Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5903/17.0T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: CRIME DE ABANDONO DE POSTO
AUSÊNCIA
BEM JURÍDICO
TIPICIDADE
Nº do Documento: RP201809125903/17.0T9PRT.P1
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 37/2018, FLS 9-24)
Área Temática: .
Sumário: I- A norma do artº66º 1 al e) e 2 CJM (crime de abandono de posto), tem como bem jurídico a segurança das Forças Armadas, e em especial, a protecção do estabelecimento ou serviços militares, pelo que este só se mostra violado se o posto ou serviço abandonado pelo militar ficar a descoberto, expondo a perigo a unidade ou o serviço militar.
II – Não preenche a tipicidade legal de tal ilícito se o arguido se ausenta do seu posto, por período temporal muito curto, assegurando porém a sua substituição nesse curto período, não tendo o posto ficado abandonado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 5903/17.0T9PRT
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 1.

Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
1-Efetuado julgamento nos autos de processo comum colectivo (crimes militares) nº 5903/17.0T9PRT, foi proferido acórdão no dia 24.5.2018, que julgou improcedente a acusação do Ministério Púbico contra o arguido, B... e, em consequência absolveu-o do crime de abandono de posto p.p. pelo artigo 66º nº1 al. e) e nº2 do Código de Justiça Militar que lhe vinha imputado.
Inconformado, veio o MINISTÉRIO PÚBLICO interpor recurso, motivado, apresentando as seguintes conclusões que passamos a transcrever:
“1. Vem o presente recurso interposto por discordarmos, em absoluto, com a absolvição do arguido pela prática de um crime de abandono de posto, da previsão do artigo 66º nº1 al. e) e nº2 do Código de Justiça Militar, considerando-se que, perante a abundante matéria que o próprio Coletivo deu como provada, em face da sua posição e funções de militar da Guarda Nacional Republicana e na qualidade de Cabo desta instituição militar e em serviço de atendimento no Posto, deveria ter-lhe sido imputado tal ilícito penal;
2. Perante os factos comprovados na decisão colegial e que constam dos itens 1 a 18 jamais poderemos entender a posição do Tribunal recorrido que, apesar de tudo isso (matéria fáctica desse itens que aqui se reproduzem), incompreensivelmente entenderam, conforme resulta da sua motivação fáctica que o seu comportamento não integraria esse tipo legal de crime previsto na legislação especial, que é o Código de Justiça Militar, aplicável apenas aos agentes que possuam essas mesmas características;
3. Na verdade o Tribunal recorrido entendeu que o curto período temporal em que se processou a ausência do arguido do Posto e porque ele deixou alguém no seu lugar, essa sua conduta seria justificável e, dessa forma, não punível;
4. Sendo a lei penal militar especial em relação às restantes legislações, só aplicável a agentes que, à data da prática desses factos, tenham essa qualidade de militar das nossas forças armadas ou militarizadas, também as exigências são maiores em relação a qualquer um de nós cidadãos civis;
5. Como é da perfeita consciência dos elementos que integram essas forças (armada e militarizada), como o caso do arguido e inserta em toda a doutrina jurisprudencial, como sejam os recentes acórdãos dos Tribunais da Relação de Lx de 27/02/25016;
6. Pela nossa parte entendemos que a ausência do arguido do seu posto de trabalho para onde havia sido escalado e donde não se poderia ausentar sem autorização superior, apenas poderia não ser censurável penalmente e daí não punível, se por detrás dessa sua ausência ilegítima, tivesse ocorrido uma situação de força maior;
7. Em termos de jurisdição militar penal, só uma situação desta natureza, que pudesse justificar a saída do posto de atendimento ao público para o qual foi atempadamente escalado e sem autorização superior poderia considerar- se como justificada, integrando-se na figura jurídica do estado de necessidade que excluiria a ilicitude dessa sua atuação e culpa, nos termos do instituto previsto no artigo 13º do CMJ e 31º do Código Penal;
8. Situação esta que não ocorreu neste caso, pois apenas uma razão muito forte- que não esta-, o teria impedido de se ausentar do seu local onde prestava serviço, sem ter comunicado superiormente e sem obter a necessária autorização;
9. Discordando-se das duas razoes apontadas pelo Tribunal “ad quo” para justificarem esse seu comportamento e que se prendeu com o facto do curto período de ausência do arguido e pelo facto dele ter deixado duas colegas no seu lugar, a que acresce o facto de durante essa sua ausência não ter ocorrido qualquer situação ou ocorrência com necessidade de intervenção;
10. Estes argumentos benévolos por parte do recorrido Tribunal não são aceitáveis, desresponsabilizando-o, desde logo porque o depoimento da Guarda C... ao ser questionada pelo próprio Tribunal sobre se o telefone tocasse iria atender o serviço, ela referiu que sim, mas não sem a ordem do seu superior hierárquico, a quem sempre teria de pedir e de informar sobre a situação em causa;
11. Conforme assim entenderam ilustres Desembargadores das Relações de Lisboa e Porto, inserto em alguns acórdãos como o de 13/09/2013 e de 17/10/2012, onde esclarecem que a aplicação do disposto no artigo 13º do CJM só é de considerar quando a causa de justificação se afirmar como válida à luz dos princípios protegidos (sic);
12. Cumpre-nos referir que é indiferente que o arguido tivesse -ou não- deixado o serviço de atendimento assegurado, já que a sua saída fugaz poderia ter corrido mal e ter-se transformado em muito longa
13. Daí que tenha existido uma má interpretação por parte do Tribunal ad quo, quanto àquilo que foi referido pela testemunha C..., quando deram como provado o item 16, sem o complementarem, porquanto a mesma, em caso de necessidade de atendimento na sua ausência, sempre teria de comunicar e pedir autorização superior;
14. Conforme melhor se pode detetar do depoimento (parte final), que aqui se reproduz), tendo a visada e a instância do próprio Tribunal, que, se fosse necessário desempenhar funções nesse posto (em substituição do seu colega, aqui arguido), o faria, não sem antes obter autorização superior;
15. Assim, deveria também ter sido comprovado e nos temos do disposto no artigo 127º do CPP, a seguinte:
a) O arguido ausentou-se do seu posto de serviço de atendimento ao público, onde se encontrava, deixando o mesmo sem um substituto autorizado superiormente, sendo que a Guarda C..., única guarda aí presente que, não pertencia a esse serviço;
b) Porem e apesar da sua boa vontade e espírito de serviço a mesma, caso fosse necessário, apenas assumiria a posição do arguido, depois de obter autorização superior;
c) Desta forma, o arguido abandonou o posto, sem motivo valido, onde se encontrava a prestar serviço de atendimento.
