Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3852/18.4T8VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
GUARDA ALTERNADA DO MENOR
ACORDO DOS PAIS
Nº do Documento: RP201910243852/18.4T8VFR-A.P1
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada não se pode confundir com a chamada guarda alternada.
II - A opção pela residência alternada só se justifica quando haja acordo dos pais nesse sentido, o qual é imprescindível, exigindo-se ainda que essa solução defenda os superiores interesses da criança.
III - Sem o acordo dos pais e num quadro factual de conflito latente entre os progenitores, é desaconselhável fixar mesmo a título provisório, um regime de residência alternada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº3852/18.4T8VFR-A.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira
Relator: Carlos Portela (965)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
Nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais em que é requerente B… e requerido C… e que dizem respeito à filha de ambos, D…, nascida a 11 de Janeiro de 2017, foi a dado momento, proferida a seguinte decisão provisória:
“Ao abrigo do disposto no art.º38º do RGPTC decide-se, a título provisório, regular o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1º- A menor D… fixa a residência com a progenitora.
As responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da menor serão exercidas por cada um dos progenitores que em cada momento estiver com a filha, não podendo no entanto o progenitor contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pela progenitora.
As responsabilidades parentais relativas aos actos de particular importância para a vida da menor serão exercidas por ambos os progenitores de comum acordo.
2º - O progenitor poderá estar com a menor em fins-de-semana alternados, indo buscá-la à sexta-feira a casa da progenitora pelas 17.30 horas e entregando-a em cada da progenitora no domingo pelas 21 horas.
Nas semanas que antecederem os seus fins-de-semana estará ainda com a sua filha às segundas e quartas feiras e nas outras semanas às terças e quintas feiras, das 17.30 horas às 21.30 horas, realizando as conduções por referência às casa da progenitora.
Nas férias de verão o progenitor poderá estar com a sua filha duas semanas, a serem gozadas de forma interpolada, devendo pré-avisar a progenitora das semanas que em concreto pretende até fim de Abril do ano em curso.
No dia de aniversário dos progenitores, dia do pai e dia da mãe, a menor passará os dias com o progenitor respectivo.
3º - O progenitor contribuirá a título de alimentos para a filha com a quantia mensal de 125,00€, a liquidar até ao dia 8 de cada mês, com início no presente mês, por meio idóneo de pagamento.
O Tribunal teve em consideração para tomar a presente decisão o facto de a progenitora estar em casa a tempo inteiro, de a menor, com apenas dois anos de idade praticamente acabados de fazer, não estar integrada em equipamento educativo, não fazendo por isso sentido que esta criança fique aos cuidados de terceiros, ainda que esses terceiros sejam os seus avós, quando tem uma mãe disponível e com vontade de cuidar da mesma.
Acresce que o regime de guarda partilhada instituído pelos progenitores, voluntariamente ou de forma forçada variando nesta parte a versão de cada qual, não parece pelo menos por ora ser exequível, dada a forte conflituosidade existente entre ambas as figuras parentais e até a falta de respeito que se pressentiu nas duas conferências que tiveram lugar.
Finalmente, o regime instituído implica que a menor faça inúmeras viagens e alterações, dado que todos os dias é obrigada a triangular entre a casa da progenitora e do progenitor, o que também não nos parece vantajoso atenta a sua idade.
Quanto às visitas o Tribunal colheu a percepção de que o progenitor é um pai verdadeiramente empenhado e que faz questão, e bem, de manter uma boa e estreita relação com a filha, o que deve ser acalentado, embora sem pôr em causa o bem-estar e a estabilidade, nomeadamente emocional, da D…, razão pela qual houve o cuidado de a menor não passar mais do que dois dias consecutivos sem estar com o pai, com excepção dos fins-de-semana em que está com a mãe.
Quanto aos alimentos pesaram as declarações das partes relativamente aos respectivos rendimentos, que são mais ou menos equivalentes, sendo certo que a menor por ora não tem despesas extraordinárias, pelo que procurou-se que o sustento lato senso da menor seja repartido por ambos os progenitores de forma igualitária.
Notifique.
*
Inconformado com a mesma decisão, desta veio recorrei o progenitor C…, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A progenitora B… e a Digna Magistrada do Ministério Público contra alegaram.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo progenitor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1.
O requerido não se conforma com o douto despacho proferido pela Mma Juiz a quo em ata de conferência de pais que teve lugar no passado dia 7 de Março de 2019.
2.
Que decidiu, a título provisório, regular o exercício das responsabilidades parentais da menor D….
3.
Pelo que dele vem interpor o presente Recurso.
4.
E requerer a suspensão imediata da execução do regime provisório fixado.
5.
A Mma Juiz a quo, no referido despacho, decidiu regular provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais da menor D… nos seguintes termos:
6.
“1.º - A menor D… fixa residência com a progenitora.
As responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da menor serão exercidas por cada um dos progenitores que em cada momento estiver com a filha, não podendo no entanto o progenitor contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pela progenitora.
