Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
87958/11.9YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS
DENÚNCIA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2015052687958/11.9YIPRT.P1
Data do Acordão: 05/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de denúncia dos defeitos ao empreiteiro retira ao dono da obra a possibilidade do exercício de qualquer direito em relação ao empreiteiro relativamente aos de feitos da obra.
II - O CC estabelece uma hierarquia de tal forma que, só nos casos de incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos ou de necessidade urgente da realização das respetivas obras, pode o dono da obra optar pela efetivação dessa eliminação por si próprio ou terceiro e requerer o respetivo pagamento pelo empreiteiro – artigos 1221º, 1222º e 1223º do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 87958/11.9YIPRT.P1
Apelação 191/15
TRP – 5ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I RELATÓRIO

1 –
B…, LDA., sociedade comercial com sede no …, nº …, sala …, no Porto intentou contra
C… e D…, residentes na …, nº …, Bloco …, .º dto, em Matosinhos, procedimento de Injunção, que prosseguiu como ação declarativa, pedindo
a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 20.754,64, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 3.025,06 e vincendos.
Para tanto alegou que lhes forneceu produtos e prestou serviços, sem qualquer reclamação ou reparo, constantes da fatura 11/2009 de 4-6-2009, no montante peticionado, e que os RR, apesar de interpelados para pagamento, não o fizeram.
2 -
Os RR. deduziram oposição, alegando desconhecer a fatura em causa, para a qual inexiste suporte factual; a exceção da ilegitimidade passiva, por nada terem contratado com a A.; e a prescrição do crédito acionado.
Alegaram, ainda, que celebraram com E…, Ldª, um contrato de empreitada, para construção de uma moradia em …, Caminha; esta sociedade sugeriu aos RR. uma alteração ao projeto de especialidade para o aquecimento de águas sanitárias, com base numa proposta apresentada pela sociedade A., sistema que veio a ser escolhido pelos RR.; porém, a A. veio a intervir na obra cerca de 90 dias, excedendo os 30 dias a que se comprometera a realizar os trabalhos, tendo abandonado a obra sem concluir os trabalhos; esta situação gerou atrasos na obra geral, sendo que face à tecnologia aplicada no sistema de aquecimento, o empreiteiro revelava dificuldades em concluir os trabalhos de instalação do mesmo, mostrando-se a A. incontactável, o que gerou prejuízos aos ora RR.; o sistema de aquecimento nunca funcionou e gerou consumos de energia elétrica superiores aos esperados.
Concluíram pela procedência das exceções invocadas e pela total improcedência da ação e pela procedência do pedido reconvencional de condenação da A. a pagar-lhes:
a. pelo atraso na entrega definitiva da obra, em cerca de um ano, € 39.710,00;
b. pelos trabalhos a mais pagos ao empreiteiro, o valor de € 9.552,51;
c. pelos trabalhos a mais pagos a K…, Lda, o valor global de €4.771,75;
d. pelos consumos energéticos a mais do que aqueles a quantia atual de € 2.138,24;
e. a devolução da quantia recebida pela A., no valor de € 15.000,00.
E requereram a intervenção principal provocada da sociedade E…, Ldª.
3 –
Respondeu a A, alegando que a obra foi integralmente realizada e que o sistema ficou em perfeito estado de funcionamento; que os RR. nunca lhe comunicaram qualquer defeito, reparo ou irregularidade da obra, o que a ter ocorrido, teria desencadeado pela Reconvinda a realização da reparação que se mostrasse necessária.
Alegaram, ainda a não ocorrência das exceções invocadas pelos RR. e a inadmissibilidade da reconvenção.
Concluiu pela improcedência das exceções e do pedido reconvencional.
4 –
Foi indeferida a intervenção da sociedade E…, Ldª.
5 -
Foi admitido o pedido reconvencional.
6 –
O processo foi saneado, sendo julgadas improcedentes as exceções alegadas pelos RR.
E forma selecionados os Factos considerados já Assentes e os que passaram a integrar a Base Instrutória.
7 –
Teve lugar a Audiência Final, no início da qual, conforme consta da respetiva ata, foram aditados os pontos 33, 34, 35 e 36 à Base Instrutória.
8 –
Veio a ser proferida a Sentença, que integra a Decisão de Facto.
9 –
Na parte dispositiva da Sentença lemos:
Pelo exposto e em conclusão, julgo provada e procedente a presente acção, pelo que em consequência condeno os RR a pagarem á A a quantia de 20.754,64 euros, a que acrescem juros de mora contados á taxa supletiva legal de 4% desde 19.9.2009, vencidos e vincendos até integral pagamento.
Julgo totalmente não provado e improcedente o pedido reconvencional, pelo que em consequência, absolvo a A/reconvinda de todos os pedidos contra si formulados.
Custas da acção e da reconvenção pelos RR/Reconvintes.
10 –
Desta Sentença apelaram os RR., que formularam as CONCLUSÕES que seguem transcritas:
1. Na sentença ora recorrida foi omitida a resposta ao último ponto da base instrutória (ponto 37), não havendo assim pronúncia quanto ao mesmo.
2. Nos termos do art. 615º/1/d) do C.P.C. tal situação acarreta a nulidade da sentença, nulidade essa que especificamente se invoca com todas as consequências legais.
3. Por outro lado, a sentença recorrida padece de diversas e manifestas contradições, e notória oposição entre fundamentação de facto e decisões, acarretando tal situação a nulidade da sentença nos termos do art. 615º/1/c) do C.P.C., como supra alegado, nomeadamente:
a. contradição entre os fundamentos e a resposta que teve o quesito 7, na medida em que não se pode compreender como é que o Tribunal a quo chegou a tal precisão de datas, uma vez que:
_ “Março de 2008” não se compara a _ “5 de Maio” e
_ “final do Outono” não se compara a _ “27 de Julho de 2008”.
