autora de sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00 € por cada dia de incumprimento do dever referido no p. 4).

6) Condenar os Réus no pagamento das custas processuais.

Em 06 de dezembro de 2012, inconformados com a sentença cujo dispositivo antes se reproduziu, AA e esposa BB interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

A Freguesia ... respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos dos restantes membros do tribunal coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Das nulidades da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão, por obscuridade e ininteligibilidade;

2.2 Da impugnação dos pontos 3 a 18 dos factos provados e das alíneas B) a I) dos factos não provados;

2.3 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução final do caso;

2.4 Do prazo para execução das obras de demolição;

2.5 Da ilegalidade da imposição da sanção pecuniária compulsória e, em todo o caso, da excessividade da sanção imposta.

3. Fundamentos

3.1 Das nulidades da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão, por obscuridade e ininteligibilidade

Os recorrentes suscitam a nulidade da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão, por obscuridade e ininteligibilidade.

A nulidade da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão resulta, na perspetiva dos recorrentes, de nos pontos 1, 2 e 3 do dispositivo remeter para a factualidade alegada pela autora nos artigos 3 a 9 e 13 e 14, todos da petição inicial, tendo a autora alegado nos artigos 5º, 13º e 14º da petição inicial que a largura do caminho e bem assim a ocupada pelos réus era de cerca de 1,5 metros e de nos factos provados sob os nºs 5, 13 e 14 se ter dado como provado que o caminho existente tinha uma largura compreendida entre 80 centímetros e 1,2 metros.

A nulidade da sentença recorrida por obscuridade decorre, na perspetiva dos recorrentes, de o tribunal a quo afirmar “que, no seu entendimento, se comprova que o caminho em discussão é público e não particular, “pois da conjugação dos vários depoimentos resultou que (i) esse caminho sempre existiu naquele local e (ii) sempre foi usado por populares para acederem aos ..., ao rio e à ...”, acrescentando, de imediato, que nesta parte “se deu prevalência à prova testemunhal em detrimento da inspeção não judicial qualificada quanto ao não acesso a qualquer fonte, o que resultou do facto da verificação não judicial se reportar à atualidade enquanto que as testemunhas se reportaram aos tempos antigos, o que encontram ainda corroboração nas fotografias juntas pela Autora que atestam a existência do alegado fontanário” e ainda porque “parece que no ponto 4 da matéria dada como provada, o Tribunal recorrido entende que o alegado caminho só dava acesso ao ... (retirando expressamente dos acessos a ...)”, mas “já no ponto 8. e 16. da mesma matéria de facto dada como provada, o Tribunal recorrido entende que, afinal, o caminho já dá acesso à ....”

Finalmente, a ininteligibilidade da sentença recorrida resulta, na perspetiva dos recorrentes, do seguinte segmento da motivação do tribunal a quo:

Assim, cumpre precisar que os atos de posse alegados pelos réus que não foram levados aos factos provados nem aos factos não provados não tinham relevância para o dissídio dos autos, atenta a causa de pedir alegada pela autora, pois que os mesmos não se reportavam à parcela em crise nos autos, mas antes ao prédio dos autores [réus], em especial o urbano, o qual nunca foi colocado em crise pela autora.

Cumpre apreciar e decidir.

O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.

Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.

No caso dos autos, no que respeita à invocada nulidade da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão a final proferida, sendo inegável que o tribunal recorrido desconsiderou no dispositivo e até na fundamentação de direito a factualidade que havia julgado provada quanto à largura da passagem, não cremos que essa postura do tribunal a quo na elaboração da sentença integre a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão.

Do que se trata, em nosso entender, é de um erro de julgamento na subsunção da factualidade provada, erro que se verificou logo na fundamentação de direito, sustentando o tribunal recorrido que a ação procedia integralmente, juízo necessariamente errado, já que a largura da passagem que se julgou provada é variável e situa-se entre oitenta centímetros e um metro e vinte centímetros (factos provados sob os nºs 5, 13 e 14), tanto bastando para que nunca a ação pudesse proceder integralmente, pois que a largura máxima da passagem reconhecida era inferior à largura fixa alegada pela autora.

Não há no caso da sentença recorrida uma consonância dos seus fundamentos de facto e de direito num certo sentido, consonância desfeita pela decisão tomada pelo tribunal recorrido no dispositivo da sentença impugnada, antes os fundamentos de facto e de direito são entre si discrepantes, já que na fundamentação jurídica nenhum relevo se confere à largura variável da passagem em discussão nos autos apurada nos fundamentos de facto e em todo o caso sempre inferior à que a autora alegou e pretendeu ver reconhecida, surgindo o dispositivo em perfeita harmonia com o que se concluiu em sede de fundamentação jurídica.

Conclui-se assim que não ocorre a nulidade da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão, mas sim um erro de julgamento a apreciar em momento ulterior deste acórdão, pois que as questões a apreciar não se definem em função da qualificação jurídica que as partes lhes dão, mas sim em função da qualificação jurídica que o tribunal lhes atribui no exercício da sua autonomia decisória e especialmente em matéria de direito (artigo 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).

Apreciemos agora a nulidade da sentença recorrida por obscuridade.

O primeiro trecho que os recorrentes citam para comprovar esta patologia e que foi extraído da motivação da decisão da matéria de facto, com uma alteração irrelevante[2], não revelam a nosso ver qualquer obscuridade da sentença recorrida, mas antes uma motivação que pode ser criticada, como aliás fazem os recorrentes quer na arguição deste vício, quer posteriormente em sede de impugnação da decisão da matéria de facto.

Ora, não se critica fundamentadamente o que não se entende e no caso os recorrentes percebem o que o tribunal recorrido quis dizer no trecho citado, mas sustentam que a justificação apontada pelo tribunal a quo não é aceitável.

Tanto basta para concluir que não se verifica a nulidade da sentença recorrida por obscuridade em consequência do trecho da motivação da decisão da matéria de facto que os recorrentes citaram.

Vejamos agora se a sentença padece de obscuridade em virtude dos critérios subjacentes ao juízo de facto relativo aos pontos 4, 8 e 16 dos factos provados não serem uniformes, pois que por um lado, o tribunal recorrido entende, num primeiro momento, que a passagem em discussão nestes autos é também o caminho de acesso ao ... existente naquela área da freguesia, retirando deste ponto de facto a menção que constava do artigo 4º da petição inicial de que esse caminho era também o acesso à ... existente naquela área da freguesia, enquanto nos pontos 8 e 16 dos mesmos factos provados[3], que correspondem ao alegado pela autora nos artigos 8 e 17 da petição inicial, se conclui que a mesma passagem permitia aceder quer à ..., quer ao ....

Contudo, os recorrentes olvidam o tempo verbal usados em cada um dos pontos dos factos provados que pode justificar as aparentes dissonâncias entre o ponto 4 dos factos provados e os pontos 8 e 16 dos mesmos factos.

Enquanto no ponto 4 dos factos provados se usa o presente do indicativo, nos pontos 8 e 16 dos mesmos factos usa-se o pretérito perfeito, tempo verbal que se deve usar quando se tem em vista uma ação já concluída[4].

A nosso ver, o tempo verbal usado em cada um dos referidos pontos dos factos provados justifica o diferente alcance objetivo de cada um deles, ao menos, se considerarmos a motivação do tribunal recorrido que os recorrentes criticaram quando invocaram a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão.

Onde existe uma dissonância é entre o ponto 4 dos factos provados e o ponto 15 dos mesmos factos, patologia que, contudo, os recorrentes não suscitaram em sede de nulidade da sentença, mas que sempre terá que ser conhecida em sede de julgamento da impugnação da decisão da matéria de facto, ex vi artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil.

Assim, face ao exposto, também não se verifica a nulidade da sentença recorrida por obscuridade.

Apreciemos agora a nulidade da sentença recorrida por ininteligibilidade.

Os recorrentes imputam esta patologia a um segmento da motivação da decisão da matéria de facto por parte do tribunal recorrido e, apesar de invocarem este vício, não se abstiveram de impugnar a decisão da matéria de facto, não invocando qualquer incapacidade ou impossibilidade de criticar a motivação da decisão recorrida por ininteligibilidade.

Na alínea d) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, o legislador processual civil prevê um regime jurídico próprio sempre que a motivação da decisão da matéria de facto não satisfaça os padrões mínimos de fundamentação e a fim de permitir a sua crítica e impugnação.

Embora se reconheça que o segmento da motivação que os recorrentes destacam não é tão claro e incisivo quanto seria desejável, o certo é que, por um lado, isso não impediu os recorrentes de impugnarem a decisão recorrida e, por outro lado, ainda que de forma imperfeita, percebe-se que com o segmento da motivação em análise o tribunal recorrido pretendia salientar a inocuidade da matéria em causa, atenta a causa de pedir da ação.

Assim, face ao exposto, improcede também esta alegada nulidade da sentença recorrida por ininteligibilidade.

3.2 Da impugnação dos pontos 3 a 18 dos factos provados e das alíneas B) a I) dos factos não provados

Os recorrentes impugnam os pontos 3 a 18 dos factos provados e as alíneas B) a I) dos factos não provados, pretendendo que os pontos 3 a 9 e 11 a 17 sejam julgados não provados, que as alíneas B) a I) dos factos não provados sejam julgadas provadas e que os pontos 10 e 18 dos factos provados passem a ter as redações que propõem[5].

As razões que fundamentam as respostas pretendidas aos pontos 3 dos factos provados e às alíneas B) e C) dos factos não provados são as seguintes:

- as declarações de parte do autor que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- a ausência de prova documental oferecida pela autora relativamente ao tempo anterior a 1996 que suporte as respostas impugnadas, sendo que a única oferecida referente a esse tempo, a certidão da descrição do registo predial relativa ao prédio dos réus contém as confrontações do prédio destes, a sul e poente que confortam a impugnação dos recorrentes;

- a falta de credibilidade do depoimento produzido pela testemunha DD nas passagens que localiza temporalmente na gravação e transcreve e a sua incapacidade para reconhecer as fotografias que lhe foram exibidas, como resulta das passagens da gravação que localizam temporalmente e transcrevem;

- a falta de credibilidade do depoimento produzido pela testemunha EE nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- os documentos nºs 7, 8, 9, 10, 12, 21, 22, 23 e 37 oferecidos pelos recorrentes com a sua contestação, o documento oferecido com o requerimento de 16 de fevereiro de 2023 e o documento oferecido com o requerimento de 08 de fevereiro de 2024;

- o depoimento da testemunha FF nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha EE nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha GG nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha HH nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha II nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha CC nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha JJ nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha KK nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha LL nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha MM nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem;

- o depoimento da testemunha NN nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem.

No que respeita aos factos provados nos pontos 4 a 9 e 11 a 16, os recorrentes afirmam que por serem dependentes do facto provado sob o nº 3, se devem considerar impugnados nos mesmos termos em que este último foi impugnado.

Quanto ao ponto 10 dos factos provados, os recorrentes abonam-se com o documento nº 5 oferecido pela autora com a sua petição inicial e com o documento nº 6 por si oferecido com a contestação.

Relativamente ao ponto 17 dos factos provados os recorrentes alegam a falta de prova do seu conteúdo.

No que toca ao ponto 18 dos factos provados, os recorrentes apoiam a sua impugnação na que deduziram contra o ponto 3 dos factos provados, pretendendo que seja dele extirpada a referência à ocupação de espaço que anteriormente era caminho público.

