Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12138/19.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: VALOR EXTRA PROCESSUAL DAS PROVAS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ACUSAÇÃO
Nº do Documento: RP2021092312138/19.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na falta de prova vinculada, o juiz decide a matéria de facto da ação segundo o princípio da livre apreciação, podendo atender a provas produzidas noutros processos. Porém, não só uma acusação pública proferida num processo de inquérito não constitui um meio de prova, como também há que observar os requisitos previstos no art.º 421º do Código de II - Processo Civil quanto ao valor extraprocessual das provas:
a- É suposto que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foram produzidos os meios de prova.
b- É suposto que a parte tenha tido a possibilidade no primeiro processo de exercer o contraditório quanto à admissão e produção daqueles meios de prova.
c- É suposto que o regime de produção dessas provas no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais às do segundo.
d- É suposto, ainda, que não tenha sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.
III - Se faltar o terceiro requisito ou seja, se as garantias oferecidas no primeiro processo forem inferiores às oferecidas no segundo, a prova produzida no primeiro processo pode ser aproveitada e ser feita valer em termos probatórios apenas como princípio de prova.
IV - Se falhar algum dos outros requisitos (nomeadamente a identidade das partes em ambos os processos), não podem tais provas ser objeto de qualquer aproveitamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 12138/19.6T8PRT-A.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – J 6

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
Por apenso ao processo de execução que lhe move a sociedade B…, S.A. o executado, C…, deduziu embargos de executado, alegando essencialmente que, aproveitando-se da sua deficiência mental, D… e uma outra mulher, intermediária, o convenceram de que lhe dariam algum dinheiro se ele assinasse alguns papéis e lhe disponibilizasse cópias do seu cartão de cidadão e dos seus recibos de ordenado.
Incapaz de compreender os riscos que corria, o embargante anuiu àquele pedido e assinou, entre outras, uma proposta de financiamento junto da embargada para financiar a aquisição de um veículo automóvel que entregou à D… logo que o recebeu. O pagamento das prestações do crédito era feito por débito direto numa conta que aquela ou uma intermediária que os acompanhou abriram com € 500,00 de entrada, no Banco E…, ficando na posse delas o cartão de débito e o respetivo código PIN que o embargante não chegou a conhecer.
Os valores dos financiamentos foram sempre entregues diretamente pela referida financeira ao stand de venda automóvel, nunca tendo passado por qualquer conta bancária ou pelas mãos do executado.
Evidencia-se um vício da vontade do embargante, por incapacidade acidental, aquando da assinatura do contrato de financiamento e dos documentos ao mesmo anexos (a livrança e a autorização para o seu preenchimento), determinante da anulabilidade do negócio subjacente à ação cambiária, com a consequente inexequibilidade do título dado à execução.
Ademais, nunca foi entregue ao embargante uma cópia do contrato de crédito referido no requerimento executivo, não lhe foi prestada qualquer informação ou explicação pré-contratual aquando da celebração do negócio e às suas cláusulas, nem foi, previamente, avaliada a sua solvabilidade (caso em que o crédito nunca lhe teria sido concedido), sendo, por isso, o contrato nulo e anulável.
Concluiu assim o seu articulado:
«Termos em que, recebida a presente Oposição à execução:
a) Se requere a suspensão da mesma por dependência de causa prejudicial – artº 272º, n1, do CPC;
b) A consequente suspensão da execução apensa, seja por efeito da suspensão da oposição, seja por ter sido impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda – artº 733º, nº 1, c), do CPC;
c) QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, ser julgado nulo o contrato de crédito ao consumo que constitui a relação causal subjacente à presente acção cambiária e, consequentemente, procedente por provada a oposição deduzida.»
Recebidos os embargos e notifica a embargada, foi apresentada contestação, com defesa por impugnação, alegando-se designadamente que foi explicado ao embargante o conteúdo do contrato, bem como as consequência que resultariam para si da sua celebração, nomeadamente a quantia mensal que teria de pagar ao embargado B…, a taxa de juro aplicável e o número de prestações mensais.
O embargante apresentou então também vários documentos, designadamente relativos a atestar a sua capacidade financeira e só depois o contrato foi firmado, tendo-lhe sido entregue uma cópia.
O embargante tem capacidade para compreender o sentido e o alcance das declarações por si emitidas nos documentos que assinou, e para compreender as implicações da celebração do contrato, o que bem revelou perante os funcionários da F…, Lda., a vendedora do veículo, que desconheciam e desconhecem se ele padece de algum atraso mental e se existia qualquer relação entre ele e a mulher a que se refere no requerimento inicial.