d) O arguido agiu com consciência e vontade de abandonar o seu posto, sabendo que a sua apurada conduta era proibida e punida por lei.
16. Pelo que não poderia e face à matéria comprovada e que consta dos itens a)ª d) deixar da sua conduta ser integrada no citado crime de abandono de posto, da previsão do artigo 66º nº1 al. e) e nº2, do Código de Justiça Militar, por cuja prática o mesmo vinha precisamente acusado;
17. E daí numa medida abstrata que comporta 1 mês a 1 ano, face à pena especialmente atenuada a pena concreta, tendo em atenção o disposto no artigo 71º e 73º, do Código Penal, face às circunstâncias atenuativa que resultam da própria motivação da decisão, deverá ser-lhe aplicada uma pena, em concreto, próxima do seu limite mínimo, não inferior a dois meses de prisão, com aplicação da prerrogativa prevista no artigo 50º, o mesmo é dizer, suspensa na sua execução, pelo período de um ano;
18. Sob pena de frontal violação do disposto nos artigos 13º e 66º, nº 1 al. e), nº2, do Código de Justiça Militar, 31º, 71º, 73º e 50º, todos do Código Penal e 127º do Código de Processo Penal;
19. Devendo, o Tribunal “ad quem”, revogar esta decisão e substitui-la por outra que condene o arguido B..., como autor material de um crime de abandono de posto, da previsão do artigo 66º nº1 al. e) e nº2, do Código Justiça Militar, numa pena não inferior a 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período legalmente imposto de um ano.”
Respondeu o arguido ao recurso interposto, concluindo pela improcedência do recurso, concluindo em suma que:
“1. Na sentença proferida esteve o tribunal a quo muito bem, pois tendo em consideração os factos alegados e a prova documental e testemunhal produzida outra decisão não poderia ter lugar.
2. O arguido esteve ao serviço no período em que esteve ao serviço estiveram assegurados todos os pressupostos de segurança e operacionalidade do posto,
3. Vejamos, o arguido esteve ao serviço e assegurou todas as necessidades durante o sue turno.
4. Tendo-se ausentado por um curto período, que não se entendeu por mais de 5 a 10 minutos não houve qualquer chamada ou ocorrência enquanto as militares D... e C... estiveram a substituir o arguido.
5. Durante este período em que foi substituído e o serviço assegurado pelas camaradas/colegas as militares D... e C... apesar destas estarem disponíveis não tiveram qualquer actuação por falta de solicitações.
6. Nada nem ninguém correu qualquer perigo.
7. Mais logo que chegou o graduado de serviço, poucos minutos após o sucedo o arguido comunicou-lhe o ocorrido.
8. O crime de que o arguido vem acusado é um crime doloso.
9. Sendo que nesta caso concreto não há dolo, nem mesmo eventual, sendo tal possível constatar com a matéria dada como provada na primeira instância.
10. Bem como pelo depoimento de todas as testemunhas e as declarações do arguido.
11. Sem culpa não há pena.
12. Não pode assim o arguido ser condenado por um crime que não cometeu pois não estão verificados os pressupostos do crime em questão.”
Termina concluindo pela improcedência do recurso interposto, com todas as consequências legais.
Já neste tribunal, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso do Ministério Público e da manutenção do acórdão proferido, defendendo em suma que, em face da matéria de facto provada não pode afirmar-se o abandono do posto, desde logo porque o arguido tratou de acautelar de modo adequado a sua substituição no curto período temporal em que se ausentou.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
II-FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objecto do mesmo, quando possa conhecer do mérito, é assim a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado á apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
As questões a decidir são as de saber se se verifica:
-erro de julgamento de determinados pontos da matéria de facto provada, por errada apreciação e valoração da prova, atento o disposto no art. 127º do CPP;
-erro no enquadramento jurídico-penal dos factos provados.

A decisão da matéria de facto pela 1ª instância (transcrição):
A. Da audiência de julgamento resultaram PROVADOS os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
“1. No 05 de abril de 2017, o arguido, enquanto e na qualidade de Cabo da GNR NIM ........, encontrava-se nomeado ao serviço de atendimento ao público no Posto Territorial de ..., para o período compreendido entre as 16h00 e as 24H00.
2. No decurso do serviço desempenhado pelo arguido, compareceu no Posto Territorial o civil E..., o qual deixou um envelope contendo €95,00 para que fosse entregue à Guarda D....