No que respeita às alíneas D) a G) dos factos não provados, os recorrentes criticam a motivação do tribunal recorrido, enfatizando a sua impertinência e invocam os depoimentos das testemunhas GG, CC e II nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem e as declarações do réu também nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem.

Finalmente, quanto às alíneas H) e I) dos factos não provados, os recorrentes invocam as declarações do réu nas passagens que localizam temporalmente na gravação e transcrevem e os documentos nºs 15 a 20 oferecidos com a contestação.

Os pontos de facto impugnados têm o seguinte teor:

- Ora, no extremo da Rua ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras, existe um caminho público que liga aquela Rua à Travessa..., da mesma freguesia e concelho (ponto 3 dos factos provados);

- Este caminho confina com diversas propriedades ao longo do seu percurso e para além de ligar as referidas ruas ou localidades da freguesia, é também o caminho de acesso ao ... existente naquela área da freguesia (ponto 4 dos factos provados);

- O caminho é em terra batida, varia entre 0,80 cm e 1,20m de largura e um comprimento de 230 metros, encontra-se calcado e trilhado, com o leito bem definido ao lo[n]go do seu percurso (ponto 5 dos factos provados);

- Desde tempos imemoriais que escapam à memória dos vivos, dos seus pais, dos seus avós e anteriores gerações, que o aludido caminho existe e vem sendo livremente utilizado pela comunidade e população da Freguesia ..., que nele passa a pé, com animais, veículos motorizados de duas rodas e pequenos atrelados de tração manual ou animal, com o conhecimento de todos e sem oposição de ninguém (ponto 6 dos factos provados);

- O caminho sempre esteve aberto e acessível a todos que pretendem por ele transitar, dia e noite e sempre (ponto 7 dos factos provados);

- E ao serviço da população da Freguesia que por ele sempre transitou de forma livre, para aceder quer à ..., para ir buscar água e lavar a roupa no tanque ali existente, quer para aceder ao ..., para moer cereais e ao rio para recreio e lazer (ponto 8 dos factos provados);

- A autora no interesse da população e no uso das suas competências de administração dos bens do domínio público, desde sempre o administrou, cuidando e zelando pelo seu leito, designadamente tapando os buracos e cortando a vegetação que ali nasce de forma espontânea (ponto 9 dos factos provados);

- Os réus são donos e possuidores do prédio urbano, sito no Lugar ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras: URBANO – CASA DE HABITAÇÃO, com a área coberta de 70 m2 e logradouro com a área de 229 m2, edificado no descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número .../..., inscrito na matriz sob o artigo ... (ponto 10 dos factos provados);

- Este prédio dos réus confronta com o referido caminho pelo seu lado sul e poente, numa extensão de 45 metros de comprimento (ponto 11 dos factos provados);

- Caminho este que apesar de confrontar com o prédio dos réus sempre esteve devidamente demarcado do mesmo (ponto 12 dos factos provados);

- Sucede que, no mês de maio de 2020, os réus, na zona de confrontação com o caminho, demoliram o muro que delimitava o seu prédio pelo sul e pelo poente relativamente ao caminho e em substituição deste construíram um outro muro em blocos de cimento, deslocado mais para sul e para poente entre 0,80cm e 1,20m assim ocupando a totalidade do leito do caminho numa extensão de 45 metros, interrompendo o seu percurso (ponto 13 dos factos provados);

- Na verdade os réus com aquela construção ocuparam aquele espaço de caminho público, no comprimento de cerca de 45 metros e na largura de entre 0,80cm e 1,20m (ponto 14 dos factos provados);

- Tal impede a população da Freguesia de aceder àquelas vias públicas supra aludidas, à ..., ao ... e ao rio, devido à construção do muro/parede que veda e ocupa o leito do caminho, tendo-se os réus apoderado do seu espaço, fazendo-o seu (ponto 15 dos factos provados);

- Toda a população sempre ali transitou livremente, para a satisfação da sua necessidade de acesso aos diversos lugares, ao ..., à ... e ao rio (ponto 16 dos factos provados);

- Apesar de a autora ter já instado os réus para retirar aquela vedação que colocaram no caminho público, estes nada fizeram (ponto 17 dos factos provados);

- Em data que não se pode precisar, mas depois da interposição da presente ação, os réus e ainda mediante trabalhadores por si contratados, procederam à ampliação do prédio urbano que ali possuem, ocupando com a construção/ampliação do prédio parte substancial do leito do caminho público (ponto 18 dos factos provados);

- O prédio dos réus não confronta com qualquer caminho público, à exceção da Rua ..., de Norte (alínea B) dos factos não provados);

- Inexiste qualquer caminho público que cruzasse ou sequer ladeasse o prédio dos réus, com exceção da já mencionada Rua ..., pelo lado Norte (alínea C) dos factos não provados);

- Sucedeu, apenas, que aquando da realização dessas obras de construção, os réus decidiram construir, ao longo do lado poente e sul do seu mencionado prédio, uma passagem com cerca de 70 cm de largura e cerca de 45 metros de comprimento (alínea D) dos factos não provados);

- Tal decisão foi, aliás, concertada e combinada com o vizinho que confronta de sul com os réus, o Sr. CC, para permitir que, com tal passagem a continuar pelo terreno desse seu vizinho, os réus pudessem ter um acesso mais facilitado à atual Travessa... (alínea E) dos factos não provados);

- O réu marido trabalhava, na altura, na sociedade A... S.A., sediada na zona da ..., da freguesia ..., concelho de Felgueiras, a qual dispunha de um autocarro de transporte para o trabalho para os seus trabalhadores, o qual tinha como ponto de paragem para entrada dos trabalhadores que residiam naquela zona da ..., a Rua ... e o réu marido apanhava, todos os dias da semana, esse autocarro, nesse ponto de paragem (alínea F) dos factos não provados);

- Alguns vizinhos, com a conivência dos réus que assim o autorizavam, consentiam e toleravam, aproveitavam a existência dessa passagem, para, igualmente, beneficiarem desse acesso à referida Travessa... (alínea G) dos factos não provados);

- Perto do início do ano de 2020, os réus começaram-se a aperceber, por um lado, que o muro que ladeava o caminho de passagem se estava a começar a degradar e em perigo de ruir e, por outro lado, que começou a ser frequentado, durante a noite, por desconhecidos que ali ficavam e incomodavam o descanso e sossego dos réus durante esse período, embora instados pelos réus a saírem do local (alínea H) dos factos não provados);

- Desde abril de 2018, que o réu marido deixou de trabalhar na referida sociedade A... (alínea I) dos factos não provados).

O tribunal recorrido motivou os pontos de facto impugnados da forma que segue:

Os factos 1), 2) e 10) resultaram provados em face da posição das partes assumidas nos respetivos articulados, em conjugação com os documentos 5 e 6 juntos com a petição inicial.

Os factos 17) e 18) resultaram provados em face da posição dos réus que não negam a recusa em retirar a vedação que colocaram no caminho, nem tampouco a existência da obra de ampliação efetuada, pois a sua posição assenta na tese que aquele espaço lhes pertence e que fizeram a construção com prévia autorização camarária, pelo que não têm que proceder a qualquer demolição.

Quanto aos demais factos que se deram como provados, sob os pontos 3) a 9) e 11) a 16) e como não provados sob os pontos A) a N), respeitam os mesmos ao cerne do litígio, pois a questão central que se colocou ao Tribunal foi a de saber se entre a extremidade da Rua ... e a Travessa... existia qualquer caminho, se o mesmo era público ou privado dos réus e, em caso afirmativo apurar as respetivas caraterísticas.

A prova de tais factos resultou da conjugação dos vários meios de prova produzidos, nomeadamente a prova testemunhal e a verificação não judicial qualificada, meios de prova que além do mais encontram corroboração pelas regras da normalidade, sendo que a tese dos réus resultou não provada, não só por ausência de prova dos factos alegados, mas sobretudo, por ser infirmada pelas regras da normalidade.

Em primeiro lugar cumpre referir que a tese dos réus - estribada na existência de um acordo com o vizinho Sr. CC para deixarem um caminho no local aqui em questão, apenas para os respetivos usos privados, nomeadamente para o réu AA aceder mais facilmente ao autocarro que parava na Rua ... e para o Sr. CC também ter melhor acesso ao outro lado da via pública, não mereceu acolhimento do Tribunal, desde logo porque o referido acordo não foi corroborado por prova testemunhal credível, sendo apenas referido pelo réu e pelo Sr. CC, ambos claramente interessados nessa versão que, a ser procedente, lhes aumentaria as áreas dos respetivos terrenos.

Acresce que tal versão é frontalmente contrariada pela postura dos próprios ao longo dos anos e pelas regras da normalidade.

Desde logo por não fazer qualquer sentido, atendendo ao valor que as pessoas atribuem aos terrenos e aos respetivos limites, considerando os problemas de vizinhança que existem relacionados com os limites dos terrenos, sobretudo nesta zona norte do país, que tais pessoas necessitassem de deixar o indicado caminho, fora dos limites das respetivas propriedades, para permitirem a passagem recíproca, pois que lhes bastaria permitirem a passagem pelo interior dos respetivos terrenos.

Menos sentido faz que tais pessoas, sobretudo o sr. CC, murasse a sua propriedade e colocasse mesmos grades nesse muro, junto ao indicado caminho e deixasse de fora do seu terreno uma parcela de terreno com cerca de 80 cm de largura e vários metros de cumprimento (como se alcança das fotografias 4 a 6 da 2.ª da verificação não judicial qualificada), assim esbajando terreno que era seu.

Sendo que não faz ainda qualquer sentido as afirmações da testemunha Sr. CC a dizer que deixou essa faixa para ali caírem as águas pluviais (um género de estilicídio), pois que para isso lhe bastava afastar-se 20/30 cm do vizinho, como é o normal.

Mas ainda que assim fosse, porque motivo é que o réu e mesmo o Sr. CC não colocariam um mero portão nas extremidades do indicado caminho, impedindo dessa forma que populares o utilizassem indevidamente, trocando chaves entre si para que apenas os próprios usassem o caminho que lhes pertencia? Não faz qualquer sentido a tese dos réus confirmada pela testemunha Sr. CC.

Em suma, a tese do réu de que quando combinou a passagem com o Sr. CC fez a passagem, construiu um pequeno muro a delimitar o seu terreno do indicado caminho não faz qualquer sentido face às regras da normalidade, pois não se concebe que o réu fizesse um muro a delimitar o seu terreno, gastasse dinheiro em obras, diminuindo a área do seu terreno e construísse um caminho fora dos limites do seu muro, seja porque, como dissemos, a propriedade é muito defendida pela generalidade das pessoas, as quais são muito ciosas daquilo que é seu, seja porque o normal seria fazer a passagem na parte interior do muro e não na exterior, desde logo para que não existissem dúvidas que o terreno do caminho era seu (uma vez que estaria aquém do muro), mas também porque não gastava dinheiro a fazer um muro, aproveitando os limites já existentes. Além de que, dessa forma, impediria que terceiros o usassem indevidamente.

Mas também o comportamento do réu, desde que comprou há cerca de 30 anos o terreno, é demonstrativo de que o caminho em causa nunca foi sua propriedade, mas antes era do domínio público, pois que de outra forma não se compreende porque motivo é que o réu desde o ano de 1996 teria murado o seu terreno, deixando no exterior o referido caminho, pelo qual sempre passaram populares (ainda que na sua tese com a sua autorização) e apenas em 2020 é que viesse a tapar o acesso ao caminho, junto à ligação do terreno do Sr. CC, pois que não foi crível a tese que deixou de necessitar de apanhar o autocarro e que o caminho era frequentado por «drogados» (sic). Além de que, se fosse verdade, a existência do referido acordo, porque motivo o Sr. CC não fechou também ele a parte do caminho existente no seu terreno? Não faz qualquer sentido.