A embargada impugnou grande parte dos factos alegados pelo embargante e defendeu a prossecução da ação executiva até obter o pagamento integral do crédito exequendo, opondo-se ao pedido de suspensão da execução.
O tribunal suspendeu a execução.
Teve lugar a audiência final, após a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, julgo os presentes embargos totalmente procedentes, por provados e consequentemente determino a total extinção da execução.
Condeno a embargada nas custas do processo.
Valor da causa: o já fixado, 14.163,30€.»
*
É desta decisão que a embargada recorre, tendo alegado com as seguintes CONCLUSÕES:
………………………………
………………………………
………………………………
Defendeu desta forma que da alteração da decisão proferida em matéria de facto no sentido propugnado, resultará a improcedência dos embargos.
*
Não foram oferecidas contra-alegações.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

Cumpre decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2. Nulidade da sentença;
3. Consequências jurídicas da modificação daquela decisão.
*
III.
É a seguinte a matéria de facto considerada provada e, como tal, constante da sentença recorrida:
1. A exequente juntou ao requerimento executivo uma livrança, no valor de € 14.037,11 (catorze mil e trinta e sete euros e onze cêntimos), subscrita por C…, emitida a 08/02/2019 e com vencimento em 23/02/2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzida.
2. A referida livrança foi entregue ao exequente no âmbito de um acordo escrito, denominado «contrato de crédito» ao qual foi atribuído o n.º ……, celebrado entre a exequente e o subscritor, no âmbito da actividade bancária a que a exequente se dedica, junto a fls. 58 a 68 e que aqui se dá por reproduzido.
3. Nesse acordo escrito, em suma, a embargada/exequente declarou aceitar financiar a aquisição, por banda do embargante, de um veículo automóvel, da marca Renault, modelo …, matrícula ..-RV-.., ao vendedor e intermediário «F…, LDA», pelo preço de €15.000,00.
4. Em contrapartida, declarou o embargante obrigar-se a reembolsar o montante total financiado, de 12.900,65€ (doze mil, novecentos euros e sessenta e cinco cêntimos) em 108 mensalidades, no valor de €180,59 cada.
5. Mais declararam as partes, com relevo:
(Ponto 12. GARANTIAS DO CUMPRIMENTO, das Condições Gerais)
A. Valor ca Caução:_____________
B. LIVRANÇA EM BRANCO, se e quando a B… a vier reputar como necessária ao reforço das garantias constituídas
C. Reserva de Propriedade a favor da B…-

6. Das denominadas «CONDIÇÕES GERAIS» do aludido contrato consta, para além do mais, com relevo:
12. GARANTIAS DO CUMPRIMENTO
1. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas pelo presente Contrato o(s) CLT(s) presta(m) a favor do IC as garantias previstas nas CP.
2. A IC poderá exigir a todo o tempo, e sem que o(s) CLT(s) recusar, quer a prestação de garantias, no caso de não terem sido prestadas, quer o seu reforço, se elas se vierem a mostrar insuficientes. A prestação de garantias, a sua substituição ou reforço, nunca implicarão novação da dívida.
3. A garantia abrange todos os valores devidos pelo(s) CLt(s) á IC e os respectivos custos encontra-se incluídos na TAEG; caso a garantia seja prestada posteriormente à celebração do Contrato, o respectivo custo a cargo do(s) CLT(s) será o praticado no momento da sua constituição, de acordo com o preçário em vigor.
4. O(s) CLT(s) e o(s) Avalista(s), sem necessidade de novo consentimento, autoriza(m) expressamente e de forma irrevogável, a IC a preencher e completar os títulos de crédito que este(s) lhe entregar(em) devidamente subscritos pelo(s) CLT(s) e Avalistas mas não integralmente preenchidos, nomeadamente quanto à data, local de pagamento e valor, o qual corresponderá ao saldo em dívida de capital, juros e demais encargos e despesas emergentes do contrato, podendo a IC apor a cláusula “Sem Despesas” e fazer de tais títulos o uso que entender, na defesa do seu crédito. O(s) CLT(s) e o(s) Avalista(s) esta(ão) de acordo com o preenchimento da livrança nos termos referidos, bem como toma(m) conhecimento de que as responsabilidades assumidas no título de crédito são, nos termos da regulamentação aplicável, comunicadas à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
5. Sendo prestadas garantias pecuniárias, o respectivo valor será restituído pela IC, por cheque, após o pagamento da última prestação do empréstimo, salvo se o(s) CLt(s) optar(em) pela afectação ao pagamento, total ou parcial, da(s) últimas(s) prestação(ões).
