Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5866/10.3TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: FALTA DE PRESSUPOSTOS DA REINCIDÊNCIA
DEPÓSITO DO ACÓRDÃO
NOTIFICAÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO DE RECURSO
Nº do Documento: RP201503255866/10.3TDPRT.P1
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo a acusação e ao acórdão omissos sobre a data em que foram praticados os crimes anteriores, falta um dos pressupostos formais da reincidência: que entre a prática do crime anterior e a do crime seguinte não tenham decorrido mais de cinco anos.
II – O depósito do acórdão constitui o início da contagem do prazo para a interposição do recurso e deve ter lugar logo após a sua leitura.
III – Se o depósito não vem a ser efectuado de imediato e vem a ocorrer apenas 3 meses depois da sua leitura, aquele acto deve ser notificado a todos os sujeitos processuais, sob pena de violação do direito ao recurso (artº 32º5 CRP).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º5866/10.3TDPRT.P1

Acordam, em conferência, os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No processo comum (com intervenção do tribunal coletivo) n.º5866/10.3TDPRT.P1 da 3ªVara Criminal do Porto (entretanto extinta), por acórdão proferido em 11/4/2014 e depositado em 28/7/2014, foi decidido:
«ABSOLVER o arguido B… da prática dos crimes por que vinha acusado.

Condenar o arguido C… como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º, do D.L. 15/93, de 22/01, na pena de 2 (dois) ANOS e 6 (seis) meses de prisão. Cuja execução se suspende por igual período de tempo; com regime de prova, sob a condição, de se submeter a acompanhamento pela DGRS, durante tal período de tempo, aí encontrando uma estrutura de apoio no seu processo de reinserção social, designadamente, a nível do seu afastamento das drogas e em especial na vertente de formação profissional;

Condenar o arguido D… como autor de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes, menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º, do D.L. 15/93, de 22/01, com a agravante da REINCIDÊNCIA, na pena de 4 (quatro) ANOS de prisão.
Como autor dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão por cada um dos dois crimes.
EM CÚMULO JURÍDICO CONDENA-SE O ARGUIDOS D… NA PENA ÚNICA DE 4 (QUATRO) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE PRISÃO EFECTIVA.

Condenar o arguido E… como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º, do D.L. 15/93, de 22/01, na pena de 2 (dois) ANOS e 6 (seis) meses de prisão. Cuja execução se suspende por igual período de tempo; com regime de prova, sob a condição, de se submeter a acompanhamento pela DGRS, durante tal período de tempo, aí encontrando uma estrutura de apoio no seu processo de reinserção social, designadamente, a nível do seu afastamento das drogas e em especial na vertente de formação profissional;

Condenar o arguido F… como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º, do D.L. 15/93, de 22/01, na pena de 1 (UM) ANO e 9 (NOVE) meses de prisão. Cuja execução se suspende por igual período de tempo; com regime de prova, sob a condição, de se submeter a acompanhamento pela DGRS, durante tal período de tempo, aí encontrando uma estrutura de apoio no seu processo de reinserção social, designadamente, a nível do seu afastamento das drogas e em especial na vertente de formação profissional;
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Condenar os arguidos C…, D…, E… e F… no pagamento das custas e demais encargos deste processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Nos termos do disposto nos artºs. 7.º, 8.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1 da Lei n.º 5/02, de 11.01, declara-se perdido a favor do Estado:
- todas as quantias monetárias apreendidas nestes autos.
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Declara-se perdido a favor do Estado os produtos estupefacientes apreendidos nos autos (artigo 35º nº 2 do Decreto Lei nº 15/93, de 21/01), cuja destruição desde já se determina (artº 62º, nº 5, do mesmo diploma legal).
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Por terem servido e serem provenientes da prática do ilícito criminal, declara-se perdidos a favor do Estado todos os telemóveis, baterias, carregadores e cartões, bem como demais objectos apreendidos aos arguidos nestes autos e nos termos dos art° 35° e 36°, do DL n° 15/93, de 22/01.»
O arguido D…, inconformado com a decisão condenatória, interpôs recurso
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Igualmente inconformado com a decisão, o Ministério Público junto da 1ªinstância apresentou recurso
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido D…, concluindo que, ressalvando a posição assumida no recurso por si interposto, deve ser negado provimento ao recurso daquele arguido.
Por sua vez, o arguido D… apresentou resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, invocando a sua extemporaneidade e sem prescindir, pugnando pelo seu não provimento.
Os demais arguidos não apresentaram resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º n.º1 do C.P.Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que se pronunciou pela improcedência do recurso interposto pelo arguido D… e pela procedência do recurso interposto pelo Ministério Púbico no que respeita à qualificação jurídica dos factos, condenando-se cada um dos arguidos em penas de prisão efetiva [fls.1334 a 1348].
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Decisão recorrida
O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos e respetiva motivação:
«2.1. Matéria de facto provada.
Discutida a causa, com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
Desde pelo menos Julho de 2010 até 4 de Março de 2011 que o arguido D… vem-se dedicando, com regularidade e de comum acordo e em conjugação de esforços com os arguidos E…, de alcunha “E1…”, F…, conhecido por “F1…” e C…, à cedência de estupefaciente, fazendo-o junto à …, nesta Cidade e Comarca.
Cabia ao arguido D… recrutar indivíduos que conjunta e concertadamente com ele, sob as suas ordens e instruções, enquanto líder, com o propósito de levar a cabo as várias tarefas próprias do circuito de tráfico, procediam ao transporte, armazenamento, preparação, doseamento e venda de estupefacientes.

