Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1083/12.6TBSJM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAL DE UM ESTADO-MEMBRO
RESIDÊNCIA HABITUAL
CRITÉRIO DE PROXIMIDADE
Nº do Documento: RP201304291083/12.6TBSJM.P1
Data do Acordão: 04/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: REGULAMENTO (CE) DO CONSELHO, Nº 2201/2003, DE 27/09/2003
Sumário: I - Em sede de aferição da competência internacional do tribunal de um Estado-Membro para conhecer de uma acção de regulação das responsabilidades parentais, as regras comunitárias não deverão ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artº 8º, seja aplicada sob reserva, não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério de proximidade.
II - Assim, a residência em França há escassos dias à data da propositura da acção não determina a incompetência internacional do Tribunal português para tal acção se os menores sempre viveram anteriormente em Portugal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 1083/12.6TBSJM.P1
Apelação
(145)
ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

B…, com residência em Rue …, ..., .º étage, apartament …., …… …, França, veio requerer, a alteração das responsabilidades parentais das menores C… e D… e ao mesmo tempo deduzir incumprimento do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais contra E…, com residência na Rua …, nº …, ….-… …, Santo Tirso.
Concluiu, pedindo que a acção seja julgada provada e procedente e, em consequência o Tribunal:
a) Considere as prestações já vencidas e não pagas pelo pai das menores, no valor global de € 1350 (mil trezentos e cinquenta euros), correspondente às prestações que remontam desde Março de 2012 até à presente data, ordenando o seu pagamento.
b) Condene o requerido no pagamento de metade das despesas escolares suportadas pela requerente no montante de € 93,36 (noventa e três euros e noventa e seis cêntimos).
c) Altere a regulação do poder paternal nos termos supra expostos.

A solicitação do Tribunal, a fls. 44 a requerente veio informar que a morada das menores é a mesma que a sua em França.

Foi proferida decisão que declarou o Tribunal Judicial de São João da Madeira (2º juízo) incompetente em razão da nacionalidade, para julgar esta acção, pelo que absolveu o requerido da instância, nos termos dos arts. 493º, nº 2 e 494º, al. a) do CPCivil.

Inconformada, apelou a requerente, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
1. No âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos pela Conservatória de Registo Civil de S. João da Madeira, sob o nº. 249/2012, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais relativamente às duas menores que ficaram entregues à guarda e cuidados da recorrente, com quem ficaram a residir, sendo que as responsabilidades parentais foram atribuídas a ambos os progenitores;
2. Em Novembro de 2012, a recorrente emigrou para França, levando consigo as duas menores;
3. Em 29 de Novembro de 2012, a recorrente intentou no tribunal recorrido a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais;
4. O tribunal recorrido veio a declarar-se incompetente internacionalmente para apreciar a questão que lhe foi submetida;
5. A competência internacional dos tribunais portugueses em sede de responsabilidades parentais, encontra-se regulada no Regulamento nº. 2201/2003 de 27 de Setembro de 2003;
6. A norma aí aplicável depende da fixação do conceito de “residência habitual”.
7. A noção de “residência habitual” deve ser determinada através de uma interpretação autónoma e da factualidade concreta da questão a decidir.
8. Nos termos do artigo 9º nº. 1 do Regulamento (CE) nº. 2201/2003 do Conselho de 27 de Setembro de 2003, “Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8º., durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança.”
9. Nessa medida, o tribunal recorrido é competente internacionalmente.
10. As menores possuem residência em França desde 29 de Novembro até ao presente.
11. O tribunal concretamente competente, comarca de S. João da Madeira, deverá aplicar o direito português, nos termos do artigo 57º. do Código Civil que determina que é competente para regular as relações entre pais e filhos, a lei nacional dos pais, no caso a lei portuguesa, visto manterem os dois progenitores a nacionalidade portuguesa.
Nestes termos, deve o presente recurso ser considerado provido.