3. Por volta das 19h30, quando a guarda D... solicitou ao arguido a entrega do envelope, este verificou que o mesmo não se encontrava no local onde o colocara, tendo sido extraviado.
4. Só após ter estado com a Guarda D... à procura do envelope é que esta informou o arguido que o envelope continha a quantia de €95,00 (noventa e cinco euros) e que precisava desse dinheiro para efetuar um pagamento nesse mesmo dia.
5. O arguido, ao ter conhecimento que o envelope continha dinheiro, admitiu perante a militar sua colega que, caso não aparecesse, levantaria dinheiro para lhe entregar.
6. Como o envelope não apareceu, após insistência contínua por parte da Guarda D..., o arguido referiu-lhe que iria entrar ao serviço no dia seguinte às 08h00 e que lhe entregava a quantia em mão.
7. Mesmo assim, a Guarda D... não concordou com o arguido e insistiu com o mesmo, instando-o a ir levantar dinheiro a um multibanco.
8. Como naquele momento estavam presentes na área do atendimento ao público a Guarda D... e a Guarda-Principal C..., o arguido pediu à primeira para ficarem a assegurar o serviço enquanto iria levantar o dinheiro à caixa multibanco mais próxima, o que aquelas fizeram.
9. Assim, o arguido, cerca das 20H50, do dia 05.04.2017, ausentou-se do seu posto e dirigiu-se a uma caixa ATM, sita na Avenida ..., em ..., onde, pelas 20H58, procedeu ao levantamento de €100,00, a fim de entregar o dinheiro à Guarda D..., o que fez cerca das 21H00.
10. O arguido esteve ausente do seu posto de serviço de atendimento no Posto Territorial entre 5 a 10 minutos, para se dirigir ao multibanco, sem o ter previamente comunicado e solicitado ao seu superior hierárquico, o seu comandante de posto, garantindo, porém, a sua substituição pelas colegas acima referidas.
11. O arguido ausentou-se do serviço de atendimento ao público no Posto Territorial de ..., para o qual estava regularmente nomeado e em plena execução do mesmo, sem autorização hierárquica (do seu comandante de posto), certificando-se, contudo, antes de sair, que enquanto fosse levantar dinheiro, o serviço de atendimento seria assegurado pelas duas colegas acima referidas.
12. O arguido bem sabia que o serviço de atendimento ao público nos Postos Territoriais da GNR é um serviço de segurança de instalações e equipamentos (mormente do material de guerra e documentação que aí existe), também caracterizado por ser um serviço necessário à prontidão operacional da Guarda, pois é por aí que são canalizadas as informações que permitem orientar as patrulhas dos mesmos Postos que se encontram no exterior (patrulha das ocorrências/outras patrulhas policiais, se existirem) para acorrerem aos locais onde a intervenção da Guarda seja necessária.
13. Mais sabia o arguido que nos Postos da GNR existe armamento e outro material de guerra afeto ao serviço (munições, equipamentos de transmissões, etc.), para além de viaturas e documentação relativa a processos (crime, contraordenação) e até bens que se encontram apreendidos à ordem de processos, em relação aos quais há cuidados acrescidos na sua guarda, fazendo da sua segurança, nomeadamente nos períodos de atividade reduzida e em que há uma menor presença de militares no quartel, uma das tarefas mais importantes a desempenhar pelo pessoal de serviço de atendimento, tarefa que exige uma permanente e proactiva atenção e vigilância.
14. O arguido sabia que se encontrava nomeado ao serviço de atendimento ao público no Posto Territorial de ... para o período compreendido entre as 16h00 e as 24H00.
15. O arguido conhecia as normas internas existentes, designadamente, a de que não podia ausentar-se do seu local de serviço sem autorização do comandante do posto.
16. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ausentando-se do seu posto de serviço de atendimento durante os cerca de 5 a 10 minutos em que foi levantar dinheiro, bem sabendo que aquele serviço estava assegurado pelas duas colegas que ali permaneceram.
Mais se provou que:
17. No período compreendido entre as 20h50 e as 21h00 do dia 05.04.2017 não se verificou qualquer ocorrência a que o Posto de ... fosse chamado a responder.
18. O arguido é visto e tido pelos seus colegas de trabalho como um militar competente, cumpridor, zeloso, leal, dinâmico, solidário e voluntarioso e como uma pessoa de carácter.
19. Nada consta do certificado do registo criminal do arguido.
20. Decorre do relatório social do arguido que:
O arguido é natural de Angola, país onde viveu até aos 16 anos de idade, altura em que veio para Portugal, passando a viver no concelho de Viseu junto de familiares paternos. Os pais permaneceram em Angola, tendo vindo para Portugal no ano de 1998.
Em Portugal, continuou as atividades escolares, bem como, com a idade adequada, cumpriu o Serviço Militar Obrigatório. Com 23 anos ingressa na GNR, tendo estado afeto a diversos postos, concretamente na zona sul e centro do país.
Encontra-se colocado no posto da GNR de ... há aproximadamente 1 ano, devido, segundo disse, a eventuais incompatibilidades com o comandante do posto da GNR de ..., onde estava colocado há já 7 anos.
O agregado familiar do arguido constituiu-se pelos seguintes elementos:
a) Próprio;
b) F.../50 anos/cônjuge/Auxiliar de educação;
c) G.../20 anos/filho/solteiro/estudante do ensino superior;
d) H.../17 anos/filha/estudante do ensino secundário – 12º ano.
