Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ISABEL PEIXOTO PEREIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA PANDEMIA COVID 19 IMPOSSIBILIDADE TEMPORÁRIA DO CUMPRIMENTO MORA RESOLUÇÃO DO CONTRATO REDUÇÃO DO PREÇO | ||
| Nº do Documento: | RP202511279260/22.5T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A pandemia Covid 19 e os seus efeitos no seio dos contratos não justifica apenas a convocação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, mas também a figura da impossibilidade, temporária ou parcial, do cumprimento, da inexigibilidade de cumprimento, a obrigação de todos os intervenientes atuarem de acordo com a boa-fé consagrada no artigo 762.°. n° 2, do Código Civil, tal como o instituto do conflito de direitos ou do abuso do direito. II - Prefigurado um impedimento transitório à prossecução da obra, não imputável à A. o que determina que o cumprimento como que fique suspenso durante o tempo do impedimento, readquirindo a sua eficácia normal logo que cesse (Artigo 792º, nº 1, do Código Civil). III - A aceitação pela Ré do início tardio da execução, desde logo após o prazo fixado, exclui que possa invocar a perda do interesse na prestação, ou exigir a indemnização moratória contratualizada. IV - Não é de aplicar o regime da desistência da empreitada quando a obra foi totalmente concluída ou executada e apenas existem defeitos ou vícios de pouco relevo ou monta no contexto da totalidade da obra. V - A redução do preço terá de ser feita por meio de avaliação, calculando-se o valor da redução na ponderação entre o preço acordado e o valor da obra defeituosa. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo 9260/22.5T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - Juiz 6
Relatora: Isabel Peixoto Pereira 1º Adjunto: Isabel Silva 2º Adjunto: António Carneiro da Silva (em substituição)
Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. A..., Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, concluindo a final pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: a) A quantia de €30.083,90€ (trinta mil e oitenta e três euros e noventa cêntimos), a título do preço em dívida; b) a quantia de 802,23 (oitocentos e dois euros e vinte e três cêntimos), a título de juros já vencidos, calculados à taxa legal e c) Os juros vincendos, contados da data da citação até efetivo e integral pagamento.
Reconduziu-se, para fundamentar a pretensão aos factos de ter realizado uma obra para a R., cujo preço, o reclamado, se encontra parcialmente por pagar. Citada a R. para contestar veio reconvir e pugnar pela improcedência da acção. A título de reconvenção peticiona a condenação da A./reconvinda a pagar a quantia de €32.200,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação. Subsidiariamente, na hipótese de ser condenada a pagar alguma quantia à A. deverá operar-se a compensação de créditos na parte correspondente. Para o efeito, exceciona o não cumprimento do contrato pela A. e o abuso de direito.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, a qual julgou parcialmente procedentes a ação e o pedido reconvencional, consequentemente: condenando a R., AA, a pagar à, Autora A..., Lda, a quantia de €30.083,90€ (trinta mil e oitenta e três euros e noventa cêntimos); por sua vez condenando a A./reconvinda a pagar à R./reconvinte a quantia de €1.000,00 (mil euros) e, operada a compensação entre as quantias reciprocamente reconhecidas como devidas, condenando a R./reconvinte a pagar à A./reconvinda a quantia de €29.083,00 (vinte e nove mil e oitenta e três euros), acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento. No mais, julgou improcedentes o remanescente do pedido e do pedido reconvencional, deles se absolvendo as partes.
Desta sentença foi pela Ré/reconvinda interposto recurso, mediante as seguintes conclusões: (…)
A Autora apresentou alegações, concluindo pela improcedência do recurso, sustentando, em síntese, que as discordâncias da recorrente confinam-se, não a um erro de julgamento, mas sim um entendimento ou opinião diferente quanto à interpretação dada ao acervo probatório existente nos autos. Em suma, dos fundamentos de recurso da recorrente não se vislumbram argumentos ou fundamentos que justifiquem uma valoração e sentido diferente do da decisão recorrida, devendo, nessa medida, improceder “in totum” o recurso interposto. A decisão recorrida, pelos fundamentos invocados pela recorrente não é merecedora de qualquer juízo de reparo ou censura, tal qual a recorrente pretende ver declarado, não se verificando, por conseguinte, qualquer violação dos dispositivos legais aplicáveis, à luz dessas mesmas razões tal qual vêm formuladas as conclusões da recorrente.
II. Como é consabido, é o conteúdo das conclusões extraídas da motivação do recurso — nas quais o recorrente resume os fundamentos da sua discordância com a decisão proferida e delimita o respetivo pedido (n.º 4 do artigo 635.º e artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil) — que circunscreve o objeto do recurso e estabelece os limites do conhecimento deste tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Deste modo, atendendo-nos às conclusões formuladas pela recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões, ordenadas segundo a sua precedência lógico-jurídica:
Foi a seguinte a matéria dada como provada na decisão recorrida: 1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre o mais, à construção e reparação de edifícios, como resulta da certidão permanente anexa – Documento nº 1. 2) A Ré, sob a denominação comercial que usava como “...”, enquanto empresária em nome individual, contratou com a Autora a realização de trabalhos de construção civil destinados à remodelação de uma habitação na Suécia. 3) Mais precisamente, no passado dia 04 de Fevereiro de 2020, a Autora celebrou com a Ré um contrato, sob a forma escrita, nos termos do qual esta lhe encomendou a execução de um conjunto de trabalhos de construção civil destinados à remodelação de uma habitação situada em Estocolmo, na Suécia, que as partes designaram por «Contrato de Empreitada», vide documento n.º 2. 4) Nos termos do sobredito contrato, compreendia a prestação da Autora na execução dos trabalhos e no fornecimento dos bens e serviços melhor identificados e discriminados sob o «ANEXO I» ao contrato de empreitada, ou seja: “1. Retirar papel de parede e pintura com tinta plástica de todos os tetos e paredes. Correção de defeitos/imperfeições encontradas nas paredes e tetos aquando início da obra ou durante a realização da mesma. 2. Lixamento e posterior pintura de todas as portas, aros, guarnições, janelas, apainelados e rodapés e correção dos mesmos. 3. Colocação de fechaduras novas e dobradiças em 5 portas. 4. Lixamento e tratamento de todo o chão (excepto quartos de banho). 5. Demolição e colocação de novo azulejo na cozinha. 6. Substituição de todas as portas e painéis das gavetas da cozinha. 7. Lixamento e envernizamento dos tampos da cozinha. 8. Colocação de painel de pladur no final do corredor e correspondente foco de luz. 9. Remoção do mosaico do chão do hall de entrada e colocação de chão de mármore e granito. Grande parte das pedras já vão cortadas de Portugal, mas algumas terão de ser ajustadas/cortadas no local da obra. 10. Remoção de banheira e armários de quarto de banho e colocação de base chuveiro e de armários de quarto de banho. 11. Colocação de barra metálica no walk in closet. 12. Substituição de toda a instalação elétrica (cabos, tomadas e interruptores), com colocação da mesma em tubos dentro das paredes. Fornecer novo quadro elétrico e montar e colocar novos aparelhos de comando. 13. Colocação também dentro das paredes e em tubos de cabo de tv cabo/internet e fibra ótica, desde entrada até sala e até ao quarto do fundo. 14. Colocação de soalho no corredor idêntico ao original. 15. Fornecimento de todas as massas, tintas, cimentos, colas, pladur e afins, necessários para os trabalhos descritos. 16. Fornecimento/aluguer de toda a maquinaria necessária à realização dos trabalhos descritos”, vide Doc. 2. 5) De igual modo, nos termos do aludido «ANEXO I» ao contrato celebrado entre as partes, obrigou-se a Ré, para além do pagamento do preço (vide Cláusula 4ª do Doc. 2), ainda ao fornecimento de um conjunto de bens e de serviços, nomeadamente providenciar a seu cargo o transporte de pessoas e bens, estadia e alimentação da equipa de trabalhadores da Autora que iriam executar os trabalhos na Suécia (vide Anexo I ao Doc. 2). 6) O preço ajustado para a execução dos trabalhos contratados foi fixado no valor global de €60.000,00 (sessenta mil euros), que a Ré, por seu lado, se obrigou a efectuar da seguinte forma: a) 40% na adjudicação e aquando da assinatura do presente contrato; b) 20% quando os trabalhos estiverem a meio; c) 20% após a conclusão da obra; d) 10% após 1 mês da conclusão da obra; e) 10% após 2 meses da conclusão da obra (Sic). 7) Ficou ainda acordado que iriam atuar como interlocutores, para a execução do contrato de empreitada, pela Autora, o Sr. Engenheiro BB, e pela Ré o Sr. CC e o Sr. Arquitecto DD (vide Cláusula 5ª). 8) Em consonância com as condições de pagamento contratadas, a Autora emitiu e enviou à Ré as seguintes facturas: a) Factura n.º 1 2000/000008, em 11/06/2020, pelo valor de €24.000,01 (40% + IVA a 23%) – Documento n.º 3; b) Factura n.º 1 2000/000009, em 11/06/2020, pelo valor de €12.000,00 (20% + IVA a 23%) - Documento n.º 4; c) Factura n.º 1 2000/000013, em 31/08/2020, pelo valor de €12.000,00 (20%) - Documento n.º 5; n.º 6; n.º 7. d) Factura n.º 1 2000/000014, em 31/08/2020, pelo valor de €6.000,00 (10%) - Documento e) Factura n.º 1 2000/000015, em 31/08/2020, pelo valor de €6.000,00 (10%) - Documento Todas as mencionadas facturas continham como condição de pagamento: “pronto pagamento”. 9) Por expressa solicitação do Sr. CC, interlocutor da Ré (marido), foram negociadas e acordadas alterações à execução dos trabalhos inicialmente previstos. 10) Alterações que se traduziram na realização de trabalhos a mais e que vieram a importar num acréscimo desse custo no valor de 6.083,90€ (seis mil e oitenta e três euros e noventa cêntimos) e que, em 28/08/2020, deram origem à emissão da Factura n.º 1 2000/000012, vide Documento n.º 8. 11) Tendo a Autora, no dia 8 de Julho de 2020, dado por concluídos todos os trabalhos a realizar na obra da Ré. 12) De acordo com a cláusula 13º do «Contrato de Empreitada» celebrado: “1 - Logo que a obra esteja concluída, efectuar-se-á uma vistoria para o efeito de recepção provisória, que será lavrada em auto assinado por ambas as contratantes. 2 – Se da vistoria resultarem defeitos e deficiências e a obra não estiver, por isso, em condições de ser recebida, esses mesmos defeitos e deficiências deverão ser especificados no auto, donde constará igualmente a declaração de não recepção.” 13) Auto que deveria ser lavrado e assinado conjuntamente pela Autora e Ré. 14) Não foi realizada a vistoria conjunta à obra e, por consequência, também não foi assinado nenhum auto de recepção provisória da obra. 15) Assim que a A. considerou concluídos os trabalhos, solicitou à Ré a realização da vistoria, para que a equipa de trabalho pudesse regressar definitivamente a Portugal. 16) Contudo o representante da Ré, Sr. CC, mostrou-se indisponível e recusou-se peremptoriamente a efectuar a vistoria, pretendendo combinar uma outra data futura, obrigando à deslocação para o efeito de Portugal à Suécia dum representante da Autora. 17) Aliás, o representante da Ré anunciou mesmo que pretendia fazer a vistoria sozinho e só posteriormente aceitaria fazer uma segunda vistoria acompanhado de um representante da Autora e só após essa vistoria estaria disposto para assinar um auto de recepção provisória da obra. 18) Situação esta que a Autora não concordou, por considerar ser contrária ao previsto na Cláusula 13º do Contrato, para além da mesma representar um custo para a Autora com a deslocação e estadia de um seu representante à Suécia. 19) Despesas estas que a Autora não pretendia assumir. 20) Após a data da conclusão da obra, aludida em 11), a Autora remeteu à Ré a factura correspondente ao valor de conclusão da obra, como clausulado no contrato. 21) No entanto, por carta de 10 de Agosto de 2020, a Sociedade Ré, devolveu a factura nº 1 2000/000010 de 04/08/2020, recusando o seu pagamento, como decorre do teor do documento junto como - Documento n.º 9. 22) Em resposta à comunicação da Ré, a Autora, em 28/08/2020, enviou-lhe uma nova carta pela qual dava conta da insistência de que os trabalhos já estavam concluídos desde o dia 8 de Julho de 2020 e, por causa disso, anexou as facturas referentes aos trabalhos executados e ainda não facturados e em dívida (facturas 12, 14 e 15), vide Documento n.º 10. 23) Carta que apesar da Autora ter remetido para o domicílio da Ré na Suécia e também para o domicílio desta conhecido em Portugal, na Alameda ..., ..., ..., no Porto, foram ambas devolvidas, por não reclamadas, sendo que todas as anteriores comunicações remetidas pela A. foram sempre recepcionadas pela Ré, vide informação postal aposta nos respectivos subscritos – Documento n.º 11 e 12. 24) Assim, a Ré não pagou o valor das Facturas consideradas vencidas pela A. e não pagas que correspondem à 3ª, 4ª e 5ª prestações do preço contratado e aludidos em 8), bem como dos trabalhos realizados a mais, no total de €30.083,90, ou seja: a) A Factura nº 1 2000/000013, com o valor de 12.000,00€ (doze mil euros), correspondente ao 3º pagamento e que deveria ter sido paga após a conclusão da obra; b) A Factura nº 1 2000/000014, no valor de 6.000,00€ (seis mil euros), correspondente ao quarto pagamento correspondente a 10 % do valor global da empreitada, que deveria ter sido paga um mês após a conclusão da obra; c) A Factura nº 1 2000/000015, no valor de 6.000,00€ (seis mil euros), correspondente ao quarto pagamento correspondente a 10 % do valor global da empreitada, que deveria ter sido paga dois meses após a conclusão da obra; d) A Factura nº 1 2000/000012, com o valor de 6.083,90€ (seis mil e oitenta e três euros e noventa cêntimos), referente aos bens e serviços inerentes aos trabalhos a mais que foram realizados na obra. 25) Nos termos do n.