O Mº Pº veio apresentar resposta às motivações do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrente veio interpor recurso do douto despacho em que o Tribunal a quo se declarou incompetente internacionalmente para julgar o pedido de alteração das responsabilidades parentais, apresentado pela ora recorrente, contra o progenitor das suas filhas menores C… e D….
2. Salvo o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente.
3. A competência internacional pressupõe que o litígio, tal como a recorrente o configura no requerimento inicial de alteração das responsabilidades parentais, apresenta elementos de conexão com uma ordem jurídica distinta do ordenamento do foro, a francesa.
4. Caindo a situação em apreço no âmbito de aplicação do Regulamento (CE) nº 2201 do Conselho de 27 de Setembro de 2003 (Regulamento Bruxelas II), que versa sobre a competência, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, e uma vez que as regras internacionais se integram no ordenamento jurídico de cada Estado, devem aplicar-se as regras uniformes do Regulamento em detrimento das regras de competência internacional da lex fori.
5. O referido Regulamento (CE) determina no nº 1 do seu artigo 8º que, em matéria de responsabilidade parental, o foro competente é o tribunal do Estado-Membro da residência habitual do menor à data da instauração do processo.
6. E ainda que o referido Regulamento (CE) não aponte a definição de “residência habitual”, sempre se entenderá que as regras de competência, em matéria de responsabilidade parental, do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade.
7. Pelo que, prima facie, a competência deverá ser atribuída aos tribunais do Estado-Membro da residência da criança, onde esta se considere integrada social, escolar e familiarmente.
8. Ora, in casu, de acordo com a informação prestada nos presentes autos pela recorrente, a residência das menores é, desde Novembro de 2012, em França, junto a si, ao seu companheiro e a outros familiares aí emigrados.
9. Além disso, conforme decorre do requerimento inicial apresentado pela ora recorrente, a deslocação para a República Francesa assume um carácter duradouro, o que justifica a inscrição e a frequência da menor C… no sistema escolar francês e a pretensão de que a menor D… venha a frequentar o mesmo assim que atinja a idade legal para o efeito.
10. Assim, porque é em França que as menores vivem e aí desenvolvem as mais diversas envolventes social e educacional, tudo obriga, maxime, o superior interesse da criança, que a presente acção seja tramitada e julgada pelos órgãos jurisdicionais franceses e não pelo Tribunal Judicial de S. João da Madeira, comarca onde não residem a progenitora, o progenitor, nem as menores.

O requerido veio também apresentar as suas contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
a) Deve ser declarado inadmissível o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, por incumprimento da forma da ação adequada e consequentemente o requerido absolvido da instância e, se assim, não se entender, deverá ser julgado improcedente por não provado.
b) Declarada a ilicitude da conduta da requerente ao levar as suas filhas para o estrangeiro para residirem lá, sem conhecimento e autorização do requerido e com prejuízo do seu direito de visitas reconhecido por decisão transitada em julgado.
c) E, em consequência, ser a requerente condenada em multa ou indemnização por incumprimento, com culpa, das obrigações inerentes à regulação das responsabilidades parentais.
d) Decretadas todas as medidas comunitárias necessárias à satisfação do direito de visitas, cumprindo-se o acordo violado.
e) Julgada não provada e improcedente a requerida alteração das responsabilidades parentais, mantendo-se o regime em vigor ou, alterando-se no sentido de ser atribuído ao requerido a guarda das menores.

A Mmª Juíza a quo sustentou a decisão recorrida, por entender ter sido efectuada correcta aplicação da lei, designadamente do princípio do primado do Direito Comunitário, previsto no artº 8º em conjugação com o artº 7º nºs 5 e 6 da CRP, do princípio da proximidade e que o disposto no artº 9º nº 1 do Reg. (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27.09.2003 se aplica quando está em causa apenas o direito de visita, sendo que, no presente caso, o que a requerente pretende é o reconhecimento do incumprimento das prestações de alimentos e de metade das despesas escolares e ainda a alteração da regulação do poder paternal.

Foram colhidos os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artºs 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artº 660º nº 2 também do CPC.
Assim, em face das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
- Saber se a alteração da regulação das responsabilidades parentais deve ser resolvida pelos tribunais portugueses ou pelos tribunais da residência actual das menores, in casu, os tribunais franceses.

III – FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a ter em consideração no presente recurso são os resultantes deste relatório, sendo que a decisão recorrida é do seguinte teor:
“…
Nos termos do disposto no artigo 155.º, n.º 1 da O.T.M. “para decretar as providências é competente o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado”, sendo que o n.º 3 prescreve que “se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele a cuja guarda o menor estiver confiado ou, no caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, com quem o menor residir”.
Prescreve ainda o art. 155º, nº 5 da OTM, que “Se, no momento da instauração do processo, o menor não residir no País, é competente o tribunal da residência do requerente, ou do requerido; quando também estes residirem no estrangeiro e o tribunal português foi internacionalmente competente, pertence ao tribunal de Lisboa conhecer da causa”.
Os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no art. 65º do CPC.
O referido art. 65º dispõe, com utilidade para o caso, que:
“1. Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa”.
Dá-se, assim, no artigo precedente cumprimento ao primado do Direito Comunitário, previsto no art. 8º da Constituição.
Portanto, a competência internacional atribuída aos tribunais portugueses por normas de fonte interna deverá ceder perante o que a esse título se ache estabelecido em normas de fonte supraestadual como tratados, convenções, e regulamentos comunitários, ou seja, o regime interno é aplicável fora da esfera de aplicação das fontes supraestaduais a não ser que estas para ela remetam.
No caso concreto está em causa a alteração da regulação das responsabilidades parentais, em relação às menores C… e D…, que se encontram a residir à data da instauração da presente alteração com a requerente, sua progenitora, em França, conforme a mesma alega designadamente no art. 13º da sua petição inicial, bem como no seu requerimento de fls. 44.
Assim, porque nos encontramos em sede de responsabilidades parentais e porque, de certa forma, a relação se internacionalizou, pois entrou em contacto com mais de uma ordem jurídica, cairemos no âmbito do regulamento (CE) nº2201/2003 do Conselho de 27.09.2003, que nos seus artigos 8º, nº1, 9º, nº1 e 10º estabelece como competentes os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança para tomarem decisões em matéria de responsabilidade parental.
O referido artigo 8º, nº1 do Regulamento estabelece que:
“Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.
Não subsistem dúvidas que a competência internacional deverá ser aferida, pelo local da residência das menores à data de instauração da acção, que é em França.
Justifica-se que assim seja, pois as questões relacionadas com menores devem ser preferencialmente decididas pelos tribunais do Estado-membro onde se encontram domiciliadas, independentemente da sua nacionalidade, dado que estarão em melhores condições para avaliar e tutelar eficazmente os seus interesses, atento o princípio da proximidade.
Assim e pelo exposto, residindo as menores em França no momento da instauração da acção, a competência é dos tribunais franceses.
Estamos perante a incompetência internacional deste tribunal, nos termos do disposto no artigo 8º do Regulamento nº 2201/2003, de 27.11.2003, sendo a mesma de conhecimento oficioso arts. 101º e 102º, ambos de CPC aplicável ex vi art. 161º da OTM.
Face ao exposto, declara-se o presente tribunal incompetente em razão da nacionalidade, para julgar esta acção, pelo que se absolve o requerido da instância, arts. 493º, nº 2 e 494º, al. a) do CPC.
…”.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