As responsabilidades parentais relativas aos actos de particular importância para a vida da menor serão exercidas por ambos os progenitores de comum acordo.”
7.
“2.º - O progenitor poderá estar com a menor em fins de semana alternados, indo busca-la à sexta-feira a casa da progenitora pelas 17:30 horas e entregando-a em casa da progenitora no domingo pelas 21:30 horas.
Nas semanas que antecederem aos seus fins de semana estará ainda com a sua filha às segundas e quartas-feiras e nas outras semanas às terças e quintas-feiras, das 17:30 às 21:30 horas, realizando as conduções por referência à casa da progenitora.
Nas férias de verão o progenitor poderá estar com a sua filha duas semanas, a serem gozadas de forma interpolada, devendo pré-avisar a progenitora das semanas que em concreto pretende até fim de abril do ano em curso.
No dia de aniversário dos progenitores, dia do pai e dia da mãe, a menor passará os dias com o progenitor respectivo.”
8.
“3.º -O progenitor contribuirá a título de alimentos para a filha com a quantia mensal de 125,00€, a liquidar até ao dia 8 de cada mês, com início no presente mês, por meio idóneo de pagamento.”
9.
A Mma Juiz a quo fundamenta da seguinte forma a decisão proferida:
“O Tribunal teve em consideração para tomar a presente decisão o facto de a progenitora estar em casa a tempo inteiro, de a menor, com apenas dois anos de idade praticamente acabados de fazer, não estar integrada em equipamento educativo, não fazendo por isso sentido que esta criança fique aos cuidados de terceiros, ainda que esses terceiros sejam os seus avós, quando tem uma mãe disponível e com vontade de cuidar da mesma.”
10.
Na referida fundamentação pode ler-se: “Acresce que o regime de guarda partilhada instituído pelos progenitores, voluntariamente ou de forma forçada variando nesta parte a versão de cada qual, não parece pelo menos por ora ser exequível, dada a forte conflituosidade existente entre ambas as figuras parentais e até a falta de respeito que se pressentiu nas duas conferências que tiveram lugar.
Finalmente, o regime instituído implica que a menor faça inúmeras viagens e alterações, dado que todos os dias é obrigada a triangular entre a casa da progenitora e do progenitor, o que também não nos parece vantajoso atenta a sua idade.”
11.
No que diz respeito ao regime de visitas o despacho ora recorrido refere o seguinte:
“Quanto às visitas o Tribunal colheu a percepção de que o progenitor é um pai verdadeiramente empenhado e que faz questão, e bem, de manter uma boa e estreita relação com a filha, o que deve ser acalentado, embora sem pôr em causa o bem-estar e a estabilidade, nomeadamente emocional, da D…, razão pela qual houve o cuidado de a menor não passar mais do que dois dias consecutivos sem estar com o pai, com excepção dos fins de semana em que está com a mãe.”
12.
No que toca aos alimentos a Mma Juiz a quo considerou “ as declarações das partes relativamente aos respectivos rendimentos, que são mais ou menos equivalentes, sendo certo que a menor por ora não tem despesas extraordinárias, pelo que procurou-se que o sustento lato senso da menor seja repartido por ambos os progenitores de forma igualitária.”
13.
O recorrente, está em completo e total desacordo com o despacho proferido quanto à fixação da residência da D… com a mãe bem como quanto ao regime de visitas instituído.
14.
Desde que ocorreu a separação entre requerido e requerente em Novembro do ano passado, ou seja, há cerca de 5 meses, a D… tem estado num regime de residência alternada, passando uma semana com cada um dos progenitores de Domingo a Domingo.
15.
E atendendo, por um lado, à idade da D… e, por outro, ao facto de, até ao momento, não se encontrar integrada em nenhum equipamento educativo e ainda à disponibilidade em termos laborais de ambos os progenitores, entenderam estes que seria benéfico para a D… que mantivesse um contacto diário com ambos.
16.
O que sucedeu o longo dos últimos 5 meses.
17.
Nas semanas em que a D… se encontrava com o pai este levava-a casa da mãe por voltas das 13:45, já que o seu horário de trabalho se inicia da parte de tarde às 14 horas, indo buscá-la pelas 17:15 pois o seu horário termina às 17 horas.
18.
E, nas semanas em que a D… se encontrava com a mãe o pai ia buscá-la para almoçar no seu intervalo para almoço, ou seja, entre as 13 e as 14 horas.
19.
A distância entre as residências de ambos os progenitores não é superior a 4 minutos de carro.
20.
O recorrente não vislumbra em que medida este regime não salvaguarda os interesses da D… e muito menos de que forma tal regime poderá criar instabilidade na vida da mesma.
21.
O requerido considera que a alteração do mesmo através do despacho ora recorrido, além de não salvaguardar os interesses da D…, constitui uma violação dos seus direitos enquanto pai.
22.
Sente que foi penalizado no tempo que passa com a filha pelo facto de exercer uma profissão, e pelo facto de ter, como é normal, um horário de trabalho para cumprir.