6. A fiança quando prestada será considerada, para efeitos fiscais, como acessória deste Contrato.
7. Prestada a fiança, o(s) Fiador(es) obriga(m)-se e garante(m) o cumprimento do Contrato nos mesmos termos do(s) CLT(s) o cumprimento daquele, mantendo-se a fiança por todo o tempo de Contrato, ainda que ocorram sobre este quaisquer alterações ou modificações.
8. A utilização de títulos de crédito com função de garantia obedece ao regime estabelecido na Lei Uniforme sobre Letras e Livranças. Se o(s) CLT(s) ou terceiro(s) subscrever(em) letras ou livranças com função de garantia, é aposta nos títulos a expressão «não à ordem», ou outra equivalente.
(…)
15. MORA, COMISSÕES E DESPESAS
1. O(s) CLT(s) fica(m) constituído(s) em mora caso não efectue(m) o pagamento de qualquer prestação de capital e/ou juros na data do respectivo vencimento.
2. A mora dá Lugar à centralização do(s) CLT(s), bem como do(s) respectivo(s) Garante(s), na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, caso não procedam ao respectivo pagamento.
3. Conforme previsto do DL 58/2013, de 8 de Maio, no caso de mora dos CLT(s) incidirão sobre as importâncias em mora, e durante o tempo em que esta se verificar, juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima permitida por lei de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios (TAN) Identificada nas CP do Contrato em vigor. Os Juros remuneratórios podem ser capitalizados nos termos da lei.
4. Nos termos do DL 58/2013, de 8 de Maio, a IC e o(s) CLT(s) acordam que, no caso de reestruturação ou consolidação de Contratos de Crédito, os juros moratórios sejam capitalizados.
5. Conforme previsto no DL 58/2013, de 8 de Maio, para além dos juros moratórios a IC pode ainda cobrar pela mora do(s) CLT(s) uma comissão pelo não pagamento da prestação na data de vencimento, como retribuição dos serviços por esta prestados, ou subcontratados a terceiros no âmbito da sua actividade, correspondente a 4% do valor de cada prestação vencida e não paga, com um limite mínimo de 12,00 euros e um limite máximo de 150,00 euros. A comissão pela recuperação só pode ser cobrada uma única vez, por cada prestação vencida e não paga, ainda que o incumprimento se mantenha.
6. Nos termos do DL 58/2013, de 8 de Maio as quantias devidas a título de comissão pela recuperação em dívida que não forem pagas pelo(s) CLT(s) podem, em caso de reestruturação ou consolidação de Contratos de Crédito, acrescer ao montante do capital em dívida.
7. Conforme previsto no DL 58/2013, de 8 de Maio serão ainda repercutidas no(s) CLT(s) todas as despesas posteriores à entrada em incumprimento que sejam suportadas pela IC perante terceiros, por conta daquele(s), nomeadamente pagamentos a Conservatórias, Cartórios Notariais ou que tenham natureza fiscal.
8. A taxa de juro de mora ou o valor da comissão pela recuperação de valores em dívida acima referidos poderão ser actualizados de acordo com a Lei. Caso os mesmos venham a ser actualizados, e se for determinada por Lei a sua aplicação retroactiva, os valores previstos nos números anteriores consideram-se automaticamente actualizados para os novos valores, a contar da data de entrada em vigor da Lei que proceda à sua alteração. Para o efeito, não há necessidade de qualquer comunicação prévia da IC ao(s) CLT(s).

7. O executado padece, desde a sua infância, de deficiência intelectual, clinicamente designado por atraso mental ligeiro classificado como F70 de acordo com a Classificação Internacional de Doenças.
8. Fruto de tal deficiência, o executado apenas conseguiu concluir o 6º ano de escolaridade com 16 anos de idade, tendo para tal necessitado de acompanhamento, entre 1999 e 2009, no Hospital …, por alterações do comportamento e dificuldades de aprendizagem.
9. Tal deficiência mental implica que o executado necessite do apoio dos progenitores para diversas tarefas e decisões, como, p. ex., ir a consultas médicas, tomar medicação, adquirir vestuário, artigos de higiene pessoal ou em geral qualquer outro bem com excepção de comidas ligeiras, sendo incapaz de realizar de forma autónoma a sua gestão financeira.