Este agregado ocupa uma habitação individual, propriedade do casal, onde residem desde 2009, localizada na cidade de Ovar, urbe onde o arguido e família sempre residiram. No seio familiar, segundo nos indicam, o ambiente é equilibrado, sendo este um espaço que o arguido valoriza.
No presente, em termos financeiros, o agregado familiar do arguido depende do ordenado mensal que o mesmo aufere da sua atividade laboral como militar da GNR e cujo montante se situará nos €1.200, bem como do vencimento mensal do cônjuge do arguido, no valor aproximadamente de €550. Com estes montantes a família suporta encargos mensais fixos de, sensivelmente, €850, sendo €600 de mensalidade paga a entidade bancária (amortização de empréstimo para a habitação) e o restante relativo a despesas com consumo de água, gás, eletricidade e telecomunicações. A estes valores acrescem outros relacionados com a educação dos filhos, alimentação, etc.
Em termos genéricos o arguido considera que a situação financeira da família revela-se relativamente ajustada, conseguindo fazer face às necessidades, fruto de uma gestão controlada e ponderada dos recursos existentes.
No meio social o arguido possui uma imagem ajustada, o que o próprio reconheceu.
O quotidiano do arguido, presentemente, é circunscrito à vivência familiar e ao desempenho da sua atividade laboral.
*
B. Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente outros factos que estejam em contradição ou em desconformidade com os supra descritos.
NÃO SE PROVOU, nomeadamente, que:
a) O arguido ausentou-se do seu posto de serviço de atendimento sem garantir a sua substituição, uma vez que nada referiu aos restantes militares que se encontravam no Posto.
b) O arguido abandonou o posto onde se encontrava a prestar serviço de atendimento.
c) O arguido agiu com consciência e vontade de abandonar o seu posto, sabendo que a sua apurada conduta era proibida e punida por lei.
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C. Motivação da matéria de facto:
O arguido confirmou a veracidade dos factos descritos na acusação, à exceção dos acima descritos nas alíneas a) a c), esclarecendo que apenas se ausentou do posto por a guarda D... ter insistido na entrega imediata do dinheiro que se encontrava no envelope extraviado e por o serviço de atendimento ter ficado assegurado pelas guardas D... e C..., as quais permaneceram naquele serviço durante os poucos minutos em que esteve ausente a garantir o atendimento, pelo que não abandonou o seu posto.
Mais esclareceu que a caixa MB onde se dirigiu dista cerca de 250 metros do posto (500 metros ida e volta) e que se deslocou de carro à mesma, pelo que demorou apenas breves minutos, tendo pedido previamente à guarda D... para ficar no seu lugar, tendo aquela garantido que lhe asseguraria o seu serviço.
Por fim, esclareceu que durante a sua ausência não existiu qualquer chamada e não apareceu ninguém, não tendo havido, por isso, qualquer ocorrência.
O arguido reconheceu que sabia quais eram as suas obrigações no exercício das funções de atendimento que desempenhava e que não pediu autorização ao seu superior hierárquico para se ausentar do posto a fim de levantar dinheiro.
Ora, em face da restante prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal ficou convencido da veracidade das declarações prestadas pelo arguido, pois as mesmas foram corroboradas pelas testemunhas inquiridas.
Senão vejamos.
O Sargento-Ajudante I..., que à data dos factos era o graduado de serviço, sendo o superior hierárquico do arguido, afirmou que, no dia 05.04.2017, entrou ao serviço pouco antes das 22h00, altura em que ouviu o militar J... a perguntar ao arguido se não contava o que se passou ao primeiro, ou seja, a si. Nessa sequência, o arguido contou-lhe o que havia acontecido (extravio do envelope com o dinheiro e o levantamento do dinheiro). Afirmou que o arguido não lhe telefonou a pedir autorização para sair do posto para levantar dinheiro, esclarecendo, contudo, que apurou que, durante o tempo em que aquele esteve ausente, ficaram no posto de atendimento as militares D... e C..., desconhecendo se esta última estava ou não fardada, pois não esteve com ela.
A testemunha K... declarou tão só que, no dia 05.04.2017, entre as 20h00 e as 20h30, foi ao Posto da GNR de ... fazer uma denúncia, altura em que viu lá o arguido no posto de atendimento, constatando que o mesmo se encontrava perturbado.
O Guarda da GNR L..., colega de trabalho do arguido à data dos factos, afirmou nada saber sobre os factos em causa nos autos, pois não esteve de serviço no dia 05.04.2017.
O Cabo da GNR M..., que à data dos factos exercia funções no NIC de ... afirmou que, no dia 05.04.2017, estava de serviço, juntamente com a Guarda D.... Esta testemunha referiu que ouviu a D... a receber um telefonema do E..., o qual disse que lhe tinha deixado um envelope com dinheiro no atendimento. Depois de terminarem o serviço, cerca das 18.30, foram os dois para o posto, altura em que ele se dirigiu para o gabinete e ela se dirigiu para o serviço de atendimento, não tendo presenciado o que ali se passou.
A Guarda Principal C... afirmou que esteve de serviço no dia 05.04.2017 e que estava fardada, tendo visto, no gabinete de atendimento, a D... a insistir com o arguido para que o envelope com dinheiro aparecesse. Posteriormente, viu o arguido a ausentar-se do posto para ir levantar dinheiro, que depois entregou à D.... Esclareceu que o arguido se deslocou à caixa MB, cujo trajeto é curto (cfr. fls. 66), de carro e que não chegou a demorar 10 minutos. Durante esse período de tempo permaneceu sempre no gabinete de atendimento, não tendo aparecido ninguém e não tendo existido qualquer chamada ou ocorrência, sendo que, se tal tivesse ocorrido, teria atendido o telefone ou quem ali se dirigisse, pedindo para aguardar pelo arguido. Por fim, esclareceu que o arguido não lhe pediu diretamente a si para ficar a assegurar o serviço durante a ausência dele, não sabendo, porém, se o pediu à Guarda D..., a qual também permaneceu no posto de atendimento durante a ausência daquele.