Assim, o Tribunal a quo conclui pela resposta a um quesito em contradição com a factualidade que dá como provada e que serve como sustentação da mesma.
b. Erro de contradição que é reiterado nos pontos 13 e 16 do capítulo III da mesma.
c. Acresce que, em resposta ao quesito 9, a sentença refere, mais do que uma vez, que através do depoimento de várias testemunhas (F…, G…, H… e I…), que o sistema de aquecimento se encontrava instalado e a funcionar; no entanto, tal conclusão colide imediatamente com as conclusões subsequentes, onde o Tribunal a quo dá como provado os defeitos da instalação do sistema
d. Como se não bastasse o Tribunal contradiz-se ainda ao olvidar que num sistema de aquecimento, de custo elevado como aquele sub judice, funcionar mal ou não funcionar é a mesma coisa, pois jamais cumpre as finalidades para as quais fora adquirido, e cujas características foram conditio sine qua non para os Reconvintes, como considerou provado o Tribunal (cf. ponto 35).
e. Na sentença do Tribunal a quo existem diversas situações de errada valoração e consideração da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, como, por exemplo o depoimento da testemunha G…, porquanto o Tribunal não atentou que esta testemunha não esteve na obra o tempo que a Juíza a quo deu como provado e jamais viu o trabalho concluído, como resulta do excerto transcrito do seu depoimento supra;
f. E ainda é referido na sentença que “também resulta dos depoimentos de H…, que em 2010 fez uma vistoria à obra e de I…, professor universitário na J…, que coordenou a equipa e fez o estudo junto aos autos fls. 215 e ss (este mais tarde em 2012), que o sistema de aquecimento se encontrava instalado e a funcionar”. Quando tal conclusão corresponde a um manifesto erro na análise da prova factual, uma vez que, não só tais testemunhas não referiram o descrito, como resulta clara e inequivocamente dos relatórios técnicos a que se refere a sentença que o sistema se encontrava defeituosamente instalado. E tal é o mesmo que não funcionar, como resulta da leitura atenta dos ditos documentos.
g. Aliás, se de outro modo fosse, o Tribunal a quo, em momento posterior, não reentraria novamente em contradição com tais conclusões por si retiradas, concluindo a final pelos defeitos da instalação do sistema;
h. Bem como do depoimento da testemunha G… resulta que a A. jamais apresentou projecto para a obra a realizar, pelo que a consideração do Tribunal que estamos face a um contrato de empreitada, no domínio da construção civil, apenas com uma mera proposta comercial, é no mínimo abusiva;
i. Doutro passo no ponto 4, o Tribunal a quo retira uma conclusão quanto ao “consumo mensal médio de € 46,33” do sistema, “...presumindo que os utilizadores da casa a fruiriam todo o ano.”, quando tal afirmação não passa de uma mera presunção sem qualquer suporta factual, nem correspondência com a realidade, não se vislumbrando assim qualquer razão para o Tribunal a quo ter efectuado tal referência; para seguidamente, e mais uma vez, vir contradizer essa conclusão logo no ponto seguinte (5), onde dá como provado que “A moradia onde foi instalado o sistema de aquecimento é uma segunda habitação, ocupada maioritariamente aos fins-de-semana, férias e épocas festivas, ou seja algo nunca superior a uma totalidade de cerca de 60 dias”. Nessa medida, não faz qualquer sentido ter como provado um facto “com interesse para a decisão” de um consumo médio decorrente da habitação constante da moradia, para logo em seguida dar igualmente como provado, o seu oposto, i.e. que esse não era o modelo de uso da moradia por parte dos RR.;
j. Mas mais: o Tribunal recorrido considera provado mesmo que foi condição essencial para os RR. na aquisição deste sistema de aquecimento seu baixo consumo energético – cf. ponto 35;
k. No ponto 15, o Tribunal a quo dá como provado que “O gerente da A esteve incontactável telefonicamente”, no entanto, não quantifica, de forma alguma, a duração do período de tal impossibilidade de contacto, sendo que tal quantificação se revela de máxima importância para a boa decisão da causa.
l. O ponto 16 entra em contradição e consubstancia uma incongruência, mais uma vez, com as datas de intervenção da A. na obra, como já se referiu no que concerne ao ponto 13, e no que supra se transcreveu do depoimento da Engª G…, que o Tribunal tanto valorizou, mas que afinal assume que deixou de ir à obra algures em Abril de 2009, e que nesse mesmo mês o legal representante da A. a informara de que a instalação do sistema já estava concluída.
m. No ponto 17, relativamente aos valores pagos a mais pelos RR. à E…, Lda, e que não estavam contemplados na proposta inicial da A., o Tribunal olvida que tal se deveu unicamente à defeituosa instalação do sistema por esta efectuado, como deu o Tribunal recorrido por provado;
n. No ponto 30, é dado como provado pelo Tribunal a quo que “A obra referente à moradia dos Réus constitui a reconstrução de uma casa antiga (com mais de 200 anos) o que condicionou todo o projecto de arquitectura e de especialidades”. Ora, jamais e em momento algum, analisada integralmente a sentença recorrida se retira qualquer fundamentação factual que suporte tal afirmação de condicionamento do projecto de arquitectura e especialidades. Aliás a proposta e eventual projecto de especialidade teria que se adaptar, como sempre, à obra a realizar em concreto;
Caso não seja este o V. douto entendimento,
4. A sentença deverá ser revogada pelo Tribunal ad quem e substituída por outra de cariz distinto, absolvendo os RR. do pedido formulado pela A. e condenando esta ao pagamento em parte do pedido reconvencional formulado por aquela, nos termos supra alegados.
5. Tal conclusão resulta claramente da conjugação dos elementos dados como provados, com a consagração em dois momentos da sentença de verdadeiro abuso de direito sob a forma de venire contra factum proprium que decorre da sentença recorrida.
6. Resulta da mesma, a existência clara e comprovada de defeitos presentes na instalação do sistema de aquecimento efetuada pela A. na habitação dos RR.
7. Como tal, é notório um cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado entra A. e RR.
8. Assim, é especificamente reconhecido aos RR. o direito ao não pagamento do valor restante referente à supra citada instalação. Tal direito, vem apenas a decair pelo facto de uma alegada falta de denúncia dos defeitos por parte dos RR. à A.. Em primeiro lugar sempre se dirá que tal comunicação não era exigida aos RR. uma vez que a obra nunca foi especificamente entregue a estes, nem lhes foi comunicada a sua conclusão.