23.
Considera o recorrente que o regime agora instituído não é o que melhor salvaguarda os interesses da D….
24.
Pelo facto de se ver privada de um contacto tão regular quanto aquilo que é possível e desejável, quer com o pai, quer com a família paterna.
25.
Muitos são os que, cada vez mais, pugnam pela consagração da presunção jurídica do regime de residência alternada, para as crianças filhas de pais separados ou divorciados, só devendo a fixação deste regime ceder em casos em que o mesmo não acautele o superior interesse das crianças.
26.
O próprio Conselho Superior da Magistratura veio exprimir este entendimento através de deliberação na qual se refere que este regime só deverá ser afastado por “motivos ponderosos” e, para salvaguarda da sua adequação, sempre a sua aplicação deverá acautelar as especificidades do caso concreto.
O regime de residência alternada é o que melhor satisfaz o superior interesse das crianças, porque lhes permite viver efectivamente com cada um dos pais e conviver com a família alargada materna e paterna, de forma mais frequente.
28.
Do mesmo modo, proporciona-lhes o sentimento de que a casa de cada um dos pais é, também, a sua casa.
29.
Este regime de tempo paritário ou, tendencialmente paritário, com cada um dos pais garante-lhes o direito a viver a afectividade filial sem corridas contra o tempo e programas com calendário apertado.
30.
Estas crianças, se viverem rotativamente e, por períodos de tempo maioritariamente ou totalmente iguais com cada um dos pais, vivem a sua vida de maneira mais feliz, pois mantêm os afectos equilibrados com cada um dos pais permitindo, assim, a filhos e a pais, viver a cumplicidade do dia-a-dia, situação muito diferente daquela em que estas crianças vivem quando têm a sua residência fixada apenas com um progenitor e em que, de quinze em quinze dias, “aterram” em casa do pai ou da mãe com quem não vivem, sendo quase equiparáveis a uma “visita” de casa desses pais, não participando no dia-a-dia, não tendo rotinas integradoras de uma vida familiar, não sendo parte de um todo familiar, ainda que recomposto, o qual tende a existir na vida destes pais, que constroem novas famílias e, com estas, absorvem novas realidades afectivas com filhos das pessoas com quem passam a partilhar a sua vida.
31.
O regime de regulação das responsabilidades parentais em que é fixada a residência a uma criança junto de apenas um progenitor (o progenitor guardião) está ultrapassado e não defende o superior interesse das crianças, pois que a vivência em fins-de-semana alternados com um dos progenitores não é compatível com uma relação filial onde o afecto, o companheirismo, o entendimento, a integração, a noção de pertença, são essenciais.
32.
O requerido, enquanto pai, pugna por estar e viver com a filha.
33.
Apesar de se ter separado quer continuar a ser pai como o era antes do casal conjugal se ter desfeito.
34.
Não admitindo que a sua capacidade parental seja posta em causa, quando não o era antes da separação ou do divórcio.
35.
Ambos os pais, na plenitude das suas capacidades parentais são, como o eram antes da separação ou do divórcio, pais capazes de amar e de se sacrificar pelos filhos.
36.
Mãe e Pai são e, devem ser, os cuidadores principais dos filhos, em situação de igualdade parental.
37.
No caso da D… e reportando-nos ao tempo em que requerido e requerente viviam juntos com esta já eram muitas vezes por questões laborais os avós paternos quem, na ausência dos pais e durante o período laboral destes, ficava com a D….
38.
Estes avós sempre foram e continuam a ser atentos, dedicados e disponíveis para auxiliar na ausência dos pais.
39.
As habitações são contíguas, ou seja, a residência do requerido, ora recorrente e que foi, até à separação, a residência de ambos e da D… é contígua à residência dos seus avós paternos.
40.
E dista menos de 4 minutos de carro da actual residência da mãe.
41.
A D… tem, desde sempre, e pelas circunstâncias que supra se referiram, uma relação muito próxima, com um primo direito, de 9 anos de idade, filho de um irmão do pai.
42.
E que também frequenta a casa dos avós paternos fora do horário escolar e sempre que é necessário.
43.
Entende o ora recorrente que tal relação de proximidade deve ser mantida no interesse de ambos.
44.
Tal como a relação com os avós paternos que se vinha mantendo no contexto anterior ao despacho ora proferido e do qual se recorre.
45.
O regime da residência alternada da D…, tal como vinha sendo praticado, permitia a manutenção de um contacto assíduo e saudável quer com ambos os progenitores, bem como com as respectivas famílias.
46.
Sendo que tal situação é a que melhor salvaguarda os interesses da D….
47.
Que se encontrava perfeitamente adaptada a tal regime.
48.
E se apresentava, além de emocionalmente estável, feliz.
49.
Não é o facto de o requerido trabalhar por conta de outrem tendo que cumprir um horário de trabalho, enquanto a requerente cuida do seu avô que está acamado e com quem vive, que justifica ou legitima a que o tempo que D… passa com o pai seja de forma repentina e sem motivo ponderoso atendível reduzido para 8 horas por semana e um fim-de-semana de 15 em 15 dias.