Não obstante o que acabou de se referir, importa salientar que a prova testemunhal produzida em audiência veio corroborar a tese de que o caminho em causa era público e não particular, pois da conjugação dos vários depoimentos resultou que esse caminho sempre existiu naquele local e sempre foi usado por populares para acederem aos ..., ao rio e à ... (sendo que nesta parte se deu prevalência à prova testemunhal em detrimento inspeção não judicial qualificada quanto ao não acesso a qualquer fonte, o que resultou do facto da verificação não judicial se reportar à atualidade enquanto que as testemunhas se reportaram aos tempos antigos, o que encontram ainda corroboração nas fotografias juntas pela autora que atestam a existência do alegado fontanário).

Vejamos.

A testemunha DD, residente no lugar em crise desde 1973, prestou declarações de forma calma, serena e desinteressada, além do mais por se dar bem com os réus, os quais até são familiares da sua esposa, tendo mesmo assumindo que não passa no caminho em questão há cerca de 20 anos, mas garantiu que conhecia o referido caminho como a palma das suas mãos e que o mesmo sempre ali existiu, mesmo antes do réu ali construir a sua casa e que sempre foi usado pelos populares, até ao momento em que foi obstruído pelo réu.

Também a testemunha LL, cunhado do réu AA, com quem não fala desde 2020, mas apenas por ter assinado uma petição a dizer que o caminho era público, apresentou uma postura calma, serena, isenta, sem qualquer indício de querer prejudicar os réus. Acresce que esta testemunha nasceu e sempre viveu a cerca de 500 metros do local em questão e garantiu ao Tribunal que o caminho sempre ali existiu e servia de acesso ao ... e fontanário, sendo que o mesmo atingia a Rua ... e a Travessa..., passando nas traseiras do muro do réu.

A indicada testemunha assumiu ainda especial relevância por ter sido o próprio quem construiu o muro no limite da propriedade do cunhado, há pelo menos 20 anos, garantindo ao Tribunal que o cunhado já nessa altura deixou, além e fora do muro, cerca de 90 cm de largura para respeitar o caminho. Mais garantiu que nessa altura inexistia qualquer acordo do cunhado com o Sr. CC e que nunca as pessoas do lugar pediram qualquer autorização para passarem no caminho.

E a testemunha MM, residente no local, não obstante não se relacionar com o réu, mas apenas desde que o mesmo tapou o caminho, garantiu ao Tribunal que ainda criança já ali passava com o seu avô, tratando-se de um «carreiro que usavam para ir à missa ou à mercearia», precisando que o caminho ligava os ... (o que bem sabia por o pai ser moleiro) até ao ..., passando pelas traseiras do terreno dos réus. Garantiu, também, nunca ter pedido qualquer autorização para ali passar. E esclareceu que o muro do Sr. CC – pag. 5 da inspeção não judicial qualificada - já se encontra construído há mais de 30 anos e sempre respeitou o caminho.

Mais esclareceu que também já nessa altura o presidente da junta, à data, alertava os populares para respeitarem aquele caminho e que o mesmo sempre foi limpo, inicialmente pelo Regedor, depois pela Câmara e por fim pela Junta.

Aliás, mais garantiu que já a sua avó usava o referido caminho para ir missa (testemunho relevante sobretudo para a fixação do facto provado 6).

Por fim, garantiu que o réu AA, quando fez a sua casa delimitou toda a propriedade com redes e muro, tendo respeitado o caminho.

E a testemunha EE, pessoa simples, sincera e honesta, com um discurso simples, claro e preciso, assumiu dar-se mal com o réu apenas devido à questão do caminho (quando ele o tapou mais ou menos há 3 anos), com especial conhecimento por morar na mesma rua do caminho, sendo a pessoa que primeiro foi habitar naquela zona, juntamente com um tal de sr. LL. Assim, garantiu ao Tribunal a existência do caminho, desde o tempo da sua avó, que conhecia como as suas mãos, o qual usava para visitar a avó que vivia do outro lado, o qual sempre foi usado pela população, por ser público, sem que pedisse autorização a quem quer que fosse. Garantiu também que quando o réu construiu a sua casa o caminho já existia, o qual foi respeitado pelo réu que construiu o muro nesse limite. Por fim afiançou as caraterísticas do caminho que bem conhecia por muitas vezes o ter limpo, sendo que a Junta também procedia à sua limpeza.

No mesmo sentido das anteriores testemunhas – existência do caminho com a araterística alegadas na petição inicial e atos de limpeza pela Junta de Freguesia - foram os depoimentos da testemunha OO e PP, os quais também se mostraram credíveis, face à postura assumida e discurso escorreito, pelo que, por desnecessidade, nos dispensamos de resumir os seus depoimentos.

Por fim a testemunha KK, antigo proprietário do terreno que vendeu o terreno ao réu AA, assumiu extrema relevância por ter garantido que quando ele próprio comprou o terreno em causa foi informado que tinha que deixar, na extremidade, um caminho com cerca de 90 cm, o que sempre respeitou. Mais garantiu que quando vendeu ao réu o terreno, em 1994, também lhe deu essa mesma informação.

Donde, resulta da conjugação de todos os indicados testemunhos acabados de referir uma exata e total corroboração de que o caminho em crise, sempre existiu, o mesmo era usado por toda a população, sem necessidade de qualquer autorização dos réus, o mesmo tinha as caraterísticas descritas na pi, era limpo normalmente pela Junta de Freguesia e a evidência que o réu sempre o respeitou ao longo de mais de 20 anos, só o não fazendo desde há 2 ou 3 anos a esta parte.

Não obstante, não podemos deixar de referir o resultado da verificação não judicial qualificada, na qual apesar de se precisar que atualmente não é possível verificar a existência do caminho na Rua ..., também atesta que ali foi construída uma parte de muro em material diferente da restante, com cerca de 1,50m, sendo que em frente ao imóvel ali edificado foi constatada a existência de um caminho que varia entre os 0,80 cm e 1,20m de largura, o qual, apesar de intransitável, vai desembocar num ..., o que vai de encontro ao que todas as indicadas testemunhas referiram. E do lado extremo da Travessa... apurou a existência de um caminho, delimitado por dois muros, com cerca de 22,50 m de comprimento e 0,80 de largura que aparenta ter continuidade pelo lado sul do prédio dos réus. Donde, a verificação não judicial qualificada corrobora na íntegra (com exceção da alusão à ...) a versão das indicadas testemunhas.

Assim, a inspeção não judicial qualificada foi essencial, além do mais, para se determinar as caraterísticas do caminho, nomeadamente a largura do mesmo entre 0,80cm e 1,20m, pelo que a alegada largura de 1,50m foi considerada não provada, uma vez que a mesma apenas se constatou na construção do muro de material diferente, nos termos acabados de referir. Além que aquelas dimensões do caminho (0,80cm a 1,20m) que se deram como provadas são compatíveis com a prova testemunhal.

No que concerne às testemunhas arroladas pelos réus cumpre precisar que não mereceram credibilidade do Tribunal por se tratarem de testemunhos claramente parciais, interessados, seja por ser notória uma ligação aos réus, como sucede com HH, pai do genro dos réus, o qual se apresentou nervoso e sempre tentando qualificar a passagem das pessoas pelo caminho como sendo ilegal ou do filho II, genro dos réus, cuja tese foi idêntica à apresentada pelo réu, a qual é, todavia, contrariada nos termos suprarreferidos.

O mesmo se diga quanto ao testemunho de CC, o qual não foi acolhido não só por ser interessado em que o caminho passasse a privado, o que aumentaria a área do seu terreno, sendo que o seu comportamento ao longo dos anos é contrário ao do normal proprietário quanto à faixa além do muro delimitador da sua propriedade, não se percebendo, inclusive, porque não fecharia o acesso ao caminho, se fosse seu, quando o mesmo deixou de ser usado por si e pelo réu AA, o que seria normal e expectável, se efetivamente aquela faixa de terreno fosse sua.

Já os depoimentos das testemunhas GG e FF (indicada pela autora), não foram considerados por se tratarem de testemunhos confusos, com uma postura nervosa, com uma vontade de tentarem justificar o comportamento dos réus, aparentando um discurso automatizado e não autêntico.

Diversamente a testemunha JJ, apesar de se mostrar calma, serena e sem denotar qualquer tentativa de favorecer qualquer das partes, o certo é que o seu conhecimento se limitou ao facto de ter sido a responsável pela empresa que tratou do licenciamento da construção no prédio dos réus e de ter ordenado a realização de levantamentos topográficos no local, no qual não se encontrava mencionado qualquer caminho. Assim, quer porque não foi a própria quem efetuou os levantamentos topográficos, quer porque em tais documentos, normalmente, se faz constar o que as partes indicam, o seu testemunho e os documentos juntos com a contestação não foram suficientes para colocar em crise a valoração atribuída aos meios de prova suprarreferidos.

Aliás, quanto aos documentos juntos com a contestação, em especial os documentos 7 a 13, não é possível retirar as ilações que os réus pretendem, nomeadamente a inexistência do caminho em crise nos autos, seja porque das fotografias juntas não ser visível qualquer muro que impedisse o acesso ao caminho, seja por dos levantamentos fotográficos não se poder extrair a conclusão que a falta de referência a um caminho tal signifique que o mesmo inexista.

E a restante documentação junta pelos réus, nomeadamente fotografias juntas ou declaração da Câmara Municipal, não é possível extrair elementos suficientes que permitam colocar em crise os factos que se deram como provados, com base nos meios de prova indicados, resultando de algumas delas, precisamente o contrário, nomeadamente a foto 24 onde é visível a marca no cimento do lugar onde estaria implantado o caminho. Com efeito a prova testemunhal que supra indicamos mereceu absoluta credibilidade do Tribunal, não sendo por isso colocada em crise pelos documentos juntos com a contestação.

Assim, tudo conjugado, atenta a posição das partes nos respetivos articulados, os documentos juntos, a prova testemunhal e a fundamentação acabada de referir, não temos dúvidas que a parcela de terreno em crise nos autos sempre foi um caminho utilizado por toda a população de ... e nunca a mesma foi parte integrante do prédio dos réus, assim se dando como provados os factos 3) a 9) e 11) a 16).

Acresce que os réus não provaram qualquer ato de posse sobre a referida parcela do caminho, pelo que a totalidade dos factos por si alegados foram reconduzidos aos factos não provados, em especial os atinentes a um outro suposto caminho, o qual, além do mais não se mostrava essencial ao apuramento dos factos, atendendo à causa de pedir alegada pela autora.

Assim, cumpre precisar que os atos de posse alegados pelos réus que não foram levados aos factos provados nem aos factos não provados não tinham relevância para o dissídio dos autos, atenta a causa de pedir alegada pela autora, pois que os mesmos não se reportavam à parcela em crise nos autos, mas antes ao prédio dos autores, em especial o urbano, o qual nunca foi colocado em crise pela autora.

Assim, quanto aos factos que se deram como não provados sob os pontos A) a N) foram os mesmos assim considerados seja por não se ter feito prova segura da sua verificação, seja por os mesmos terem sido infirmados pela prova documental e testemunhal como melhor se referiu sobre os factos provados.