Assim, e de acordo com o previamente acordado entre os acima referidos arguidos: o arguido E… tinha a função de guardar e embalar na sua residência o estupefaciente que diariamente lhe era entregue pelo D…, reabastecendo o ponto de venda.
Cabia-lhe igualmente guardar temporariamente o dinheiro proveniente da actividade de tráfico e entregá-lo ao D…. Dentro das suas funções também exercia a venda directa do estupefaciente aos diversos consumidores que o procuravam junto da sua residência, sita na …, nesta Cidade e Comarca, até à chegada do arguido C… ao local de vendas.

Ao arguido C… cabia a venda directa do estupefaciente aos consumidores que o procuravam para esse feito, sob vigilância – por vezes - do arguido F… assim como guardar, na sua residência, produto estupefaciente bem como utensílios necessários à sua preparação e dosagem.

O arguido F… assumiu ocasionalmente (e apenas nos termos que abaixo resultarão especificados) as funções de vigia, garantindo a segurança e alertando para qualquer acção policial que pudesse surgir nos moldes provados abaixo.

Assim e designadamente:

1. No dia 20 de Julho de 2010, entre as 15h10min e as 15h25min., junto à …, o arguido C… procedeu à venda de doses não apuradas de heroína a 2 indivíduos cuja identificação não se logrou apurar.
Quando se preparava para vender uma dose de heroína a G…, o arguido foi interceptado pelos agentes da PSP, na posse de 1 embalagem de um produto em pó que, laboratorialmente revelou tratar-se de heroína, com o peso líquido de 0,072 gramas (cfr. exame de fls. 94), que destinava à venda, quer ao G…, quer a terceiros que se lhe dirigissem para o efeito.
Nesse mesmo dia, foi apreendido no interior da residência, sita no …, bl. ., entrada …, casa .., nesta Comarca, um canto de plástico, próprio para acondicionar doses de estupefaciente.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido trazia a quantia de € 32,70 (trinta e dois euros e setenta euros), proveniente das vendas de heroína que havia efectuado antes da intervenção policial.

2. No dia 20 de Janeiro de 2011, entre as 8h00 e as 9h29min., junto à …, nesta Cidade e Comarca, o arguido E… procedeu à venda de doses não apuradas de estupefacientes a H…, por 20€, o qual se havia deslocado àquele local no veículo Suzuki …, com a matricula ..-FP-.., e a outros três indivíduos cuja identificação não se logrou apurar, fazendo-o até à chegada do arguido C… que, passou a assumir o controlo das vendas directas do estupefaciente até às 10h45, sob o controlo do arguido E….
Assim, entre as 9h50 e as 10h45min. daquele dia, o arguido C… vendeu a 10 indivíduos doses não apuradas de estupefacientes.
Por sua vez, durante o mesmo período, o arguido F… assumiu uma posição de vigilante e de segurança, alertando os arguidos C… e E…, para o eventual aparecimento de agentes policiais.