º 2 da cláusula 3ª do contrato de empreitada estabeleceu-se que a obra deveria estar concluída impreterivelmente até ao dia 30/Abril/2020. No entanto, estão ambos os contratantes dependentes das entregas de todos os materiais, podendo então, o prazo previsto de conclusão da obra ser alterado. 26) Nos termos do n.º 1 da cláusula 10ª do contrato de empreitada, para o caso de a A. não cumprir a obra no referido prazo, é aplicável, até ao fim dos trabalhos ou à eventual rescisão do contrato por parte do dono da obra a seguinte multa: a) €100,00 durante os primeiros quinze dias; b) €150,00 por semana a partir da 3.ª semana. 27) Nos termos dos nºs. 1 a 4 da cláusula 9ª do contrato de empreitada, ficou estipulado o seguinte: a) A A. obriga-se a executar a obra e a assegurar a correção de defeitos até à recepção definitiva com a diligência de execução e a precaução exigíveis segundo as regras de arte; b) A A. é plenamente responsável pela correcta execução e estabilidade da obra, pelo que lhe serão imputadas todas as deficiências e erros relativos à execução dos trabalhos ou à quantidade, forma e dimensão dos materiais aplicados; c) São da conta da A. quaisquer alterações e/ou reparações necessárias à adequada supressão de deficiências ou erros de execução ou acidentes verificados na obra e/ou das suas consequências, bem como a indemnização pelos danos directos sofridos pelo dono da obra; 28) A última vez que a A. esteve no local da obra foi no dia 08/Julho/2020. 29) A R./reconvinte elaborou um “Relatório de Inspecção” a 26 de Junho de 2020, em que considerou que a A. não executou os trabalhos seguintes: a) Relativamente aos trabalhos de “Lixamento e posterior pintura de todas as portas, aros, guarnições, janelas, apainelados, rodapés e correções dos mesmos”, a A. não executou o seguinte: i) Correcção de defeitos/imperfeições encontradas nas paredes e tetos aquando início da obra ou durante a realização da mesma; ii) Lixamento e última demão de pintura nas paredes do corredor, teto da sala e do quarto 1, ombreiras e peitoris das janelas e pontualmente algumas zonas onde se verificou a existência de primário sem cobrimento de tinta; b) Relativamente aos trabalhos de “Substituição de toda a instalação elétrica (cabos, tomadas e interruptores), com colocação da mesma em tubos dentro das paredes”, a A. não executou o seguinte: i) Substituição de alguns cabos antigos, em especial nos wcs, cozinha, closet e tetos na generalidade; ii) Ligações elétricas nas caixas de aparelhagem; iii) Colocação de espelhos de aparelhagem; iv) Fazer esquema da instalação executada; v) Testes finais; c) Relativamente aos trabalhos de “Substituição de todas as portas e painéis das gavetas da cozinha”, a A. não executou o seguinte: i) Substituição de 4 portas e gavetas da cozinha; ii) Afinação e correção do já aplicado anteriormente; iii) Colocar a porta do quarto 2 e do arrumo a fechar com trinco; d) Relativamente aos trabalhos de “Remoção de banheira e armários de quarto de banho e colocação de base chuveiro e de armários de quarto de banho”, a A. não executou o seguinte: i) Vedar envolvente da base; ii) Vedação dos tubos de água quente; e) Relativamente a “Fornecimento de todas as massas, tintas, cimentos, colas, pladur e afins, necessários para os trabalhos descritos e de toda a maquinaria necessária à realização dos trabalhos descritos”, a R. custeou vários materiais e equipamentos não fornecidos, entre outros, pladur, aluguer de máquina do taqueiro, serviços de picheleiro. 30) E, relativamente a trabalhos executados pela A. ainda ano âmbito do aludido relatório considerou, verificaram-se os seguintes defeitos que se passam a enunciar. Relativamente ao item “Retirar papel de parede e pintura com tinta plástica de todos os tetos e paredes. Correção de defeitos/imperfeições encontradas nas paredes e tetos aquando início da obra ou durante a realização da mesma”: a) Na cozinha: imperfeição nas esquinas envolventes da janela; falta de barramento em algumas zonas e de cobrimento total de tinta. b) No wc1: falta de cobrimento total de tinta e ausência de cuidado nos remates a elementos existentes; para evitar colocar a fita de remate nas luminárias, houve zonas que não levaram tinta; tampa de acesso ficou desligada. c) No closet: falta de cobrimento total de tinta e ausência de cuidado nos remates a elementos existentes. O teto não foi pintado, pelo menos em algumas zonas. O detetor de fumos não foi retirado. d) Detetores de fumos dos quartos que foram retirados não foram reaplicados e não estão no local. e) Corredores: falta de cobrimento total de tinta e ausência de cuidado nos remates a elementos existentes; patologias no alinhamento e aprumação das paredes; zona com um grande empeno em especial junto ao rodapé, na parede lateral esquerda. A correção implica demolição da parte do gesso cartonado e repor com material da mesma qualidade. f) Quartos 1, 2 e 3: falta de cobrimento total de tinta e ausência de perfeição nos remates; paredes com desalinhamentos resultantes da colagem de gesso cartonado. g) Sala e todos os quartos: foi betumada parte do fogão de sala sem qualquer indicação; ausência de cuidados entre o fogão de sala e as paredes existentes com remates mal acabados. h) Sala: falta de cobrimento total de tinta e ausência de perfeição nos remates; paredes com desalinhamentos resultantes da colagem de gesso cartonado; teto e parede com remendos. i) Os caixilhos ficaram cheios de tinta, necessitando de ser limpos em especial junto a ferragens que ficaram cheias de restos de obra e a não funcionar bem; remates que não foram tapados nem tratados; ficaram pingos por corrigir e zonas por acabar; faltam acessórios e falta voltar a fixar varões. Relativamente ao item “Lixamento e posterior pintura de todas as portas, aros, guarnições, janelas, apainelados e rodapés e correção dos mesmos”: a) Carpintarias e remates com paramentos. b) Remendos nos rodapés e nas guarnições. c) Ausência total de lixa e correção da base e primário, mesmo com pintura final sobre estas condições; d) Zona de padeira das janelas completamente rugosa e com tinta a descascar. Relativamente ao item “Colocação de fechaduras novas e dobradiças em 5 portas”: a) Entalhes sem cuidados. b) Portas empenadas e ausência de alinhamentos e afinação. Relativamente ao item “Lixamento e tratamento de todo o chão (excepto quartos de banho)”: a) Situações pontuais a necessitar de atenção a nível dos quartos. b) Corredor na zona nova deveria ter sido objeto de um escurecimento. c) Cozinha a necessitar de correções em especial a nível dos remates e em zonas que não foram tratadas. Relativamente ao item “Substituição de todas as portas e painéis das gavetas da cozinha”: a) Porta que veio para a zona da arca pequena veio com dimensões erradas. b) Todas as portas e gavetas aplicadas têm que ser afinadas. c) A porta do despenseiro empenada. d) A lateral da arca tem que ser ajustada para o alinhamento da restante cozinha, por forma a que a porta fique igualmente afinada. e) Faltam batentes tipo gotas, em todas as portas e gavetas. f) Falta uma prateleira antiga. Relativamente ao item “Lixamento e envernizamento dos tampos da cozinha”: a) Zonas com verniz por limpar. b) A zona encostada à placa está rugosa, com aparente lixo antes do envernizamento, tendo que ser lixado e envernizado de novo. Relativamente ao item “Remoção de banheira e armários de quarto de banho e colocação de base chuveiro e de armários de quarto de banho”: a) Encastramento dos tubos sem qualquer cuidado de vedação. b) Falta vedação da envolvente da base e remates finais. c) Sistema de alimentação de águas a ter que ser objeto de alteração. d) Evidência de infiltração na zona de descarga da base. e) Tubagem da água quente a pingar. Relativamente ao item “Colocação também dentro das paredes e em tubos de cabo de tv cabo/internet e fibra ótica, desde entrada até sala e até ao quarto do fundo”: a) Existência de pontos por colocar aparelhagem a necessitar de ser corrigidos – por exemplo, no corredor- hall foi colocada o espelho final e as teclas sem funcionar por empeno da parede. b) Existência de várias caixas por equipar, como por exemplo no closet. c) Foram retirados os detetores de fumos e não foram reaplicados, faltando 4 unidades. d) O arrumo da entrada não teve qualquer intervenção a nível de acabamentos e instalação e) Ligações de internet completamente descarnadas sem terminal no arrumo do corredor. f) Zonas onde não cabem os espelhos e onde falta equipar. g) Caixas (por exemplo, na sala) sem possibilidade de fixação de espelhos. h) Exemplos de silicones e remates junto de caixas de aparelhagem e que vão ter que ser retiradas e corrigidas. i) Falta de algumas peças nos espelhos já aplicados. j) Alguns pontos de tecto sem energia, tal como na sala, assim como os radiadores da sala. k) Falta de entrega do esquema do executado. Algumas correções obrigam a executar trabalhos sujos e com novo entulho, provocando nova sujidade e com grande possibilidade de estragar o existente. Com efeito, as correções implicam, entre outros, o seguinte: a) Demolição e reconstrução com gesso cartonado de parte da parede do corredor que tem que ser demolida; b) Demolição das laterais da base para retirar os tubos aí encastrados e verificar a vedação da mesma; c) Nova despesa de cerâmico e outros materiais, assim como de tubagens; d) Correcção de todos os aros e guarnições; e) Lixamento, limpeza e pintura das envolventes das janelas; f) Pintura dos tectos; g) Protecção do pavimento que já esta acabado; h) Refazer dos remates de argamassa na cozinha, junto ao pavimento; i) Tratamento do soalho por baixo dos eletrodomésticos; j) Completar e testar a instalação elétrica; k) Muitas das correções de paredes obrigam a retirar miolos de caixas e espelhos finais, conforme relatório de inspecção com data de 29/Junho/2020 junto como Doc. 1, bem como e-mail junto na audiência de 11.10.2023. 31) A R. considerando haver incumprimento defeituoso do contrato de empreitada por parte da A. enviou email à A. do dia 20/Julho/2020 que se junta como Doc. 2 cujo teor aqui se tem como integralmente reproduzido, no qual a R. comunicou à A. que a obra não estava concluída, faltando executar trabalhos e existindo defeitos/problemas que enumerou, entre outros, e no qual se dava um prazo à A. para conclusão da obra e reparação/eliminação dos defeitos/problemas, concretamente um prazo máximo para conclusão dos trabalhos até ao dia 20/Agosto/2020, sendo que, caso tal não sucedesse, se consideraria o incumprimento definitivo. 32) Nesse email foi transmitido à A. a existência de prejuízos que teriam que ser ressarcidos, designadamente, o custo dos trabalhos para conclusão da obra e reparação/eliminação dos defeitos/problemas de valor não inferior a € 25.000,00, as penalidades pelos atrasos nos termos da cláusula 10ª do contrato de empreitada e os prejuízos pela privação de rentabilização do imóvel em causa. 33) A R./reconvinte enviou carta registada com aviso de recepção com data de 10/Agosto/2020 que se junta como Doc. 3, cujo teor aqui se tem como integralmente reproduzido, no qual se comunicou à A. que tendo em conta o prazo já dado, no pressuposto da não conclusão dos trabalhos até ao dia 24/Agosto/2020, se considerava o incumprimento da A. definitivo para os devidos efeitos legais e, assim, nessa data deveria considerar-se o contrato resolvido sem mais qualquer comunicação, pelo que a carta em causa servia para comunicar que se procedia à resolução do contrato nesses termos. 34) A R. efectuou vistoria à obra, designadamente em Junho/2020, em Julho/2020 (incluindo o dia 10/Julho/20220) e Agosto/2020, e comunicou sempre à A. o resultado das mesmas, por exemplo, enviando à A. o relatório de inspecção elaborado a 26 de Junho de 2020 pela Eng. EE, no qual eram discriminados os trabalhos não realizados bem como os defeitos do que fora executado.
36) A execução dos trabalhos teve de ser suspensa devido ao confinamento decretado em Março de 2020 por causa da pandemia do COVID-19. 37) Pois como os trabalhadores destinados à execução da obra eram todos portugueses e a residir em Portugal, teriam de se deslocar até à Suécia para a execução da obra, o que se tornou impossível pois não era permitida a realização de viagens internacionais. 38) No entanto a obra foi retomada logo que se tornou possível efetuar as viagens internacionais, tendo a mesma sido declarada concluída pela Autora/Reconvinda em 8 Julho de 2020. 39) A Ré disse à A. que apenas as paredes de uma das divisões da habitação a restaurar estaria revestida a papel e que todas as restantes seriam superfícies pintadas. 40) Porém, quando o representante da Autora se deslocou ao local para proceder às medições veio a constatar que mesmo as paredes com revestimento pintado, por debaixo da pintura possuíam revestimento de papel com uma pintura sobreposta. 41) O que aumentou, desde logo, o volume dos trabalhos a realizar pela Autora para o tratamento e repintura das paredes. 42) No que se refere às madeiras, nalgumas das portas, dada a sua antiguidade, as madeiras não permitiriam mais afinação do que aquelas que lhes foram efetuadas, chegou mesmo a contratar uma empresa local, sueca, especializada na colocação e afinação de portas em madeira, para tentar corrigir esses putativos “defeitos”, tendo os mesmos concluído que o trabalho de afinação executado pela Autora não podia ser melhorado, já estavam as portas alinhadas e afinadas dentro do que os materiais o permitiam. 42-A[1]) A Ré, porque pretendeu reduzir os custos de execução da obra, exigiu que as portas, em especial as portas das divisórias da habitação, fossem aproveitadas, em lugar da sua substituição. 43) No termo da obra não foi possível efetuar uma vistoria conjunta dos trabalhos porque o representante da Ré se mostrou indisponível para o fazer enquanto os funcionários da Autora se mantinham em obra na Suécia, pese saber que estes tinham já viagem de regresso a Portugal marcada. 44) Num dos contactos com a A., ocorrido antes da data de elaboração do “relatório” a Engª EE entrou em contacto telefónico, a partir de Portugal, com um representante da Autora, que na data se encontrava em Estocolmo a coordenar os trabalhos da obra, para junto dele obter esclarecimentos sobre a obra.