A Guarda da GNR D... declarou que: um amigo dela foi fazer a entrega de um envelope com dinheiro ao arguido, sendo que pensa que aquele não disse a este último o que o envelope continha; quando terminou o serviço foi ter com o arguido, que estava no serviço de atendimento, e pediu-lhe o envelope, o qual não apareceu; disse ao arguido que queria o dinheiro naquele dia e que ele podia ir levantar dinheiro, pois ela e a C... ficavam a assegurar o serviço; face a tal, o arguido prontificou-se a ir levantar o dinheiro, ficando ela e a C... a assegurar o serviço; se fosse preciso atendiam o telefone e recebiam quem lá fosse; quem está no atendimento deve estar fardado, o que era o caso da Guarda C..., pelo que o atendimento estava salvaguardado por elas.
A testemunha N... declarou que, no dia 05.04.2017, foi ao posto da GNR de ..., ao final da tarde, altura em que viu o arguido no serviço de atendimento, tendo sido atendida por ele. Esclareceu que o arguido se encontrava com a Guarda D... e que ambos estavam a conversar sobre a entrega de dinheiro que se tinha perdido, tendo percebido que o arguido se encontrava à procura de dinheiro e que, face à insistência da Guarda D..., o mesmo disse que o ia levantar.
O Cabo da GNR J... declarou que, no dia 05.04.2017, esteve de serviço de patrulha no Posto da GNR de ... entre as 16h00 e as 24h00 e que se deslocou ao posto ao final da tarde daquele dia para emitir uma certidão. Declarou que, quando chegou ao posto, viu as guardas D... e C..., uma das quais se encontrava fardada, no atendimento, não tendo achado estranho o facto de ali não ter visto o arguido. Mais declarou que sabia que o arguido estava de serviço ao atendimento e que não o viu a sair ou a entrar no posto, tendo-o ouvido, sim, mais tarde, a relatar ao superior hierárquico, I..., o que se tinha passado com o extravio do envelope, o que fez mal este último entrou ao serviço. Por fim, esclareceu que a caixa MB onde o arguido se dirigiu fica muito perto do posto, não distando mais de 5 minutos de carro.
O Guarda da GNR O... declarou que, à data dos factos, residia no posto da GNR de ... e que, no dia 05.04.2017, cerca das 20h30, após o jantar, regressou ao posto, tendo visto no serviço de atendimento as guardas D... e C.... Mais declarou que não se apercebeu de nada de anormal, desconhecendo se o arguido se ausentou do posto ou não, pois podia estar num sítio onde não fosse visível.
Ora, conjugando a prova acima descrita, o tribunal ficou com a convicção firme e segura que o arguido só se ausentou do posto depois de se ter assegurado que o serviço de atendimento estava garantido pelas guardas D... e C..., pelo que não se pode concluir, por um lado, que o arguido tenha abandonado o posto e, por outro lado, que tenha atuado com consciência e vontade de o fazer, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
É que, não obstante o arguido estar ciente que a ausência do posto de serviço carece de prévia autorização hierárquica, o certo é que, estando em causa uma ausência momentânea, ocorrida em circunstâncias excecionais, de grande insistência por parte da colega no levantamento do dinheiro que precisava e em que o serviço de atendimento ficou garantido por duas guardas da GNR que ali sempre permaneceram durante a sua ausência, tudo leva a concluir que o arguido não tomou consciência, naquelas circunstâncias, que necessitava de tal autorização, o que vai de encontro ao comportamento que adotou posteriormente, em que logo admitiu perante o seu superior hierárquico o que havia acontecido, sem sequer ponderar que algo de mal havia feito.
Quanto à demais factualidade, atendeu-se ao teor do CRC e do relatório social juntos aos autos, bem como ao depoimento prestado pelas testemunhas P... (guarda da GNR e colega do arguido desde há cerca de um ano), Q... (Sargento-Ajudante da GNR e atual Comandante do Posto de ...) e S... (Cabo da GNR e colega de trabalho do arguido há cerca de um ano), as quais atestaram o bom caráter do arguido e a forma como desempenha as suas funções de militar da GNR.”
Do eventual erro de julgamento.
Defende o Ministério Público no recurso interposto que o tribunal valorou indevidamente o depoimento prestado pela testemunha C..., sendo que deveria “ter sido comprovado e nos temos do disposto no artigo 127º do CPP, a seguinte factualidade:
“a) O arguido ausentou-se do seu posto de serviço de atendimento ao público, onde se encontrava, deixando o mesmo sem um substituto autorizado superiormente, sendo que a Guarda C..., única guarda aí presente que, não pertencia a esse serviço;
b) Porem e apesar da sua boa vontade e espírito de serviço a mesma, caso fosse necessário, apenas assumiria a posição do arguido, depois de obter autorização superior;
c) Desta forma, o arguido abandonou o posto, sem motivo válido, onde se encontrava a prestar serviço de atendimento.
d) O arguido agiu com consciência e vontade de abandonar o seu posto, sabendo que a sua apurada conduta era proibida e punida por lei.”