3. No dia 23 de Janeiro de 2011, entre as 22h15min e as 22h45min., o arguido E… vendeu na sua residência, sita na …, nesta Cidade e Comarca, doses não apuradas de estupefacientes a 3 indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, que ali se dirigiram para o efeito.

4. No dia 25 de Janeiro de 2011, pelas 9h52min., o arguido E… vendeu doses não apuradas de estupefacientes a vários indivíduos que se haviam deslocado para o efeito à sua residência, na morada acima referida, nomeadamente a I… que, para ali se havia dirigido na viatura ..-..-XN e adquirido doses de heroína, pelo preço de €10.

Após ter efectuado algumas vendas, o arguido E… deu indicações aos consumidores que ali se encontravam para se deslocarem para junto de um descampado, ali próximo, situado ao início do demolido Bairro …, a cerca de 20 metros da sua residência onde o arguido C… iria, momentos depois proceder à venda daquele produto.

Entretanto o E… acompanhou o D… até à residência deste para irem buscar estupefaciente, enquanto o arguido F… ficou a encaminhar os consumidores para o referido descampado, mandando-os aguardar a chegada do C….

Já na posse do estupefaciente, os arguidos D… e E… entraram na residência deste último onde deixaram uma parte do produto para ser vendida pelo E…, levando a outra parte ao arguido C… que procedeu, de imediato, às vendas aos consumidores que ali aguardavam, sob vigilância do F….

Nestas circunstâncias, o arguido C… vendeu a J… quantidade não apurada de cocaína, pelo preço de €30,00 que ali se havia deslocado na sua viatura Opel …, com a matrícula ..-..-GC. O arguido C…, à medida que efectuava as vendas de estupefaciente, entregava o produto das mesmas ao arguido D….

5. No dia 10 de Fevereiro de 2011, entre as 8h10 e as 13h15min., junto à …, os arguidos C… e E… procederam à venda de quantidade não apurada de estupefacientes aos diversos consumidores que ali se dirigiram para esse efeito.

Assim, pelas 9h45min., o arguido C… entregou, mediante contrapartida monetária de valor não apurado, quantidade igualmente não apurada de heroína, a K….

Pelas 12h19m. o arguido C… entregou o valor monetário obtido com as vendas dos produtos estupefacientes ao arguido D… que de imediato o guardou e se dirigiu para a sua residência.

6. No dia 3 de Março de 2011, entre as 08h00min e as 13h07min., no local acima referenciado, os arguidos C… e E… procederam à venda de doses não apuradas de estupefaciente a cerca de 26 indivíduos que os procuraram para esse efeito, cabendo a este ultimo arguido guardar o valor monetário proveniente das vendas bem como reabastecer o C… com novas doses de estupefaciente.

Nesse dia, o arguido C… vendeu, para além dos outros indivíduos não identificados, quantidade não apurada de cocaína e heroína, por €10, a L… que para ali se havia deslocado na viatura com a matrícula ..-..-QM.
Por sua vez, pelas 9h46min., o C… vendeu, para além dos outros indivíduos não identificados, quantidade não apurada de heroína, por €20, a M… que, na altura, se fazia transportar na viatura ..-GM-...

Com a finalidade de controlar as vendas de estupefacientes efectuadas pelos arguidos C… e E…, o arguido D… dirigiu-se, pelas 12h46min., para junto da …, nesta Comarca, conduzindo a viatura ..-..-PE, marca Opel, modelo … (fls. 562), sem ser portador de documento que o habilitasse à condução do mesmo.

7. No dia 4 de Março de 2011, entre a 09h07min. e as 9h12min, o arguido E… entregou do interior da sua residência, através da janela, sita na …, quantidade não apurada de estupefaciente, a 3 indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, por preço igualmente não apurado.