Foram os seguintes os factos havidos como não provados: a) Os trabalhos tenham sido de imediato iniciados à data referida em 3) dos factos provados. b) A Autora concluiu a obra sem defeitos visíveis e em condições de poder ser recebida pelo dono de obra em 8 de Julho de 2020. c) Desde 8 de Julho de 2020 que a Ré utiliza o imóvel destinando-o a arrendamento. d) Era essencial a conclusão da obra no prazo constante do contrato, pois o atraso impedia a rentabilização do imóvel em causa, designadamente por via de arrendamento do mesmo. e) Para a elaboração do documento aludido em 34) a autora desse documento, a Sra. Engª. EE, não tenha observado presencialmente a obra f) Aquando do final da obra em 8 Julho de 2020 a obra, para além de problemas de pichelaria na casa de banho e betume nas juntas dos azulejos e alguns remates, a mesma padecesse dos defeitos descritos em 29) e 30) dos factos provados. g) O custo dos trabalhos em falta e da correcção dos defeitos ascende a um valor global não inferior a €30.000,00.
No que interessa agora à convicção do Tribunal, fez este consignar o seguinte: Ponderaram-se depoimentos testemunhais. FF, filha do sócio gerente da A., jurista, na altura era sócia-gerente da A.. O contrato foi negociado entre a testemunha, o pai e o Dr. CC. Nunca esteve na Suécia para ver a obra. Anexo 7, 8, 9, troca de correspondência com a R., porque esta ia assumir os custos da deslocação para a Suécia, só quando o material estivesse na Suécia é que ia o pessoal. Os trabalhadores não puderam ir antes por causa da pandemia do COVID 19. Nunca foi dito que a A. tinha de ir buscar o material. Os trabalhadores quando chegaram à Alemanha não tinham o hotel pago, tendo a A. tido que pagar tal despesa, o que ainda não foi pago pela R. Todas as facturas foram emitidas de acordo com o contratado. Foram para a Suécia em Maio e regressaram em Julho, tendo ficado por colocar um espelho, tendo a obra terminado em 8 de Julho. As portas não estavam afinadas e contratou uma empresa local na Suécia para fazer tal trabalho, o que não foi facturado à R, tal como não foi facturada a segunda ida à Suécia. GG, subempreiteiro da A. para efectuar a recuperação e colocação de equipamentos no prédio. Foi no 1º dia com outros trabalhadores para a Suécia. Viu a casa antes de ser requalificada, era uma casa centenária, com parede em tabique e quando foi para tirar o papel a parede caiu. O dono da obra o Dr. CC ia lá periodicamente e não havia mais ninguém a a acompanhar a obra. Estava prevista a realização da obra no período de um mês. Serviu de intérprete com uma empresa local para afinar as portas. O trabalho de carpintaria foi todo realizado. Na 2ª vez foi com o HH 5 dias e a obra estava toda terminada, tal como resulta do vídeo o qual foi realizado no último dia da 1ª fase. As portas já existiam e foram aproveitadas. O 2º vídeo foi realizado na 2ª vez (em Julho) que foram à Suécia, com vista a corrigir certos pormenores, como o espelho. A instalação eléctrica ficou a funcionar, tendo sido fiscalizado por terceiros que a R. arranjou para tal função. Existe ainda um 3º vídeo. Quando instalaram o poliban foi uma autoridade sueca que fez a intervenção nas tubagens e fez a avaliação. EE, engenheira civil, elaborou um relatório para a R. Foi contactada pelo Dr. CC para ver o problema técnico que tinha o apartamento. Elaborou o relatório na após ida à Suécia. Houve trabalhos mal executados e outros não executados. Fez um pré relatório em 5 de Junho (face às fotos enviadas) e quando se deslocou à obra em 26 de Junho a mesma estava parada. Na reunião online de 4 de Julho estava o HH da A, e o CC por parte da R., tendo aquele reconhecido a necessidade de corrigir os defeitos da obra. Na reunião online de 10 de Julho a situação retratada no relatório em Junho mantinha-se, com excepção das questões elencadas neste dia através de e-mail enviado e junto agora aos autos. A parte eléctrica nunca foi contemplada nos custos elaborados pela testemunha. Colocaram gesso cartonado sobre papel em vez de pintura por ser uma solução mais barata. A base do duche estava mal colocada e ia trazer problemas de infiltrações. CC, médico, marido da R.. O sócio-gerente da A. (HH) foi ao local ver o apartamento para fazer uma avaliação das obras e de seguida apresentou um orçamento e assinaram o contrato. A obra começou a 20 de Maio mais tarde que o previsto. Nunca autorizou a colocação de pladur porque o prédio é de 1912. Saíram da obra em 18 de Junho de 2020. A engª EE foi ao apartamento em 26 de Junho e enviaram o relatório ao empreiteiro. Na sequência do relatório e das reclamações a A, foi lá uma semana mais tarde, deram uns retoques e deixaram tudo igual. Queriam que fizesse uma vistoria à noite sem luz, o que recusou, dizendo que tinha de ser de dia, não tendo aparecido para a realização da vistoria. Saíram da obra e deixaram divisões sem luz e internet. O apartamento era para arrendar, tendo começado a arrendar em Dezembro. O valor da renda é de €3.300 a €3.500,00. DD, arquitecto, amigo da R. Foi ao andar cerca de 6 vezes. Na 1ª vez esteve lá com o empreiteiro na visita ao apartamento ainda antes da obra. Viu o relatório da engª EE e concordou com o que lá estava escrito. Houve atrasos na realização da obra mas desconhece se o COVID foi a razão do atraso. Após o empreiteiro sair da obra foram arranjados trabalhadores para corrigir os defeitos, designadamente electricista e picheleiro, bem como houve necessidade de terminar acabamentos de trolha para betumar juntas. II, carpinteiro, esteve na obra. Foi chamado pela A e foi lá em Fevereiro, cerca das 18h, ver o que era necessário, tendo ido lá depois em Maio, altura em que já lá andavam outros trabalhadores há cerca de 2 semanas. Em Maio foi com o taqueiro e andou lá 2 semanas. O marido da A. queixava-se que aquilo não estava bem, como a pintura, as paredes, os rodapés. Pintaram por cima da tinta velha e não rasparam, a base do duche mexia. Foi meter as portas da cozinha e deixou-as afinadas, tirou e voltou a pôr o mesmo rodapé depois de colocar o soalho. Ponderaram-se ainda as declarações de parte do sócio gerente da A, HH. Quando chegou à obra para começar a mesma verificaram que todas as paredes se encontravam com 3 camadas de papel, sendo paredes de tabique, na sequência de tal facto fizeram uma reunião com o marido da R. e acordaram em fazer a aplicação do pladur. Quando foi para fazer o segundo pagamento demorou a fazer o mesmo, mas pagou. No dia 25/26 convidou o marido da R. a fazer a vistoria à obra, mas recusou-se quando só faltava colocar um espelho, que aquele disse que o colocaria. Na sequência do marido da R. ter elencado alguns defeitos foi outra vez à Suécia, onde constatou que a tampa da cozinha estava queimada, a banheira tinha um buraco. No dia 5 convidou o marido da R. a fazer uma vistoria, o qual se recusou a tal. Regressaram a Portugal e a filha recebeu um e-mail da R. a dizer que tinha roubado uma escada. Aquilo não era uma obra nova. Antigamente não tinha base de duche, não tendo sequer mexido nas águas. Foi tudo testado e havia luz, até fizeram caixas de ligação que nem estavam previstas. O marido da R., tal como o arquitecto que acompanhou a obra nunca apresentaram qualquer reclamação. O carpinteiro veio embora em primeiro lugar e em 27 de Junho de 2020 veio a parte e mais 3 trabalhadores. A obra não se iniciou por causa do COVID e não estavam autorizados a viajar. Estiveram cerca de 1 mês na obra. As portas ficaram todas a funcionar e fechavam, mas não era possível a desempenar as portas porque são muito antigas. Não mexeram na lareira, apenas arranjaram as juntas com massa a pedido da R.. Não foi pedida a substituição dos rodapés. Não havia caderno de encargos. Fez os vídeos no final da obra, ou seja, em Junho aquando da correcção dos defeitos. Parte dos rodapés são novos e parte são reparados. No decorrer da obra falou com a engª EE por videoconferência e disse-lhe se queria a obra de outro tipo tinha de haver caderno de encargos. Todo o material foi escolhido pela R.. Ponderaram-se ainda os vídeos e material fotográfico junto aos autos. Ponderaram-se ainda os documentos juntos aos autos, desde logo os referidos na factualidade provada, bem como todos os restantes juntos aos autos, designadamente: As facturas emitidas pela A. docs. 3 a 8; Relatório de Inspecção elaborado pela R./reconvinte, bem como docs 2, 3, e 4 juntos com a contestação, tal como os documentos juntos pela A/reconvinda em sede de réplica, a versar sobre troca de correspondência entre as partes. Documentos juntos pela A. sob a R. E. 43848298 de 11/11/2022, entre os quais 6 ficheiros de vídeo. E-mail de 9 de Julho de 2020 da R. à A. sobre a disponibilidade para vistoria da obra, bem como e-mail de 10 Julho de 2020 da engª EE a informar a A. da persistência de patologias na obra. E-mail de 10.07.2020 em que a testemunha EE continua a reafirmar a existência de parte do defeitos elencados no relatório anteriormente por si elaborado e referido em 34) dos factos provados. Quanto à análise crítica da prova, mais se consignou o seguinte: Algumas considerações cabem ser feitas sobre a prova produzida e consequente: No que concerne à questão do atraso da obra, foi evidente que a A./reconvinda não podia ter a obra concluída no prazo acordado de 30 de Abril de 2020. Com efeito, é facto notório e do conhecimento geral, o que nem sequer merece grandes considerações, veja-se toda a legislação prolatada pelo Governo Português desde 13 de Março de 2020, todo o mundo foi confrontado com a COVID 19, a qual implicou restrições severas nas viagens das pessoas, mesmo a nível interno com proibição de circulação entre concelhos, quanto mais a nível de viagens internacionais, como seria o caso de viagens entre Portugal e a Suécia. Aliás, a R. em toda a abundante correspondência trocada com a A., aceitou isso como dado adquirido, tanto mais que não resolveu o contrato, continuando a actuar e exteriorizando actos que não consubstanciavam qualquer falta de interesse pela manutenção do contrato, atente-se na compra das viagens para os trabalhadores já após a declaração da pandemia, vide e-mail de 7 e 8 de Abril de 2020. Relativamente à questão das obras adicionais (facto provado sob 10), também é evidente que elas foram realizadas a pedido da R./reconvinte, vide entre outros e-mail de 1 e 3 de Junho de 2020, bem como declarações de parte do sócio gerente da A. e testemunha FF, os quais são claros em descrever os trabalhos acordados a mais, o que não foi minimamente abalado por qualquer outra prova credível. Aliás, diga-se, seguindo as regras da experiência comum e da actuação do homem médio, não se compreenderia que a A. fosse realizar obras a mais, de motu proprio, gratuitamente, ou seja, não é minimamente credível tal versão. Relativamente à questão da realização da obra e defeitos da mesma há a dizer o seguinte: Quanto à obra a realizar ela era a referida em 4) dos factos provados. Sobre a questão da existência dos pretensos defeitos na realização da obra (facto provado de 29 e 30) e não provado em f), o tribunal assentou a sua convicção no seguinte. Foi evidente que a R./reconvinte não satisfeita com a obra realizada pela A. solicitou a realização de um relatório, o que foi elaborado, após visita presencial à obra, pela testemunha EE, onde constatou as discrepâncias da obra, tendo posteriormente, na sequência de videoconferência com a testemunha CC (marido da R.), emitido a sua opinião sobre os defeitos que se mantinham (vide e-mail junto em audiência de julgamento datado de 10.07.2020). Por sua vez a A./reconvinda pugnou que a obra foi realizada dentro dos parâmetros que lhe foi pedido. O Tribunal conjugando toda a prova considerou que no final a obra, salvaguardando limitados defeitos, encontrava-se de acordo com o contratado pelo seguinte. O relatório referido em 29) e 30) foi elaborado sem nenhuma participação e contradição da Autora/reconvinda. Posteriormente a engenheira EE tem uma videoconferência com a testemunha CC (marido da R.) em que reafirma os defeitos nos termos exarados no e-mail de 10.07.2020. Sucede que foi produzida prova, designadamente, pela testemunha GG (interveio nas várias fases da obra) a referir que a obra estava toda concluída e nada havia a corrigir. Este depoimento encontra-se alicerçado nos vídeos finais elaborados pela A./reconvinda a demonstrar não padecer a obra dos defeitos imputados pela R./reconvinte. Tal versão dos factos é aquela que mais se encontra próxima da realidade dos factos, quando confrontamos com o depoimento da testemunha DD (arquitecto e amigo da R. tendo ido à obra cerca de 6 vezes), o qual instado sobre os defeitos da obra refere que após a saída do empreiteiro da obra foram arranjados trabalhadores para corrigir trabalho de electricista (chão aquecido o que não fazia parte da empreitada), picheleiro para a casa de banho, havendo ainda outros acabamentos de trolha para betumar juntas. Temos ainda o depoimento da testemunha JJ a dizer que a obra estava toda pintada e quando veio embora da obra não havia nada a corrigir. Ora, esta versão encontra-se ainda alicerçada nas declarações de parte do HH, o qual afigurou-se ao tribunal ter prestado um depoimento escorreito e credível sobre as circunstâncias em que ocorreram os factos. A credibilidade de tais depoimentos/declarações não conseguiram ser postas em causa pelo depoimento das testemunhas EE e CC, sendo que a testemunha II (carpinteiro) referiu que deixou as portas afinadas e meteu os mesmos rodapés. Acresce que estamos a falar de um prédio antigo em que a R./reconvinte pretendia aproveitar a maior parte dos materiais, pelo que é natural que não se possa exigir que o velho fique como novo, quando a maior parte dos materiais continuam na obra, isto é, não se pode pretender obter a reparação de um prédio centenário, pretendendo que tudo fique novo e alinhado, quando o material antigo não permite sequer tal possibilidade. Ou seja, no mínimo, face à prova produzida, levanta-se uma dúvida séria sobre a pretensa existência dos defeitos invocada pela R/reconvinte, o que nos termos do artº 414º, do CPC a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Ora, o citado artº 414º do Código de Processo Civil enuncia duas regras: -A dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. -A dúvida sobre o ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. A primeira regra é a consequência da consagração, no Direito Civil, das normas de distribuição do ónus da prova, que fica, em princípio, a cargo da parte a quem o facto aproveita (artºs. 342º a 345º do Código Civil): A dúvida sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar. A segunda regra constitui também um enunciado de direito material, aliás também parcialmente constante do artº 342º nº 3 do Código Civil: É a análise das normas de direito substantivo que, além do mais, permite distinguir o facto constitutivo dos demais, estabelecendo aquele normativa que, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (cf. Lebre de Freitas, in “Código do Processo Civil Anotado”, Vol. 2, p g. 402). * Isto posto, caberá justificar o autónomo juízo probatório que este tribunal empreendeu, sublinhando-se a autonomia decisória, sendo certo que, guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1). Em resumo, reapreciação dos meios de prova, de todos os meios de prova, mas verificação ainda da correcção do juízo probatório constante da sentença recorrida, em termos de não estar em causa a substituição de um juízo probatório possível por outro, mas a confirmação da evidência da apreciação errada da prova pelo juiz recorrido[2]. O duplo grau de jurisdição em matéria de facto, consagrado no art. 662.