10. Trabalha como auxiliar de fabrico de pão, na freguesia …, concelho de Vila do Conde, entregando todo o salário que recebe aos progenitores que lhe destinam uma “semanada” para pequenas despesas pessoais.
11. Não tem consciência do valor de mercado – nem sequer aproximado – dos bens de consumo, com a excepção daqueles que habitualmente adquire – lambarices e sanduíches.
12. A incapacidade de que o executado padece é notória e reconhecível para qualquer pessoa medianamente arguta ou de normal inteligência.
13. O executado praticamente não convive com mais ninguém para além de seus pais e colegas de trabalho, não tendo amigos ou conhecidos com quem prive ou conviva.
14. Bastando, a qualquer cidadão de mediana inteligência, poucos minutos de conversa para se aperceber da deficiência de que padece o requerido.
15. Em data que não se pode precisar mas seguramente em 2018 e anteriormente ao mês de Abril, o executado travou conhecimento com uma pessoa de nome D…, que ao tempo trabalhava como empregada num café denominado “G…” na freguesia …, Vila do Conde, a mesma onde o executado trabalha e daquela onde reside – ….
16. Este conhecimento resultou do facto de o executado por vezes se deslocar ao dito café, próximo do seu local de trabalho, onde consumia sandes e bolos.
17. Aproveitando-se do conhecimento que travou com o executado e, seguramente tendo-se apercebido da sua deficiência mental a dita D… convenceu o embargante de que lhe daria algum dinheiro se este assinasse alguns papéis e lhe disponibilizasse cópias do seu cartão de cidadão e dos seus recibos de ordenado.
18. Incapaz de entender os riscos que tal poderia acarretar, o executado prontificou-se a fazer o que lhe era solicitado, acedendo ao pedido da D….
19. Esta convenceu-o então a assinar pelo menos três propostas de financiamento – contratos de crédito ao consumo – na qualidade de devedor com entidades financeiras diferentes – a aqui exequente, o Banco H…, SA e a I….
20. Todos estes créditos se destinavam a financiar a aquisição de veículos automóveis correspondendo ao valor exacto a que cada um estava à venda em diferentes stands de venda – na Póvoa do Varzim, em Marco de Canavezes e no Porto – na modalidade de contrato de crédito coligado.
21. Também terá sido esta D… a apresentar o executado a uma terceira pessoa do sexo feminino, cujo nome se desconhece, mas que se intitulava como intermediária financeira dos diversos stands de venda de automóveis.
22. Na sequência do procedimento que se deixou descrito, o executado foi ainda convencido a deslocar-se, acompanhado da dita “intermediária financeira”, a pelo menos três stands, onde levantavam os veículos adquiridos com os financiamentos subscritos pelo executado.
23. Mal abandonavam cada um dos stands o executado entregava de imediato o veículo adquirido àquela “intermediária” ou deixava-o, bem como às respectivas chaves e documentos, num local próximo e já predeterminado.
24. O executado, tirando os breves momentos em que saía do stand de venda com o automóvel, nunca teve a posse efectiva de qualquer um deles, desconhece o seu destino e nunca os usou fosse para o que fosse.
25. As referidas D…, a “intermediária financeira” e ainda uma outra pessoa de sexo feminino que se apresentou ao executado como trabalhando com a segunda e sendo sua subalterna, convenceram ainda o executado a abrir uma conta bancária em seu nome, tendo para o efeito acompanhado o mesmo a uma agência do Banco E… em Vila do Conde, em 23 de Abril de 2018.
26. Para tanto, uma delas depositou 500 € em numerário, que serviram para a abertura da dita conta bancária, tendo no entanto ficado na posse do respectivo cartão de débito e código PIN do mesmo – DOC 4 junto à petição de embargos e aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. A dita conta bancária foi indicada no contrato referido em 2º, para domiciliação do débito directo (fls. 67).
28. O executado não tirou qualquer proveito da dita conta, pois nem o número da mesma sabia – o que só veio a acontecer quando seu pai, aos primeiros indícios de que alguma coisa de estranho estava a suceder, começou a indagar o executado e a dita D….
29. Toda a negociação do financiamento bem como a negociação com os vendedores dos veículos foi sempre efectuada por uma das três aludidas senhoras e sem a presença do executado.
30. Os valores dos financiamentos foram sempre entregues directamente pelas credoras aos stands de venda automóvel, nunca tendo passado por qualquer conta bancária ou pelas mãos do executado.