Pelas 9h18min, desse dia, e no local acima referido, o arguido E… (que se encontrava à janela e de boxers vestidas e a conversar com o arguido D…) entregou doses não apuradas de estupefaciente ao arguido B… que de imediato e sem pensar se limitou a entregar a N… que se fazia transportar na viatura com a matrícula ..-..-MC e que havia parado junto de D… (que se encontrava no exterior da casa junto da janela).

Nas mesmas circunstâncias de lugar, entre as 9h20min e as 9h25min, o arguido E… voltou a fornecer, por preço não apurado, doses de estupefaciente, a 7 indivíduos que ali se havia deslocado para esse fim, nomeadamente a I… que se fazia transportar na viatura de O…, com a matrícula SI-..-...

Pelas 10h12min., o arguido C… passou a vender o estupefaciente aos diversos consumidores que o aguardavam junto ao já referido descampado, os quais foram encaminhados, para aquele local, quer pelo arguido E… quer pelo arguido D…, nomeadamente a P… que se havia deslocado na viatura com a matrícula ..-..-MV. Após estas vendas, o arguido C… entregou o valor monetário obtido nas mesmas ao arguido D…, que se encontrava junto ao estabelecimento de restauração “Q…”, controlando e direccionando os compradores para o C… que ainda vendeu doses de estupefaciente a mais 5 indivíduos cuja identificação não se logrou apurar.

O arguido D… havia chegado àquele local pelas 10h10min, conduzindo a viatura automóvel com a matrícula ..-..-PE, marca Opel, modelo … (fls. 562), não sendo possuidor de documento que o habilitasse à condução do mesmo.

Face ao exposto, os agentes da PSP interceptaram os arguidos C…, E… e D….

Nesse mesmo dia – 4 de Março de 2011-, pelas 10h57min., foram encontrados nas residências:

-do arguido E…, sita na …, nº .., nesta Cidade e Comarca, a quantia de €80,00 (oitenta euros), proveniente das vendas de heroína e cocaína, efectuadas pelos arguidos;

- do arguido C…, sita na …, bloco ., entrada …, casa .., Porto, 74 embalagens de um pó que, laboratorialmente revelou tratar-se de heroína, com o peso líquido de 6,410 gramas, 20 embalagens de uma substância sólida que, laboratorialmente, revelou tratar-se de cocaína, com o peso líquido de 0,743 gramas – cfr. exame de fls. 383 -, a quantia monetária de 231,43 (duzentos e trinta e um euros e quarenta e três cêntimos).

Efectuada revista ao arguido C… foi-lhe ainda apreendida a quantia de € 94,25 (noventa e quatro euros e vinte e cinco cêntimos);

- do arguido D…, sita na Rua …, nº …, casa ., em .., Porto, a quantia de €474,70 (quatrocentos e setenta e quatro euros e setenta cêntimos), em notas e moedas do BCE.

Os produtos estupefacientes apreendidos ao arguido C… haviam sido entregues pelo arguido ao D… para que aquele, directamente, ou com a colaboração dos arguidos C… e B…, mediante contrapartida económica, os entregassem a terceiros que os procurassem para esse efeito.

As mencionadas quantias em dinheiro que foram apreendidas eram provenientes de anteriores vendas de produtos estupefacientes – cocaína e heroína, efectuadas pelos arguidos, nos moldes referidos.

Os arguidos destinavam à venda a totalidade das substâncias apreendidas, cuja natureza e características respectivas conhecia, bem sabendo que a detenção, transporte e venda de tais substâncias não lhes era permitido, querendo actuar desta forma.

Quiseram os arguidos, com as suas descritas actividades de tráfico, fazer distribuir substâncias estupefacientes por um grande número de indivíduos e obter, por essa via, compensações monetárias.

Sendo que, só por força das descritas intervenções policiais não concretizaram a venda da parte dos produtos que lhes veio a ser apreendida.

O arguido D… conhecia as características do veículo que conduziu nos dias 3 de Março de 2011 e 4 de Março de 2011 e não obstante saber que a sua condução apenas é legalmente permitida a quem é titular de documento que o habilite para o efeito, não se absteve de conduzi-lo.

Os arguidos D…, E… e C…, agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, actuaram de modo livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Do mesmo modo (livre, deliberado e consciente; sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei) e àquele plano aderiu o arguido F… ao encaminhar os consumidores para o descampado e determinando-lhes que aguardassem a vinda do C….