Ao pretender o recorrente que o tribunal dê como “comprovados” os factos acabados de enunciar, está o recorrente a impugnar a matéria de facto, tendo em vista a sua modificação.
Ora, o recorrente que impugne a decisão de facto, apenas o pode fazer, ora pela invocação dos vícios previstos no artigo 410º do C. P. Penal, ora com apelo directo aos elementos de documentação da prova produzida e gravada na audiência (Artigos 412º/3 e 431º do C.P. Penal).
Na primeira situação visará o objectivo da modificação pelo recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum; na segunda, será pelo reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, através da análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, que o recorrente procurará atingir o mesmo desiderato.
Ora, no caso em apreço, apesar do recorrente não o dizer expressamente, lendo as motivações do recurso e as conclusões, delas resulta que o recorrente pretende o reexame da matéria de facto, procurando apenas contrariar a valoração que sobre a prova produzida – concretamente as declarações prestadas pela testemunha C... - foi feita na decisão recorrida, invocando que houve incorreto julgamento da matéria de facto.
Uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos limites fornecidos pelo recorrente, ou seja, pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, no estrito cumprimento do ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, e, designadamente, com a explicitação da razão pela qual as “concretas provas” especificadas impõe decisão diversa da recorrida.
O recorrente põe em causa a prova do facto 16, parte final, - “(…) bem sabendo que aquele serviço estava assegurado pelas duas colegas que ali permaneceram”.
Afirma que o depoimento da testemunha C... impunha que fossem provados os factos supra referidos:
“-O arguido ausentou-se do seu posto de serviço de atendimento ao público, onde se encontrava, deixando o mesmo sem um substituto autorizado superiormente, sendo que a Guarda C..., única guarda aí presente que, não pertencia a esse serviço;
-Porem e apesar da sua boa vontade e espírito de serviço a mesma, caso fosse necessário, apenas assumiria a posição do arguido, depois de obter autorização superior;
-Desta forma, o arguido abandonou o posto, sem motivo válido, onde se encontrava a prestar serviço de atendimento.
-O arguido agiu com consciência e vontade de abandonar o seu posto, sabendo que a sua apurada conduta era proibida e punida por lei.”
Apesar dos tribunais da Relação conhecerem de facto e de direito (cfr. artigo 428º do Código de Processo Penal), como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Maio de 1999 “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância” tendo, mais especificamente, o recurso ordinário “por finalidade a eliminação dos defeitos da decisão ilegal ainda não transitada em julgado” , como refere desta feita, o ilustre Professor in Curso de Processo Penal, volume III, 3ª edição, página 303.
A mesma ideia tem sido destacada pela jurisprudência dos tribunais superiores, que vêm afirmando que o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia, em toda a sua extensão, a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento aí realizado não existisse, mas sim um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados com precisão, com a nota das provas que demonstram esses erros. (Ver, por exemplo, o acórdão do S.T.J. de 4/1/2007, proferido no processo nº 4093/06 e o acórdão do Tribunal Constitucional nº 59/06, de 18/1/2006).
No acórdão do STJ de 9.7.2014, disponível in www.dgsi.pt, (relator Santos Cabral), escreveu-se “V - No que se refere à parte criminal, importa ter presente que o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. VI - Porém, tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados, o que no caso concreto foi cumprido.”
Há ainda que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma percepção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados. Ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-03-2007, relatado por Santos Cabral, disponível no mesmo loc.: “I- O recurso da matéria de facto não visa a obtenção de um segundo julgamento sobre aquela matéria, sendo antes uma forma de obviar a eventuais erros, ou incorrecções, cometidos na decisão recorrida. Não se visa um novo julgamento, mas sim a legalidade da decisão recorrida na forma como apreciou a prova e nos segmentos concretos indicados pelo recorrente. Tal impugnação está sujeita aos critérios do art. 412.º do CPP. II - Existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em 1.ª instância e a efectuada em tribunal de recurso com base nas transcrições dos depoimentos. A sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reacções humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter concretização através do princípio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes, de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. III - As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v.g. quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido em consequência da forma como foram produzidos) o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.”
O tribunal de 1ª instância tem é que respeitar, na motivação da sua convicção probatória – até em observância da configuração do matricial princípio da livre apreciação da prova (vertida no artigo 127º do Código de Processo Penal) – o critério da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Não se verifica nenhuma violação do princípio da livre apreciação da prova, na apreciação crítica da mesma que foi feita pelo tribunal.
Com efeito, na motivação da decisão o tribunal fundamentou desta forma a mesma, após proceder a um breve resumo daquilo que as testemunhas ouvidas disseram com relevância para os autos: “(…)Ora, conjugando a prova acima descrita, o tribunal ficou com a convicção firme e segura que o arguido só se ausentou do posto depois de se ter assegurado que o serviço de atendimento estava garantido pelas guardas D... e C..., pelo que não se pode concluir, por um lado, que o arguido tenha abandonado o posto e, por outro lado, que tenha atuado com consciência e vontade de o fazer, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.(…).”
Ora do depoimento das testemunhas C... e D..., ambas guardas da GNR, sendo a primeira guarda principal, resulta que ambas se encontravam no posto da GNR, ambas em serviço, apesar de só a primeira se encontrar fardada. Ambas permaneceram naquele local na ausência do arguido, no serviço de atendimento (apesar de na ausência do arguido não se ter verificado qualquer ocorrência, como confirmaram), como resulta do respectivo depoimento e foi ainda confirmado pelas testemunhas, o Guarda da GNR O... e pelo Cabo da GNR J..., que as viram lá.