31. Assim tendo acontecido com o valor que foi financiado pela aqui exequente e que foi por aquela directamente pago ao vendedor do veículo que se destinou a adquirir.
32. No final do mês de Abril de 2018, começaram a ser recepcionadas na residência do executado e de seus pais, cartas quer da exequente, quer de outras financeiras, dando conta da existência dos contratos de crédito ao consumo contraídos pelo executado.
33. Confrontado com tal correspondência, o executado tudo contou a seus pais que de imediato tudo tentaram para evitar piores consequências.
34. Assim, o pai do executado ainda conseguiu contactar a I…, onde o mesmo esquema já estava em marcha, a tempo de evitar que fosse transferido para um stand denominado J…, o valor mutuado, tendo o respectivo financiamento sido cancelado.
35. Apresentou queixa na GNR de …, dando origem ao inquérito com o NUIPC 346/18.1GAVCD.
36. No dia 26 de Abril de 2018, a B… comunicou ao embargante que tinha sido concretizado o empréstimo e que “de acordo com as suas instruções, liquidamos a respectiva quantia à F…, Lda.” – cfr. carta, junta à contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
*
Foi dada como não provada qualquer outra matéria de facto, designadamente:[2]
a. que os representantes da F…, em especial o funcionário L…, explicou ao embargante o conteúdo do contrato, bem como as consequências que resultariam para si da sua celebração, nomeadamente a quantia mensal que teria de pagar ao embargado B…, a taxa de juro aplicável e o número de prestações mensais.
b. Que entregaram ao embargante cópia do contrato referido em 2º.
*
IV.
Apreciação das questões da apelação
Ab initio est ordiendum.
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto
Na impugnação da decisão em matéria de facto, o recorrente tem que cumprir os ónus a que se refere o art.º 640º, nº 1, al. a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil. Sob pena de rejeição do recurso em matéria de facto, deve especificar:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meio probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
A recorrente deu cumprimento aos referidos pressupostos da impugnação que deduziu:
Identificou os pontos 7 a 14 e 17 a 31 como sendo aqueles cuja modificação pretende, considerando que devem ser dados como não provados e defendeu ainda que a matéria das al.s a) e b) dada como não provada transite para a matéria de facto provada.
Identificou os concretos meios de prova que tem por relevantes para a obtenção do referido resultado, assim como os momentos da gravação tidos por interessantes e até transcreveu excertos dos depoimentos das testemunhas M…, D…, N… e L….
Desmereceu outros depoimentos, designadamente de O… (pai do embargante recorrido), P…, a dona do café que o embargante frequenta, e Q…. Invocou também as declarações de parte do recorrido, para vincar o interesse que tem na causa.

Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes[3], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e outras provas, como sejam as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção da Ex.ma Juiz, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, se necessário, a decisão em matéria de facto.
Ensina Vaz Serra[4] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação.
Vejamos então!
Radicando a sentença, quanto à matéria de facto aqui impugnada, além de documentos, nos depoimentos de O…, P…, Q…, M…, D… e declarações do embargante, desmerecendo o depoimento de L…, foram integralmente ouvidas as gravações das prestações destas testemunhas e daqueles cujas passagens de depoimentos a recorrente indicou, ao abrigo do art.º 640º, nº 2, al. b), in limine, do Código de Processo Civil.
A ideia geral que fica, depois de ouvidos aqueles depoimentos, da sua conjugação entre si e com os documentos atendíveis juntos ao processo, maxime, com os documentos clínicos juntos como requerimento inicial de embargos de pág.s 786 e sg.s do histórico do processo electrónico[5], é a de que a D…, com a conivência de outra ou outras pessoas, se aproveitou da deficiência intelectual do embargante --- quem conhecia do estabelecimento de café onde trabalhava --- para o envolver num esquema de apropriação de três veículos (marcas Mercedes, Renault e Audi), em curto espaço de tempo, junto de determinados postos de venda, entre eles o automóvel de matrícula ..-RV-.. (Renault), à venda no estabelecimento da F…, Lda., em Marco de Canavezes.
Não resulta de qualquer prova que alguma vez o embargante tenha estado na posse de qualquer dos veículos para além do momento que os retirou cada um deles dos respetivos postos de venda. O Renault (e a respetiva chave de ignição) foi imediatamente deixado ao alcance de terceiro num posto de abastecimento de combustíveis, por indicação da D….