O Tribunal a quo declarou-se incompetente internacionalmente para julgar o pedido de alteração das responsabilidades parentais das menores, C…, nascida a 29/10/2004 e D…, nascida a 05/03/2008, filhas da requerente e do requerido, por estas residirem, à data da instauração da acção (27/11/2012) em França, com a requerente.
A progenitora, ora recorrente discorda deste entendimento, sufragando ser a ordem jurídica portuguesa a competente, por entender que não basta a deslocação das menores para fora do território português, para que haja uma alteração da sua residência habitual. No entender da mesma, só com uma confirmação do peticionado na Acção de Alteração à Regulação das Responsabilidades Parentais é que aquela residência validamente se poderia considerar alterada.
Vejamos a quem assiste razão.
Importa desde logo dizer que, é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição (quid disputatum ou quid dedidendum), que cabe determinar a competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer (Cfr. Manuel de Andrade, “in Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 91).
Por outro lado, nos termos dos artigos 17º n.º 2 e 22º nº1, ambos da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), é a lei do processo que fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, sendo que, “A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram “.
De facto, de acordo com o artº 61º do CPCivil “Os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artº 65º”.
Por sua vez, o artº 65º do CPCivil define essas circunstâncias da seguinte forma:
“1. Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa”.
Assim, tendo em conta que, por um lado, estamos em sede de alteração das responsabilidades parentais e, por outro que, as menores C… e D… se encontravam a residir à data da instauração da presente acção com a sua progenitora, ora requerente, em França, conforme é alegado no artº 13º do requerimento inicial e confirmado a fls. 44 dos autos, a situação cai na previsão do Regulamento (CE) nº 2201 do Conselho de 27 de Setembro de 2003, que versa sobre a competência, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.
Na sequência das disposições processuais legais acabadas de referir, desde logo se constata que elas próprias (maxime o nº 1, do artº 65º do CPC) clarificam que, no âmbito da aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, importa salvaguardar as normas (as quais prevalecem) constantes de tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente o Estado Português, o que tudo importa inevitavelmente o reconhecimento do primado do direito internacional convencional ao qual o Estado Português se encontre vinculado sobre o direito nacional, designadamente a prevalência do direito comunitário sobre o direito nacional, conforme resulta do artº 8º, da CRP, que refere:
“1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.
Isto quer dizer que, a aplicação das disposições legais do CPC que fixam e estabelecem os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, se mostra negativamente delimitada pela das convenções internacionais regularmente ratificadas e/ou aprovadas, e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, razão porque, caindo determinada situação no âmbito de aplicação de um concreto Regulamento, as normas deste último prevalecem sobre as normas de direito interno que regulam a competência internacional – neste sentido, cfr. Dário Moura Vicente, in Direito Internacional Privado, vol. I, página 249.
De resto, porque as regras internacionais se integram no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento - Cfr. Mota Campos, in Revista de Documentação e Direito Comparado, nº 22, 1986, pág. 144, citado no Ac. do STJ de 4/3/2010, in www.dgsi.
In casu, o quid disputatum ou quid dedidendum apresenta diversos elementos de conexão (vg. quanto à nacionalidade da requerente, do requerido e menores – Portuguesa; residência de todos eles até à propositura da acção – Portugal; residência das menores e requerente à data da instauração do processo – França), que se relacionam, quer com o ordenamento jurídico português, quer com a ordem jurídica francesa.
Estamos, portanto, perante um litígio que, encontra no âmbito do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro relativo à competência, ao reconhecimento, e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, e que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000), a solução.
De resto, a reforçar esta ideia, dispõe o artº 155º nº 1 da OTM que “para decretar as providências é competente o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado”, acrescentando o seu n.º 3 que “se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele a cuja guarda o menor estiver confiado ou, no caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, com quem o menor residir”.
Acrescenta ainda o nº 5 do mencionado preceito da OTM, que “Se, no momento da instauração do processo, o menor não residir no País, é competente o tribunal da residência do requerente, ou do requerido; quando também estes residirem no estrangeiro e o tribunal português foi internacionalmente competente, pertence ao tribunal de Lisboa conhecer da causa”.
Pelo que, tendo em conta que as menores residem em França desde a instauração da presente acção com a sua progenitora, dispõe o nº 1 do artº 8º do mencionado Regulamento (CE) que, em matéria de competência geral dispõe que: “Os tribunais de um Estado- Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.
E, logo a seguir o nº 2 da mesma disposição legal acrescenta que o nº 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9º, 10º e 12º.
A questão está, pois, em saber, o que se deve entender por residência habitual.
O referido Regulamento não define o que se entende por “residência habitual”, limitando-se o legislador comunitário, na 12ª Consideração do Regulamento 2201/2003, a determinar que: “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro da residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.