À pergunta da Srª Procuradora, se aparecesse lá (no posto) alguém para fazer uma queixa ou uma participação, a Guarda D... respondeu prontamente, que se houvesse algum serviço, alguma ocorrência, não iam deixar de o fazer.
Não está aqui em questão, nem estava no julgamento, apurar se foram cumpridos e observados os procedimentos legais para a ocorrência da substituição de militares ao serviço, (parecendo-nos que o recorrente defende que só poderia ter ocorrido “substituição” na ausência do arguido do posto, se tais procedimentos tivessem sido observados), desde logo porque se sabe que, não tendo o arguido comunicado a sua ausência ao superior hierárquico, não poderia ter também aquele cuidado de previamente assegurar um legal substituto para as suas funções.
O que está em causa e a nosso ver se mostra devidamente provado, tal como resulta da análise crítica da prova feita pelo tribunal a quo, (facto que também não se mostra contrariado pelo depoimento da Guarda Principal C...) é que o arguido se ausentou do Posto, não sem antes se assegurar que as duas Guardas ali permaneceriam.
Daqui resulta que nenhuma alteração à matéria de facto julgada provada se impõe fazer, improcedendo o recurso nesta parte.
Da subsunção do direito aos factos.
Alega ainda o digno recorrente que a matéria fáctica é suficiente para preencher todos os elementos típicos do crime pelo qual o arguido vem acusado, desde logo porque se não verifica qualquer causa de exclusão de ilicitude na sua atuação e culpa, nos termos do instituto previsto no artigo 13º do CMJ e 31º do Código Penal.
Desde já adiantamos que concordamos com esta afirmação apenas na parte em que não se verifica qualquer causa de exclusão de ilicitude, no sentido que o motivo da ausência do arguido do Posto não é susceptível de constituir causa de justificação da responsabilidade criminal.
Porém, já não concordamos com a primeira parte da premissa, isto é, que a conduta do arguido é subsumível ao tipo legal de crime de que vem acusado, tal como decidiu o tribunal colectivo no acórdão sob recurso e bem assim entendeu o Exmº Sr. Procurador-geral adjunto neste tribunal no parecer que emitiu.
Senão vejamos.
O ilícito de abandono de posto encontra-se previsto no art. 66º, nº1, al. e) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003, de 15 de Novembro, que dispõe:
“1 - O militar que, em local de serviço, no exercício de funções de segurança ou necessárias à prontidão operacional de força ou instalação militares, sem motivo legítimo, abandonar, temporária ou definitivamente, o posto, local ou área determinados para o correto e cabal exercício das suas funções é punido
(…)
e) Com pena de prisão de 1 mês a 1 ano, em tempo de paz”.
Por sua vez, o artº 4º nº 1 al. a) do Código de Justiça Militar dispõe que se consideram militares os Oficiais, Sargentos e Praças dos quadros permanentes das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana em qualquer situação.
Aquela norma penal tem por escopo a tutela do bem jurídico da segurança das Forças Armadas, e mais especificamente a protecção do estabelecimento ou serviços militares, pelo que o posto ou o serviço, abandonado pelo militar não pode ficar descoberto, expondo a perigo a unidade ou o serviço militar.
Por sua vez, a acção típica é o abandono do posto (local ou área determinados para o correcto e cabal exercício das suas funções), por parte de militar que aí se encontre em serviço, no exercício de funções de segurança ou necessárias à prontidão operacional de força ou instalação militares.
Estamos ainda perante um crime de perigo abstracto, que se consuma com a simples criação do perigo para o bem jurídico protegido, sem produzir dano efectivo.
Ou seja, o tipo legal não inclui a colocação em perigo do bem jurídico, mas o perigo constitui o motivo da incriminação, verificando-se uma presunção inilidível de perigo associado á conduta típica.
Encontram-se provados os seguintes factos:
- No 05 de abril de 2017, o arguido, enquanto e na qualidade de Cabo da GNR NIM ........, encontrava-se nomeado ao serviço de atendimento ao público no Posto Territorial de ..., para o período compreendido entre as 16h00 e as 24H00.
-Como naquele momento estavam presentes na área do atendimento ao público a Guarda D... e a Guarda-Principal C..., o arguido pediu à primeira para ficarem a assegurar o serviço enquanto iria levantar o dinheiro à caixa multibanco mais próxima, o que aquelas fizeram.
-O arguido, cerca das 20H50, do dia 05.04.2017, ausentou-se do seu posto e dirigiu-se a uma caixa ATM, sita na Avenida ..., em ..., onde, pelas 20H58, procedeu ao levantamento de €100,00, a fim de entregar o dinheiro à Guarda D..., o que fez cerca das 21H00.
-O arguido esteve ausente do seu posto de serviço de atendimento no Posto Territorial entre 5 a 10 minutos, para se dirigir ao multibanco, sem o ter previamente comunicado e solicitado ao seu superior hierárquico, o seu comandante de posto, garantindo, porém, a sua substituição pelas colegas acima referidas.
-O arguido ausentou-se do serviço de atendimento ao público no Posto Territorial de ..., para o qual estava regularmente nomeado e em plena execução do mesmo, sem autorização hierárquica (do seu comandante de posto).
A conduta ilícita traduz-se em o militar abandonar sem prévia autorização o posto ou lugar de serviço designado ou o serviço que lhe cumpria, sendo que para a configuração do delito, haverá que ter em conta que o posto ou o serviço designados devem estar intimamente ligados à actividade militar.