9. Sendo que, ao contrário do que se conclui na douta sentença, os RR. nunca efetuaram uma vistoria após a conclusão da mesma, como tal o caso sub judice nunca poderá consubstanciar uma situação de aceitação tácita da mesma. Não obstante, ficou também provado nos autos, que o legal representante da A. se encontrava incontactável.
Assim, não foi possível aos RR. fazer a referida comunicação em tempo útil.
10. Não se pode aceitar ou compreender que o Tribunal a quo use essa alegada falta de comunicação para fazer cair todos os direitos que comprovadamente assistem aos RR./Reconvintes. Na verdade, o legal representante da A. é que se colocou numa situação de impossibilidade de contacto, fazendo consequentemente precludir os direitos dos RR.
11. Como tal, a sentença do Tribunal a quo, indo nesse sentido, excede notória e manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico da norma que obriga à comunicação dos defeitos.
12. Assim, o instituto do abuso de direito foi concretamente aplicado ao caso sub judice, mais concretamente na sua modalidade de venire contra factum proprium – o que denega a realização de justiça.
13. Nesse sentido, deverá a sentença recorrida ser revogada no que concerne à condenação dos RR. ao pagamento de € 20.754,64 referentes ao pagamento da última parte do contrato de empreitada celebrado com a A.
14. Isto em correspondência ao direito comprovadamente atribuído aos A. (deverá ser RR.) de excepção de não cumprimento em decorrência da realização defeituoso da obra por parte da A.
15. Tal direito não poderá nunca decair perante uma questão meramente formal, caso assim não seja além de estarmos perante um caso de abuso de direito, denega-se a realização de justiça e subverte-se o Estado de Direito, entreabrindo uma porta perigosa para favorecer todo e qualquer incumpridor que se coloque numa situação formal que o beneficie.
16. Sucede que, no que concerne ao pedido indemnizatório formulado pelos RR. em sede de reconvenção dir-se-á que face aos factos dados como provados, parte dele terá de ser procedente (e não a totalidade, porque os Reconvintes não lograram provar cabalmente o 1º dos pedidos reconvencionais) e como tal ser alterada a sentença nesse sentido. Nomeadamente, deverá a A. ser condenada ao pagamento de:
a. € 9.552,52 referente ao trabalhos a mais pagos ao empreiteiro, em conformidade com os factos dados como provados aos pontos 14 e 34 da BI;
b. € 4.771,75 referentes a trabalhos a mais pagos à empresa K…, Lda, para regularizar e retificar o sistema, em conformidade com o que foi dado como provado aos pontos 17 e 18 da BI;
c. € 2.138,24, referentes aos gastos a mais com o consumo energético derivados da defeituosa instalação do sistema, em conformidade com o que foi dado como provado ao ponto 36.
17. E ainda, condenada a A. à devolução de € 15.000,00, quantia essa correspondente a parte do preço apresentada pela A. para o sistema de aquecimento e que não foi concluído e a parte instalada apresentava defeitos, incumprindo um contrato de empreitada (de resultado), sendo ainda tal ponto da BI omisso na sentença do Tribunal a quo (ponto 37), como supra alegado.
18. Acrescendo que, o alegado não exercício de todos os direitos referentes ao cumprimento defeituoso de uma empreitada, nomeadamente o pedido de eliminação dos defeitos, a redução do preço ou a resolução do contrato, deveu-se exclusivamente ao facto já supra enunciado de impossibilidade de contacto dos RR. com a A.
19. Assim, em face da urgência da realização das obras, uma vez que caso não fossem realizadas a habitação não poderia ser condignamente habitada, e os bens ali existentes degradavam-se com a humidade (como aliás resultou provado), perante a impossibilidade de contacto com a A., os RR. viram-se obrigados a contratar tais trabalhos com um terceiro.
20. Tal ocorreu apenas e somente atendendo ao incumprimento do contrato de empreitada da A.
21. Como tal, deve igualmente ser a sentença ora recorrida alterada, condenando-se assim a A. ao pagamento do valor indemnizatório global de € 31.462,50.
11 –
A A. contra-alegou, concluindo pela improcedência da Apelação.
12 –
Os RR. vieram requerer o desentranhamento das Contra-Alegações, pois que apresentadas fora de prazo.
13 –
A A. respondeu que foram tempestivamente apresentadas, pois que beneficiaram do disposto no DL 150/2014, de 13-10, que suspendeu os prazos de 26-8 até 14-10-2014.
14 –
Foi proferido Despacho do qual consta que a BI não continha o ponto 37, pelo que não há qualquer omissão de pronúncia, assim como não ocorrem as alegadas contradições na Decisão de Facto.
15 –
Porém, não houve qualquer pronúncia quanto à tempestividade das Contra-Alegações.
II QUESTÃO PRÉVIA
Em conformidade com o disposto no artigo 5º do DL 150/2014, de 13-10, combinado com o disposto no artigo 638º, 1 e 7, do CPC, as Contra-Alegações foram tempestivamente apresentadas.
E, ainda que aquele DL viesse a ser declarado inconstitucional, sempre haveria que ressalvar o efeito dos atos praticados antes dessa declaração, que não podem ser por ela afetados, sob pena de violação do princípio geral de confiança no Estado de Direito e nos diplomas legais emanados do Governo da República, pelo que sempre tinham de ser admitidas as Contra-Alegações.
E, ainda que assim não viesse a ser entendido, o seu desentranhamento nenhum efeito prático teria nesta ação, pois que com Contra-Alegações ou sem elas, o resultado deste acórdão será sempre a mesma face ao valor intrínseco das Alegações dos RR. e do conteúdo dos dispositivos legais aplicáveis ao caso, em que nada interfere, nesta fase processual, a posição assumida pela A. nas suas Contra-Alegações.
De qualquer forma, se diz que o DL em apreço não viola qualquer princípio da igualdade, pois que é aplicável a todos os processos e a todos os sujeitos processuais.