50.
Que foi o que, na prática, sucedeu a partir do passado dia 7 com a decisão provisória proferida pela Mma Juiz a quo.
51.
Que deverá ser revogada e substituída por outra que decida provisoriamente a fixação da residência alternada à D… tal como vinha sucedendo até então e desde Novembro passado.
52.
E devendo a decisão entretanto proferida quanto à regulação provisória das responsabilidades parentais ser imediatamente suspensa na sua execução.
53.
Por ser a solução que melhor salvaguarda os interesses da D….
54.
A D… será, no próximo mês de setembro, e como qualquer criança da sua idade, integrada num equipamento educativo.
55.
Passando a ter também horários para cumprir e sendo que, nessa altura, mantendo-se o regime da residência alternada passará o mesmo tempo com cada um dos progenitores e com as respectivas famílias.
56.
Na verdade, a jurisprudência tem vindo a considerar que a residência alternada é a solução que melhor defende os interesses dos filhos.
57.
Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-12-2018 in www.dgsi.pt que refere: “Mesmo não existindo acordo dos pais, a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais - artigo 1906º do CC (viabilizando, assim, a presença de ambos os pais na vida dos filhos, fundamental para o seu desenvolvimento integral e harmonioso, devendo os pais actuar com suficiente colaboração, sensatez e prudência na prossecução da estabilidade afectiva e emocional da criança) -, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho.”
58.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7-6-2018 in www.dgsi.pt onde se pode ler: “1-A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.”
59.
O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-1-2019 in www.dgsi.pt onde se afirma:
“I - Sob o ponto de vista legal, designadamente à luz do disposto no nº 7 do artigo 1906º do Código Civil, nada obstaculiza a que, paralelamente com o exercício conjunto das responsabilidades parentais, se fixe um regime de alternância de residência.
II - É possível estabelecer o regime da residência alternada mesmo contra a vontade dos progenitores, desde que essa solução se revele como a mais adequada ao interesse da criança de manter uma relação o mais próxima possível com ambos os progenitores, de molde a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afecto, apoio e segurança que cada um deles lhe pode proporcionar.
III - Havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os progenitores, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem (como, por exemplo, famílias com histórico de violência doméstica ou quando os progenitores residam em localidades distantes uma da outra), a residência alternada é a solução com melhor aptidão para preservar as relações de facto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os progenitores, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos, das suas responsabilidades parentais.”
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. exa. doutamente suprirão deve:
- ser imediatamente suspensa na sua execução a decisão provisória proferida;
-a douta decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que decida no sentido ser fixado provisoriamente o regime de residência alternada relativamente à D… passando esta uma semana com cada um dos progenitores de Domingo a Domingo.
Assim se fazendo a costumada e inteira.
JUSTIÇA!!!!
*
Por seu turno, a progenitora/apelada conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
I – Na perspectiva da Contra - Alegante, bem andou o Tribunal a quo, tanto do ponto de vista da apreciação dos factos, como da aplicação do Direito no caso sub judice.
II – Preceitua o artigo 1906º, nº 7 do Código Civil que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
III – Embora o regime da residência alternada seja o modelo ideal, é curial a sua conjugação com o princípio da prevalência do superior interesse da criança.
IV – Ora o “interesse superior da criança”, enquanto conceito jurídico indeterminado, deve ser preenchido e concretizado tendo por referência não só os princípios constitucionais, mas também os que resultam da Convenção sobre os Direitos das Crianças, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989,
V – Ademais, o conceito reclama uma análise casuística, individual e interdisciplinar da situação concreta de cada menor,
VI – Destaca-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 18-03-2013 proferido por Maria de Deus Correia, no âmbito do Proc. nº3500/10.0TBBRR.L1-6 em www.dgsi.pt:
“IV - O regime de residência alternada não é, normalmente, o mais adequado no caso de conflito acentuado entre os progenitores e em que estejam em causa crianças muito pequenas ”.
V – O Acórdão da Relação de Coimbra, de 04-04-2017, proferido por Carlos Moreira, no âmbito do Proc. nº4661/16.0T8VIS-E.C1 em www.dgsi.pt, realça que:
“... a guarda conjunta ou alternada apenas pode ser concedida quando existir acordo dos progenitores nesse sentido e o juiz considere que existem condições, objectivo-materiais e subjectivo-emocionais, suficientes para sua proficuidade. O que, desde logo e à partida, impõe que os pais o tenham entre si, e pelo menos relativamente à vida dos filhos, uma boa e consensual relação. Mais do que aproximações objectivo-materiais – v.g. residências próximas dos progenitores – releva o aspecto relacional dos pais”.