Resulta da factualidade provada que o arguido se encontrava a exercer funções como Cabo da GNR, no seu posto, quando, cerca das 20H50, do dia 05.04.2017, se ausenta do mesmo, para se dirigir a uma caixa ATM, tendo estado ausente do seu posto de serviço de atendimento no Posto Territorial entre 5 a 10 minutos, sem o ter previamente comunicado e solicitado ao seu superior hierárquico, o seu comandante de posto.
Provado ficou também que o arguido garantiu a sua substituição pelas colegas acima referidas, que permaneceram naquele local -posto territorial da GNR de atendimento -sem que porém tenham tido necessidade de prática de qualquer serviço.
O arguido ausentou-se do serviço de atendimento ao público no Posto Territorial de ..., para o qual estava regularmente nomeado e em plena execução do mesmo, sem autorização hierárquica (do seu comandante de posto).
Só que não se pode concluir sem mais, que o arguido tenha cometido o crime de abandono do posto.
Isto porque se provou que o arguido, não o fez sem garantir previamente a sua substituição pelas colegas acima referidas.
Repare-se que o arguido acautelou a sua substituição de modo adequado porque o fez, junto de duas militares da GNR, independentemente de não terem sido observados os legais formalismos para a substituição, desde logo porque não era do conhecimento do seu superior hierárquico a sua ausência.
Ou seja, o arguido ausentou-se do posto (por um período temporal muito curto), assegurando porém a sua substituição nesse curto período, não tendo o posto ficado abandonado.
A norma penal tem por escopo a tutela do bem jurídico da segurança das Forças Armadas, e mais especificamente a protecção do estabelecimento ou serviços militares, pelo que o posto ou o serviço, abandonado pelo militar não pode ficar descoberto, expondo a perigo a unidade ou o serviço militar.
Ora, o posto territorial da GNR onde o arguido exercia funções, na sua ausência não autorizada, não ficou a descoberto, desamparado, desguarnecido, “ao descaso”.
Com efeito, não foram postos em causa os serviços prestados naquele Posto Territorial da GNR, que permaneceram assegurados pelas identificadas militares, assim como não foi posta em causa a segurança das instalações e equipamentos, nomeadamente armamento e outro material de guerra afeto ao serviço (munições, equipamentos de transmissões, etc.) e outros bens, que permaneceram vigiados e guardados pelas duas agentes em serviço.
Encontrando-se o crime de abandono de posto, inserido no Capítulo IV do Titulo II do Código de Justiça Militar, capítulo que trata dos crimes contra a segurança das Forças Armadas, é à luz deste conceito da segurança, ou seja do bem jurídico que a norma incriminatória pretende proteger, que deve ser interpretado o conceito de “abandono”.
Assim sendo, não se tendo verificado tal abandono, porque o arguido, apesar de não ter saído com autorização do seu superior, diligenciou e cuidou para que tal não acontecesse, não se mostra preenchido o tipo legal previsto no art. 66º nº1 al. e) e nº2 do Código de Justiça Militar, pelo que tem de se manter a sua absolvição.
A saída do arguido do posto não autorizada, como refere o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto “é questão diversa, com eventual repercussão noutras sedes que não nesta, criminal”.
Por último, mesmo a entender-se que o tipo legal objectivo se encontrava preenchido com a conduta do arguido, sempre faltaria o preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal em apreço.
O crime de abandono de posto é considerado crime próprio, doloso, que significa que estão arredadas do seu âmbito subjectivo as condutas negligentes, sendo no entanto bastante o dolo eventual, nos termos prescritos nos artigos 13º e 14º do Código Penal, aqui aplicável por força da remissão efectuada pelo disposto no art. 2º, nº 2 do Código de Justiça Militar.
O elemento cognoscitivo ou intelectual pode bastar-se com a mera representação dos elementos do tipo objectivo, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor.
E factualmente que terá de resultar que o agente representou e quis os factos do tipo objectivo. A base factual tem, por isso, de incluir os factos do dolo do tipo.
O dolo nem sempre reveste a modalidade de dolo directo ou intencional (quando o agente quer o facto criminoso), mas também outras modalidades, como o dolo necessário (quando o agente não quer o facto como alvo a que se dirigisse, mas prevê-o como consequência necessária da sua conduta) e dolo eventual (quando o agente prevê o facto como possível, conformando-se com o resultado), todas estas modalidades sendo enunciadas no art. 13.º do CP.
Quando a realização de um facto for representada como uma consequência possível da conduta, haverá dolo se o agente actua conformando-se com aquela realização. Assim, na conformação ou não conformação com o resultado é que reside a diferença entre o dolo eventual e a negligência consciente.
No caso em apreço, o arguido ausentou-se voluntariamente do posto, por um curto período de tempo, mas não se conformou com o resultado que essa conduta poderia conduzir, pois que só o fez, após se ter assegurado que iria ser substituído pelas suas colegas militares que ali encontravam e permaneceram na sua ausência.
Não resulta provado que o arguido tenha representado como possível consequência da sua acção o abandono do posto (pois que diligenciou adequadamente a sua substituição no curto período de ausência) e se tenha conformado com a sua realização.
Afastado se encontra pelo exposto também o elemento subjectivo, o que seria bastante para a sua absolvição.

III.DECISÃO
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público contra o arguido B..., confirmando o douto acórdão recorrido.
Sem tributação.

Porto, 12.9.2018
Des. Alexandra Pelayo
Des. Maria Joana Grácio
Major-General Raúl Jorge Passos