Além de outras condenações anteriores (cf. CRC), o arguido D…, por decisão de 30.11.2005, transitada em julgado em 24.11.2005 e proferida no processo Comum Colectivo nº 999/03.5JAPRT, do 1º Juízo Criminal de Valongo, foi condenado na pena de 5 anos e 3 meses de prisão, pela prática dos crimes de trafico de estupefacientes e de detenção ilegal de arma, que cumpriu desde 18.07.2003 até 23.01.2007, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

Apesar da condenação sofrida, o arguido continuou a praticar crimes revelando com tal comportamento que a pena sofrida e o tempo de prisão cumprido não teve sobre si qualquer efeito dissuasor.

Além de outras condenações anteriores (cf. CRC), o arguido F…, por decisão de 21.02.2007, transitada em julgado 15.03.2007 e proferida no processo Comum Singular nº 19/05.5SFPRT, do 2º Juízo Criminal do Porto, foi condenado na pena de 14 meses de prisão, pela prática do crime de trafico de menor gravidade, que cumpriu desde 25.04.2007 até 23.08.2008.

DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS
1. - O arguido D… não tem antecedentes criminais averbados no respectivo registo criminal.
2. O arguido C… foi já condenado por tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º, praticado em 2008 e declarada extinta de 2012.
3. O arguido D… tem averbado no seu registo criminal várias condenações por: tráfico de estupefacientes do art. 21º tendo cumprido 5 anos e 3 meses de prisão; um crime de condução sem habilitação legal que foi declarada extinta em 2011 pelo pagamento da multa; um furto qualificado, que foi punido com pena de prisão, suspensa e que já foi declarada extinta em 2011. E um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º cuja pena de 2 anos de prisão, cumpria aquando da realização da audiência de julgamento.
4. O arguido E… foi condenado por tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; condenação que transitou em 28-5-2009 e foi declarada extinta em 12-12-2011.
5. O arguido F… tem averbado no seu registo criminal condenações pela prática de crimes de furto qualificado, roubo tentado, condução ilegal e tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º tendo, por este último crime cumprido 14 meses de prisão efectiva.

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Apreciação do recurso
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as quais sintetizam as razões da discordância, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal ad quem das questões de conhecimento oficioso, com são os vícios da sentença previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal.
Atentando nas conclusões do recurso interposto pelo arguido D…, as questões trazidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- erro de julgamento,
- não preenchimento do elemento subjetivo quanto ao crime de condução sem habilitação legal,
- a prática de um único crime de condução sem habilitação legal,
- nulidade do acórdão, por falta de fundamentação de um requisito da reincidência,
- não suspensão da execução da pena de prisão.
Por sua vez, das conclusões do recurso interposto pelo Ministério Público resulta que as questões suscitadas são as seguintes:
- qualificação jurídica dos factos, quanto à atuação dos arguidos D…, E… e C…,
- na decorrência da pretendida alteração da qualificação jurídica, medida das penas aplicadas aos referidos arguidos.