VI – E reitera-se,
“... o que norteia o regime a fixar, é o superior interesse do menor e não dos progenitores. Pelo que, ainda que a relação entre os progenitores seja litigiosa, o tribunal não deixará de promover um regime que potencie o relacionamento da menor com ambos. Porque o que está em causa é a parentalidade e não a frustrada conjugalidade ou qualquer que seja a relação entre os pais do menor” (Acórdão da Relação de Lisboa de 20-09-2018 proferido por Amélia Ameixoeira, no âmbito do Proc. nº10264/16.2T8LRS-B.L1-8 in www. dgsi.pt).
VII – No caso em concreto, é elevado o grau de conflituosidade existente entre os progenitores;
VIII – A tudo isto acresce à tenra idade da menor.
IX – Mas mais importante do que a verificação destas circunstâncias, é o facto da Recorrida se encontrar em casa a tempo inteiro e a menor não frequentar qualquer estabelecimento educativo.
Acresce ainda que,
X – O regime fixado acautela o desenvolvimento de uma relação próxima da D… com o seu progenitor,
XI – Que também tem em consideração o bem-estar e o desenvolvimento físico, psicológico e emocional da menor.
XII - De realçar ainda que o regime provisório acautelou a circunstância da menor não passar mais de dois dias seguidos sem ver o progenitor, à excepção dos fins de semana que passa com a mãe,
XIII – Permitindo desta forma que o progenitor não seja uma visita na vida da menor.
XIV – Mas, como melhor consta da fundamentação do regime provisório, não faz qualquer sentido que a menor “fique aos cuidados de terceiros, ainda que esses terceiros sejam os seus avós, quando tem uma mãe disponível e com vontade de cuidar da mesma”,
XV – E que a Recorrida adapta a sua rotina diária às necessidades da filha menor. XVI – Redireccionando toda a sua atenção para a mesma.
XVII – Acresce ainda que o regime de residência alternada que vinha sendo praticado contra a vontade da progenitora, não acautelava os interesses da menor, que passou a manifestar alterações de comportamento, como a compulsão pela comida, a irritabilidade, os choros nocturnos;
XVIII – É que a menor, desde que nasceu até novembro de 2018 – altura em que o Recorrente impôs o regime de residência alternada – viveu 24 h sobre 24 h com a progenitora, que era quem dela cuidava, de dia e de noite;
XIX – Resulta assim claro que foi crucial encontrar a solução que melhor favorecesse o equilibrado desenvolvimento da D… e não a solução que mais agradasse a um ou aos dois progenitores,
XX – O que a Mma. Juiz a quo logrou alcançar com o regime provisório fixado.
Face ao exposto, nestes termos e nos melhores de direito, sempre com mui douto suprimento de V. Exas. VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES do Tribunal da Relação do Porto, entende a RECORRIDA que se deve manter a douta decisão recorrida nos termos exarados,
Assim se fazendo JUSTIÇA!!
*
Finalmente, a Digna Magistrada do Ministério Público conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
1) Não concordamos com a posição do recorrente progenitor, não nos merecendo a douta decisão recorrida censura ou reparo, na parte em que regulou o regime das visitas, a título provisório, nos termos do art.38º do RGPTC, dada a falta de acordo entre os pais.
2) A salvaguarda do supremo interesse das crianças é o princípio que baliza a intervenção do tribunal, constituindo o verdadeiro cerne de todo o direito dos menores.
3) O interesse superior da criança deve ser entendido como o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
4) O mesmo princípio vem enunciado no art.º 3º, nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança.
5) Dispõe o artigo 1906º, nº 7 do Código Civil que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
6) As decisões sobre a guarda e as visitas devem ser moldadas pelas necessidades das crianças e pelo seu supremo interesse, que é um conceito jurídico indeterminado, e que exige uma apreciação individual e concreta em cada situação, a fim de acautelar devidamente as especificidades do caso em apreço.
7) A partilha da guarda e a alternância da residência da criança é desaconselhável, nos casos de conflitualidade elevada entre os pais, porque esse regime é muito exigente em termos de capacidade de cooperação e de diálogo, por parte dos pais, em benefício da criança. Nesse regime, os pais precisam de manter uma boa relação enquanto pais e este aspecto relacional dos pais entre si é fundamental para que o regime tenha sucesso e a criança tenha condições para se desenvolver de forma equilibrada e saudável.
8) A alternância de residências em famílias em que os pais mantêm um nível elevado de conflitualidade, consiste numa solução que não é a mais adequada e até pode ser mesmo altamente prejudicial à saúde física e mental das crianças.
9) No caso em apreço, a D…, nascida a 11 de Janeiro de 2017, apenas completou dois anos de vida e ainda não se encontra integrada num equipamento educativo. A mãe da D… está a tempo inteiro em casa, pelo que tem disponibilidade para cuidar da sua filha.
10) Assim, não faz qualquer sentido que esta criança fique aos cuidados de terceiros, durante o dia, mesmo que sejam os avós paternos, se a mãe está disponível e com vontade de cuidar da mesma.
11) Neste caso, o regime da guarda partilhada não é de todo exequível, porque foi notório nas diligências realizadas a forte conflituosidade existente entre ambas as figuras parentais e até a falta de respeito que se pressentiu nas duas conferências que tiveram lugar.