Cumpre apreciar e decidir.

A impugnação da decisão da matéria de facto sujeita o impugnante a variados ónus processuais que, em caso de inobservância, implicam a rejeição dessa pretensão na parte em que se verifique a não satisfação desses ónus.

Assim, em primeiro lugar, o impugnante deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto impugnados (artigo 640º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil), especificação que também deve ser feita nas conclusões das alegações de recurso já que se trata de elementos conformadores do objeto do recurso[6].

Em segundo lugar, o recorrente deve indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sustentem a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto (artigo 640º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil), especificação que não tem de constar das conclusões do recurso[7].

Em terceiro lugar, o impugnante deve especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigo 640º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil), especificação que dominantemente se tem entendido não ter que constar das conclusões das alegações[8].

Em quarto lugar, fundando-se a impugnação da decisão da matéria de facto em meios de prova que hajam sido gravados, o recorrente deve, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte em que se verifique a inobservância do ónus, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artigo 640º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil).

No caso dos autos, conclui-se com segurança que os recorrentes observam suficientemente os ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto.

Não obstante a observância dos ónus que decorrem do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, pode ainda assim não se justificar o conhecimento, no todo ou em parte, da impugnação requerida.

É que a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelos recorrentes, mas antes e apenas um meio dos recorrentes poderem reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhes é desfavorável e que pretendem ver reapreciada de modo a que a realidade factual por eles sustentada seja acolhida judicialmente. Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável aos recorrentes, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, já que é proibida a prática no processo de atos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil).

No caso em análise, com exceção da matéria vertida no ponto 10 dos factos provados, a factualidade não provada que os recorrentes impugnaram integra matéria de contraprova relevante para a não prova dos factos constitutivos do direito acionado pela autora (artigo 346º do Código Civil).

Porém, a “utilidade” processual dessa matéria de facto esgota-se nessa função probatória negativa, já que os recorrentes não formularam qualquer pretensão autónoma, por via de exceção ou de reconvenção, contra a autora e que se firme nessa factualidade.

Por isso, excluir-se-á da factualidade não provada a matéria vertida nas alíneas B) a I), por ser juridicamente irrelevante à luz do objeto do processo que se cinge às pretensões da autora e à causa de pedir que lhe serve de base.

O ponto 10 dos factos provados, na parte impugnada, ou seja, a área do prédio dos réus, é matéria de todo inócua para a sorte do litígio, não se conhecendo com este fundamento da impugnação dos recorrentes neste segmento.

Procedeu-se ao exame da prova documental pertinente para o conhecimento da impugnação e tendo em atenção as diversas soluções plausíveis das questões decidendas[9], de que se destacam o documento nº 1 oferecido pela autora com a petição inicial[10], o documento nº 2 oferecido pela autora com a petição inicial[11], o documento nº 3 oferecido pela autora com a petição inicial[12], o documento nº 4 oferecido pela autora com a petição inicial[13], o documento nº 5 oferecido pela autora com a petição inicial[14], cópia de certidão matricial emitida pelo Serviço de Finanças de Felgueiras[15], cópias de duas fotografias oferecidas pela autora como documento nº 7 com a petição inicial[16], cópias de duas fotografias aéreas oferecidas pela autora como documentos nºs 8 e 9 com a petição inicial[17], documento nº 3 oferecido pelos réus com a sua contestação[18], documento nº 6 oferecido pelos réus com a sua contestação[19], documento nº 7 oferecido pelos réus com a sua contestação[20], documento nº 8 oferecido pelos réus com a sua contestação[21], documento nº 9 oferecido pelos réus com a sua contestação[22], documento nº 10 oferecido pelos réus com a sua contestação[23], documento nº 11 oferecido pelos réus com a sua contestação[24], documento nº 12 oferecido pelos réus com a sua contestação[25], documento nº 13 oferecido pelos réus com a sua contestação[26], documento nº 14 oferecido pelos réus com a sua contestação[27], documentos nºs 15, 16, 17, 18, 19 e 20 oferecidos pelos réus com a sua contestação [28], documento nº 21 oferecido pelos réus com a sua contestação[29], documento nº 22 oferecido pelos réus com a sua contestação[30], documento nº 23 oferecido pelos réus com a sua contestação[31], documento nº 24 oferecido pelos réus com a sua contestação[32], documento nº 25 oferecido pelos réus com a sua contestação[33], documento nº 26 oferecido pelos réus com a sua contestação[34], levantamento topográfico oferecido com o requerimento de 16 de fevereiro de 2023[35] e o documento oferecido com o requerimento de 08 de fevereiro de 2024[36].

Analisou-se o relatório da verificação não judicial qualificada e datado de 11 de dezembro de 2023, ilustrado com fotografias legendadas que retratam o trajeto da passagem em discussão nestes autos desde a Rua ... até à Travessa...[37].

Procedeu-se à audição da prova pessoal produzida em duas sessões da audiência final[38].

Enquanto o réu AA e as testemunhas por si arroladas e ouvidas em audiência final, especialmente a testemunha CC, depuseram no sentido de confirmar, no essencial, a versão dos factos trazida a juízo pelos réus, as testemunhas oferecidas pela autora depuseram em sentido oposto, sustentando, também no essencial, a versão dos factos introduzida em juízo pela autora.

A descrição do conteúdo dos depoimentos produzidos na audiência final feita pelo tribunal recorrido na sua motivação retrata fielmente o essencial dos mesmos, apenas havendo que corrigir um lapso na identificação de uma das testemunhas que não se chama FF, mas sim FF.

A nosso ver, a documentação a que os recorrentes se arrimam para colocar em dúvida a prova pessoal oferecida pela autora não tem essa virtualidade.

Assim, as confrontações exaradas na descrição predial do imóvel dos réus não têm qualquer aptidão para demonstrar que antes de 1996 este prédio não confinava dos lados poente e sul com uma passagem.

Na verdade, a presunção iuris tantum emergente do artigo 7º do Código do Registo Predial, como é jurisprudencialmente referido de modo quase unânime, não abarca a composição e as confrontações da descrição predial, cingindo-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados[39].

E bem se compreende o alcance limitado de tal presunção, na medida em que aqueles elementos da descrição, não são percecionados pelo Sr. Conservador do Registo Predial que procede ao registo, antes derivam de declarações dos interessados, ainda que documentadas, mas sem a garantia de fiabilidade dos documentos que titulam a realização dos negócios com eficácia real, por falta da intervenção de uma entidade certificadora e dotada de fé pública na recolha e perceção dos dados de factos que vão instruir as declarações dos interessados.

Por isso, o que consta da descrição do registo predial quanto à área, composição e confrontações da fração autónoma de que os réus se afirmam donos, não está abrangido pela presunção legal vertida no artigo 7º do Código do Registo Predial.

Os documentos 7 e 9 oferecidos pelos réus com a contestação falam por si, isto é, demonstram a sua total inaptidão para provar o que quer que seja dada a falta de qualidade das fotografias em causa.

O documento nº 8 oferecido pelos réus com a contestação, apesar da sua falta de qualidade, permite percecionar a existência de um caminho depois do termo da zona terraplenada, desconhecendo-se, contudo, que caminho é esse.

O documento nº 10 oferecido pelos réus com a contestação, como já antes se referiu, é um levantamento topográfico com escassa legendagem e, a circunstância de alegadamente não figurar nele a representação de um caminho público a confrontar com os prédios dos réus, não constitui suficiente garantia de que assim não suceda. Como esclareceu a testemunha JJ, titular do gabinete de arquitetura que elaborou esse levantamento topográfico, a pessoa que fez esse trabalho não conhecia o local, pelo que necessariamente dependeu das indicações que lhe foram transmitidas pelos réus, sendo assim nulo o relevo probatório deste documento quanto à não confrontação do prédio dos réus com um caminho público.

O documento nº 12 oferecido pelos réus com a contestação não tem a aptidão probatória que os recorrentes lhe emprestam, sendo compatível com qualquer das versões em disputa nos autos.

No entanto, a implantação de um poste de suporte de cabos de condução de energia elétrica junto ao muro alto e na faixa situada entre esse muro e as fundações também visíveis na mesma fotografia, corrobora mais a versão da autora do que a versão dos réus.

Os documentos nºs 21 e 22 oferecidos pelos réus com a contestação corroboram a versão da autora no que respeita à existência da passagem, tanto por retratar o fechamento da zona que a autora alegou constituir o início da passagem como por em função desse fechamento ter ficado no interior do “quintal” dos réus, um poste de suporte de cabos de condução de energia elétrica, provido de iluminação pública, como esclareceu a testemunha LL.

O documento nº 23 oferecido pelos réus com a contestação nada comprova que possa suscitar fundadas dúvidas sobre a credibilidade das provas oferecidas e produzidas pela autora.

O documento nº 37 oferecido pelos réus com a contestação é um documento confecionado à medida da versão dos réus, mas isso não significa que tenha força probatória suficiente para tornar duvidosa a prova oferecida pela autora.

A certificação da Câmara Municipal ... é feita com base nos elementos fornecidos pelo réu e pelos disponíveis no Município.

Ora, no caso dos autos, o que se discute e uma situação de facto prolongada no tempo e que, enquanto não for objeto de reconhecimento judicial, não deixa qualquer rasto documental.

Deste modo conclui-se que o documento 37 oferecido pelos réus em 19 de agosto de 2022 não tem força probatória bastante para tornar duvidosa a prova oferecida pela autora.

O documento oferecido pelos réus com o requerimento de 16 de fevereiro de 2023, à semelhança do documento nº 10 oferecido pelos réus com a sua contestação, é um levantamento topográfico com escassa legendagem e em que alegadamente estará representado um caminho de livre acesso ao público em geral que ligava a Rua ... à Travessa....

Recorrendo às Convenções Gráficas das Plantas e Secções Cadastrais não encontramos neste documento qualquer representação de um caminho público.

Ao longo da audiência final, algumas das testemunhas foram confrontadas com este documento e terão indicado onde estaria representado o alegado caminho público.

Porém, a simples gravação da audiência, não permite ajuizar criticamente essas indicações.

Assim se conclui que o documento oferecido pelos réus com o seu requerimento de 16 de fevereiro de 2023 nada prova de útil para estes autos e, especialmente, nenhuma eficácia probatória tem para infirmar a prova produzida pela autora.

Finalmente, o documento oferecido pelos réus em 08 de fevereiro de 2024, pelo simples facto de descrever a Rua ... e a Travessa..., como vias sem saída, não tem a virtualidade de afastar ou suscitar dúvidas sobre a possibilidade da existência de uma passagem como aquela que a recorrida pretende ver reconhecida nestes autos.

Na realidade, esta passagem, pelas suas exíguas dimensões, não constitui uma qualquer saída de tais vias, mas antes uma ligação expedita das duas.

Pelo exposto, conclui-se que também este documento oferecido pelos réus não tem força probatória bastante para tornar duvidosa a factualidade provada pela autora.

Nos casos, frequentes na prática judicial, em que os resultados da prova são contraditórios, como sucede precisamente no caso em apreço, a fim de que o julgamento da matéria de facto não se converta num aleatório exercício irracional de adivinhação, muitas vezes com uma errada compreensão do princípio da livre apreciação das provas que o identifica com uma incontrolável e infundamentada íntima convicção[40], em que o “feeling” ou uma espécie de xamanismo judicial substitui as razões auto e heteroconvincentes, importa sobretudo que a prova pessoal seja corroborada por elementos dela independentes e não falsificáveis. Deste modo se poderá afirmar que o tribunal formou uma prudente convicção quanto à realidade dos diversos factos controvertidos porque fundamentada racionalmente, raciocínio expresso e passível de reprodução e comunicação (veja-se o artigo 655º, nº 1, do anterior Código de Processo Civil e, atualmente, a primeira parte do nº 5, do artigo 607º do Código de Processo Civil).