º do CPC, eleva o Tribunal da Relação à condição de verdadeiro tribunal de instância, ao dotá-lo de competência alargada para reapreciar a decisão proferida na primeira instância, garantindo um apuramento rigoroso da verdade material e uma decisão de mérito justa. Como salientado em STJ 26.11.2024 (417/21.7T8AGH.L1.S1), Cristina Coelho, e em STJ 17.12.2024 (4810/20.4T8LSB.L1.S1), Ricardo Costa, a intervenção da Relação configura um autêntico recurso de reponderação ou de reexame, sempre que todos os elementos probatórios — incluindo depoimentos gravados — constem dos autos. Se a Relação modifica, altera ou adita a decisão recorrida, o resultado é uma decisão de substituição. Daí que o tribunal ad quem detenha a mesma amplitude de poderes de julgamento que a primeira instância, como decorre da remissão do art. 663.º/2 para os arts. 607.º/4 e 5, afastando-se qualquer ideia de subordinação hierárquica. O controlo da matéria de facto deve, pois, ser autónomo, com convicção própria, não dependente da formada pelo julgador a quo. O art. 662.º do CPC atribui à Relação plena autonomia decisória na reapreciação e eventual modificação dos factos, competindo-lhe formar o seu próprio juízo probatório relativamente aos pontos impugnados, com base na prova produzida e naquela que considere necessário renovar ou produzir, segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Não se limita a detetar “erro manifesto”; possui poderes suficientemente amplos para proferir decisão diversa. Ainda assim, subsistem os princípios da imediação, oralidade, concentração e livre apreciação da prova. Por isso, o exercício dos poderes modificativos da Relação deve ocorrer apenas quando seja possível concluir com a necessária segurança pela existência de erro na apreciação de concretos pontos de facto. A alteração da matéria de facto exige, pois, que da audição dos registos e conjugação da restante prova resulte, de forma segura, uma solução probatória distinta da adotada na primeira instância. Tal como nota Ana Luísa Geraldes, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, I, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 609). Na mesma linha, o RE 11.01.2024 (129/21.7T8SLV.E1), relatado por Tomé de Carvalho, acolhe expressamente o princípio in dubio pro iudicato, entendimento que Miguel Teixeira de Sousa qualifica como “pragmático e realista” (“Jurisprudência 2024 (13): Matéria de facto; recurso; controlo pela Relação”, disponível em blogippc). Sempre a insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1). De todo o modo, a impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil). O que na fundamentação, também na deste tribunal, tem que resultar claro, de modo a permitir a sua reconstituição, é a razão da decisão tomada relativamente a cada facto que se considera provado ou não provado, que não já uma fundamentação relativamente a cada um dos factos. A fundamentação da decisão há-de permitir às partes uma avaliação cabal e segura da razão da decisão adoptada e do processo lógico-mental que lhe serviu de suporte. Não basta, pois, uma declaração genérica e tabelar, sem assegurar a apreciação de toda a matéria em discussão, permitindo julgamentos implícitos e subtraídos a toda e qualquer fiscalização, sendo imprescindível que a fundamentação, como base de um processo decisório, se exteriorize em termos que permita acompanhar o percurso cognoscitivo e valorativo que explicite, justificando, uma concreta tomada de posição jurisdicional.[3] Dispensa-se já o mero elencar das declarações, sobretudo sem a análise crítica correspondente. É que, como é consabido, na produção e depois na valoração da prova do que se trata é de um confronto de provas e não uma hierarquia ou de precedência de provas. Um depoimento merece credibilidade, não por se tratar de uma prova indicada pelo Autor ou pelo Réu, mas porque pelas suas características convence o tribunal que o que narra corresponde à realidade dos factos, «ao realmente acontecido». É a razão desse convencimento que importa justificar, que não já reproduzir as declarações desta ou daquela testemunha… Sempre é o conjunto ou a totalidade de um depoimento, que não uma ou outra afirmação ou resposta isolada, que é apto a convencer de uma realidade ou verdade, sabido que é que tantas e tantas vezes a consideração de um segmento isolado e descontextualizado de uma afirmação é susceptível de induzir uma realidade completamente distorcida ou deturpada de um testemunho. A credibilidade é mais função de um juízo de adequação do atestado ao curso dos eventos, que uma qualidade subjectiva ou afirmação apriorística de interesse ou implicação na causa. Para o efeito, será de submeter as declarações de parte, como qualquer outra prova oral, a um standard de valoração judicial, que passa pela sua credibilidade subjetiva (a), designadamente a sua razão de ciência e os seus interesses (pessoal, profissional ou qualquer outro), credibilidade objetiva (b), mormente no confronto com prova pré-constituída, e a verosimilhança da sua versão (c), tanto ao nível da coerência narrativa, como do contexto descritivo e eventual corroboração periférica. Reconheça-se que se a prova reclamasse a certeza absoluta a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça (cf. Prof. Antunes Varela na RLJ 116/339). Importa considerar que a formação da convicção do juiz e a criação do espírito no julgador de que determinado facto ocorreu e de determinado modo, “se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Neste sentido Manuel Tomé Soares Gomes, Um Olhar sobre a Prova em Demanda da Verdade no processo Civil, Revista do CEJ, Dossier temático Prova, Ciência e Justiça - Estudos Apontamentos, Vida do CEJ, Número 3º, 2º Semestre, 2005, pp. 158 e 159. Ensina ainda o prof. Castro Mendes “a convicção humana é uma convicção de probabilidade”; de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente”. É que, outrossim, decisiva para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, i.é., a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que, por definição, possuem motivações apreensíveis, são orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal. Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou que o seu objectivo é diferente daquele que se pretende. Quanto agora à inclusão na matéria de facto de conclusões ou juízos conclusivos, com um conteúdo jurídico ou a ele relacionável, desde logo[4], temos entendido ser preferível um entendimento eclético, no que importa à manutenção ou uso de expressões que, tendo um conteúdo jurídico, apresentam também um conteúdo apreensível para além ou para lá do mundo do direito. Com efeito, ainda na vigência do CPC de 1961, o STJ notou, em Acórdão de 13.11.2007 (07A3060), relatado por Nuno Cameira, que “[t]orna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos.” E acrescentou que “não pode perder se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas.” Já no âmbito do CPC de 2013, o STJ, em Ac. de 22.03.2018 (1568/09.1TBGDM.P1.S1), relatado por Abrantes Geraldes, considerou que a inexistência no CPC de 2013 de um preceito como o do art. 646/4 do CPC de 1961 “não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui matéria de facto e matéria de direito.” Escreveu-se ali que “[n]o que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961 (…) A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961 (…)” O relator deste Acórdão, Conselheiro António Abrantes Geraldes, renovou este entendimento na sua obra Recursos em Processo Civil (7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, pp. 354-355), ao escrever que, em resultado da modificação formal da produção de prova em audiência, que passou a ter por objeto temas de prova, e da opção da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, “deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja matéria de direito ou matéria conclusiva que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso (...) A patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como matéria de facto provada pura e inequívoca matéria de direito…” Sem prejuízo, como salientado no Acórdão da Relação de Guimarães de 11.11.2021 (671/20.1T8BGC.G1), relatado por Raquel Batista Tavares, “não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir “factos provados” para esse efeito as afirmações que “numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido”… (e, acrescentamos, a causa de defender). De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a “assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”. No mesmo sentido, o Acórdão da mesma Relação de 31.03.2022 (294/19.8T8MAC.G1), relatado por Pedro Maurício, sintetiza a questão nos seguintes termos: “[a]figura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor.” E, sufragando RP 07.12.2018 (338/17.8YRPRT), acrescenta que: “Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais.” Deste modo, tendo presente que a linha divisória entre o facto e o direito não é linear, tudo dependendo, no dizer de Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Coimbra: Almedina, 1982, p. 270, “em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes”, há sempre que verificar se o facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo que importa para uma decisão justa. Ainda quando os factos conclusivos estejam diretamente relacionados com o thema decidendum, apenas são a desconsiderar quando impeçam ou dificultem de modo relevante a percepção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor. Finalmente, sendo que todas estas considerações, aparentemente gerais, são as determinantes para a solução das questões probatórias que somos convocados a decidir pelo recurso interposto, há que salientar outrossim que a sentença não deixa de se constituir como um ato jurídico não negocial ao qual, nos termos do artigo 295º do CC, são aplicáveis as regras gerais da interpretação dos negócios. Donde, a mais da teoria da impressão do destinatário, se impõe a consideração dos concretos declaratários, as partes e por isso que a economia do dissídio desenhado na acção, como horizonte no qual se move a decisão do tribunal. Isto, posto, adiantando-se que conheceremos, por facilidade de compreensão e justificação, da impugnação da matéria de facto por grupos temáticos de factos interligados:
Tendo-se por despiciendas[5] à economia da decisão as menções constantes daqueles factos quanto à conformidade ao contratado da emissão da faturação[6], razão pela qual se determina a respectiva eliminação, passando os factos a ter a seguinte redação, eliminando-se totalmente o facto sob 20: 8) A Autora emitiu e enviou à Ré as seguintes facturas: a) Factura n.º 1 2000/000008, em 11/06/2020, pelo valor de €24.000,01 (40% + IVA a 23%) – Documento n.º 3; b) Factura n.º 1 2000/000009, em 11/06/2020, pelo valor de €12.000,00 (20% + IVA a 23%) - Documento n.º 4; c) Factura n.º 1 2000/000013, em 31/08/2020, pelo valor de €12.000,00 (20%) - Documento n.º 5; n.º 6; n.º 7. d) Factura n.º 1 2000/000014, em 31/08/2020, pelo valor de €6.000,00 (10%) - Documento e) Factura n.º 1 2000/000015, em 31/08/2020, pelo valor de €6.000,00 (10%) - Documento Todas as mencionadas facturas continham como condição de pagamento: “pronto pagamento”; 24)[7] A Factura nº 1 2000/000012, com o valor de 6.083,90€ (seis mil e oitenta e três euros e noventa cêntimos) foi reportada pela Autora a serviços (dispêndio de horas de trabalho) inerentes a “trabalhos a mais” (preenchida como referindo-se ao seu valor ou preço) que foram realizados na obra ou por causa dela e ao custo de despesas de alojamento, nos termos que dela melhor constam. Assim: - estadias em hotel e custos de transporte: 210,40 EUR; - trabalhos e materiais incorporados: 4.015 EUR; - deslocação e trabalho de transporte e carga de materiais para a obra pelos funcionários da A: 1 858,50EUR. Desde logo, quanto à falta de prova do facto sob d), decisivo nos parece já, no confronto com as declarações claramente implicadas ou interessadas do marido da ré e principal interlocutor e acompanhante na execução do contrato, como resulta da totalidade da prova, atender aos termos do próprio contrato (enquanto manifestação escrita da vontade real das partes) e, de forma não escamoteável, ao comportamento das partes, assim a Autora, durante a execução do contrato e mormente após a ultrapassagem daquele prazo e ao longo dos trabalhos de execução… Pese embora a sede própria para a interpretação de contratos o seja a da matéria de direito, resulta curial convocar o teor do acordado nesta sede, na medida em que se constitui como um factor relevantíssimo de aferição da vontade real subjacente ao texto… Na verdade, sendo certo que a Ré (quase melhor se diria os RR, tal o interesse da testemunha cujo depoimento a recorrente convoca nesta sede) destinava o apartamento ao mercado de arrendamento e que o pretendia fazer a curto prazo [é o que mais resulta do estabelecimento de uma cláusula penal para o atraso da prestação (cláusula 10ª) e a possibilidade bem assim de “resolução” no caso de ultrapassagem do prazo fixado (cláusula 11ª), que denotam um manifesto interesse na execução breve da obra…], os termos do clausulado, na necessária articulação entre as referidas e aparentemente contraditórias cláusulas 10ª e 11ª, induzem que o interesse na manutenção ou extinção do contrato, ultrapassado o prazo fixado naquele sob a menção a impreterível[8], foi deixado “nas mãos” da Ré… Assim, ultrapassado o prazo ou data prevista como de conclusão, nos termos acordados, a Ré poderia “rescindir” (resolver, dizemos nós) o contrato ou fazer-se valer da sanção pecuniária para a mora ou atraso, o que, naturalmente, pressupunha a opção pela não resolução e pela manutenção da relação contratual… Ora, a mais do contratado, nos termos que se expõem, o que emerge demonstrado é que a Ré, ultrapassado o prazo, manifestamente, não optou pela rescisão/resolução, com o que mister é inferir que manteve o interesse na sua execução, descaracterizando, pois, a hipótese da condição resolutiva automática que tinha sido admitida/prevista também… Na verdade, o próprio início dos trabalhos foi de tal modo que logo ultrapassado o prazo fixado, sendo que, não obstante, as comunicações das partes juntas aos autos quanto a tal aspeto (assim as prévias ao início da obra), ressalvada uma única comunicação de “pressão” para o início da obra pela A., o que ressalta é a manutenção pela Ré do interesse na realização da obra e pela A…pese embora o lapso de tempo já decorrido. Não resulta, pois, demonstrado que a vontade real das partes, mormente a da Ré fosse a de haver, sem mais, o prazo constante do contrato como absolutamente fixo, em termos de subsistir totalmente o juízo quanto à falta de prova do facto sob d). Quanto à interferência da situação de emergência