12) Os progenitores da D… estão separados desde Novembro de 2018 e o regime da guarda partilhada foi imposto á progenitora, tendo a criança uma rotina complexa e que lhe provocava instabilidade.
13) O douto despacho proferido, teve em devida atenção o facto da D… necessitar de privar muitas vezes com o pai, a fim de possibilitar a manutenção do vínculo afectivo com esta figura parental.
14) Deste modo, o pai está com a D…, em fins-de- semana alternados, em igualdade de circunstâncias e de tempo com a mãe, e nos dias úteis, está com a menor em dias alternados, desde as 17h30mn até ás 21h30mn, horário que corresponde ao inicio da pernoita para a criança.
Assim, o pai está com a filha em igualdade de tempo com a mãe, nos períodos em que tem disponibilidade para estar na companhia da D….
15) O regime provisório fixado pelo Tribunal acautelou devidamente o desenvolvimento de uma relação próxima da D… com o pai.
16) Por todo o exposto, entendemos que o douto despacho proferido não enferma de qualquer vício, tendo feito uma adequada ponderação do supremo interesse da D…, não violando qualquer princípio ou norma legal, devendo, assim, ser mantido nos seus precisos termos.
Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto e confirmado o douto despacho recorrido, com o que farão Vossas Excias., como sempre, a adequada JUSTIÇA
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Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada no âmbito deste recurso:
Saber se a decisão aqui recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decida no sentido de ser provisoriamente fixado o regime de residência alternada, definindo-se que a D… passe uma semana com cada um dos progenitores de Domingo a Domingo.
Ora os elementos de facto a ter em conta na decisão a proferir são aqueles que já antes ficaram melhor descritos no ponto I.
Como todos já vimos, a questão a decidir consiste em saber se deve manter-se a residência da D… com a progenitora provisoriamente fixada na decisão recorrida ou se a mesma deve ser alterada para um regime de residência alternada entre os dois progenitores.
Vejamos, pois:
Como é sabido, e resulta expressamente dos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º do RGPTC, o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela, sendo ainda estabelecido um regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança.
Tal regime de visitas é imposto pelo n.º5 do art.º1906 do C. Civil, o qual prescreve do seguinte modo:
“O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
E adianta no seu n.º7 que “ O tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles”.
Como refere Tomé d’Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, Quid Juris, 2017, 2.ª Edição, págs. 126/127.
“A decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais terá por objecto as seguintes questões: fixação da residência da criança, ou seja, com qual dos pais fica a residir; atribuição do exercício das responsabilidades parentais sobre as questões de particular importância a ambos os pais, ou apenas ao progenitor com quem residir se for entendido que o exercício conjunto é contrário aos interesses do filho; atribuir a guarda da criança a terceira pessoa nos termos do art.º 1907.º do Código Civil, bem como quando se verifiquem as circunstâncias referidas no art.º 1918.º do Código Civil; fixar o montante dos alimentos devidos à criança, bem como o regime de visitas ao progenitor não residente.
A regulação do exercício das responsabilidades parentais engloba, assim, as seguintes questões essenciais: fixação da residência da criança; o regime de visitas; a prestação de alimentos a cargo do progenitor com quem não resida habitualmente; podendo ainda consistir na atribuição do seu exercício unilateral das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança, como decorre dos artigos 1905.º e 1906.º, do Código Civil e n.ºs 1, 2 e 8 do presente artigo”.
Assim, no que respeita à determinação da residência do filho, o tribunal decidirá de acordo com o interesse deste, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles, tendo em atenção todas as circunstancias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, como vem prescrito nos n.ºs 5 e 7 do art.º 1906.º do C. Civil.
No entanto, o exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada não se pode confundir com a chamada guarda alternada.
Assim, este último conceito consiste em a criança passar alternadamente períodos de tempo com cada um dos progenitores, isto é, durante certo período de tempo, alternadamente, a criança ficar à guarda de cada um dos pais, sendo que nesse período cada um deles exerce em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais.
Deste modo, a guarda alternada funciona num quadro de exercício unilateral do poder paternal. (cf. Maria Clara Sottomayor, Exercício do Poder Paternal, Estudos e Monografias, Publicações Universidade Católica, 2003, pág.92.).
No âmbito da anterior redacção do art.º 1906.º do C. Civil, a mesma ilustre Professora sustentava a págs.93 da mesma obra que “O exercício conjunto das responsabilidades parentais com alternância de residência, diferentemente, exige por parte dos pais cooperação constantes, sendo todas as decisões relativas à educação da criança tomadas conjuntamente. No entanto, o efeito traumático da mudança constante de residência mantém-se. Por isso, uma tal medida não pode ser aprovada pelo juiz, sem que este tenha em conta, através de observação da criança por peritos, a personalidade, a idade e o temperamento de cada criança, pois pode acontecer que apesar dos pais estarem de acordo, tal solução não seja do interesse da criança”.