Por outro lado, visando, tão só, suprir as falhas resultantes sistema operativo CITIUS, que é do conhecimento geral, ocorreram quando da implementação da nova organização judiciária (entrada em vigor da nova Organização do Sistema Judiciário e Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que paralisou grande parte dos tribunais, não é possível, contrariamente ao pretendido pelos Apelantes, incluir tal questão no âmbito dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados nos artigos 24º a 79º, inclusive da CRP, nem nas linhas gerais consagradas no artigo 20º dessa mesma CRP.
Não ocorre, pois, qualquer inconstitucionalidade em relação ao diploma em referência.
Vai, assim, indeferida a pretensão dos RR. quanto a esta questão.
III FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO
A –
Da Sentença constam como adquiridos para os autos os seguintes FACTOS:
1- A Autora apresentou a proposta junta aos autos a fls. 38, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, datada de 20 de Dezembro de 2007, para instalação, na propriedade dos Réus, sita em …, concelho de Caminha, de um sistema de aquecimento de água quente sanitária, pelo preço de € 31.420,00;
2- Os Réus pagaram à Autora a quantia de €15.000,00, em 18 de Julho de 2008;
3- O sistema de aquecimento, através de bomba de calor geotérmica, fora escolhido atendendo à sua suposta otimização energética e baixo custo periódico, face ao sistema de caldeira a propano ou a gasóleo, apresentado aos Réus com um consumo de € 556,00/ano, face a consumos de €4.110,00/ano (a propano) ou € 4.084,00/ano (a gasóleo);
4- À estimativa de consumo anual de energia de € 556,00, deveria corresponder um consumo mensal médio de € 46,33, presumindo que os utilizadores da casa a fruiriam todo o ano;
5- A moradia onde foi instalado o sistema de aquecimento é uma segunda habitação, ocupada maioritariamente aos fins de semana, férias e épocas festivas, ou seja algo nunca superior a uma totalidade de cerca de 60 dias;
6- Entre Julho de 2009 e Março de 2010, o consumo de energia foi de € 1.341,96,a que corresponde um consumo mensal médio de € 149,10;
7- Entre Abril de 2010 e Abril de 2011, o consumo de energia foi de € 1.865,41, a que corresponde um consumo mensal médio de € 155,45.
8- A Autora forneceu aos Réus os bens e executou os trabalhos descritos na fatura n.º 11/2009 de 04.06.2009, no valor de € 20.754,64, junta aos autos a fls. 179;
9- Mediante acordo escrito denominado de "Contrato de Empreitada", junto aos autos a fls. 31 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com data de 13 de Janeiro de 2007, o Réu marido e a sociedade "E…, Lda", acordaram na construção pela "E…, Lda" de uma moradia, sita em …, …, concelho de Caminha, pelo valor global de 198.550,00 Euros;
10- O acordo previa um prazo para a realização da obra de 455 dias;
11- O prazo para a realização da obra teve início em 22 de Janeiro de 2007;
12- A obra foi concluída em 14 de Abril de 2009;
13- A autora interveio na obra, pelo menos, entre 5 de Maio e 27 de Julho de 2008;
14- A realização dos trabalhos pela A provocou algum atraso nos trabalhos realizados pela E…, Ldª;
15- O gerente da A esteve incontactável telefonicamente;
16- O sistema de aquecimento ficou instalado e foi colocado em teste no início do ano de 2009;
17- Os RR pagaram à E…, Ldª, os trabalhos por esta executados descritos no documento de fls. 41, que se tornaram necessários para a implantação do sistema de aquecimento da A, trabalhos que não estavam inicialmente previstos no contrato supra referido em 9;
18- O empreiteiro E…, Ldª, já depois da obra geral se encontrar concluída voltou á obra várias vezes;
19- O sistema de aquecimento apresentava problemas de funcionamento, esclarecendo-se que não aquecia de forma igualitária as várias divisões da moradia, não atingia as temperaturas esperadas, demorava demasiado tempo a aquecer as águas sanitárias e consumia energia elétrica em quantidade superior à esperada;
20- O Réu contactou a "L…, Lda" e a "K…s, Lda", a primeira das quais se disponibilizou a deslocar ao local técnicos seus para avaliação da situação, em Maio de 2010;
21- Em resultado do diagnóstico e das medidas corretivas aconselhadas pela "L…", a "K…" apresentou uma proposta e orçamentos para retificar algumas das anomalias, contemplando entre outras “a instalação de um permutador de placas, um circulador entre a bomba e o depósito de acumulação” bem como “válvulas”, tubos e acessórios de cobre, tudo perfazendo a quantia total de € 4.771,75;
22- Os Réus pagaram à "K…", em Novembro de 2010 e Fevereiro de 2011, a quantia de € 4.771,75;
23- A proposta a que se alude em 1 foi aceite pelos Réus;
24- Na sequência da aceitação da proposta, a Autora emitiu a fatura n.º 1/2008, de 01.01.2008, no valor de € 15.852,54, referente à primeira prestação (adjudicação) dos serviços acordados;
25- A autora deu início aos trabalhos de instalação do sistema de aquecimento;
26- Os RR pagaram á A a quantia a que se alude supra em 2, por conta da fatura 1/2008;
27- de € 20.754,64, assim perfazendo o valor orçamentado;
28- O sistema de aquecimento escolhido – sistema geotérmico de aquecimento ambiental e águas sanitárias, com pavimento radiante – e instalado na moradia dos RR, apesar de implicar custos de instalação mais elevados, é um dos sistemas de aquecimento mais económico e eficiente em termos energéticos;
29- Os sistemas alternativos, a gás, gasóleo ou eletricidade, implicavam custos de consumo mais elevados, que chegavam a ser superiores ao dobro;
30- A obra referente à moradia dos Réus constitui a reconstrução de uma casa antiga (com mais de 200 anos), o que condicionou todo o projeto de arquitetura e de especialidades;
31- A habitação tem cerca de 300 m2 de área aquecida, distribuída por dois corpos separados;
32- A casa situa-se no cimo de uma serra, exposta ao vento e que foram utilizadas na obra caixilharias de ferro;
33- O consumo energético depende também da temperatura para que for regulado o sistema e do seu período e modo de funcionamento;
34- O sistema permite o ajuste da temperatura, período e modo de funcionamento;
35- Os baixos consumos de energia elétrica do sistema de aquecimento foram condição essencial para a escolha do sistema apresentado pela A.