implicada pela epidemia Covid no atraso no início da obra (que não propriamente na execução desta[9]), o que determina a correção/retificação dos factos provados, o juízo constante da motivação da sentença é cabal e criterioso e sobreleva o depoimento da testemunha convocada. Com efeito, não estava em causa “apenas” a situação na Suécia ou a existência de voos, nem a particular situação da testemunha (com residência também na Suécia, o que altera desde logo os termos da questão), mas o “confinamento obrigatório” que em Portugal vigorou durante largo tempo, desde logo com restrições de circulação entre concelhos, proibições de deslocação e mesmo “cercas sanitárias” localizadas[10]/[11]. Acrescem, decisivamente, as dificuldades na aquisição de materiais. Ao menos uma comunicação eletrónica pela A se reporta a esse fator de perturbação e é, decisivamente, a conduta pela Ré, ao admitir o início dos trabalhos mesmos numa ocasião em que já ressaltava a extrema dificuldade, rectius, impossibilidade em realizar a obra até ao termo previsto que mais justifica a compreensão da situação excecional em causa, de acordo com juízos de normalidade ou regras da experiência comum. Na verdade, o que ressalta das comunicações pela Ré, pese embora o agastamento, é a admissão ou compreensão da não deslocação, o que induz estar subjacente a situação excecional, que não uma mera causa subjetiva da esfera da Autora, tal o rigor da Ré noutros aspetos… De todo o modo, o que ressalta já da prova não é a proibição legal da realização de viagens internacionais (ainda quando se perceba das declarações da filha do gerente da Autora estar disso convicta, o que não é a mesma coisa), mas a dificuldade extrema em organizar a prestação no estrangeiro, por via dos constrangimentos nacionais à deslocação de pessoas e mercadorias, como expostos e conhecidos/vivenciados. Assim, altera-se a redação dos artigos 36º a 38º nos seguintes termos, mais se aditando à matéria não provada o facto de não ser possível a deslocação dos trabalhadores da A para a Suécia, em todo o tempo entre Março e Maio de 2020, por não ser legalmente permitida a realização de viagens internacionais: 36) O início da execução dos trabalhos contratados sofreu atraso devido à situação causada pela pandemia do COVID-19, sendo que a obra se iniciou em Maio de 2020, com o acordo ou consentimento da Ré, e se prolongou durante cerca de um mês, tendo os trabalhadores da A. regressado a Portugal antes de 26 de Junho. 37) Na sequência da reclamação pela Ré de vícios ou defeitos da obra, mediante o envio, como infra assente, do teor do relatório de inspeção realizado pela Sra. Engenheira EE à A, esta regressou à obra, em data não concretamente apurada, mas no final de Junho ou início e Julho de 2020, tendo realizado trabalhos de correção, afinamento e finalização. 38) Após os trabalhos referidos no número que antecede, a Autora comunicou/declarou à Ré estar a obra concluída, não tendo quaisquer outros trabalhos a fazer, em 08 de Julho de 2020. Objetivando-se o que é susceptível de relevar[12], em qualquer das soluções plausíveis da questão jurídica, temos para nós totalmente inúteis os factos sob 39 a 41 e 42-A, quando se considere o objecto do contrato firmado entre as partes. Não se reconduzindo a Autora nos articulados a um sempre não reclamado incremento do preço por via daquela situação sob 39 ou a uma justificação para o atraso na execução da obra, sendo outrossim que o que se contratou não foi a colocação de “portas novas”, aqueles factos não têm qualquer relevância, pelo que não se vê razão para a reapreciação probatória pedida. Aquele sob 42 emergiu já das declarações do legal representante da A., como do seu funcionário que as corroborou (quanto à intervenção de empresa sueca), sendo certo que as regras da experiência comum mais confirmam a realidade subjacente… Voltar-se-á à questão em sede de apreciação do juízo sobre os defeitos ou vícios de execução da obra. Sobre os “trabalhos a mais”, em 9 e 10 e ademais sobre a colocação de gesso cartonado nas paredes, aqui se antecipando a apreciação quanto a esta última, infra em e), sobre a autorização ou falta dela para esta manifestamente existente alteração ou modificação ao contratado, tal como descrito no anexo ao contrato: O acompanhamento hiperpresente do marido da Ré à obra, como resultou, torna inverosímil que a colocação extensa do gesso cartonado nas paredes ao invés da “correcção a massa” daquelas o tenha sido à sua revelia, tanto mais que necessária a aquisição de material, cujo preço, não vindo pedido, terá sido por si suportado (como constante da fatura em causa)… Nessa medida, tem-se por conforme a juízos de normalidade e experiência comum a combinada “alteração” do modo de execução do revestimento das paredes, como atestada agora pelo legal representante da Autora… E sem autorização escrita e/ou orçamentação escrita anterior… Atente-se agora na fatura a que a Autora mesma reconduz a titulação de trabalhos a mais, evidenciando-se, precisão que já se fez em sede de correcção da redação do facto sob 24 supra, que parte dos valores reclamados não respeitam, efectivamente, a trabalhos a mais…, no sentido da execução de tarefas e incorporação de materiais não previstas no contrato… Têm esta natureza a demolição de molduras de luminárias e a reconstrução destas, a colocação de uma pedra na lareira, a execução de uma caixa de iluminação, mediante o fornecimento de material e a colocação de pladur em maior extensão que o corredor previsto no contrato, tudo no valor de 4.015 EUR… Ora, foi proficiente a atestação da realização destes trabalhos, por quem os executou, justamente. Há outrossim comunicações eletrónicas da Autora a reclamar da Ré a confirmação daqueles trabalhos como pedidos e do custo implicado. Ao menos quanto ao aquecimento do piso da entrada, a que se destinaria parte do material fornecido pela A, como atestado, existe uma comunicação eletrónica pela Ré (o marido desta)… Por seu turno, resultou também do depoimento do marido da Ré, interlocutor e principal acompanhante da obra, como do do legal representante atual da A. que esta se deparou com muita dificuldade no revestimento e afinação das paredes, posto que o eram em tabique, sendo que a retirada do papel e tinta preexistentes se apresentaram como um “desafio” ao alinhamento e emassamento das paredes, o que tudo corrobora a, assim admitida pela engenheira a quem cabia a fiscalização, “solução mais fácil”, numa obra que se pretendia rápida. Não é crível que o marido da autora não tenha autorizado essa solução, pelas razões já expostas (presença frequente e aquisição do material)[13], sendo certo que não se demonstrou agora, por falta de indiciação suficiente ou cabal, que a mesma tenha embaratecido os custos da execução. É que não pode inferir-se já da menção no contrato a que a autora examinou o apartamento, inteirando-se do estado deste e dos trabalhos a realizar, que para ela tenha sido evidente que o papel de parede e tinta estavam colocados e em sobrecamadas sobre tabique, com as dificuldades ulteriormente evidenciadas, em termos de a previsão/orçamentação levada ao contrato como preço para os trabalhos o poder ter sido apenas de um reboco básico das paredes após retirada do pré-existente, sem a antecipação da natureza particular da estrutura inicial/preexistente… Nessa medida, não ressalta agora claro, ao contrário da “afirmação conclusiva” pela engenheira fiscal da obra, sem base de sustentação, pois, que em causa um “embaratecimento da obra” inicialmente prevista. Sempre consentir, autorizar ou concordar não equivale a solicitar a alteração, com o que, rigorosamente, o que resulta da prova são antes duas situações distintas, ainda quando, adiante-se, com a mesma solução jurídica, como se verá. Assim: as obras não previstas, a mais, no sentido estrito, que se reconduzem a solicitações pelo marido da Autora, durante a execução da obra, mediante a assunção da obrigação de pagar o preço respetivo…e a colocação de gesso cartonado ou pladur nas paredes como forma de acabamento destas, em alternativa ao modo inicialmente previsto de emassamento e retificação…que não resulta ter sido pedida, mas foi aceite como solução técnica durante a execução da obra… Nesta sede, quanto à execução dos trabalhos, de forma não escamoteável, os termos mesmos do “relatório” pela referida engenheira e fiscal, que, quanto aos trabalhos, não negam a sua realização, antes os colocam numa necessidade de “aprovação”, por não terem respeitado as formalidades do contrato… Veja-se a análise dele constante quanto ao apuramento de “contas”. Quanto ao valor/preço/custo respectivo apenas e só o valor faturado, que se tem por razoável, tanto mais que, na medida da natureza vaga da referência à colocação de pladur já prevista no contrato, sem área ou preço unitário ao metro, não existe termo de comparação… Ainda quando, pois, não seja decisiva, impõe-se retificar/corrigir/precisar a matéria de facto sob os pontos 9 e 10, impugnados, nos seguintes termos, por serem os conformes à prova: 9) A pedido/sob instruções do Dr. CC, interlocutor da Ré (marido) e, quanto à colocação de pladur nas paredes, em 170 metros, mediante acordo deste, foram realizados trabalhos não previstos no contrato. 10) Alterações que se traduziram na realização de trabalhos não contratualmente previstos e que vieram a importar num acréscimo do custo/preço no montante de 4.015EUR e que, em 28/08/2020, deram origem à emissão da Fatura n.º 1 2000/000012, vide Documento n.º 8 com a petição. Naquela fatura foram ainda lançadas para cobrança despesas de deslocações e alojamento, no montante de 210,40 EUR e o custo de horas de trabalho de funcionários da A. na realização de tarefas solicitadas pelo referido CC, no montante liquidado de 1.858,50 EUR, tudo nos termos explicitados na mesma fatura, cujo teor aqui se reproduz. No mais, improcedente o recurso. Tem-se como irrelevante para a solução jurídica o apuramento da causa ou razão da assente inexistência de vistoria conjunta, embora se reconheça que a redação dos factos havidos como provados assume a reprodução da versão dos factos pela Autora e sob 43 um juízo sobre o comportamento do marido da Ré que não colhe sustento bastante na prova produzida. O que resulta antes, objetivamente, expurgados de ambos os depoimentos que a propósito foram produzidos, os (pré)juízos recíprocos de “má vontade”, “comportamento abusivo ou desrazoável”,(já vê do outro, pois claro), o que resulta dos depoimentos do legal representante da A e do marido da Ré, como das comunicações mencionadas pela recorrente é que na data e ocasião em que a Autora deu por terminada a obra, o dia 08 de Julho de 2020, como tal comunicado à Ré, o marido da Ré teve por inconveniente a realização da vistoria “conjunta” (desde logo por não estar acompanhado por quem o pudesse coadjuvar) de imediato ou sequentemente, sendo que o representante da Autora, pressionado pelas viagens de regresso, optou por não aguardar a realização desta ulteriormente. Caberá, pois, que a matéria de facto traduza essa realidade objetiva, que não os preconceitos recíprocos subjacentes. Em conformidade, determina-se a eliminação dos despiciendos pontos 17 a 19 da matéria provada, alterando-se conjuntamente a redação dos pontos 15, 16 e 43 nos seguintes termos: 15) Assim que a A. deu por concluídos os trabalhos, a 08 de Julho, informou a Ré, solicitando realização da vistoria conjunta aos trabalhos de imediato, para que a equipa de trabalho pudesse regressar definitivamente a Portugal, tendo já viagem de regresso agendada. 16) O representante da Ré, Dr. CC, mostrou-se indisponível para essa vistoria imediata, sugerindo a realização desta a muito breve trecho, mas já após a viagem de regresso marcada, tendo a Autora optado por regressar como planeado, não se realizando a vistoria conjunta. Reconheça-se desde já que, não obstante constar da matéria não provada, o facto sob f) encerra matéria demonstrada, pelo que sempre se impondo a alteração da sede respetiva. No que mais importa, tem-se por justificado o juízo de insubsistência probatória das inexecuções, vícios ou defeitos e, consequentemente, também, do valor necessário à conclusão ou reparação destes. Como resulta da motivação da decisão recorrida é nesta sede que se coloca a problemática do standard ou padrão de prova, a qual, por sua vez, está relacionada com a questão do ónus da prova ou da determinação do conceito de dúvida relevante para operar a consequência desse ónus. Sobre esta última, temos como assente que as regras sobre o ónus da prova são regras de decisão e não regras de distribuição propriamente ditas. Tanto assim é que o princípio da aquisição processual (art. 413 do CPC), associado ao princípio do inquisitório em matéria de prova (art. 411/3 do CPC), podem levar a que os factos essenciais constitutivos da causa de pedir ou de uma exceção resultem provados ainda que a parte onerada não consiga produzir prova apta para esse efeito. A propósito, Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 15. Dito de outra forma, ter o ónus da prova significa, sobretudo, determinar qual é a parte que suporta a falta de prova de determinado facto e não tanto saber qual é a parte que está onerada com a prova desse mesmo facto. Sem prejuízo, sempre notamos que, conforme ensinam João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, I, Lisboa: AAFDL, 2022, pp. 487-488), tendencialmente há coincidência entre a parte que suporta o ónus da prova e aquela que tem a iniciativa da prova que, assim, tentará, naturalmente, afastar o risco da falta de prova. Na perspetiva inversa, a contraparte sentir-se-á legitimada a uma inação probatória até à prova do facto pela parte onerada. Assim, escrevem estes autores, “o ónus subjetivo implica o ónus objetivo, e vice-versa.” Neste sentido, o art. 346 do Código Civil e o art. 414 do CPC estabelecem que, na dúvida, o juiz decida contra a parte onerada com a prova. É aqui que surge a questão do standard da prova que, no dizer de Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório cit., pp. 55-56), “consiste numa regra que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira.” Afigura-se-nos, assim, que o importante nesta sede é que a prova produzida tenha a medida bastante para criar no juiz a convicção de que o facto em discussão corresponde à verdade ontológica. Cabe depois ao juiz deixar transparecer na fundamentação as razões que o levaram a concluir dessa forma. Nesta medida, o standard serve essencialmente como uma orientação para o juiz na produção e na valoração da prova, designadamente na atribuição de um peso específico a cada um dos elementos que a compõem, tudo em ordem à formação da sua convicção. Não é mais que um critério de acordo com o qual deve construir, de forma completa, a justificação da sua decisão sobre a matéria de facto, baseada na solidez epistemológica das provas e dos juízos inferenciais que é necessário fazer para chegar delas até à hipótese de facto. Como referido em RP 23.02.2023 (30/21.9T8PVZ.P1), relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, esta é uma regra que “o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspetos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.”