No caso dos autos, a nosso ver, abundam os dados objetivos que confortam, no essencial, a posição da autora em detrimento da dos réus.

O primeiro elemento objetivo a destacar é que foi evidenciado pela verificação não judicial qualificada de 11 de dezembro de 2023 e documentada fotograficamente e que é a existência de sinais claros da existência de uma passagem que permitia a ligação do termo da Rua ... ao extremo da Travessa....

Dir-se-á, em contraponto, que este sinal objetivo não é por si decisivo, pois é compatível com ambas as versões em disputa nestes autos.

Contudo, não cremos que assim seja, já que, como bem se evidencia na fotografia nº 7 da verificação não judicial qualificada, se essa passagem tivesse sido aberta por acordo dos réus com CC, aqueles para que o réu tivesse acesso mais expedito à Travessa... e este último para mais rapidamente aceder à Rua ..., cedendo cada um deles a parcela de terreno necessária à constituição da passagem para satisfação dessas necessidades, em condições de normalidade, teriam cuidado de se assegurar que o acesso a essa passagem era a eles restrito ou a quem permitissem, vedando fisicamente o acesso à referida passagem com cancelas e, eventualmente, colocando um dístico alertando para a natureza particular da passagem em questão.

Ao contrário do que é aventado pelos recorrentes, o fecho da passagem era viável, mesmo na zona situada junto ao termo da Rua ..., pois sempre seria possível a colocação de um pilar na extremidade do terreno alegadamente dos réus para sustentar uma cancela ou para lhe servir de batente.

Em segundo lugar, objetivamente, não se entende que a constituição de passagem para satisfação de necessidades transitórias do réu e da testemunha CC fosse compatível com a construção de um murete enfeitado com um gradeamento, como é evidenciado pela já mencionada fotografia nº 7 da verificação não judicial qualificada e que aponta claramente para uma delimitação definitiva daquele lado do prédio da testemunha QQ, delimitação definitiva que também é evidenciada pela circunstância, deste, ao contrário dos réus, não ter vedado a passagem que se inicia na frente da sua moradia.

As outras razões avançadas pela testemunha QQ para justificar a existência daquele espaço entre o seu prédio e o do vizinho não têm qualquer plausibilidade.

Se bem se atentar na fotografia nº 5 da verificação não judicial qualificada, constata-se que a construção existente no prédio fronteiro ao prédio da testemunha QQ se acha provida de caleiras nos beirais e necessariamente afastadas do muro divisório, já que tem uma janela ou uma porta viradas para o referido muro divisório (vê-se a parte superior de uma cantaria que pode ser de uma janela ou de uma porta), pelo que as únicas águas pluviais que podem escorrer para a referida passagem são as que escorram do muro divisório situado defronte do muro do jardim da testemunha QQ e aquelas que o vento eventualmente para aí conduza.

Finalmente, um elemento objetivo decisivo resulta de o poste de suporte de cabos condutores de energia elétrica que antes do fechamento da passagem pelos réus em 2020 se situava no exterior do muro, encostado a este, ter passado a ficar cerca de um metro e meio dentro do prédio dos réus e com a singularidade de esse poste estar provido de iluminação pública, como resultou do depoimento da testemunha LL.

Assim, ponderada toda a prova pessoal, documental e a verificação não judicial qualificada produzida nestes autos, a convicção probatória deste tribunal da Relação converge com a convicção do tribunal a quo no que respeita aos pontos 3, 4 a 9 e 11 a 14, 16 e 18 dos factos provados, pelo que no que respeita estes pontos de facto improcede a impugnação.

No entanto, isso não significa que todos os pontos de factos se mantenham intocados, já que o tribunal da Relação deve zelar, além do mais, por que seja extirpada matéria de direito dos fundamentos de facto.

Assim, nos pontos 3, 14 e 18 dos factos provados, deve retirar-se a qualificação de “público” ao caminho por se tratar de matéria de direito que se integra no núcleo central da causa de pedir e também nas alíneas J), K) e L) dos factos não provados se deve proceder do mesmo modo.

Apreciemos agora a impugnação do ponto 17 dos factos provados que tem o seguinte conteúdo:

- Apesar de a autora ter já instado os réus para retirar aquela vedação que colocaram no caminho público, estes nada fizeram.

O tribunal recorrido julgou provado este ponto de facto com a seguinte motivação:

- “Os factos 17) e 18) resultaram provados em face da posição dos réus que não negam a recusa em retirar a vedação que colocaram no caminho, nem tampouco a existência da obra de ampliação efetuada, pois a sua posição assenta na tese que aquele espaço lhes pertence e que fizeram a construção com prévia autorização camarária, pelo que não têm que proceder a qualquer demolição.

Ouvida toda a prova pessoal produzida em audiência final e analisada criticamente a prova documental junto aos autos, não foi produzida qualquer prova de que a autora tenha interpelado os réus para retirar a obra que colocaram no caminho, obstando a que pudesse ser usado.

A nosso ver, a circunstância de os réus recusarem levantar as obras que fizeram de modo a ocupar a passagem e a afirmação de que esse espaço lhes pertence e que as referidas obras foram licenciadas, não significa que hajam sido interpelados para autora para proceder a esse levantamento.

Assim, no contexto probatório que se acaba de enunciar, deve o ponto 17 dos factos provados passar para a factualidade não provada, extirpando-se do mesmo a qualificação do caminho como “público”.

Em momento anterior deste relato deu-se nota de que existe uma dissonância entre o ponto 4 dos factos provados e o ponto 15 dos mesmos factos, pois que o tribunal recorrido respondeu restritivamente ao ponto 4 dos factos provados que corresponde ao artigo 4º da petição inicial e não fez igual restrição ao ponto 15 dos factos provados que corresponde ao artigo 16º da petição inicial.

O tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, remover eventuais contradições na matéria de facto desde que tenha ao seu dispor todos os elementos probatórios e, na eventualidade de assim não suceder, deve anular a decisão recorrida a fim de que seja removida a assinalada contradição (veja-se o artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil).

Quer no ponto 4 dos factos provados, quer no ponto 15 dos mesmos factos, dá-se conta da situação atual e na verificação não judicial qualificada afirma-se expressamente que o “dito caminho não dá acesso direto a nenhuma ..., conforme é possível verificar-se pelas fotografias 7 e 8” e que o “acesso á dita ... poderá ser feito por diversas estradas.”

Neste contexto probatório, com base nas conclusões da verificação não judicial qualificada, a fim de que os pontos 4 e 15 dos factos provados se harmonizem entre si, deve o ponto 15 dos factos provados passar a ter a seguinte redação:

- Tal impede a população da Freguesia de aceder àquelas vias públicas supra aludidas, ao ... e ao rio, devido à construção do muro/parede que veda e ocupa o leito do caminho, tendo-se os réus apoderado do seu espaço, fazendo-o seu.

Por outro lado, deve passar para os factos não provados:

- que o caminho em discussão nestes autos dá acesso direto à ...;

- que a conduta dos réus descrita nos pontos 13 e 14 dos factos provados impeça o acesso direto à ....

Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto nos termos que se enunciaram e altera-se a mesma oficiosamente nos pontos anteriormente assinalados.

3.3 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida com as alterações decorrentes da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto e bem assim com as alterações oficiosamente introduzidas por este tribunal

3.3.1 Factos provados


3.3.1.1

A autora é uma Autarquia Local, a quem assiste a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações.

3.3.1.2

No âmbito das suas competências encontra-se, além do mais, a defesa e gestão do património ou bens do domínio público, designadamente caminhos vicinais e outros que integram a rede viária da Freguesia.

3.3.1.3

Ora, no extremo da Rua ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras, existe um caminho que liga aquela Rua à Travessa..., da mesma freguesia e concelho.

3.3.1.4

Este caminho confina com diversas propriedades ao longo do seu percurso e para além de ligar as referidas ruas ou localidades da freguesia, é também o caminho de acesso ao ... existente naquela área da freguesia.

3.3.1.5

O caminho é em terra batida, varia entre 0,80m[[41]] e 1,20m de largura e um comprimento de 230 metros, encontra-se calcado e trilhado, com o leito bem definido ao longo[[42]] do seu percurso.

3.3.1.6

Desde tempos imemoriais que escapam à memória dos vivos, dos seus pais, dos seus avós e anteriores gerações, que o aludido caminho existe e vem sendo livremente utilizado pela comunidade e população da Freguesia ..., que nele passa a pé, com animais, veículos motorizados de duas rodas e pequenos atrelados de tração manual ou animal, com o conhecimento de todos e sem oposição de ninguém.

3.3.1.7

O caminho sempre esteve aberto e acessível a todos que pretendem por ele transitar, dia e noite e sempre.

3.3.1.8

E ao serviço da população da Freguesia que por ele sempre transitou de forma livre, para aceder quer à ..., para ir buscar água e lavar a roupa no tanque ali existente, quer para aceder ao ..., para moer cereais e ao rio para recreio e lazer.

3.3.1.9

A autora no interesse da população e no uso das suas competências de administração dos bens do domínio público, desde sempre o administrou, cuidando e zelando pelo seu leito, designadamente tapando os buracos e cortando a vegetação que ali nasce de forma espontânea.

3.3.1.10

Os réus são donos e possuidores do prédio urbano, sito no Lugar ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras: URBANO – CASA DE HABITAÇÃO, com a área coberta de 70 m2 e logradouro com a área de 229 m2, edificado no descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número .../..., inscrito na matriz sob o artigo ....

3.3.1.11

Este prédio dos réus confronta com o referido caminho pelo seu lado sul e poente, numa extensão de 45 metros de comprimento.

3.3.1.12

Caminho este que apesar de confrontar com o prédio dos réus sempre esteve devidamente demarcado do mesmo.

3.3.1.13

Sucede que, no mês de maio de 2020, os réus, na zona de confrontação com o caminho, demoliram o muro que delimitava o seu prédio pelo sul e pelo poente relativamente ao caminho e em substituição deste construíram um outro muro em blocos de cimento, deslocando[[43]] mais para sul e para poente entre 0,80m e 1,20m assim ocupando a totalidade do leito do caminho numa extensão de 45 metros, interrompendo o seu percurso.

3.3.1.14

Na verdade, com aquela construção, os réus ocuparam aquele espaço de caminho, no comprimento de cerca de 45 metros e na largura de entre 0,80m e 1,20m.

3.3.1.15

Tal impede a população da Freguesia de aceder àquelas vias públicas supra aludidas, ao ... e ao rio, devido à construção do muro/parede que veda e ocupa o leito do caminho, tendo-se os réus apoderado do seu espaço, fazendo-o seu.

3.3.1.16

Toda a população sempre ali transitou livremente, para a satisfação da sua necessidade de acesso aos diversos lugares, ao ..., à ... e ao rio.

3.3.1.17

Em data que não se pode precisar, mas depois da interposição da presente ação, os réus e ainda mediante trabalhadores por si contratados, procederam à ampliação do prédio urbano que ali possuem, ocupando com a construção/ampliação do prédio parte substancial do leito do caminho.