B –
O Recurso e os Factos
1 –
Os Apelantes, ao impugnarem a Decisão de Facto, começaram por alegar a omissão de pronúncia quanto ao ponto (facto) 37º da BI.
Do Despacho que sobre essa alegação foi proferido consta que não ocorre essa omissão, pois que esse 37º não consta da B.I., como se pode ver da ata da Audiência Final em que foram aditados factos à mesma B.I. (ver fls. 341 e 342).
Porém, da mesma ata consta que o R. prestou declarações, além do mais ao 37º da B.I. e da ata da sessão seguinte, a fls. 388, consta que a testemunha F… foi indicada para prestar depoimento, entre outros, ao facto 37º da B.I.
Fomos colocados, pois, perante a dúvida sobre o que se teria passado, pelo que procedemos à audição da gravação desse Despacho, pois que proferido já no âmbito da Audiência Final e conseguimos constatar que a Sr.ª Juiz, que chegou a referir “trinta e sete”, acabou por não aditar à B.I. qualquer outro facto posterior ao 36º.
Assim, não ocorreu qualquer omissão de pronúncia e consequente nulidade.
2 –
Esta questão corresponde à alegada contradição entre a fundamentação e o decidido quanto ao ponto 7º da B.I.
E a fundamentação foi a seguinte:
“A resposta ao facto 7 baseou-se no depoimento da testemunha F…, o gerente da empreiteira geral que referiu que o início dos trabalhos da A. ocorreu após ter enviado àquela o fax junto a fls. 385, em Março de 2008, com a realização do furo geotérmico e que prosseguiram mais tarde com os trabalhos relacionados com o pavimento flutuante, tendo ficado concluídos no final do Outono, em data que não soube precisar, o que implica que a A. esteve em obra, pelo menos nas datas referidas no quesito.”
Tendo sido a Decisão:
“provado que a autora interveio na obra, pelo menos, entre 5 de Maio e 27 de Julho de 2008”.
Por seu turno, o ponto ou facto 7º da B.I. tinha a seguinte redação:
“A Autora veio a intervir na obra, entre 5 de Maio a 27 de Julho de 2008?”
Ora, é evidente que com aquela fundamentação não é possível tirar a conclusão a que chegou a Decisão, pelo que corretamente, o que ficou provado, com base nessa fundamentação foi:
A A. veio a intervir na obra, inicialmente após Março de 2008, em dia e mês que, em concreto não foi possível apurar, e, posteriormente, recomeçou a sua intervenção em data que em concreto também não foi possível apurar e até ao fim do Outono de 2008.
E é para esta redação que alteramos a Decisão quanto ao ponto 7.
3 –
Vejamos, agora, a alegada contradição entre a fundamentação e a decisão relativamente aos pontos 13 e 16 da B.I.
É a seguinte a redação destes pontos:
“13. A E…, Lda, concluiu os trabalhos de instalação do sistema de aquecimento, no valor de € 9.552,51?” e
“16. O Réu contactou a L…, Lda, e a K…, Lda, a primeira das quais se disponibilizou a deslocar técnicos seus para avaliação da situação, em Maio de 2010?”
A decisão foi a seguinte:
Facto 13: provado apenas que o sistema de aquecimento ficou instalado e foi colocado em teste no início de 2009;
Facto 16: provado.
E a respetiva fundamentação:
O tribunal formou convicção quanto à resposta dada ao facto 13 com base no depoimento de F…, que rejeitou, desde logo, que tenha sido a E…, sociedade de que é gerente, quem tenha concluído os trabalhos, que foram sim executados pela A., que foi também quem os colocou em teste na data supra indicada, daí resultando a resposta restritiva.
A convicção do tribunal quanto à prova dos factos 16, 17, 18 e 35 baseou-se na conjugação dos seguintes meios de prova: no depoimento da testemunha H…, comercial, que na altura dos trabalhava para a L…, que foi um dos técnicos disponibilizados por esta empresa para fazer a vistoria na casa dos RR., em 2010 e que confirmou o relatório que elaborou que se encontra junto a fls. 75 e ss do qual deram conhecimento ao R. marido, e nos documentos de fls. 79 a 83, comprovativos do pagamento efectuado à empresa K… e dos trabalhos por esta executados.
É evidente que face à fundamentação supra há que alterar a decisão quanto ao ponto 13, já que o facto em causa é se E…, Ldª, que concluiu a instalação do sistema, só o colocou em teste no início de 2009.
E relativamente a esta questão, face à fundamentação dada, tendo em atenção ainda o decidido quanto a 7º, passará a ser a seguinte a respetiva decisão:
Não provado.
Quanto ao facto 16, face ao constante do doc. a fls. 76, datado de 21-5-2010 há que concluir que nenhuma contradição existe face à data constante de fls. 76.
4 –
Relativamente ao decidido quanto ao facto 9º da B.I. alegam os Apelantes que existe contradição com o decidido a seguir, pois que quanto àquele a decisão foi de que o sistema se encontrava instalado e a funcionar e no seguinte o tribunal deu como provado os defeitos de instalação do sistema.
Ora, como é evidente é a instalação do sistema e outra, não contraditória, é essa instalação apresentar defeitos que, apesar disso, não o impedem de funcionar. Só haveria contradição se o tribunal tivesse dado como provado que tais defeitos impediam o funcionamento do sistema, o que não foi o caso. Funcionar, ainda que defeituosamente, é sempre funcionar.
Veja-se que são os próprios RR. que, no artigo 32º da sua Oposição, que confessaram que o “empreiteiro, apesar de ter conseguido colocar inicialmente a funcionar …”.
Aqui nenhum reparo há a fazer.
5 –
Nem há contradição com o decidido relativamente ao facto 35º. O que pode acontecer é serem mais ou menos graves as consequências face ao custo e à eficácia do sistema tal como foi instalado.