Reconheça-se a imprestabilidade do relatório elaborado pela engenheira EE, reproduzido na matéria assente, o qual, também (mas não somente) por ter sido baseado numa inspecção anterior à ultimação/correção/retificação dos trabalhos, como admitido por ela, não retrata o estado da obra aquando da conclusão. Certo também que, reportando-se a uma outra vistoria subsequente à data em que a Autora declarou ter a obra por concluída, na qualidade de testemunha reafirmou a manutenção de grande parte dos vícios ou defeitos (conforme, aliás, documento constante dos autos, oportunamente remetido pela Ré à A. para reclamar a necessidade de correção ainda de problemas ou vícios). Desde logo, a realidade/existência ou subsistência de parte decisiva destes emerge frontalmente desmentida, contrariada ou infirmada pelas fotografias e vídeos juntos aos autos pela Autora, manifestamente do apartamento em causa! Sempre patente naquele relatório que a inspetora e fiscal se atém decisivamente ao reporte pelo marido da Ré (assim as “aprovações” de trabalhos a mais), sendo de sobremaneira “estranho” e denotando já um desacompanhamento real ou efetivo que, tendo-lhe sido deferido o acompanhamento e o controlo dos custos da obra, se refira ou aluda à falta de autorização por aquele à execução do revestimento de gesso cartonado apenas e só pelo relato do próprio, ao invés do conhecimento próprio e autónomo…De resto, tendo estado presente em reuniões à distância, não é crível que não tivesse sido afrontada diretamente a questão da colocação do gesso cartonado. Sempre, repete-se, as fotografias constantes do relatório em apreço retratam um “ponto de obra” totalmente diverso daquele que as fotos e vídeos juntos pela A. aos autos documentam também… Veja-se já, comparando-se, o estado da casa de banho e nesta da canalização para a base do chuveiro ou as fotos do tampo da cozinha junto ao fogão, como das padieiras das janelas! Por outro lado, resultou dos depoimentos do legal representante da A e funcionários desta que a Autora durante a execução da obra, perante as questões suscitadas pelo marido da Ré, se muniu/fez auxiliar de empresas suecas, no sentido de aferir da correção e correspondência dos trabalhos realizados, sendo certo que tendo logrado verificação e conformidade dos trabalhos de eletricista e acompanhamento quanto à canalização da casa de banho… Decisivamente, tiveram-se por contra indiciários dos vícios na dimensão apontada/imputada no relatório já referido duas realidades não escamoteáveis. Assim: O depoimento de DD, arquiteto amigo da Ré, indicado no contrato como acompanhante da obra, mas que efetivamente poucas vezes a ela se deslocou, que caracterizou a realização posterior ao termo da obra pela A apenas e só de realização de trabalhos de betumação de juntas (sempre não identificadas, sendo que as dos azulejos da cozinha se evidenciam sem vícios nas fotos juntas pela A) e correcção de questões de pichelaria na casa de banho… Ora, a consideração deste depoimento, objetivo e isento, sem prejuízo de algo vago, justifica agora que se releve um segmento agora do relatório junto aos autos pela Ré e o depoimento da engenheira que o realizou, posto que, nessa parte, não emergiu da prova consistente nas fotos e vídeos juntos, como da prova testemunhal pelos funcionários que executaram as obras de correção/reparação já em Julho terem sido “resolvidos” os problemas em apreço, detetados. Por isso que, caberá aditar o facto respetivo, no que aos vícios subsistentes da obra emergiram demonstrados, o que se fará infra. A falta de comprovação nos autos de quaisquer obras de conclusão, reparação/correcção ou reformulação dos trabalhos executados pela A., após 08 de Julho, como seria de extrema facilidade para a Ré, estando na sua disponibilidade todos os meios de prova daquelas, tivessem existido, mediante a junção de orçamentos, contratos, recibos ou meios de pagamento de tais obras, depoimentos pelas pessoas que as tivessem realizado, para mais quando é certo que o apartamento está arrendado desde Dezembro de 2000. Ora, destas obras e seu custo ou valor, cuja necessidade ou imprescindibilidade se evidenciaria sem mais da própria execução/realização, prova objetiva, independente e isenta absolutamente ausente ou falha, para além ou para lá do teor do relatório pela engenheira já referida e da sua orçamentação em valor bem próximo de metade do total da obra (?!), ninguém se lhes referindo ou as atestando como tendo sido por si realizadas. Por isso que se tem como totalmente justificado o juízo de insuficiência probatória do cumprimento defeituoso dos trabalhos pela Autora, nos termos alegados pela Ré, a quem cabia. Sem prejuízo, nos termos adiantados e que se reconduzem ao depoimento da testemunha DD, que se reportou às obras executadas pelos RR após a data da entrega/conclusão, completado pelos termos do relatório já aludido, que identifica tais “problemas”, os quais não ressaltam afastados pela prova produzida pela Ré a propósito da sua correção em sede de obras executadas em Julho[14], decide-se, até por via da não impugnação pela Autora da matéria ali havida como demonstrada, sendo que a Ré pugnava já pela sua prova mais ampla ou intensa, que não pela falta de prova do parcimoniosamente demonstrado, decide-se aditar à matéria assente o seguinte facto: Após 08 de Julho de 2020 a obra apresentava falta de betumagem de juntas de azulejos (excluído o painel da cozinha) e, na casa de banho, falta de vedação dos tubos da água quente e da envolvente da base do duche e vestígios de infiltração na zona de descarga da base. Mantendo-se como não provado sob f) que a 08 de Julho de 2020 a obra padecesse dos defeitos demais descritos em 29) e 30) dos factos provados e, na íntegra, a alínea g).
III. Quanto ao aspeto jurídico da causa. Cabe, desde logo, posto que as partes escolheram o direito português para reger a situação, ter este por aplicável, nos termos do artigo 3º do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, conhecido como Regulamento Roma I, instrumento jurídico da União Europeia que estabelece regras uniformes para a resolução de conflitos de leis em matéria civil e comercial, reforçando a segurança e a previsibilidade jurídicas no Espaço Europeu de Justiça[15]. A relação estabelecida entre as partes configura um contrato de empreitada, cuja disciplina jurídica se encontra regulada nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil, sendo definido como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço. Outrossim, visto o destino do imóvel a reparar e a natureza da Ré, não se têm por aplicáveis as regras especiais atinentes à empreitada em que o dono da obra se qualifica como consumidor. Feitas estas considerações, Desde logo, como adiantado, aqui nos remetendo, ausente a prova da vontade real recíproca nesse sentido, para a interpretação dos termos do contrato já explicitada, não se pode ter o prazo de conclusão da obra como perentório, uma vez que no contrato as partes previram a possibilidade de manutenção do contrato ultrapassado tal prazo, se a Ré o entendesse, tal como veio a suceder. Esse o único sentido útil da estipulação de uma cláusula penal moratória (a esta e à sua exigibilidade se voltará)… e da imprescindível articulação do clausulado sob 10 e 11 do contrato já referidos. No direito português vale, como sabemos, a regra segundo a qual incumbe ao devedor provar que o incumprimento (lato sensu) da obrigação não procede de culpa sua (art. 799/1 do Código Civil). Trata-se, na verdade, de uma presunção legal, especialmente relevante nas obrigações de resultado, que, ao isentar o credor de provar a culpa do devedor inadimplente, exceciona a regra geral de distribuição do ónus da prova do art. 342/1 do Código Civil, pois a culpa, enquanto pressuposto da responsabilidade civil obrigacional, assume-se como um facto constitutivo do direito à indemnização de que é titular o credor. Ora, sempre o prazo de execução do contrato se verificou durante o período de pandemia por Covid-19, sendo que as medidas de combate e mitigação de tal pandemia, bem como as consequências da mesma em vários ramos de atividade e os efeitos fortíssimos na economia em geral têm sido considerado pelos nossos Tribunais superiores como “uma perturbação de largo espectro, que afetou e afeta de modo particularmente violento todo o equilíbrio da vida social, pondo em causa o modo de vida das comunidades, com reflexos numa multiplicidade de sujeitos, sectores económicos e relações negociais”. O próprio legislador português classificou a pandemia gerada por essa doença como uma “causa de força maior” (art. 8.º do DL n.º 19-A/2020, de 30.04). Tal perturbação, provocada pela pandemia, do equilíbrio dos contratos e da execução das prestações, que ultrapassa em larga escala e em muitos casos, como no caso sub judice, aqueles que são os riscos próprios do contrato, sempre excluiria a culpa da Autora. Na verdade, a pandemia e os seus efeitos no seio dos contratos não justifica apenas a convocação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, mas também a figura da impossibilidade, temporária ou parcial, do cumprimento, da inexigibilidade de cumprimento, a obrigação de todos os intervenientes atuarem de acordo com a boa-fé consagrada no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, tal como o instituto do conflito de direitos ou do abuso do direito. Considera-se, pois, que ocorreu um impedimento transitório à prossecução da obra, não imputável à A, o que determina que o cumprimento como que fique suspenso durante o tempo do impedimento, readquirindo a sua eficácia normal logo que cesse (Artigo 792º, nº1, do Código Civil; José Brandão Proença (Coord.), Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 1087). A esta luz, não custa aceitar outrossim que, no caso vertente, a A. conseguiu provar que para o atraso na execução da obra concorreu um caso de força maior. É pois de aceitar que a A teve dificuldades em transportar, mais criticamente, as suas equipas de trabalho para a obra, o que permite concluir pela ausência de culpa da sua parte no atraso do início da prestação. Sempre a concordância da Ré no início da obra após o decurso do prazo a impediria de vir aduzir o incumprimento resolutório por mera ultrapassagem daquele prazo, por comportamento contraditório ilegítimo, obstando o instituto do abuso do direito a tal invocação. É que, por outro lado, as situações de incumprimento definitivo são aquelas em que não se realizou a prestação esperada e não se pode mais esperá-la, porque se frustrou o interesse do credor. São os casos de impossibilidade superveniente da prestação, fortuita ou imputável, entre os quais se incluem os de termo essencial, expresso ou implícito no contrato - ou seja, os casos em que a data de vencimento é uma deadline absoluta ou objetiva, cujo incumprimento provoca obviamente a impossibilidade superveniente da prestação, e aqueles outros em que o credor tenha comunicado ao devedor, no momento da celebração do contrato, ou se depreenda das circunstâncias então concorrentes, que o interesse substancial do credor no contrato está subordinado a que o devedor realize a prestação numa determinada data ou dentro de um prazo determinado expresso no próprio contrato. São também os casos de manifestação inequívoca da decisão do devedor de não cumprir, como os de abandono da obra por parte do contratista, pois a partir de então o devedor não pode pretender que o credor continue vinculado pelo contrato. Ora, a aceitação pela Ré do início tardio da execução, desde logo após o prazo fixado, exclui que possa invocar a perda do interesse na prestação, com o que afastado o exercício do remédio resolutório com este fundamento. Também se nos afigura abusiva pela mesma razão a exigência agora da indemnização moratória contratualizada. Nos termos do art. 334º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O abuso do direito abrange, assim, o exercício de qualquer direito de forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução de forma a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício por parte do seu titular e as consequências que outrem tem de suportar. Já o Prof. Manuel de Andrade ensinava na sua Teoria Geral das Obrigações, págs. 63 e 64, que «Grosso modo, existirá um tal abuso quando admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia no caso concreto ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social reinante.». Acrescentando o Prof. Pereira Coelho, «Obrigações (Aditamentos)", pág. 27, que «A doutrina do abuso de direito é inspirada numa consideração de justiça - pode ser que as normas gerais, ao serem aplicadas a um caso específico, não sirvam perfeitamente a justiça...». Em sintonia com esta doutrina, refere o Prof. Vaz Serra (B.M.J. nº 85) que haverá abuso de direito quando este, em princípio legítimo, é, em determinado caso, exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se o não tivesse. (…) Abusa de um direito quem está a utilizá-lo fora das condições que a lei permite, havendo, por isso, esse abuso (na definição do Prof. Coutinho de Abreu - "Do Abuso de Direito") quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização de interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem. O abuso do direito é, assim, uma «válvula de segurança» do sistema jurídico, destinado a fazer face e neutralizar situações de flagrante injustiça a que por vezes pode conduzir o exercício de um direito subjectivo. “Abuso do direito” é, como tem repetido Menezes Cordeiro, uma mera designação tradicional, para o que se poderia dizer “exercício disfuncional de posições jurídicas”. Por isso, ele pode reportar-se ao exercício de quaisquer situações e não, apenas, ao de direitos subjectivos. De facto e em boa hora, cada vez menos surgem afirmações de inaplicabilidade do regime do abuso do direito … por não haver um direito subjectivo. Esta figura foi, todavia, paradigmática na elaboração do instituto: donde o discurso sempre usado. O abuso do direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (art. 334º do C.Civil). A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas. Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante. Menezes Cordeiro[16], que lhe dedicou profunda e profícua investigação, sintetiza em seis tipologias as situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, sendo que estas tipologias nos permitem, igualmente, enquadrar parâmetros de actuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito [em relação às referidas tipologias segue-se de perto o texto do referido autor]. As referidas tipologias são as seguintes: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas. No venire contra factum proprium está em causa uma actuação do titular contraditória com um comportamento passado. Trata-se, em suma, de tutelar a confiança gerada numa das partes pelo comportamento anterior da outra. Ora, a concordância pela Ré na execução da obra pela Autora sendo o início respetivo após o prazo estabelecido no contrato como termo a partir do qual caraterizada a mora e justificada a cláusula penal moratória agora exigida, sem suscitar a questão ao longo da execução de ser devida aquela, é de molde a gerar a confiança na contraparte de que tais quantias não serão exigidas. Sempre acresceria a já acima afirmada causa de exclusão da culpa constituída pela situação excepcional pandémica, sendo que a indemnização moratória, mesmo quando estabelecida cláusula penal não é independente da culpa, reconduzindo-se já e apenas à fixação a forfait do montante do dano, sendo esse o pressuposto do qual o credor está dispensado de fazer prova. Tudo para dizer que não se tem por devida a indemnização moratória peticionada, confirmando-se a absolvição da Autora da pretensão reconvencional, nessa parte. O empreiteiro, como é sabido, está adstrito a uma obrigação de resultado – efetuar a obra completa e isenta de defeito - sendo responsável pelos vícios ou defeitos que a obra apresentar ou nela se venham a revelar. Assim é que, na execução da obra, o artigo 1208.º, do Código Civil dispõe que empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. Como refere Pedro Romano Martinez, na empreitada o cumprimento será defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades, porque desconforme com o plano convencionado, ou com vícios, se as imperfeições verificadas excluam ou reduzam o valor da obra ou afetem a sua aptidão para o seu uso ordinário ou fim previsto no contrato[17]. Quanto a estes últimos, esclarece Cura Mariano que vícios são anomalias objetivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas[18][19]. Se a obra apresenta defeitos, tem o empreiteiro o dever de os eliminar, como decorre, respetivamente, do disposto nos artigos 1221º, nº 1 e 1226º do Código Civil[20]. Recai sobre aquele que invoca a prestação inexata, no caso a existência de defeitos na obra, como fonte da responsabilidade, o ónus de demonstrar os factos que integram o incumprimento, competindo à outra parte fazer prova de que os defeitos verificados não procedem de culpa sua. Depois de concluída a obra, o empreiteiro deve avisar o dono de que ela está em condições de ser verificada, assim lhe permitindo averiguar se a obra foi realizada nas condições convencionadas ou se apresenta vícios. A verificação corresponde em simultâneo a um direito do dono da obra e a um ónus que sobre ele impende. É um direito, na medida em que ela confere ao comitente a possibilidade de averiguar se a obra foi realizada a seu contento. Por outro lado, constitui um ónus, pois a falta de verificação importa a aceitação da obra sem reservas (artigo 1218.º, nº5). Decorre do disposto no artigo 1218º, do Código Civil que o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios (n.º1), que a verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer (n.º2), sendo que qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos (n.º3) e os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro (n.º 4), tendo como consequência que a falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra (n.º5). A verificação não se confunde com a fiscalização que o dono da obra pode efetuar durante o período de execução dos trabalhos (art. 1209.º). Como afirma Romano Martinez as fiscalizações efetuadas no decurso de execução da obra são provisórias, e mesmo que então não se tenha formulado qualquer reserva, não fica comprometida a liberdade de verificação final, que pode ter um resultado negativo. Efetuada a verificação[21], deve o resultado dela ser comunicado ao empreiteiro. Levantam-se dúvidas quanto à natureza jurídica da comunicação. A comunicação propriamente dita identifica-se com uma mera operação técnica de informação ou com uma declaração de ciência. A distinção é feita por Romano Martinez. No caso de o comitente informar o empreiteiro de que a obra não apresenta vícios, esta comunicação consubstancia uma aceitação, ainda que tácita; se, pelo contrário, na comunicação se indicarem os defeitos da obra, o comitente está a proceder a uma denúncia e a obra considerar-se-á como não aceita. Nestas situações, a comunicação ou se identifica com a aceitação ou com a respetiva recusa. A aceitação, por sua vez, corresponde a um ato de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada a seu contento, ao mesmo tempo que reconhece a obrigação de a receber e de pagar o preço. A aceitação pode ser expressa ou tácita ou presumida por lei. É expressa se manifestada em documento subscrito pelas partes. É tácita se resulta de atos que a revelam, como seja se o dono da obra manifesta adesão à obra entregue, e presumida na falta de verificação ou de comunicação. A aceitação pode, ainda, ser feita com reserva, quando o dono da obra constatar vícios, mas a aceitar com essa menção, manifestando uma aceitação condicional, isto é, sem prescindir de reclamar tutela para os seus direitos. Desde logo, a questão da aceitação, rectius, da não aceitação da obra pela Ré, como é mister concluir-se, não releva, sem mais[22], para a pretensão de pagamento do preço, tornando-o inexigível, como pretende a Ré, porquanto, na situação decidenda, como resulta do contrato, estabelecidos prazos distintos e fraccionados para o pagamento, com o que a obrigação de pagar não se vence com a aceitação, regra supletiva do CC.
Quanto agora à resolução pela fixação pela Ré de um prazo admonitório[23] para a correção de putativos e sempre indemonstrados vícios ou defeitos da obra, com a extensão/dimensão reclamada. Certo que a violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada, aqui se incluindo o dever de proceder à correcção de vícios ou defeitos consequentes a um cumprimento defeituoso da prestação, faz incorrer o empreiteiro em responsabilidade contratual (art. 798.º do Cód. Civil). Efetivamente, se o empreiteiro deixa de efetuar a sua prestação em termos adequados, dá‑se o inadimplemento da obrigação, com a consequente responsabilidade deste. E, a ser assim, o não cumprimento da sua prestação será definitivo se a obra ou correção/reparação, não tendo sido realizada, já o não puder ser, por o dono da obra ter nela perdido o interesse[24] (art. 808.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC), ou por não ter sido realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado (art. 808.º, n.º 1, 2.ª parte). Perante o incumprimento definitivo imputável ao empreiteiro, poderá, então, o dono da obra resolver o contrato que com ele celebrara e exigir uma indemnização (art. 801.º, n.º 2).
Vejamos. Quanto à resolução, vistos os defeitos que emergiram demonstrados, está afastada pelo nº 1 do artigo 1222º do CC - a resolução só é possível se o defeito tornar a obra inadequada ao fim a que se destina, o que claramente não é o caso. Ora, adiante-se, à luz da boa fé — que informa tanto o cumprimento como o exercício do direito de resolução — temos para nós que não havia fundamento objetivo para a Ré resolver o contrato, nem para, perante o manifestamente reduzido significado dos vícios, invocar à excepção de não cumprimento e pela totalidade do preço em falta. Sufraga-se, pois, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, com base no direito português, no sentido de que não havia fundamento bastante para a resolução do contrato, visto que o parco/reduzido incumprimento da obrigação de reparação de defeitos que resultou serem limitados não pode ser equiparado a se a um incumprimento resolutório. Sempre a declaração de resolução do contrato pela Ré impediria a invocação por ela da exceção de não cumprimento do contrato, deduzida, afastada também por considerações de boa fé (atento o reduzido significado do incumprimento no confronto com o valor da contraprestação devida, para além do mais), como adiantado, já que pressupondo lógica e juridicamente a manutenção do contrato, na medida em que reconduzindo-se aos efeitos da suspensão de prestações dele emergentes. Contraditória, pois, e insubsistente a pretensão da reconvinte, no pressuposto de ter declarado à contraparte a resolução do contrato. É que agora, quanto à exceção de não cumprimento, eliminada a sua função de coerção ao cumprimento da obrigação sinalagmática de reparação dos defeitos. No caso, decisivamente, na medida em que a Ré procedeu ela mesma à reparação dos defeitos. Tudo para dizer que nunca tal exceção podia ser convocada.
Já se adiantou que se considera que a Ré não dispunha de justa causa para a resolução do contrato, que operou. Deste modo, é de considerar que a declaração resolutória emitida pela Recorrida foi ilícita. Têm tido tratamento jurisprudencial as situações de declaração resolutória insubsistente ou infundada no quadro da desistência do contrato[25], com arrimo legal, no direito português, no art. 1229 do Código Civil, onde se diz que “[o] dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, desde que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia retirar da obra.” Estamos aqui perante uma exceção à regra do n.º 1 do art. 406 do Código Civil, nos termos da qual a cessação de um contrato não pode ocorrer por vontade discricionária de apenas um dos contraentes, feita em benefício do dono da obra. Com efeito, a norma citada permite que o dono da obra desista do contrato, sem qualquer razão, sendo certo que temos para nós que esse direito pode ser exercido até à aceitação da obra, que no caso não se tem por verificada[26]. Consagra-se, assim, ainda no dizer de Pedro Romano Martinez (Contrato de Empreitada, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 177 e ss.), uma “faculdade discricionária (ad nutum)”, cujo exercício não carece de fundamento, pelo que não é suscetível de apreciação judicial. O seu único limite é a boa-fé (Pedro de Albuquerque / Miguel Assis Raimundo (Direitos das Obrigações. Contratos em Especial, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, p. 503) Perante isto, consideramos que não é de aplicar ao caso dos autos o regime da desistência da empreitada. Desde logo, atenta a particularidade de a obra ter sido totalmente concluída ou executada, mediante a existência de demonstrados defeitos ou vícios de pouco relevo ou monta no contexto da totalidade da obra, em termos de se oporem as regras da boa fé no cumprimento dos contratos ao “aproveitamento” da resolução ilícita como desistência. De resto, quando se considere agora a pretensão pela Ré nestes autos (subsidiária embora) da redução do preço da obra, sequer se pode como haver como corroborada a vontade de extinção do contrato que a citada jurisprudência extrai da declaração resolutiva infundada.