Na matéria da avaliação da capacidade intelectual do embargante pesam sobretudo a informação clínica constante dos autos e as referências que foram feitas durante a prestação da prova por parte das pessoas mais próximas, designadamente o seu pai, com quem ele vive desde criança, a testemunha P… que o conhece há cerca de 8 ou 9 anos, sendo ela a empregadora daquele progenitor num Café que o C… também frequenta, e Q… que o conhece desde criança.
Nesta matéria, a imediação faculta à 1ª instância uma perceção mais completa do que aquela que está ao alcance da Relação. No entanto, a forma como o C… respondeu às perguntas que lhe foram feitas e as respostas que deu (e não deu, referindo bastas vezes “não lhe sei responder”, “não lhe sei dizer” e “não sei explicar”) a perguntas relacionadas com os factos, mas que exigem algum raciocínio, viabilizam a convicção de que tem dificuldade de compreensão e interpretação dos acontecimentos e de avaliação das suas consequências, para além de que é uma pessoa facilmente sugestionável e influenciável, não obstante parecer ter uma memória razoável relativamente aos factos que foi levado a praticar por convocação e influência da D….
O défice intelectual é facilmente percecionado pelas pessoas que convivem com o C…, e não podia deixar de ser percetível à D…, que se aproveitou dele para o abordar no sentido de praticar com ela os atos preparatórios da aquisição do veículo Renault e a própria compra, dirigindo-se com ele aos vários locais e ao stand de vendas, em Marco de Canavezes, as duas vezes que foi necessário, uma para assinar os papéis e a outra para levantar o automóvel.
O embargante referiu que não leu, não lhe leram nem lhe explicaram o sentido dos documentos que assinou e, quando mais tarde, recebeu um telefonema de uma senhora (a testemunha N…, funcionária administrativa da embargada, para confirmar a realidade do empréstimo) cujo assunto era a compra daquele veículo, aquela apenas lhe perguntou o seu nome e qual era o modelo e a cor do carro que comprou, ao que respondeu sem problemas.
Com toda a evidência, o embargante, por causa do seu défice intelectual, nunca chegou a entender que, apesar de ficar sem a posse do veículo, ficava sem ele e obrigado a pagar o crédito contraído, o seu montante total, a existência de prestações, o valor de cada uma delas, o tempo necessário à amortização completa e as consequências do não pagamento.
Nenhuma pessoa normal compra três automóveis em escassos dias ou semanas, sem necessitar deles nem os saber negociar --- o C… dispunha diariamente do veículo do pai para se deslocar de e para o trabalho ---, entrega-os imediatamente a terceiros e assume a obrigação de os pagar totalmente em prestações e suportar os riscos da mora, tendo apenas por rendimento uma remuneração mensal do trabalho de padeiro equivalente à Remuneração Mínima Mensal Garantida que, aliás, entrega todos os meses ao pai, de quem também quer esconder (mais uma vez por influência da D…) os negócios realizados. Nem soube o embargante entender o que não seria nem foi mais do que uma promessa feita pela D… de pagamento de € 500,00 por cada veículo que fossem buscar. Não compreendeu o risco de não receber esses valores (e que efetivamente nunca recebeu) nem o fosso financeiro abissal que existe entre os prometidos € 1.500,00 e o custo dos três veículos que se obrigou a pagar sem qualquer outra contrapartida ou vantagem económica.
É certo que o C… soube dizer que € 30.000,00 é um valor muito elevado para o Renault, situando o valor correto em € 10.000,00. Mas também entendeu que € 15.000,00 continuava a ser demasiado elevado, sem que, no entanto, se recordasse que foi esse o preço contratado na sua compra.
A testemunha P… prestou um contributo precioso na descoberta dos factos, em grande colaboração com o seu empregado, pai do C…. Descreveu os contactos que efetuou, de modo seguro e rigoroso, não deixando dúvida razoável quanto a isso e aos seus resultados lógicos; aliás sem que tivesse sido contrariada por outras provas e em sintonia com o depoimento do progenitor do C…, a pessoa com quem aquele vive e que, juntamente com o cônjuge, tratam do filho desde que nasceu, gerindo a sua vida em geral e todo o dinheiro que ele ganha na panificadora onde trabalha, dispensando-lhe pequenas quantias para gastar no dia-a-dia, nos cafés que frequenta. O C… quase não se afasta da zona onde nasceu, sem amigos e muito dependente dos pais. A testemunha Q…, pai de duas crianças que foram companheiras de escola do C…, qualificou-o de “atrasadinho” e chegou mesmo a dizer que julga que ele nunca foi à cidade do Porto ou que apenas terá ido recentemente, com os pais, a uma consulta médica a Vila Nova de Gaia.