Pelo que aqui também nenhum reparo há a fazer à Decisão de Facto.
6 –
Seguidamente, os Apelantes alegam que quanto ao ponto 1 (atente-se que de III da Sentença e já não da Decisão de Facto) não pode ser dado como provado que a A. apresentou uma proposta, pois que não estamos “face a uma efectiva proposta no sentido mais abrangente desta”, mas perante “uma mera proposta comercial”.
O saber se a proposta comercial foi ou não acompanhado de “um projeto de um projeto de especialidade tal como a dimensão da obra o exigia em nada impede de aquela ser tida como declaração de vontade de contratar dirigida aos RR. pela A.
O que releva é só este aspeto de existência ou não de tal declaração, sendo indiferente saber se foi ou não acompanhada de projeto de especialidade para ser considerada uma proposta.
Aliás, esse ponto 1 corresponde à al. A) dos Factos Assentes (ver fls. 257) e reporta-se ao doc. de fls. 38, do qual consta expressamente “a nossa proposta para o fornecimento do sistema …”
Nada há, pois, a alterar relativamente a este aspeto da Decisão em apreço.
7 –
Alegaram, por outro lado, os Apelantes que a presunção retirada relativamente à decisão quanto ao facto 4º não tem qualquer suporte factual, que o próprio Tribunal contradiz no decidido quanto ao ponto ou facto 5º.
Nem faz qualquer sentido ter sido considerado como “com interesse para a decisão da causa”.
Esses factos constam das alíneas D) e E) dos Factos Assentes quando do saneamento dos autos, limitando-se a Sentença a fazer a sua transcrição, sendo irrelevante verificar-se nesta fase do processo da sua relevância. Salientamos que correspondem a factos alegados pelos próprios RR. na sua Oposição – ver seus artigos 29º e 31º.
8 –
Das suas Alegações consta ainda que relativamente a 15 de III da Sentença (facto 11º da B.I.) apontam o vício de falta de quantificação temporal da afirmação “O gerente da A. esteve incontactável telefonicamente.”
Esta questão reporta-se ao 11º facto da B.I. que tinha a seguinte redação:
“A Autora mostrava-se incontactável?”
E este facto foi, também, sem qualquer quantificação temporal alegado pelos RR. em 23º da sua Oposição.
Pelo que o Tribunal se limitou a decidir em relação ao alegado pelos RR., que nenhuma referência temporal haviam feito.
Nenhum reparo merece mais este ponto.
9 –
Vieram os RR. alegar a existência de incongruência entre os pontos 13 e 16.
Porém, estes que constam de III da Sentença terão de passar a ter a redação resultante do acima decidido quanto à Decisão de Facto.
Lembramos que esta parte III da Sentença não é a Decisão de Facto, mas a transcrição de todos os Factos adquiridos para os autos – os já Assentes e os resultantes da Decisão de Facto que incidiu sobre a Base Instrutória.
10 –
No artigo 58º da sua Resposta à Oposição, alegou a A.:
“No caso concreto, os Réus não podem ignorar que se trata da reconstrução de uma casa antiga (com mais de 200 anos), o que condicionou todo o projecto de arquitectura e de especialidades.”
E esta matéria, por ter sido considerada com eventual interesse para a decisão da causa foi assim vertida para o facto 27º da B.I.:
A obra referente à moradia dos Réus constitui a reconstrução de uma casa antiga (com mais de 200 anos), o que condicionou todo o projecto de arquitectura e de especialidades)
Como tal foi objeto de instrução e, necessariamente da Decisão de Facto, que o julgou provado, razão pela qual foi transcrito na III parte da Sentença, não merecendo, por isso, qualquer censura.

DE DIREITO
A aplicação do Direito terá em atenção a matéria de facto adquirida pelo Tribunal da 1ª Instância, tal como consta da Sentença, mas com as alterações supra decididas.
A primeira questão levantada pelos Apelantes, no que à aplicação de Direito diz respeito é a de que a Sentença sofre de “verdadeiro abuso de direito sob a forma de venire contra factum proprium”.
Como sabemos, a Sentença não é sujeito de direitos, pelo que nenhum direito pode exercer em abuso. Pode conter errada aplicação de direito, conter contradição entre os fundamentos e a decisão, mas não lhe é nunca aplicável o disposto no artigo 334º do CC.
A segunda questão a apreciar diz respeito à necessidade de denúncia dos defeitos pelo dono da obra e consequência da sua omissão e se essa omissão é imputável à Apelada, por impossibilidade daqueles com ela contactarem, além de ocorrer urgência na realização da reparação dos defeitos a permitir a sua execução por terceiros.
Na Sentença consta que: após a vistoria da obra, através dos técnicos da L…, que concluíram por anomalias de funcionamento do sistema de aquecimento instalado pela A., os RR. não comunicaram à empreiteira, a aqui A., violando assim a obrigação imposta pelo artigo 1218º, 4, do CC; como esta falta de comunicação faz presumir a aceitação da obra pelo respetivo dono, com conhecimento dos defeitos, que os RR. conheciam, conduz à irresponsabilidade do empreiteiro nos termos do artigo 1219º, 1, do CC.
Antes de mais há que relembrar que "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito" - artigo 664º do CPC.
Quanto à determinação das normas legais a aplicar na decisão, a atividade do juiz não sofre qualquer limitação - JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª ed., Lisboa, 2001, p. 189; e AC. DO S. T. J., DE 20-1-2000, CJSTJ, VIII, I, p. 47.
Temos, antes de mais, de qualificar o contrato invocado pelos AA.. Isto, apesar da concordância em denominá-lo como de “empreitada”, pois que a ela não estamos vinculados.
E a qualificação é uma operação que parte do facto e que a ele regressa para efeito de o regulamentar, de determinar a sua disciplina jurídica; consiste em referenciar um caso concreto a um conceito jurídico reconhecido por uma autoridade normativa para lhe aplicar o seu regime - JACQUES GHESTIN, CHRISTOPHE JAMIN e MARC BILLIAU, Traité de Droit Civil, Les Effets du Contrat, 2ª ed., L.G.D.J., Paris, 1994, p. 64; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, Almedina, Coimbra, 1995, p. 160-161.