No contrato de empreitada, o cumprimento ter-se-á como defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades (discrepâncias relativamente ao plano convencionado) ou com vícios (imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato), ou seja, quando nos encontramos na presença de “defeitos”, em conformidade com a denominação adotada no Código Civil. O facto aditado carateriza vício ou defeito da obra neste segundo enquadramento. Como há muito defende Pedro Romano Martinez[27], o cumprimento defeituoso do contrato de empreitada funda-se na ideia de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado. Ele está obrigado a realizar a obra conforme o acordado e segundo os usos e regras da arte. Se a obra apresenta defeitos, não foi alcançado o resultado prometido. É hoje entendimento consensual na doutrina e na jurisprudência de que, em caso de incumprimento defeituoso da prestação, ao dono da obra incumbe a prova da existência do defeito, enquanto ao empreiteiro cabe a prova de que o defeito não deriva de má execução da obra[28]. Sendo a existência do defeito, bem como a sua gravidade (de molde a afetar o seu uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa), factos constitutivos dos direitos atribuídos ao dono da obra, nos termos do artigo 342º, nº1 do CC, cabe a este a respetiva prova. Cabendo ao empreiteiro a prova dos factos impeditivos da sua responsabilidade, nos termos do nº2 do artigo 342º, do Código Civil, é a ele que incumbe a demonstração de que o defeito se ficou a dever a culpa do lesado, designadamente da má utilização que este tenha feito do bem, bem como a prova da anterioridade do defeito. Tem vindo a ser entendido não ser aceitável que sobre o credor impenda o dever de provar as causas do defeito, sendo as suas pretensões válidas ainda que os motivos do aparecimento do defeito sejam desconhecidos[29]. Segundo João Cura Mariano, o ónus da prova da existência do defeito basta-se com a demonstração do simples deficiente funcionamento da obra, não sendo necessária a prova da causa desse mau comportamento[30]. Já o empreiteiro, para afastar a sua responsabilidade, terá de demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua: “Este ónus da prova não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. Nesta situação, continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O empreiteiro tem que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve no processo executivo da prestação.” Se a responsabilidade do empreiteiro se baseia na culpa, a culpa do devedor presume-se, por força do artigo 799º, nº1 do Código Civil, pelo que, provado o defeito e a sua gravidade, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro. À responsabilidade por cumprimento defeituoso, a par da presunção de culpa prevista no artigo 799º, Pedro Romano Martinez considera ainda aplicável a presunção de imputabilidade prevista no artigo 493º, nº2 do CC[31] daí inferindo uma certa objetivação da responsabilidade contratual, defendendo que o empreiteiro para afastar a presunção de culpa, só pode invocar três causas: força maior; atitude negligente da contraparte; e facto de terceiro. A tal solução, chegaríamos igualmente pela qualificação da obrigação do empreiteiro como uma obrigação de resultado[32], no âmbito da qual basta ao credor demonstrar a não verificação do resultado para estabelecer o incumprimento do credor, sendo este que, para se exonerar da sua responsabilidade, teria de demonstrar que a inexecução não lhe é imputável. A divergência entre as obrigações de meios e as obrigações de resultado, respeita à natureza da obrigação que impende sobre o devedor: nas obrigações de resultado, o devedor promete um certo resultado (transportar uma determinada mercadoria, reparar uma determinada avaria, construir um móvel). Ao credor incumbe a existência da obrigação e ao devedor a prova de que cumpriu, sendo que, na ausência do resultado devido, se presume a culpa. De qualquer modo, não podemos esquecer que os direitos de resolução ou redução do preço, ou de eliminação dos defeitos, serão, em princípio, independentes de culpa do empreiteiro, desta dependendo apenas a sua obrigação de indemnizar[33]. Ou seja, quanto à pretensão do dono da obra à redução do preço, haverá, tão só, que apurar a existência do defeito e a sua imputabilidade ao empreiteiro, sendo que, provada a existência do defeito, a este incumbirá a prova de que o mesmo se deve a uma causa externa à sua atuação e que, não lhe sendo possível impedi-lo ou eliminá-lo, não deve responder por ele. Não discutimos também que os direitos concedidos ao dono da obra pelos arts. 1221º(eliminação dos defeitos ou nova construção), 1222º (redução do preço ou resolução do contrato) e 1223º (indemnização nos termos gerais), do CC, não podem ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente e pela ordem em que são reconhecidos. De entre os três grupos de meios – no primeiro dos quais se integram a eliminação dos defeitos, a substituição da coisa ou de realização de nova obra, no segundo as pretensões de resolução do contrato e de redução do preço, e, no terceiro, o direito a ser indemnizado – a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que, no confronto entre os meios jurídicos previstos no primeiro e no segundo grupos, devem prevalecer as pretensões do primeiro, em nome da conservação do negócio jurídico. Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador ou dono da obra só cabe escolher entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento – reparação ou substituição da coisa – ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado nos termos do artigo 808º, para a sua efetivação[34]. Ou seja, o credor não poderá socorrer-se da resolução do contrato ou da redução do preço, enquanto não converter a mora na obrigação de proceder à eliminação do defeito em incumprimento definitivo derivado da perda de interesse na prestação ou da falta de realização da prestação no prazo razoável fixado pelo credor para o efeito. É a situação caraterizada no caso decidendo. Com o que assistindo à reconvinte o direito à redução do preço da empreitada que a autora peticiona. A pretensão da reconvinte à redução do preço surge-nos, pois, como justificada face ao circunstancialismo descrito.
A redução do preço traduz a verificação da perda do valor da obra face a uma obra conforme com o plano estipulado e sem vícios. O carater sinalagmático do contrato de empreitada explica que entregando o empreiteiro algo diverso do valor convencionado da sua prestação, este facto se repercuta na prestação a efetuar pelo dono da obra, por representar o seu correspetivo, devendo ser objeto de proporcional diminuição[35].
Este direito, mais do que visar o ressarcimento de um prejuízo, encontra o seu fundamento numa equivalência das prestações, pretendendo-se com a mesma, tão só, o reajustamento do preço[36].
“Possibilita-se a alteração unilateral duma das prestações acordadas, perante o cumprimento defeituoso da que lhe corresponde numa relação de sinalagma, recuperando-se assim o equilíbrio inicialmente existente entre elas. Perante a má realização duma das prestações, procura-se manter o contrato através da possibilidade de reajustamento da prestação correspetiva[37]”. A redução deve ser equivalente à desvalorização da obra ou à sua menor rentabilidade, provocada pelo vício ou pela desconformidade existente. Se a desconformidade não implicar qualquer desvalorização, ou menor utilidade da obra, o dono da obra não tem direito à redução do preço. A redução tem de ser proporcional à diminuição do valor e nunca poderá atingir o montante do preço acordado, uma vez que isso corresponderia a uma ausência total de utilidade da obra.
Segundo o artigo 1222º, do Código Civil, a redução do preço é feita nos termos previstos no artigo 884º do CC para o contrato de compra e venda: quando no contrato se mostrem individualizadas as parcelas do preço global, correspondentes às partes da obra inutilizadas/desvalorizadas pela existência dos defeitos, será esse o valor da redução (nº1 do artigo 884º); não se mostrando individualizadas as parcelas do preço global, a redução é feita por meio de avaliação (nº2 do artigo 884º).
Relativamente à forma de determinação do quantum a reduzir, e remetendo o nº2 do artigo 884º para uma avaliação sem adiantar quais os critérios a seguir para a determinação do valor a encontrar, Pedro Romano Martinez[38] propõe que a redução seja determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objetivo da coisa com defeito, atendendo-se ao valor atribuído pelas partes.
Ao dono da obra incumbe o ónus da prova da diminuição do valor da obra provocada pela existência dos defeitos[39]. No caso em apreço, a ocorrência de diminuição do valor da obra é evidente, face às deficiências assinaladas na matéria assente. A grande dificuldade estará na determinação do respetivo montante. Contudo, ainda quando as anomalias detetadas não afetassem a totalidade da obra, a redução do preço terá de ser feita por meio de avaliação[40], calculando-se o valor da redução na ponderação entre o preço acordado e o valor da obra defeituosa. Neste momento não poderemos recorrer à equidade, porquanto, sabemos, tão só, que se verifica uma diminuição do respetivo valor (e que não será total, nem muito menos aproximado a este). Dispondo unicamente do preço acordado para a obra caso a mesma se apresentasse sem defeitos, desconhecemos qual é o valor da obra tal como se mostrava executada pela Autora, face às anomalias apresentadas. A equidade não equivale a arbitrariedade, pressupondo a existência de elementos de apoio, balizadores da obtenção de um resultado adequado e justo.
Concluindo, a determinação do quantum da redução do preço terá de ser relegada para incidente de liquidação, com recurso à avaliação nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1222º e 884º, ambos do Código Civil. E cabe então condenar a ré a pagar o valor faturado[41], deduzido da parte do preço que corresponde a esses trabalhos, a avaliar e liquidar em incidente ulterior. Nessa medida, improcedente a pretensão de condenação da Ré a satisfazer quaisquer juros, porquanto carecida de liquidação o valor da prestação a satisfazer.
Sempre insubsistente a pretensão reconvencional integrada pela condenação da A no pagamento à Ré das quantias a despender com a reparação de defeitos ou vícios da obra. E nem só por estes não terem resultado se não com a dimensão parcimoniosa que se anotou. Aceita-se que, em determinadas condições, o dono da obra poderá ter direito à eliminação dos defeitos a efetuar por terceiro, nomeadamente, através da condenação do empreiteiro no reembolso dos montantes que houver ou venha despender para eliminar os defeitos. Contudo, o direito de indemnização previsto no artigo 1223º do CC é residual e complementar relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato: o dono da obra só tem direito de indemnização relativamente aos prejuízos que não obtiveram reparação através do exercício daqueles outros direitos, pelo que pode ser exercido, cumulativa ou isoladamente, nas hipóteses em que se revela o único meio de reparação do prejuízo resultante da existência do defeito ou em relação a prejuízos que não tenham ficado totalmente ressarcidos[42].
Por outro lado, a redução do preço e a condenação no pagamento do custo necessário a alcançar a eliminação dos defeitos, são pretensões que se mostram incompatíveis entre si[43], quando se proceda ao respetivo exercício em cumulação. A condenação da A no pagamento dos custos da eliminação dos defeitos, visando a colocação da Ré na situação em que se encontraria caso o contrato tivesse sido integralmente cumprido, não se coaduna com também declarada redução da prestação a cargo da Ré que se destina precisamente a igualar a prestação deste ao valor da obra com defeito, pretensão esta que, a ser deferida, viria a acarretar um novo desequilíbrio das prestações.
III. Tudo visto, decide-se do não provimento do Recurso, no que tange à condenação da R./reconvinte a pagar à A./reconvinda a quantia de €29.083,00 (vinte e nove mil e oitenta e três euros), acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento, decidindo-se já da total improcedência da pretensão reconvencional. Concede-se parcial provimento ao recurso, condenando-se a Ré a satisfazer à Autora a quantia peticionada de €30.083,90€ (trinta mil e oitenta e três euros e noventa cêntimos), deduzida/reduzida da quantia a fixar em montante a determinar mediante incidente de liquidação nos termos do art. 358º e ss. do NCPC, correspondente ao preço (no contrato celebrado) dos trabalhos de betumagem das juntas de azulejos (excluído o painel da cozinha) e, na casa de banho, da vedação dos tubos da água quente e da envolvente da base do duche e de impermeabilização da zona de descarga da mesma base.
Custas da acção e do Recurso na proporção que vier a resultar do incidente de liquidação e da Reconvenção pela Ré.
Notifique.
Porto, 27 de Novembro de 2025
Isabel Peixoto Pereira Isabel Silva António Carneiro da Silva _____________________________ Este entendimento estrito tem sido objeto da crítica da doutrina, em especial de Miguel Teixeira de Sousa, “Anotação ao Acórdão do STJ de 28.9.2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1”, Blog IPPC, Jurisprudência 784 , https://blogippc.blogspot.com/ [17.10.2023] (O autor retomou o tema em no escrito “Factos conclusivos": já não há motivos para confusões!”, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2023/06/factos-conclusivos-ja-nao-ha-motivos.html), que, a propósito, escreve que, “[e]nquanto no CPC/1961 se selecionavam, no modo interrogativo (primeiro no questionário e depois da base instrutória), factos carecidos de prova, hoje enunciam-se, no modo afirmativo, temas da prova (cf. art. 596.º CPC). Tal como estes temas não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra (…). A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. (…) Assim, também ao contrário do entendimento comum, há que concluir que o tema da prova não é mais do que o enunciado do objeto da prova. A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto.” Vem sendo também entendido que a declaração, ainda que tácita, de não-cumprimento, feita antecipadamente pelo devedor, bem como, nos contratos, como a empreitada, de execução continuada, a recusa de prosseguimento da prestação já iniciada, equivale, ipso iure, a um incumprimento definitivo. A este propósito, não há, no nosso direito positivo, qualquer norma a propósito da declaração de não cumprimento e dos efeitos dela. Os contributos doutrinais debruçam-se, sobretudo, sobre a desnecessidade de interpelação do devedor que declarou não querer cumprir para operar a constituição em mora. Vaz Serra (“Mora do Devedor”, BMJ, n.º 48, pp. 60 e ss.), abordou o tema, aquando dos trabalhos preparatórios do Código Civil, referindo em especial o art. 1219/2 do Código Civil italiano, que dispensa a intimação quando o devedor declare por escrito não querer cumprir a obrigação, e a prática jurisprudencial francesa, no sentido de tornar dispensável a interpelação quando o devedor tome a iniciativa de “fazer conhecer ao credor a sua recusa de cumprir”. O mesmo Autor (“Impossibilidade Superveniente / Cumprimento Imperfeito Imputável ao Devedor”, BMJ, n.º 47, p. 97), propôs uma solução de tipo italiano, exigindo que, por escrito, o devedor manifeste “clara e definitivamente que não fará a prestação devida”. Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 2005, p. 980) e Ribeiro de Faria (Direito das Obrigações 2 (1988), p. 447) associam à declaração séria e inequívoca de não cumprir, feita pelo devedor, o vencimento antecipado ou a desnecessidade de interpelação. São, contudo, estritas as exigências jurisprudenciais e doutrinárias, devendo estar em causa uma pura e simples declaração de não-cumprimento, sem qualquer justificação e que traduza a última palavra do devedor. É exemplo desta exigência a decisão do STJ 14.01.2021 (2209/14.0TBBRG.G3.S1), João Cura Mariano, onde se consigna que: “Essa conduta, essencialmente omissiva, mas podendo ser precedida de ações que a anunciam (v.g. retirada de materiais e máquinas), para ser significante de um propósito definitivo de não conclusão do ato de realização da obra, deve ser aparente, categórica e unívoca.” Na situação decidenda, negando a A. a existência mesma dos vícios ou defeitos, dificilmente configurável uma recusa a cumprir a obrigação respetiva com este sentido ou significado inequívoco. De todo o modo, caracterizada na matéria assente a realização pela Ré de uma interpelação admonitória à reparação dos defeitos. |