Do recurso do arguido D…
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4ªquestão:nulidade do acórdão por falta de fundamentação quanto a um dos requisitos da reincidência
Na tese recursiva, a decisão recorrida enferma de falta de fundamentação, nos termos dos arts.379.º n.º1 al.a) e 374º n.º2 do C.P.Penal por não demonstrar que se encontra preenchido o requisito temporal previsto no art.75.º n.º2 do C.P.Penal, dado que não há referência quanto à data da prática do crime anterior.
Afigura-se-nos que o recorrente confunde duas situações distintas.
A nulidade da sentença decorrente da falta de fundamentação – art.379. n.º1 al.a) por força d art.374º n.º2, ambos do C.P.Penal – reporta-se à não explicitação das razões que permitiram o tribunal formar a sua convicção em determinado sentido. Diferente é não se mostrarem preenchidos os requisitos de uma figura jurídica. É esta a situação invocada pelo recorrente e que, a proceder, implica não a nulidade do acórdão, mas antes o afastamento da reincidência.
Nos termos do n.º 1 do art.º 75º do C.Penal, «é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
E o nº 2 acrescenta: «o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade».
São, assim, pressupostos formais da reincidência:
1º - que o crime agora cometido seja um crime doloso;
2º - que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;
3º - que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
4º - que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, não se computando em tal prazo o tempo durante o qual o agente cumpriu medida privativa da liberdade.
Além dos pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Analisada a factualidade dada como provada, não consta a data da prática dos factos referentes ao processo n.º999/03.5JAPRT, mas tão-só a data da condenação e do seu trânsito (esta necessariamente incorreta pois não pode ser anterior à data da condenação).
E compulsada a acusação, a data da prática dos factos no referido processo n.º999/03.5APRT não foi alegada, constando da mesma quanto aos antecedentes criminais do arguido D… «Além de outras condenações anteriores (cf. CRC), o arguido D…, por decisão de 30.11.2005, transitada em julgado em 24.11.2005 e proferida no processo Comum Colectivo nº 999/03.5JAPRT, do 1º Juízo Criminal de Valongo, foi condenado na pena de 5 anos e 3 meses de prisão, pela prática dos crimes de trafico de estupefacientes e de detenção ilegal de arma, que cumpriu desde 18-07-2003 até 23.01.2007, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.», facto este que foi integralmente transposto para o acórdão recorrido.
Uma das garantias do processo criminal constitucionalmente consagradas é a de que o processo criminal tem estrutura acusatória – art.º 32º, nº 5, da CRP.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira – «CRP, Constituição da República Portuguesa», Anotada, Vol.I (4ª edição revista), 522 – o princípio do acusatório é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal e significa essencialmente «que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento».
No caso presente, a acusação deduzida pelo Ministério Público fixou os limites de investigação atribuídos ao tribunal de julgamento, limites esses que só podiam ser ultrapassados se verificado o circunstancialismo previsto no art. 359.º do C.P.Penal (v., a propósito ds limitações decorrentes do princípio do acusatório, Ac.STJ de 18/6/2009, proc. n.º159/08.9PQLSB.S1 e Ac.STJ 4/12/2013, proc. n.º03P3240, in.www.dgsi.pt)
Tanto a acusação como o acórdão recorrido são omissos sobre a data em que foram praticados os crimes anteriores julgados no âmbito do processo n.º999/03.5JAPRT e decisivos para a verificação do mencionado pressuposto formal da reincidência. Aquelas peças processuais contêm as datas da decisão condenatória e do trânsito em julgado, mas tal não releva para este efeito. Desconhecendo as datas em que os crimes anteriores foram praticados não podemos concluir que, descontado o tempo em que o arguido esteve preso, não decorreram mais de 5 anos entre a prática dos crimes anteriores e o atual.
Falta, assim, um dos pressupostos formais da reincidência, concretamente, que entre a prática do crime anterior e a do crime seguinte não tenham decorrido mais de cinco anos.
Face ao exposto, o acórdão recorrido tem de ser revogado quanto à condenação do arguido D… como reincidente.
Não preenchidos os pressupostos da reincidência, há que extrair consequências em termos da medida concreta da pena a aplicar quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, sendo que tal matéria, assim como a da suspensão da execução da pena, serão apreciadas no âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público, uma vez que se interligam com as questões suscitadas neste recurso.
Nesta conformidade passaremos agora a apreciar o recurso interposto pelo Ministério Público.
Recurso do Ministério Público