E acrescentava, agora a pág.477, “ (...) O exercício conjunto do poder paternal com alternância de residência (de acordo com um ritmo temporal determinado, mensal, semanal, etc.), não está expressamente proibido pela lei mas o teor literal (os pais decidem as questões relativas à vida do filho em condições idênticas às que vigoram para tal efeito na constância do matrimónio, e recorrem ao tribunal em caso de falta de acordo em questões de particular importância) desta e o argumento histórico de interpretação permitem concluir que a intenção do legislador foi apenas a de igualizar os direitos e deveres dos pais mas não a de dividir a criança entre as residências de ambos. A lei deve portanto ser interpretada de forma restritiva, no sentido de não serem admitidos acordos de residência alternada. Tem-se entendido que uma solução deste tipo prejudica a formação da personalidade do menor devido à sensação de insegurança, ansiedade, nervosismo e instabilidade que provoca, sobretudo, relativamente a crianças com idade pré-escolar, aquelas que mais necessitam da estabilidade das condições externas para se desenvolverem.
Apesar da actual redacção do art.º 1906.º do C. Civil, na versão dada pela Lei n.º 61/2008 de 31/10, a mesma ilustre Professora parecer continuar a defender a não-aceitação do exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, por considerar que “inconvenientes resultam em primeiro lugar do interesse da criança, é um conceito que se opõe à obrigação legal do juiz determinar a residência da criança prevista no art.º 1906.º, n.º5, a qual consiste num conceito jurídico equivalente a guarda e a domicílio, nos termos do art.º 85.º, n.º1, servindo, portanto, de ponto de referência da vida jurídica da criança e não podendo estar sujeito a alterações periódicas, isto sem prejuízo das estadias junto do progenitor não residente serem amplas ou até em ritmo alternado, desde que haja acordo dos pais e que a tal não se oponha o interesse da criança. A decisão judicial, não obstante o acordo dos pais em estadias alternadas, terá que determinar a residência habitual, elemento importante para a definição do Tribunal competente…” (cf. Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, pág. 308, 6.ª Edição, 2014, Almedina).
É sabido que em tese geral, a jurisprudência tem vindo a aceitar, excepcionalmente, a possibilidade de fixação de residência alternada, num quadro de acordo entre os progenitores, com fundamento no disposto nos n.º1 e 7 do art.º 1906.º do C. Civil, na natureza de jurisdição voluntária do processo e na ausência de conflitos entre os pais e proximidade de residências de ambos.
Tal admissibilidade tem vindo a ser reconhecida em vários arestos, apesar de, em alguns deles, se admitir a necessidade de acordo dos progenitores nesse sentido.
Neste sentido e entre outros, vai o Acórdão desta relação do Porto de 13.05.214, processo 5235/12.9TBVFR-A.P1, relatado pelo Desembargador Rodrigues Pires, publicado em www.dgsi.pt, onde se reconheceu nada impedir a “residência alternada”, no sentido da determinação de duas residências à criança, sendo porém essencial “a capacidade revelada pelos pais de pôr de parte os seus diferendos pessoais para atingir decisões em relação aos seus filhos e de reconhecer a importância da manutenção de uma relação próxima do filho com o outro progenitor para o bem-estar daquele. Têm, ainda, os pais que demonstrar, inequivocamente, terem um respeito e uma confiança recíprocos, bem como um nível razoável de comunicação e de vontade de cooperar”, considerando ainda, para além de salvaguardado o superior interesse da criança, ser “imprescindível que haja acordo dos progenitores quanto à fixação de duas residências ao menor”.
Também o Acórdão da Relação de Lisboa, de 14/2/2015, processo 1463/14.2TBCSC.L1-8, relatado pela Desembargadora Catarina Arêlo Manso, em www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Não havendo acordo dos pais, não podem beneficiar de guarda conjunta nem alternada de responsabilidades parentais. Se os pais não estão de acordo e as relações entre eles não estão pacificadas, não podem, de modo algum, ficar com guarda alternada, sendo certo que, bastava não estarem de acordo, para não poder decidir-se uma guarda conjunta”.
Neste sentido vão igualmente Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Carvalho Batista, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal, Felicidade d’Oliveira, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2.ª edição, Quid Juris, 2010, págs.86-87, quando admitem a residência alternada desde que haja acordo dos progenitores, afirmando, “Para além de constituir uma solução excepcional, é, no nosso entender, pressuposto essencial a existência de acordo de ambos os progenitores quanto a esta questão.”
Idêntica orientação expressa Tomé d’Almeida Ramião, O Regime Geral do Processo Tutelar Cível” Anotado e Comentado, Quid Juris, 2017, 2.ª Edição, págs.109, o qual na sequência da publicação da Lei n.º 51/2012, de 5 de Setembro (diploma legal que aprovou o Estatuto do Aluno e Ética Escolar), afirma a dado passo o seguinte: “Apesar disso, continuamos a entender que essa opção só se justifica desde que haja acordo dos pais nesse sentido, o qual é imprescindível, e desde que essa solução defenda os superiores interesses da criança. Sem o acordo dos pais, parece estar vedado ao juiz fixar um regime de residência alternada.