3.3.2 Factos não provados


3.3.2.1

O caminho tem cerca de 1,50 metros de largura.

3.3.2.2

O caminho em discussão nestes autos dá acesso direto à ....

3.3.2.3

A conduta dos réus descrita nos pontos 13 e 14 dos factos provados impede o acesso direto à ....

3.3.2.4

Apesar de a autora ter já instado os réus para retirar aquela vedação que colocaram no caminho, estes nada fizeram.

3.3.2.5

O único caminho que, desde tempos que escapam à memória das pessoas vivas, entroncava na Rua ... e fazia a ligação à atual ..., passava a cerca de 65 metros de distância do prédio atualmente dos réus, apontando ao seu lado nascente.

3.3.2.6

Tal caminho foi sendo, paulatinamente, fechado, até cerca do ano de 1989, ano em que fechou definitivamente, deixando os moradores daquela Rua ... sem qualquer caminho facilitado e expedito até à Travessa....

3.3.2.7

Por causa do fecho desse caminho, os moradores da Rua ... ainda tentaram socorrer-se de vias alternativas, fosse pela passagem no meio de terrenos privados, fosse calcorreando pedregulhos que existiam, naquela zona, mas sem nunca terem encontrado uma solução fixa.

3.3.2.8

Daí também que, quando os réus decidiram construir uma passagem pelo seu prédio, passando pelo prédio do Sr. CC, alguns dos seus vizinhos lhes fossem pedindo para passar pelo mesmo.

3.3.2.9

O que estes foram tolerando, até ao momento.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução final do caso e da consonância da fundamentação jurídica e do dispositivo com a fundamentação de facto

Os recorrentes pugnaram pela revogação da sentença recorrida em consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto que requereram.

Por outro lado, quando se conheceu da nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão, não obstante se tenha julgado improcedente esta arguição, detetou-se uma dissonância dos fundamentos de direito e do dispositivo da sentença recorrida com a fundamentação de facto e que correspondia substancialmente à patologia suscitada pelo recorrentes, ainda que com outra qualificação jurídica, pois entendeu-se que se tratava de um erro de subsunção.

Cumpre apreciar e decidir.

Os fundamentos de facto da sentença recorrida sofreram algumas alterações, a maior parte delas decorrentes da atividade oficiosa deste tribunal em ordem a compatibilizar dois pontos dos factos provados, expurgando de três deles uma qualificação jurídica e retirando da factualidade não provada matéria inócua.

A única alteração factual decorrente da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto consistiu na supressão de um ponto relativo à interpelação dos réus pela autora para retirarem a vedação da passagem e à subsequente omissão daqueles.

Pode assim concluir-se que, não obstante as alterações introduzidas nos fundamentos de facto da sentença recorrida, o núcleo essencial necessário à procedência das pretensões principais da autora manteve-se intocado.

Deste modo, improcede a pretensão dos recorrentes de que a sentença recorrida seja revogada em consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto.

Apreciemos agora da dissonância entre os factos provados e os fundamentos de direito e o dispositivo da sentença recorrida.

Provou-se que a passagem reconhecida à autora nestes autos é em terra batida e tem uma largura variável entre 0,8m e 1,2m (factos provados em 3.3.1.5, 3.3.1.13 e 3.3.1.14).

Nos fundamentos de direito, o tribunal a quo concluiu pela total procedência da ação e, em consonância com essa conclusão, em sede de dispositivo, o tribunal recorrido decidiu “[d]eclarar e reconhecer que o caminho identificado sob os artigos 3.º a 9.º da PI, é uma via pública cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – Freguesia ....”

O caminho identificado nos artigos 3 a 9 da petição inicial tem a largura de 1,5m (veja-se o artigo 5º da petição inicial).

A condenação proferida pelo tribunal recorrido não se harmoniza com a factualidade provada relativa à largura da passagem reconhecida que varia entre oitenta e cento e vinte centímetros[44].

Neste contexto, na parcial procedência da ação, deve alterar-se o ponto 1 dispositivo da sentença recorrida nos seguintes termos:

1) Declarar e reconhecer que o caminho existente no extremo da Rua ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras e que liga aquela Rua à Travessa..., da mesma freguesia e concelho é público e tem uma largura que varia entre oitenta e cento e vinte centímetros.

Pelo exposto, conclui-se que nesta parte, embora com fundamentação jurídica diversa, procede a pretensão recursória dos recorrentes.

4.2 Do prazo para execução das obras de demolição

Os recorrentes suscitam a irrazoabilidade do prazo de dez dias para execução das obras de demolição que foram condenados a executar, não indicando qualquer prazo alternativo e razoável, na sua perspetiva.

O prazo fixado pelo tribunal a quo no dispositivo é o que a autora pediu na petição inicial, não tendo sido aduzida na fundamentação jurídica da decisão recorrida qualquer justificação para a fixação de tal prazo.

Na contestação, os réus nada referiram quanto à razoabilidade do prazo, limitando-se a impugnar a maior parte da factualidade alegada pela autora, pedindo a total improcedência da ação.

Cumpre apreciar e decidir.

No caso dos autos está em causa a defesa de um direito real da titularidade de uma entidade pública, já que se visa o reconhecimento a favor de uma autarquia local de um direito sobre um caminho de natureza pública, isto é, um caminho cujo acesso é livre a toda e qualquer pessoa.

Apesar de se tratar do reconhecimento de um caminho, não se trata de uma oneração de outros prédios com um direito de passagem, mas antes da afetação de uma faixa de terreno, da titularidade de uma autarquia local, ao exercício do direito de passagem por quem quer que seja.

Tratando-se de um direito de propriedade sui generis, pois que, sendo da titularidade de uma autarquia local, o uso da passagem é aberto a todos, tem os atributos essenciais de um direito real, sendo por isso aplicável, ex vi artigo 1315º do Código Civil, as regras da ação de reivindicação (artigo 1311º do Código Civil).

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1311º do Código Civil, “[o] proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.”

A lei não fixa um prazo para a restituição, pelo que, em princípio, esta é uma obrigação pura, isto é, uma obrigação cujo cumprimento pode ser exigido a todo o tempo (artigo 777º, nº 1, do Código Civil).

No ponto 3 do dispositivo os réus foram condenados “a demolirem o muro de vedação referido sob os artigos 13.º e 14. º da PI e as obras de ampliação do prédio urbano referidas no facto provado 18) e a restituírem o caminho à situação anterior àquelas obras.

Neste ponto não foi fixado qualquer prazo para a execução das demolições.

Contudo, no ponto 4 do dispositivo os réus foram condenados “a restituírem à Autora o caminho livre e desimpedido e a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da A. e ainda do caminho público ali existente, o que devem fazer no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da sentença.

Deve assim entender-se que os réus dispõem do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da sentença para executar as demolições de modo a poderem restituir à autora o caminho livre e desimpedido e que ocuparam com as suas construções.

No caso dos autos, a obrigação de restituição implica a demolição de um muro com quarenta e cinco metros de comprimento, de uma ampliação da habitação dos réus e ainda do piso construído no espaço que antes integrava a passagem, de modo a que seja reconstituída a passagem térrea que antes existia.

A construção de um novo muro na situação em que o anterior se achava não é uma obrigação dos réus, mas antes uma faculdade que lhes assiste no exercício do seu direito de tapagem (artigo 1356º do Código Civil).

É do conhecimento comum que a demolição não requer a mesma competência técnica da construção, embora tenha de haver uma adequada gestão e tratamento dos resíduos resultantes dessa operação.

Trata-se de uma obrigação que por natureza não pode ser instantaneamente cumprida, pelo que deve o tribunal proceder à fixação de um prazo (artigo 777º, nº 2, do Código Civil), podendo essa fixação ser feita no âmbito da ação de reivindicação.

A presente ação, atento o valor da causa que por decisão transitada em julgado lhe foi atribuído (€ 7 685,31), não é passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Assim sendo, esta decisão da Relação transita em julgado no prazo de dez dias, pelo que somando este lapso temporal ao prazo de dez dias fixado pelo tribunal recorrido, obtém-se um total de vinte dias, prazo que se nos afigura razoável para cumprimento voluntário do decidido, tanto mais que os réus não suscitaram em tempo oportuno a desrazoabilidade do tempo necessário para a reconstituição da situação anterior às violações do direito de propriedade da autora.

Assim, face ao exposto, improcede esta questão recursória.

4.3 Da ilegalidade da imposição da sanção pecuniária compulsória e, em todo o caso, da excessividade da sanção imposta

Os recorrentes pugnam pela revogação da sentença recorrida na parte em que os condenou ao pagamento de sanção pecuniária compulsória, à razão diária de cem euros, por cada dia de incumprimento do dever referido no ponto 4 do dispositivo.

Argumentam para tanto que a condenação ao pagamento de sanção pecuniária compulsória é ilegal porque o dever que visa coagir ao cumprimento não respeita a uma prestação infungível. Além disso, suscitam a desrazoabilidade do montante fixado por incumprimento diário.

Na decisão recorrida, sobre a problemática da sanção pecuniária compulsória, escreveu-se, além do mais, o seguinte:

Ora, no caso dos autos encontram-se verificados todos os requisitos para que seja determinada a requerida sanção pecuniária compulsória, pois que estamos perante uma prestação de facto não fungível, uma vez que só os requeridos poderão destruir os muros que impedem o acesso da população ao caminho em crise nos autos e a autora requereu a aplicação dessa sanção pecuniária compulsória.

Quanto ao montante que deve ser fixado, o tribunal deverá considerar o tipo de prestação em crise, os motivos subjacentes à recusa de acesso ao caminho a relevância do interesse do credor, que se vê impossibilitado de aceder ao mesmo caminho.

Tudo ponderado considera-se razoável fixar a sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 por cada dia de incumprimento da sentença que vai ser proferida.

Cumpre apreciar e decidir.

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil, “[n]as obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”

“A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar” (nº 2 do artigo 829º-A do Código Civil).

Obrigações infungíveis são aquelas que necessitam ser cumpridas pelo próprio devedor, seja porque assim foi acordado pelas partes, seja por se assim não for, o interesse do credor é afetado (artigo 767º, nº 2, do Código Civil)[45].

A sanção pecuniária compulsória foi imposta pelo tribunal recorrido para sancionar o incumprimento do dever declarado no ponto 4 do dispositivo.

Que dever é este?

No ponto 4 do dispositivo o tribunal recorrido condenou os recorrentes “a restituírem à Autora o caminho livre e desimpedido e a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da A. e ainda do caminho público ali existente, o que devem fazer no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da sentença.

Esta condenação tem duas facetas distintas: de um lado a restituição à autora do caminho livre e desimpedido, restituição que necessariamente implica que se executem as prestações de facto positivo que os réus foram condenados a realizar; de outro lado, uma obrigação de abstenção da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da autora e ainda do caminho público ali existente.

As prestações de facto positivo que os recorrentes têm de executar para que o caminho seja entregue livre e desimpedido à autora podem ser cumpridas por eles, ou por outrem sob sua orientação.

Ora, se os recorrentes não cumprirem voluntariamente a obrigação de restituição à autora do caminho livre e desimpedido, procedendo às demolições que foram condenados a executar, poderá ser instaurada contra eles ação executiva para prestação de facto positivo, podendo essa prestação de facto vir a ser executada por terceiro (artigos 868º, nº 1 e 870º, ambos do Código de Processo Civil) ou até pelo exequente (artigo 871º do Código de Processo Civil).