Antes de mais cabe apreciar uma questão prévia suscitada pelo recorrido D…: extemporaneidade do recurso interposto, em 6/11/2014, pelo Ministério Público.
Resulta dos autos, com relevo para a apreciação da tempestividade do recurso, que:
-O acórdão recorrido foi proferido em 11/4/2014 e depositado em 28/7/2014.
-Efetuado o depósito do acórdão, foram notificados do mesmo os mandatários dos arguidos através de carta registada, o mesmo não sucedendo com o magistrado do Ministério Público.
-Interposto recurso pelo arguido D…, o magistrado do Ministério Público foi notificado do despacho de admissão do recurso e para apresentar resposta nos termos do art.413.º n.º1 do C.P.Penal, em 13/10/2014 – fls.1275.
-Em 5/11/2014, o Ministério Público veio interpor o presente recurso.
Dispõe o art.411.º do C.P.Penal (Interposição e notificação do recurso)
«1-O prazo para interposição do recurso é de 30 dias e conta-se:
a) (…);
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) (…)»
No caso vertente, o depósito na secretaria ocorreu três meses depois da leitura do acórdão: a sentença foi lida em 11/4/2014 e apenas depositada em 28/7/2014, sendo que o Ministério Público apenas interveio no processo, após o depósito do acórdão, em 13/10/2014, quando foi notificado do despacho de admissão do recurso
Perante esta situação anómala em que a acórdão não é depositado de imediato após a sua leitura, não pode contar-se o início do prazo de interposição do recurso da data da efetivação do depósito.
Nos termos da lei, o depósito da sentença é um ato a que se procede «logo após a leitura da sentença» (arts.372.º n.º5 e 373.º n.º 2 do C.P.Penal).
E o depósito constitui o termo inicial da contagem do prazo para a interposição do recurso nos termos do artigo 411.º n.º 1, alínea b) do C.P.Penal, pois só com o depósito é entregue aos sujeitos processuais cópia da sentença e só na posse desta podem atentar efetivamente no seu teor e decidir pela interposição, ou não, do recurso.
Se o depósito não é feito imediatamente e ocorre apenas 3 meses após a data da leitura da sentença, a secretaria deveria proceder à notificação do depósito não só aos arguidos, como fez e bem, como ao magistrado do Ministério Público, para que os sujeitos processuais fiquem cientes da verificação do termo inicial da contagem do prazo de recurso.
Poder-se-á argumentar que não está prevista a notificação do depósito da sentença, mas também não está previsto que o depósito só ocorra decorridos meses após a leitura da sentença.
Se o tribunal não atuou em conformidade com o disposto nos art. 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2 do C.P.Penal e efetuou o depósito três meses depois, viola o direito ao recurso consagrado no art. 32.º, n.º 1 da CRP uma interpretação do art. 411.º n.º 1, al.b) do C.P.Penal que, nesta situação específica, conte o prazo a partir da data daquele depósito, pressupondo ser exigível ao magistrado do Ministério Público que diariamente procurar inteirar-se se já foi efetuado o depósito.
Nesta conformidade, não se afigura exigível ao magistrado do Ministério Público, não obstante trabalhar no edifício do tribunal, que se desloque todos os dias e ao longo de meses aos serviços da secretaria para se inteirar se já foi depositado o acórdão. Aliás, ao magistrado do Ministério Público deveria ter sido dado igual tratamento ao dos mandatários dos arguidos e, em consonância, ser notificado do depósito do acórdão. Conclui-se assim que, tendo o depósito do acórdão sido efetuado três meses após a sua leitura e só tendo o magistrado do Ministério Público tomado conhecimento do mesmo em 13/1/2014, deve considerar-se que o início do prazo de interposição de recurso para o Ministério Público se conta a partir desta data.
Pelo exposto e considerando que o prazo para interposição de recurso é de 30 dias, o Ministério Público ao interpor recurso em 5/11/2014, fê-lo tempestivamente.
Apreciada esta questão prévia, passemos a conhecer das questões suscitadas no recurso interposto pelo Ministério Público.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
-julgar parcialmente procedente, embora por fundamentos diversos, o recurso do arguido D… e em consequência condená-lo pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.25.º al.a) do DL n.º15/93, de 22/1, na pena de três anos e seis meses de prisão e pela prática de dois crimes de condução de veículo automóvel sem habilitação legal p. e p. pelo art.3.º n.º1 e 2 do DL n.º2/98, de 3/1, na pena, por cada um deles, de seis meses de prisão; em cúmulo jurídico, condenar o arguido D… na pena única de três (3) anos e nove (9) meses de prisão efetiva.
-julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público e atento o disposto no art.513.º n.º1 do C.P.Penal, quanto ao arguido recorrente.
(texto elaborado em computador pela relator e integralmente revisto por ambas as subscritoras)

Porto, 25/3/2015
Maria Luísa Arantes
Ana Bacelar