Deve sublinhar-se que não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção “autónoma” da legislação comunitária. Se uma criança se deslocar de um Estado-Membro para outro, a aquisição da residência habitual no novo Estado-Membro deveria, em princípio, coincidir com a “perda” da residência habitual no anterior Estado-Membro. A determinação caso a caso pelo juiz implica que, enquanto o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto.
Mas, ainda que se tenha em consideração estes entendimentos, não deixa ainda assim o legislador comunitário de, em diversas normas do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de apelar/exigir a um período mínimo de permanência do menor em Estado-Membro após a sua deslocação do Estado de origem ou da anterior residência habitual (cfr. v.g. o nº1, do artº 9º, no que concerne à alteração de decisão referente ao direito de visitas e o artº 10º, alínea b), no que respeita à alteração da residência habitual do menor aquando de deslocação ilícita), e para efeitos de atribuição da competência aos tribunais do Estado-Membro para onde a criança foi “deslocada” (exigindo-se ainda a integração do menor no novo ambiente, evidenciando ainda o prazo de um ano, por si só, a estabilidade da “nova”situação entretanto gerada).
Finalmente, do disposto no artº 15º do Regulamento que temos vindo a analisar, sob a epígrafe “Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a acção”, descortina-se a abertura do legislador comunitário para, excepcionalmente, permitir que os tribunais de um Estado-Membro competentes para conhecer do mérito, ao considerarem que um tribunal de um outro Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular se encontre mais bem colocado para conhecer do processo, e se a tal servir o interesse da criança, peçam ao tribunal de outro Estado-Membro, que se declare competente.
E, de entre as diversas situações que o mesmo legislador identifica como revelando existir uma ligação particular entre a criança com um Estado-Membro, duas são precisamente ter tido a criança a sua residência habitual nesse Estado-Membro (alínea b), do nº 3, artº 15º), a criança for nacional desse Estado Membro (alínea c), do nº 3, artº 15º), ou um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado-Membro (alínea d), do nº 3, artº 15º).
Chegados aqui, tudo indica que, para o legislador comunitário, e como de resto, o refere de uma forma expressa, em sede de considerandos do Regulamento (CE) nº 2201/2003 (cfr. considerando 12º), as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade, justificando-se que o mérito de um processo seja julgado por tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, pois que prima facie estará ele melhor colocado/preparado para conhecer do processo.
Ou seja, em sede de aferição da competência internacional do tribunal de um Estado-Membro para conhecer de uma acção de regulação do exercício do poder paternal, as regras comunitárias não devem ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artº 8º, seja aplicada sob reserva (como o refere o nº 2, do artº 8º), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade (ou como refere o artº 15º, o tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular).
Retomando o caso concreto, extrai-se dos autos que, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos pela Conservatória de Registo Civil de S. João da Madeira, sob o nº 249/2012, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais relativamente às duas menores.
Nos termos desse acordo, as menores ficaram entregues à guarda e cuidados da requerente com quem ficaram a residir, sendo que as responsabilidades parentais foram atribuídas a ambos os progenitores.
No mês de Novembro de 2012, a requerente emigrou para França na companhia das duas filhas, onde já tinham familiares.
A acção foi proposta no dia 27/11/2012 (cfr. fls. 41).
Resulta, assim, desta matéria factual que a acção foi proposta no mesmo mês em que as menores se deslocaram com a sua progenitora para França (desconhecendo este Tribunal se o fizeram ou não legalmente), pelo que, a ligação com o Estado-Membro de França, onde passaram a ter um novo ambiente junto da mãe, companheiro desta e familiares maternos é, à data da instauração da acção, ainda muito ténue.
Alega a requerente no seu requerimento inicial que a menor C… irá frequentar uma escola de ensino básico público francês, mas não identifica qual e que a menor D… por ter apenas 4 anos de idade irá ficar aos cuidados de uma tia materna até perfazer a idade de 5 anos, altura em que passará a frequentar uma pré-escola em França.
No entanto, não foram juntos pela requerente, quaisquer documentos comprovativos da inscrição/frequência da menor C… em qualquer estabelecimento de ensino francês.
Há ainda que ter em conta que, quer as menores quer os seus progenitores são nacionais de Portugal e, que o requerido/progenitor continua a residir em Portugal.
Portanto, à data da propositura da acção (Novembro/2012), tudo aponta a que as menores mantinham com Portugal uma ligação particular, mais forte e com o qual detinham uma maior proximidade, uma vez que, desde sempre até à sua partida para França, tinham residido em Portugal.
De realçar que, aquando da propositura da acção, as menores teriam partido para França há escassos dias, pelo que, forçoso será concluir que aquelas não poderiam ainda nesse momento temporal ter adquirido “residência habitual” com carácter de estabilidade, nesse país.
Consequentemente, estamos em crer que a presente acção deverá ser tramitada e julgada em Tribunal Estado-Membro de Portugal por ser aquele que, atendendo ao superior interesse da criança, melhor colocado estará para conhecer do processo, já que até Novembro/2012, as menores sempre mantiveram a sua vida familiar em Portugal e foi aqui também que desenvolveram as envolventes social e educacional.
Por via disso, não obstante as menores residirem já (escassos dias) à data da propositura desta acção, em França, o superior interesse das menores e o critério da proximidade, aconselham a que na procedência da apelação, embora por fundamentação distinta, se imponha a revogação da decisão recorrida.

V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, declarando-se o tribunal a quo competente para conhecer da acção.

Custas pelo apelado.

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 29/04/2013
Maria José Rato da Silva Antunes Simões
Abílio Sá Gonçalves Costa
António Augusto de Carvalho