A obrigação de reposição do caminho no estado em que estava antes das obras construídas pelos réus é claramente uma obrigação fungível.

Ao invés, a obrigação dos réus de se absterem da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da autora e o caminho público ali existente constitui uma prestação de facto negativo de natureza duradoura que apenas pelos réus pode ser cumprida (vejam-se os artigos 876º e 877º do Código de Processo Civil)[46].

Há que distinguir o cumprimento da obrigação de prestação de facto negativo duradouro das consequências da violação desta obrigação que podem implicar o nascimento de obrigações de prestação de facto positivo, como seja a eventual demolição de construções resultado da violação do dever de abstenção.

Conclui-se assim que a aplicação de sanção pecuniária compulsória é legalmente admissível relativamente à obrigação de prestação de facto negativo duradouro, mas não o é para constranger os réus a executarem os trabalhos de demolição que foram condenados a realizar.

Deste modo, embora a fundamentação jurídica do tribunal recorrido seja errada, atendendo ao teor do ponto 5 do dispositivo e à sua amplitude, deve a imposição da sanção pecuniária compulsória manter-se, mas apenas para coagir os réus a cumprirem a obrigação de prestação de facto negativo duradouro que sobre eles impende e logo que tenham cumprido a obrigação de restituição do caminho ao estado em que estava antes das obras por eles construídas, devendo, consequentemente, alterar-se a redação do ponto 5 do dispositivo.

Importa agora apreciar da adequação da fixação da sanção pecuniária compulsória no montante de cem euros diários e por cada dia de incumprimento.

Além da remissão para um critério de razoabilidade (artigo 829º-A, nº 2, do Código Civil) a lei civil não fornece quaisquer outros critérios para fixação do montante da sanção pecuniária compulsória, apenas distinguindo o modo de fixação em função da duração do atraso no cumprimento ou do número de infrações (artigo 829º-A, nº 1, do Código Civil).

A sanção pecuniária compulsória deve ser fixada num montante suficientemente elevado para que as suas funções compulsória e dissuasora sejam satisfeitas.

A condição económica do sujeito passivo da sanção pecuniária compulsória é também um elemento relevante para a fixação do seu montante.

No entanto, no caso em apreço, não dispomos de quaisquer informações sobre a situação económica e financeira dos réus, pelo que será a finalidade a que se destina a sanção pecuniária compulsória a ter um peso decisivo na fixação do seu montante.

Importa ainda ponderar que a concreta aplicação da sanção dependerá sempre do comportamento que os réus livremente adotarem, isto é, da violação da obrigação de abstenção que foi judicialmente decretada.

Tudo sopesado, afigura-se-nos que o montante de cem euros diários não é excessivo, devendo a sentença recorrida confirmar-se nesta parte, embora com fundamentação jurídica diversa.

Pelo exposto, o recurso procede parcialmente devendo as custas da ação e do recurso ser suportadas pela autora e pelos réus na proporção do decaimento, reputando-se adequado fixá-lo em 1/6 para a autora e em 5/6 para os réus (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA e esposa BB e, em consequência e também oficiosamente, altera-se a decisão da matéria de facto nos termos que ficaram antes enunciados e bem assim o corpo do dispositivo e os seus pontos 1, 5 e 6 que passam a ter a seguinte redação, mantendo-se no mais intocado:

“Pelo exposto, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, decide:

1) Declarar e reconhecer que o caminho existente no extremo da Rua ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras e que liga aquela Rua à Travessa..., da mesma freguesia e concelho é público e tem uma largura que varia entre oitenta e cento e vinte centímetros.;

(…)

5) Condenar os Réus no pagamento à Autora de sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00 € por cada dia de incumprimento do dever de os réus se absterem da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da autora e ainda do caminho público ali existente.

6) As custas da ação são da responsabilidade da Autora e dos Réus, na exata proporção do decaimento que se entende adequado fixar em 1/6 para a Autora e os restantes 5/6, a cargo dos Réus.”

As custas da ação e do recurso são a cargo de autora e réus, na exata proporção do decaimento e que se fixa em 1/6 para a autora e os restantes 5/6, a cargo dos réus, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