A D…, quanto ao essencial, escudou-se no direito ao silêncio por poder ser incriminada com o que visse a dizer sob juramento e dever de verdade e negou, contra a evidência referida pelas testemunhas que melhor o conhecem, em sintonia com os documentos clínicos, que fosse percetível qualquer défice intelectual na pessoa do C….
Assim, a testemunha L…, o comercial da F…, Lda. parece faltar também à verdade quando refere não se ter apercebido da deficiência intelectual do embargante e quando diz que lhe explicou os termos dos contratos, designadamente que ficou ciente deles, principalmente no que respeita a valores do preço e do crédito, das prestações e das obrigações que o embargante assumiu.
Não basta dizer, é necessário convencer.
Finalmente, importa justificar a desconsideração que fazemos dos documentos que constituem depoimentos extraídos dos processos de inquérito nºs 346/18.1GAVCD (pág.s 439 e seg.s 464 a 449) e 699/18.1GBPNF (pág.s 505 a 510), assim como da acusação que foi proferida naqueles autos.
Dispõe o art.º 421º do Código de Processo Civil: “1- Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 355.° do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
Desde logo a peça acusatória não é um meio de prova.[6]
Quanto ao mais, tem sido entendimento comum na doutrina --- que a jurisprudência também segue --- que a prova testemunhal (e pericial) produzida num processo só releva para outro processo se ocorrerem quatro fundamentos cumulativos:
- Em primeiro lugar, é suposto que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foram produzidos os ditos meios de prova.
- Em segundo lugar, é suposto que a parte tenha tido a possibilidade no primeiro processo de exercer o contraditório quanto à admissão e produção daquele meio de prova.[7]
- Em terceiro lugar, é suposto que o regime de produção dessas provas no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais às do segundo.
Em quarto lugar, é suposto, ainda, que não tenha sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.[8]
Se faltar o terceiro requisito, ou seja, se as garantias oferecidas no primeiro processo forem inferiores às oferecidas no segundo, a prova produzida no primeiro processo pode ser aproveitada e ser feita valer em termos probatórios apenas como princípio de prova, como decorre do n.º 1 do citado artigo 421º. Se falhar algum dos outros requisitos (nomeadamente, a identidade das partes em ambos os processos), não podem tais provas ser objeto de qualquer aproveitamento[9].
Os depoimentos certificados foram extraídos de um processo de inquérito, uma fase processual de investigação em que vigora o segredo de justiça, não constando que tivessem sido submetidos a “audiência contraditória”, para além de que não consta que a embargada ali tivesse intervindo em qualquer qualidade processual.
Com efeito, não estão reunidos os pressupostos necessários a que sejam atendidos para efeitos de prova, neste processo, os depoimentos certificados e extraídos de processos de inquérito criminal.
Não obstante, as restantes provas produzidas e relevantes são suficientes à demonstração da generalidade dos factos impugnados que, por isso, se mantêm, incluindo a matéria dada como não provada, com exceção dos pontos 19, 20, 21, 22, 25, 26, 29 e 30 que são alterados ou abolidos conforme especificação que se faz seguir:
Ponto 19: Esta convenceu-o então a assinar propostas de financiamento --- contratos de crédito ao consumo --- na qualidade de devedor, uma das propostas com a exequente embargada.
Ponto 20: Tais propostas destinaram-se a financiar a aquisição de veículos automóveis correspondendo ao valor a que cada um estava à venda em diferentes stands auto, no caso do Renault, matrícula ..-RV-.., em Marco de Canavezes.
Ponto 21: Eliminado.
Ponto 22: Na sequência do procedimento que se deixou descrito, o executado foi convencido a deslocar-se a stands pela D… e por ela foi acompanhado quando se deslocaram ao posto de venda da F…, Lda.
Ponto 25: Pelo menos a D… convenceu ainda o executado a abrir uma conta bancária em seu nome, tendo para o efeito acompanhado o mesmo a uma agência do Banco E… em Vila do Conde, em 23 de abril de 2018.
Ponto 26: Para tanto, a D… depositou € 500,00 em numerário, que serviram para a abertura da dita conta bancária, sendo ela, com exclusão do embargante, quem ficou na posse do cartão de débito e do respetivo PIN que o C… lhe entregou logo que lhe foi enviado pelo Banco E… para a sua residência.