A qualificação está estritamente associada à classificação, mas não se confundem, sendo aquela prévia a esta - JACQUES GHESTIN, CHRISTOPHE JAMIN e MARC BILLIAU, ob. cit., p. 65; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, ob. cit., p. 161-164.
Para determinação do regime jurídico aplicável ao contrato celebrado entre a A. e os RR. há, pois, que saber a que tipo pertencem, que proceder à sua classificação - ver, quanto a esta questão o AC. DO S. T. J., de 24-10-1995, BMJ 450º, pp. 472-473.
Entre a A. e os RR. foi celebrado contrato no âmbito da liberdade conferida pelo artigo 405º do CC.
A noção de contrato não nos é dada, diretamente, pela nossa lei. Aceito, contudo, como noção de contrato a seguinte: é um acordo vinculativo de duas (ou mais) declarações de vontade contrapostas, mas conciliáveis entre si, com vista a resultado jurídico unitário de interesses diversos - JOÃO CALVÃO DA SILVA, Concessão Comercial e Direito de Concorrência, em Estudos Jurídicos, Almedina, Coimbra, 2001, p. 196.
E estamos, efetivamente, perante um contrato de prestação de serviço, na modalidade de empreitada – ver artigos 1154º, 1155º e 1207º do CC.
Pois que dispõe este último artigo que “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” - Ver AC. DO S.T.J., DE 3-11-1983, BMJ, 331º, 489, e PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 292.
Ora, a A. obrigou-se a realizar para os RR. obras de instalação de um sistema geotérmico de aquecimento numa casa de habitação destes.
Realização de obra com absoluta autonomia (falta de subordinação própria do contrato de trabalho), são requisito e critério a que atende a noção legal do contrato de empreitada - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 865. Quanto à noção de contrato de empreitada, ver, ainda: VAZ SERRA, R.L.J., 112º, 203; MAZEAUD e MAZEAUD, Leçons de Droit Civil, t. III, vol. II, 5ª ed., Editions Montchcrestien, Paris, 1980, p. 743; ENNECCERUS-LEHMANN, Derecho de Obligaciones, tradução espanhola, vol. 2º, 1ª parte, Bosch, Barcelona, 1966, p. 508; além dos ACS. DO S. T. J., de 30-1-1979, 14-2-1995 e 29-9-1998, R.L.J., 112º, 200, e CJSTJ, III, I, 88, e VI, III, 36, respetivamente.
Serão, pois, as normas dos artigos 1207º a 1226º do CC. as aplicáveis ao presente contrato, quanto à sua especificidade em relação às demais normas.
No contrato em apreço são sujeitos: a A., como empreiteira, e os RR., como donos da obra.
O seu objecto foi a referida instalação.
E é o de empreitada um contrato não formal e consensual – ver LUÍS DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. III, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2009.
No contrato de empreitada resulta para o empreiteiro, como obrigação principal, a de execução do trabalho prometido e para o dono da obra a de pagar o preço e efectuar a recepção da obra - FRANÇOIS COLLART DUTTILLEUL e PHILIPPE DLEBECQUE, Contrats civils et commerciaux, 3ª ed., Dalloz, Paris, 1996, pp. 586 e segs..
Ao dono da obra incumbe, como dito, a obrigação de aceitar a obra que foi executada sem defeito e nos termos acordados - PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 450.
Como é sabido, o preço consiste na contraprestação a cargo do dono da obra e que será a retribuição devida por este ao empreiteiro - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 867; FRANÇOIS COLLART DUTILLEUL e PHILIPPE DLEBECQUE, ob. cit., pp. 592 e 593.
Há que referir que a pretensão da A. se baseia no incumprimento por parte dos RR. da obrigação de pagamento do preço e a destes, reconvencionalmente formulada, baseia-se no incumprimento por parte daquela do contrato, pois que o executou defeituosamente.
Relembremos que o devedor tem de realizar a prestação a que está adstrito com o respeito pelos três princípios que informam o cumprimento das obrigações – a prestação deve ser pontualmente cumprida – artigo 406º, 1, e 762º, 1, do CC, o solvens deve agir nos termos impostos pela boa-fé – artigo 762º, 2, do CC e a prestação deve ser efetuada integralmente – artigo 763º do CC - MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 918 e segs.; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, Almedina, Coimbra, 1994, p. 129. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 138, 141-142, acrescenta o princípio da concretização.
Como é referido na Sentença, são três as formas de não cumprimento: incumprimento definitivo, mora e cumprimento defeituoso - FRANCISCO MANUEL PEREIRA COELHO, Obrigações, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra, pp. 218 e 219; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., reimpressão, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 62 e 118 e segs.. Ver o AC. do S. T. J., de 26-11-2009, www.dgsi.pt, que vem confirmar que o cumprimento defeituoso integra um tipo de não cumprimento.
A mora do devedor consiste no atraso culposo no cumprimento da obrigação - ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 109; a prestação, ainda possível, não foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor - MENEZES LEITÃO, ob. e vol. cits., p. 227 - artigo 804º, 2, do CC. Estamos perante um não cumprimento temporário.
O incumprimento definitivo consiste em se ter tornado impossibilidade a realização da prestação ou por ter perdido o interesse para o credor - ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 61 e 62.; o devedor não realiza a obrigação no tempo devido por facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior - MENEZES LEITÃO, ob. e II vol. cits., p. 243. O incumprimento definitivo surge: a) quando, no momento da prestação, esta não seja acatada pelo devedor, impossibilitando-se de seguida; b) quando, por força da sua não realização ou do atraso na prestação, o credor perca o interesse objetivo na sua efetivação; c) quando, havendo mora do devedor, este não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor; d) quando o devedor manifeste que não quer cumprir ou que não cumprirá, podendo esta manifestação resultar de declaração expressa ou de catos concludentes - ver PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 434, e Cumprimento ..., p. 135; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol. 2º, AAFDL, 1994, p. 457; ANTUNES VARELA, ob. e vol. II cits., pp. 91-92; AC. DO S. T. J., de 3-10-1995, CJSTJ, III, III, 42 - artigos 801º a 803º e 808º do CC.