O presente acórdão compõe-se de cinquenta e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 29/9/2025
Carlos Gil
Teresa Pinto da Silva
Carla Fraga Torres
_______________
[1] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 21 de outubro de 2024.
[2] De facto, na decisão recorrida escreveu-se “em detrimento inspeção não judicial qualificada” enquanto os recorrentes afirmam que aí se escreveu “em detrimento da inspeção não judicial qualificada”.
[3] Sublinhe-se que também o ponto 15 dos factos provados tem uma versão mais generosa das acessibilidades facultadas pela passagem em discussão nestes autos, consonante com o que se deu como provados nos pontos 8 e 16 dos factos provados.
[4] Por todos veja-se Gramática da Língua Portuguesa, 3ª edição atualizada (esta indicação consta da capa, mas na quarta página da obra refere-se que é a 2ª edição atualizada), agosto de 2021, Âncora Editora, Vítor Fernando Barros, página 123.
[5] A redação proposta para o ponto 10 dos factos provados é a seguinte: “Os RR. são donos e possuidores do prédio urbano, sito no Lugar ..., da Freguesia ..., do concelho de Felgueiras: URBANO – CASA DE HABITAÇÃO, com a área total de 670m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número .../..., inscrita na matriz sob o artigo ....” Propõem para o ponto 18 dos factos provados a seguinte resposta: “Em data que não se pode precisar, mas depois da interposição da presente ação, os RR. e ainda mediante trabalhadores por si contratados, procederam à ampliação do prédio urbano que ali possuem, ocupando com a construção/ampliação do prédio parte substancial do leito da passagem que existiu no seu terreno.”
[6] Sobre esta exigência veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea b) e nota 346.
[7] A propósito veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea c) e nota 347.
[8] Neste sentido veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea e).
[9] Não se incluem nesta resenha os documentos repetidos.
[10] Trata-se de duas fotografias a cores, nenhuma delas datada. Uma representa uma fonte, em granito, aparentemente seca, não obstante vestígios de humidade na base e em cuja face está gravada, num plano superior, a abreviatura “CM...” e por baixo desta abreviatura o ano “1941”. A outra fotografia retrata aparentemente uma azenha junto a um riacho, sendo ainda visível um lavatório e um tanque.
[11] Trata-se de duas fotografias a cores, nenhuma delas datada. Uma representa a fonte referida na nota de rodapé que antecede, mas num plano mais distante e lateralizado. A segunda representa uma passagem de terra batida, estreita, delimitada de um lado e outro com paredes rochosas, em sentido descendente e que vai embocar numa via pavimentada com paralelepípedos de granito.
[12] Trata-se de duas fotografias aéreas a cores, extraídas do Google Earth, nenhuma delas datada.
[13] Trata-se de duas fotografias a cores, nenhuma delas datada. Uma delas retrata, num plano inverso, a passagem que constitui a segunda fotografia aludida na nota de rodapé nº 11. A outra fotografia retrata um espaço térreo delimitado por dois muros de um lado e outro, um deles mais alto do que o outro, tendo o muro mais baixo ferros espaçados na vertical, na sua parte superior.
[14] Cópia de informação do registo predial extraída em 31 de maio de 2022, referente ao imóvel descrito sob o nº ..., na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Felgueiras, Freguesia ..., urbano, denominado parcela de terreno, situado em ..., com a área total e descoberta de 670 m2, omisso na matriz, composto de construção urbana, a confrontar do norte com caminho, do sul com CC, do nascente com RR e do poente com SS, com inscrição de aquisição pela apresentação ... [existe certamente erro no ano que terá sido 1994, como resulta claramente do documento nº 6 oferecido pelos réus com a sua contestação], por compra, a favor de AA e BB, casados um com o outro no regime da comunhão de adquiridos, sendo alienantes KK e TT, casados um com o outro no regime da comunhão de adquiridos.
[15] Refere-se ao prédio urbano situado na Freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na matriz sob o artigo ... e anteriormente no artigo 637, localizado no ..., composto de prédio de rés do chão e andar, construído em pedra e tijolo, coberto de telha, com dois pisos e seis divisões, com a área total de 299,0000 m2, área bruta de construção de 144,0000 m2, área bruta dependente de 76,0000 m2 e área bruta privativa de 64,0000 m2, sendo seu titular AA.
[16] Trata-se de duas fotografias a preto e branco, não datadas; uma delas representa, num plano similar, a segunda fotografia referida na nota 13 e a outra refere-se aparentemente à mesma passagem, mas numa zona de curva.
[17] Trata-se de duas fotografias aéreas a cores, extraídas do Google Earth, nenhuma delas datada.
[18] Cópia de Certidão emitida pela Câmara Municipal ..., datada de 07 de abril de 2020, subscrita pelo Vice-Presidente da Câmara, por impedimento do Presidente da Câmara Municipal e com o seguinte teor: “UU, Presidente da Câmara Municipal .... Certifico, em cumprimento do despacho proferido em 7 de abril de 2020, no processo nº ..., em nome de AA, contribuinte nº ..., residente na Rua ..., ..., da Freguesia ... que: “Face aos elementos apresentados e aos dados disponíveis para consulta na Divisão de Gestão Urbanística, nomeadamente a consulta aos processos referentes às licenças emitidas sob os alvará nº ... e ... (as quais incidem sobre o prédio em causa) e ao arquivo de cartografia histórica, que o prédio delimitado nas plantas ao requerimento confina com a “Rua ...”, sendo esse o único caminho público, reconhecido como tal, com o qual confina.”
[19] Cópia de escritura pública, lavrada de folhas quarenta e um verso a quarenta e três, do livro de Escrituras Diversas nº ...- C, do Cartório Notarial de Felgueiras, outorgada em 03 de agosto de 1994, em que foram primeiros outorgantes, como vendedores, KK e TT, casados um com outro no regime da comunhão de adquiridos e como segundo outorgante, como comprador, AA, casado no regime da comunhão de adquiridos com BB; declararam os primeiros outorgantes que são proprietários do prédio rústico denominado “...”, com a área de seiscentos e setenta metros quadrados, sito no Lugar ..., da Freguesia ..., concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ..., prédio que vendiam ao segundo outorgante pelo preço de um milhão de escudos, declarando o segundo outorgante aceitar a venda; mais declararam todos os outorgantes, sob sua inteira responsabilidade, que o prédio vendido se destina, em princípio, a construção urbana, mas tal finalidade não é essencial para as partes, pelo que, no caso de não ser autorizada a construção pretendida, as partes querem que o negócio continue válido.
[20] Cópia de uma fotografia a cores, com pouca nitidez e luz em excesso, onde é visível num plano mais próximo do observador um terreno terraplenado e mais distante uma casa e duas árvores de grande porte e várias outras de porte mais pequeno.
[21] Cópia de uma fotografia a cores, com pouca nitidez e luz em excesso, onde é visível num plano mais próximo do observador um pedaço de terreno terraplenado e no seu prolongamento um caminho térreo marginado de um lado com muro e diversa vegetação, sendo visíveis duas habitações do lado do referido muro e outras construções em planos mais afastados
[22] Cópia de uma fotografia a cores, com pouca nitidez e luz em excesso, onde é visível num plano mais próximo do observador um terreno com vegetação, a que se segue uma parcela limpa de vegetação, havendo uma faixa linear de cor mais escura que atravessa todo o terreno e num plano mais afastado várias construções.
[23] Cópia de um levantamento topográfico colorido, datado de novembro de 1994, no qual está aposto um carimbo da Câmara Municipal ..., Departamento técnico, datado de 19 de maio de 1995 e com uma referência manuscrita ao processo nº ... (?), à escala 1/500, no qual figura o logotipo “...” e a referência a VV, engenheiro Civil, sendo requerente AA, ..., ..., Felgueiras, estão destacadas com colorações e marcações diversas, o limite do terreno, a construção pretendida, a cedência ao domínio público e o muro de vedação; a sul da pretendida construção estão identificadas duas construções, uma mais a poente como sendo de WW e outra mais a nascente como sendo de herdeiros de XX.
[24] Cópia de uma fotografia a cores, não datada, que do lado esquerdo do observador representa uma faixa de terreno delimitada pelas fundações de um muro, sendo visível vegetação seca e um resto de cinzas.
[25] Cópia de uma fotografia a cores, não datada, que do lado esquerdo do observador representa uma faixa de terreno delimitada pelas fundações de um muro, sendo visível vegetação seca e do lado direito do observador representa um muro; na zona mais afastada do observador, junto ao muro é visível aquilo que parece ser parte de um poste de suporte de cabos de condução de energia elétrica.
[26] Cópia de uma fotografia a cores, não datada, que do lado esquerdo do observador representa uma faixa de terreno delimitada do lado direito do observador por um muro em alvenaria, sendo visível na referida faixa objetos que aparentam ser lixo variado.
[27] Cópia de fotografia aérea extraída do Google Earth em 03 de julho de 2020 na qual, a amarelo, vem representado o trajeto que o réu alegadamente percorria de sua casa até ao local onde era a paragem do transporte para a fábrica onde trabalhava.
[28] Cópias de fotografias a cores, não datadas, de paredes, fissuradas, algumas em zonas de ligação.
[29] Cópia de fotografia a cores, não datada, representando um trecho de um muro em blocos de cimento, em ângulo aparentemente reto, encimado com uma estrutura metálica de vedação, sendo visível na base do muro um tubo de escoamento.
[30] Cópia de fotografia a cores, não datada, que representa a mesma realidade que a fotografia antecedente, mas num plano mais afastado, sendo possível ver no lado de dentro do espaço definido pelo muro, ou seja, no espaço que os réus sustentam ser de sua propriedade, aquilo que parece ser um poste de suporte de cabos de condução de energia elétrica.
[31] Cópia de fotografia a cores, não datada, que representa a mesma realidade que as duas fotografias antecedentes, com especial incidência sobre o desenvolvimento do muro situado mais à direita do observador.
[32] Cópia de fotografia a cores, não datada, que representa a mesma realidade que as três fotografias antecedentes, mas do lado interior do espaço delimitado pelo muro, sendo visível no piso de cimento uma emenda que se prolonga paralelamente ao muro.
[33] Cópia de fotografia a cores, não datada, que representa num plano mais elevado o muro que se refere nas notas de rodapé nºs 29, 30 e 31 e a faixa de terreno adjacente.
[34] Cópia de fotografia a cores, não datada, que representa num plano mais elevado o muro que se refere nas notas de rodapé nºs 29, 30 e 31 e a faixa de terreno adjacente.
[35] Cópia de um levantamento topográfico colorido, datado de dezembro de 1994, no qual está aposto um carimbo da Câmara Municipal ..., datado de 28 de dezembro de 1995 e com uma referência manuscrita a tinta vermelha com os números 886/95, à escala 1/500, no qual figura o logotipo “...” e a referência a VV, engenheiro Civil, sendo requerente LL, ..., ..., Felgueiras; estão destacadas com colorações e marcações diversas, o limite do terreno, a área a destacar, a construção pretendida e a cedência ao domínio público não tendo qualquer outra legendagem.
[36] Trata-se de uma certidão emitida em 30 de janeiro de 2024, pela Chefe da Repartição Administrativa da Câmara Municipal ..., composta de sessenta e nove folhas, referente a uma deliberação tomada em reunião ordinária da Câmara Municipal ... no dia 14 de agosto de 2013 e que aprovou a toponímia da Freguesia .... Na folha 20 dessa certidão, sob o nº 15, refere-se a Rua ... com início na Rua ... e sem saída. Na folha 63 da mesma certidão, sob o nº 58, refere-se a Travessa..., com início na Rua ... e sem saída.
[37] No relatório desta diligência ficou consignado o seguinte: “O perito signatário com a deslocação ao local, não conseguiu apurar a existência de um caminho no extremo da Rua ..., conforme é possível verificar-se na fotografia 2 e 3. No entanto, verificou que existe uma parte de muro de habitação realizada em material diferente do restante, nomeadamente em bloco de cimento, com cerca de 1,50 metros de largura, que o perito desconhece quando foi executado. Sendo que em frente ao imóvel verificado nas fotografias 2 e 3, o perito conseguiu apurar um caminho, que varia na sua largura entre os 0,80m e 0 1,20m, fotografias 9,10 e 11, estando o mesmo com bastante vegetação e intransitável a pé (pela largura do mesmo, este, mesmo que estivesse limpo e sem vegetação também só dava para transitar a pé. A extremidade deste caminho vai dar diretamente a um caminho, fotografia 12. Já no lado extremo da Travessa..., o perito signatário, conseguiu apurar a existência de um caminho, delimitado por dois muros (fotografias nº 4, 5 e 6), que termina nas traseiras de um anexo (fotografia nº 4). Este mesmo caminho possui cerca de 22,50 metros de comprimento e cerca de 0,80m de largura (fotografia nº 6), sendo que na extremidade das traseiras do anexo, verifica-se uma curvatura (fotografia nº 4), aparentando que teria continuidade contornando o prédio dos réus, pelo seu lado sul. Na outra extremidade, verifica-se a entrada de uma habitação e a Rua ... (fotografia 7 e 8). O dito caminho não dá acesso direto a nenhuma ..., conforme é possível verificar-se pelas fotografias 7 e 8. O acesso á dita ... poderá ser feito por diversas estradas.”
[38] As condições de audibilidade da gravação deixam muito a desejar e especialmente quando as testemunhas são confrontadas com fotografias ou documentos juntos aos autos. Não obstante o cuidado do Sr. Juiz que presidiu à audiência na identificação dos documentos com que os depoentes iam sendo confrontados, as respostas que iam sendo dadas apontando para certo ponto das fotografias ou dos levantamentos topográficos, não são passíveis de serem apreendidas com uma simples gravação áudio.
[39] Vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis no site da DGSI: de 12 de fevereiro de 2008, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, no processo nº 08A055; de 14 de novembro de 2013, relatado pelo Sr. Juiz conselheiro Serra Baptista, no processo nº 74/07.3TCGMR.G1.S1; de 03 de março de 2015, relatado pelo Sr. Juiz conselheiro Júlio Gomes, no processo nº 210/12.8TBGMR-D.G1.S1; de 11 de fevereiro de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, no processo nº 6500/07.4TBBRG.G2.S3; de 19 de setembro de 2017, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alexandre Reis, no processo nº 120/14.4T8EPS.G1.S1 e de 02 de março de 2023, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernando Baptista, no processo nº 1091/20.3T8VCT.G1.S1.
[40] Não é de mais repetir que a livre apreciação não corresponde de modo algum à “intime conviction” a que aludia o artigo 342º do Code de L´Instruction Criminelle que se transcreve: “La loi ne demande pas compte aux jurés des moyens par lesquels ils se sont convaincus; elle ne leur prescrit point de règles desquelles ils doivent faire particulièrement dépendre la plenitude et la suffisance d´une preuve; elle leur prescrit de s´interroger eux-mêmes dans le silence et le recueillement, et de chercher, dans la sincérité de leur conscience, quelle impression ont faite sur leur raison les preuves rapportées contre l´accusé et les moyens de sa defense. La loi ne leur dit point: Vous tiendrez pour vrai tout fait attesté par tel ou tel nombre de témoins; elle ne leur dit pas non plus: Vous ne regarderez pas comme sufisamment établie toute preuve qui ne sera pas formée de tel procès-verbal, de telles pièces, de tant de témoins ou de tant d´indices; elle ne leur fait que cette seule question, qui renferme toute la mesure de leurs devoirs: Avez-vous une intime conviction?” Na tradução do Bacharel Luiz Beltrão da Fonseca Pinto de Freitas da obra de Gustave Bacle de Lagrèze, intitulada, Sciencia Moral e Codigo do Jury, Porto, 1880, páginas 116 e 117: “Não pede a lei conta aos jurados dos meios, porque chegaram à convicção: não lhes preceitua regras das quaes devam especialmente pôr dependentes a plenitude e sufficiencia d´uma prova; prescreve-lhes que se interroguem a si mesmos no silencio e recolhimento, e catem na sinceridade da sua consciência a impressão, que lhes fizeram na intelligencia as provas produzidas contra o réo, e os argumentos da sua defesa. Não lhe diz a lei: Tereis por verdadeiro todo o facto attestado por tal ou tal numero de testemunhas; não lhes diz tãopouco: Reputareis sufficientemente evidenciada, toda a prova que fôr instruída de tal processo verbal, de taes peças, de tantas testemunhas ou de tantos indicios; faz-lhes unicamente esta pergunta, que encerra toda a medida dos seus deveres: Tendes uma convicção intima?” Sublinhe-se que a não exigência de fundamentação da convicção probatória decorria de a circunstância do julgamento da matéria de facto ser feita por um júri, constituído por iguais do acusado, estando assim diretamente ligada à ideia de soberania popular: o povo nunca se engana e não tem que prestar contas do exercício do seu poder soberano. Na atualidade, alguma doutrina sustenta que só a um tribunal de júri é lícito reapreciar a decisão da matéria de facto proferida por outro tribunal de júri, sustentando assim a inconstitucionalidade material das normas que permitem a um coletivo constituído exclusivamente por juízes profissionais reapreciar e alterar a decisão da matéria de facto proferida por um tribunal de júri (assim veja-se Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 145º, páginas 316 a 329).
[41] O tribunal a quo escreveu 0,80cm que são 80mm, ou seja, 8cm. É evidente que a largura mínima da passagem não pode ser essa, como aliás se retira inequivocamente da página 8 do relatório da verificação não judicial qualificada, onde se escreveu que essa largura mínima era de 0,80m. Neste contexto, corrigiu-se oficiosamente esta referência, tal como se corrigirá nos pontos 3.3.1.13 e 3.3.1.14.
[42] O tribunal recorrido escreveu “logo” que por ser um evidente lapso de escrita se corrigiu oficiosamente.
[43] O tribunal recorrido escreveu “deslocado” que por ser um evidente lapso de escrita se corrigiu oficiosamente.
[44] Esta largura variável da passagem reconhecida poderá colocar algumas dificuldades em sede de execução coerciva da sentença sob censura na parte referente à demolição das obras executadas pelos réus e de modo a que seja reposta a situação anteriormente existente. Porém, tendo em conta as emendas que são visíveis no pavimento do logradouro do prédio dos réus e o facto de antes de essas obras o poste de iluminação se achar no exterior do prédio dos réus, será possível com algum rigor executar o sentenciado.
[45] Veja-se Direito das Obrigações, texto elaborado pelos Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J.C. Proença, com base nas lições do Prof. Dr. Rui de Alarcão ao 3.º Ano Jurídico, Coimbra 1983, página 46, primeiro parágrafo do ponto 1.1.3.2.2.
[46] Sobre esta problemática, por todos veja-se Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, João Calvão da Silva, páginas 459 e 469, ponto 116.