Ponto 29: A negociação do financiamento, assim como a negociação do Renault com a F…, Lda. foi efetuada pela D….
Ponto 30: O valor do financiamento do veículo Renault foi entregue diretamente pela embargada ao stand que efetuou a sua venda, nunca tendo passado por qualquer conta bancária ou pelas mãos do executado.
Só nesta medida e pelos motivos expostos se altera a decisão proferida em matéria de facto.
*
2. Nulidade da sentença
Sem qualquer fundamento no corpo das alegações e nas respetivas conclusões do recurso, a apelante limita-se a citar o art.º 615º, nºs 1, al.s b) e d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, entre as demais disposições legais que considera violadas pela sentença.
Não viu a recorrente, nem vemos nós agora de onde possa resultar a falta de fundamentação de facto e de Direito da decisão --- contém factos provados e não provados e o seu dispositivo está precedido de subsunção e justificação jurídica ---, assim como não vislumbramos o conhecimento e decisão de qualquer questão de que o tribunal a quo não pudesse tomar conhecimento.
Improcede a invocada nulidade da sentença.
*
3. Consequências jurídicas da modificação daquela decisão
Nos termos do recurso, não há qualquer outra questão a apreciar que não seja a extração de consequências jurídicas da modificação da decisão de facto defendida pela apelante. Quer isto significar que a modificação da decisão final está dependente da alteração daquela decisão, conformando-se a recorrente com aquela caso esta se mantenha.
A decisão da matéria de facto foi efetivamente alterada, como se decidiu na 1ª questão da apelação, mas, com toda a evidência, as modificações nela introduzidas são absolutamente inócuas para o efeito do Direito aplicado na sentença. Com ou sem aquelas alterações de facto, a fundamentação jurídica, essencialmente assente na incapacidade acidental do embargante e na violação dos deveres de informação e de comunicação inerentes aos direitos de consumidor, nos termos do Decreto-lei nº 133/2009, de 2 de junho (que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores) e do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de outubro, mantém a mesma absoluta pertinência que, de outra forma, a apelante não questionou.
Os factos convocados para aquelas qualificações mantêm-se incólumes.
Por conseguinte, impõe-se, sem necessidade de mais considerações, a confirmação da sentença.
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
…………………………
…………………………
…………………………
*
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela embargada /apelante, por ter decaído totalmente no recurso, sem prejuízo da taxa de justiça paga pela sua interposição (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
Porto, 23 de setembro de 2021
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
________________
[1] Por transcrição.
[2] Por transcrição.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[4] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171.
[5] A que se referem todas as páginas que forem referidas sem menção de origem.
[6] Por maioria de razão, da mesma forma que é pacífico o entendimento de que, ao menos por regra, a eficácia extraprocessual se reportar aos meios de prova e não aos factos tidos como provados (cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2004, proc. 05B691, de 14.1.2021, proc. 3935/18.0T8LRA.C1.S1, de 3.3.2021, proc. 11661/18.4T8PRT.P1-A.S1, da Relação de Coimbra de 15.9.2015, proc. 889/10.5TBFIG.C1 e da Relação de Lisboa de 9.3.2021, proc. 1799/08.1TBFUN-B.L1-1, in www.dgsi.pt.
[7] Neste contexto, como refere Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil ”, II volume, 2015, pág. 330-331, citado no acórdão da Relação do Porto de 15.6.2020, in www.dgsi.pt, a lei basta-se com a facultação à parte contrária do ensejo da respetiva exercitação mediante notificação expressa para a produção daquele meio de prova, não se tornando necessária uma sua real intervenção, participação ou assistência na respetiva produção; Basta, portanto, que à parte tenha sido dada a possibilidade de intervir na admissão e na produção da prova em causa.
[8] Cf. neste sentido M. Teixeira de Sousa, in As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa. Ver. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.11.2018, proc. 478/08.4TBASL.E1.S1, o acórdão da Relação do Porto de 21.2.2017, proc. 226/10.9TYVNG-F.P1, in www.dgsi.pt.
[9] Cf. Dito acórdão da Relação do Porto de 15.6.2020, citando Francisco Ferreira de Almeida, op. cit., pág. 331. No mesmo sentido, na doutrina, vide, por todos, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III volume, 4ª edição, 1985, pág. 344-350, Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, 1995, pág. 256-257 e J. Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II volume, 2001, pág. 416-419. Cf. ainda acórdão da Relação de Évora de 21.11.201, proc. 2748/17.1T8STR.E1, in www.dgsi.pt.