O cumprimento defeituoso consiste na prestação realizada pelo devedor que não cumpre as condições de integridade e identidade do cumprimento; abrange também os vícios e defeitos que pode ter o objeto da prestação; ou que não foi oferecida às pessoas que a deviam receber ou em circunstâncias de lugar e tempo de cumprimento acordadas - GIMENA DIEZ-PICAZO GIMENEZ, Mora y la Responsabilidad Contratual, Civitas, Madrid, 1996, p. 392.
Nos artigos 798º e 799º do CC. está admitida a figura do incumprimento em sentido amplo, no qual se inclui o cumprimento defeituoso - VAZ SERRA, R.L.J., 108º, p. 147.
Contudo, o CC, apesar da referência que faz ao cumprimento defeituoso no artigo 799º, 1, não o regula especialmente - VAZ SERRA, ob. e ano cits., p. 144; PESSOA JORGE, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1968, p. 26.
E dispõe o artigo 799º, 1, do CC: “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
Esta presunção legal reporta-se exclusivamente à culpa, não abrangendo o cumprimento (em sentido diferente JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2009, pp. 439 e segs.).
Regressemos ao caso em apreço, no qual falta de todo a prova denúncia dos defeitos pelos RR. à A., falta a prova da urgência na reparação desses defeitos e a prova de recusa de reparação dos mesmos pela A.
Por outro lado, apesar de provado que a A. esteve incontactável telefonicamente, não ficou provado que o estivesse pessoalmente ou por qualquer outro meio de comunicação, nomeadamente por carta, para que aos RR. se tornasse inviável comunicar-lhe os defeitos detetados na obra (instalação do sistema).
Assim, por facto que lhes é imputável, não cumpriram os RR. a obrigação de denúncia para reparar. Houve violação do dever de comunicação dos resultados da verificação que os perito contratados pelos RR. efetuaram – ver artigo 1218º, 4, do CC.
E a falta da comunicação dos defeitos (denúncia) vai ter para os RR. a perda dos direitos conferidos nos artigos 1221º e segs. do CC – ver artigo 1220º, 1, do CC.
Isto é, contrariamente ao pretendido pela exigência da denúncia e da interpelação admonitória, na medida em que os contratos ainda estão em vigor e não ocorreu incumprimento definitivo, é necessário dar ao devedor, no caso ao empreiteira A., a possibilidade de eliminar os defeitos para que, seja possível ocorrer uma situação de incumprimento definitivo e a concessão ao dono da obra dos direitos referidos.
Não consta dos autos a recusa ou impossibilidade de os reparar por parte da A.
Porém, os RR. pedem, além do mais, indemnização pelo facto de haverem pago essa eliminação a terceiro.
Ora, os RR., no que à Reconvenção respeita, esqueceram-se o CC estabelece aqui uma hierarquia, de tal forma que, só nos casos de incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos ou de necessidade urgente da realização das respetivas obras pode o dono da obra optar pela efetivação dessa eliminação por si próprio ou terceiro e requerer o respetivo pagamento pelo empreiteiro – artigos 1221º, 1222º e 1223º do CC – ver neste sentido os ACS. do S. T. J., de 10-9-2009, da Relação de Lisboa, de 20-10-2009 e 19-5-2009, e da Relação de Coimbra, de 16-9-2008, www.dgsi.pt.
Assim, não é devido o montante referido em c) do pedido reconvencional.
Da mesma forma não é devido aos RR. o pagamento da quantia de € 9.552,51, pois que não resulta para a A. de qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual (aquiliana) relativamente às obras levadas a cabo pelo empreiteiro geral de adaptação ao sistema a instalar pela A.
Por outro lado, os RR. pretendiam a devolução da quantia de € 15.000,00 com o fundamento de que nenhum contrato haviam celebrado com a A. e que esta não procedera à completa instalação do sistema, o que é falso.
Terão, pois, de improceder os pedidos formulados em b) e e) da Reconvenção.
Nesta Apelação aceitam os RR. a absolvição da A. quanto ao pedido reconvencional constante da al. a).
Resta-nos apreciar o pedido formulado em d).
Por outro lado, a quem invoca o direito a receber indemnização incumbe-lhe o ónus de prova da existência de prejuízo causado, por forma adequada, pela conduta da outra parte – ver artigo 342º, 1, do CC.
São pressupostos da responsabilidade civil: 1- facto voluntário (pode ser ação ou omissão, mas quanto a esta ver o artigo 486º do CC; 2 - ilicitude (infração de um dever jurídico, por violação direta de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida); 3 - nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente); 4 - dano (perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar; 5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (o facto tem de constituir a causa do dano) - ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 525 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 500 e segs.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 471-475. Pressupostos que se aplicam à própria responsabilidade contratual.
Ora, não ficou provado que o consumo de energia superior ao que era de esperar tenha sido causado, por forma adequada, pela conduta da A., pelo que terá de improceder a pretensão dos RR. e concretizada na alínea d) do seu pedido.
Não ocorrem, no caso presente, os pressupostos que possibilitam a invocação da exceção de não cumprimento do contrato, tal como previstos no artigo 428º, 1, do CC, pois que nenhum crédito dos RR. existe relativamente à A.
III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica acordamos em julgar improcedente a Apelação e em confirmar a Sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 2015-05-26
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
_________
SUMÁRIO
I - A falta de denúncia dos defeitos ao empreiteiro retira ao dono da obra a possibilidade do exercício de qualquer direito em relação ao empreiteiro relativamente aos de feitos da obra.
II - O CC estabelece uma hierarquia de tal forma que, só nos casos de incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos ou de necessidade urgente da realização das respetivas obras, pode o dono da obra optar pela efetivação dessa eliminação por si próprio ou terceiro e requerer o respetivo pagamento pelo empreiteiro – artigos 1221º, 1222º e 1223º do CC.

Soares de Oliveira