Até porque uma solução desta natureza não pode prescindir da existência de capacidade de diálogo, entendimento, cooperação e respeito mútuo por banda dos pais, da partilha de um projecto de vida e de educação comuns em relação ao filho, para além de residirem em área geográfica próxima, que não implique alteração constante do estabelecimento de ensino do filho, beneficiem ambos de adequadas condições habitabilidade e que a criança manifeste opinião concordante, entre outros elementos relevantes. Daí que nas situações mencionadas nos n.ºs 9 e 10 do art.º 40.º, não seja aconselhável, por contrário ao superior interesse da criança, a aceitação de residência alternada”.
Assim, também nós entendemos que, salvo casos excepcionais, nomeadamente quando, pela sua idade, a vontade do menor pode prevalecer sobre a oposição manifestamente infundada de um dos progenitores, termos por duvidosa a atribuição de residência alternada sem que haja acordo dos progenitores.
E isto, face à redacção dos n.ºs 3 e 5 do art.º 1906.º do C. Civil, à natureza imperativa e ao interesse público prosseguido por esses preceitos legais, bem como pelo facto de o seu n.º3 apontar claramente para uma residência habitual ou principal do filho (inferindo-se que o legislador admite duas residências, mas uma delas tem de ser considerada a habitual ou principal), mais prescrevendo que as orientações educativas mais relevantes ficam a cargo do progenitor com quem o filho reside habitualmente.
Também por força do que decorre do seu n.º5 onde se impõe ao tribunal que ao regular o exercício das responsabilidades parentais determine a residência do filho e os direitos de visita de acordo com os interesses deste, devendo (tem a obrigação) - ao determinar a residência e os direitos de visita – atender, entre outras circunstâncias relevantes, a eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro,
Mais, nos termos do seu n.º7, tal decisão será sempre tomada de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de prosseguir/manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
E considera-se, desde logo, como circunstâncias relevantes, para a determinação da residência e definição dos direitos de visita, entre outras, o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
No mesmo sentido vai a Recomendação de 23 de Outubro de 2014 da Procuradoria-Geral Distrital do Porto, quando refere no seu ponto II-3 o seguinte:
“Embora o quadro actual não constitua um obstáculo à constituição do regime de residência alternada sem o acordo dos pais, a sua imposição nestas circunstâncias deverá ser muito criteriosa, já que dificilmente o modelo funcionará se os progenitores não tiverem capacidade para dialogar e não demonstrarem um interesse genuíno em promover o sucesso do regime, através de constante cooperação e partilha na definição dos assuntos mais relevantes na educação do(s) filho(s)”.
Ora nos autos resulta evidente a ausência de acordo entre os progenitores, o que resulta forma clara das declarações prestadas por cada um deles quer na Conferência de Progenitores realizada no dia 8 de Janeiro de 2019 (cf. fls.4 e seguintes), quer na Conferência de Progenitores de 7 de Março de 2019 (cf. fls.28 e seguintes), diligência na qual foi proferida a decisão objecto do presente recurso.
Apesar disso e independentemente de se entender, como se entende, que a determinação de residência alternada não pode ser judicialmente fixada em caso de desacordo dos progenitores, o que só por si conduziria à improcedência deste recurso, a verdade é que, no caso concreto, a solução defendida pelo progenitor C… não é aquela que no momento, melhor salvaguarda os superiores interesses da D…, actualmente apenas com dois anos e nove meses de idade.
Assim, na opção a tomar quanto à questão em análise, importa também considerar a circunstância da progenitora aqui apelada, estar em casa a tempo inteiro, tendo por isso total disponibilidade para cuidar da sua filha.
Resulta ainda evidente a forte conflitualidade que continua a reger a relação entre os progenitores desde a altura em que se separaram, a saber, Novembro de 2018.
Por outro lado, na decisão proferida a Sr.ª Juiz “a quo” teve o cuidado de fixar um regime de visitas que salvaguarda a necessidade da D… continuar a manter o seu vínculo afectivo com o pai, necessidade que se deve proteger e incentivar.
Assim, o regime definido e antes melhor descrito permite que o pai esteja com a filha em períodos temporais em tudo idênticos aos que ficaram atribuídos á mãe, o que no caso se justifica e se exige.
Ora, perante a factualidade supra descrita e o quadro legal antes melhor descrito, resulta evidente que a solução de residência alternada é incompatível, neste momento, com a defesa do superior interesse da D….
Deste modo e sendo certo que estamos perante uma decisão de natureza provisória, a qual pode ser sempre alterada, caso se venha a justificar, (cf. art.º28º da RGPTC), considera-se que a decisão proferida deve ser mantida.
Improcede assim o recurso aqui interposto pelo progenitor aqui apelante C….
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, juga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo do progenitor/apelante (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 24 de Outubro de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço