Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2628/09.4TMPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: ALIMENTOS
DEVER DE ASSISTÊNCIA
CÔNJUGE
ALIMENTOS DEFINITIVOS
Nº do Documento: RP201809272628/09.4TMPRT-A.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º144, FLS.276-283)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGO 2016º, NºS 1 E 2 DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I - Na pendência do casamento, o dever de prestar alimentos, integrado no dever conjugal de assistência, tem uma dimensão diferente do dever de alimentos posterior ao divórcio.
II - O art.º 2016º, nºs 1 e 2, do Código Civil, na redação que foi introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, consagra o princípio segundo o qual os cônjuges devem prover à sua própria subsistência depois do divórcio, quer se trate de divórcio por mútuo consentimento, quer de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge.
III - Neste caso há um dever humanitário de solidariedade e socorro marcado pela relação conjugal anterior, sendo o dever de alimentos limitado à garantia de um nível de subsistência necessário a evitar uma situação de impossibilidade ou grave perigo de subsistência do ex-cônjuge necessitado.
IV - A título excecional, nas condições previstas no art.º 2016º-A do Código Civil, pode um dos ex-cônjuges ser obrigado a prestar alimentos definitivos a favor do outro, mas a prestação limitar-se-á a garantir ao beneficiário o necessário à subsistência, contando com o valor de rendimentos próprios que o beneficiário consegue obter pela sua força de trabalho, nunca devendo os alimentos constituir um incentivo à ociosidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2628/09.4TMPRT-A– 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores do Porto

Relator Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
Por apenso ao processo de execução por alimentos, veio B…, residente na Rua …, Bl. …, casa …, Porto, requerer a cessação da sua obrigação de prestação de alimentos contra a sua ex-cônjuge C…, residente na Rua …, n. …, …, Porto, alegando essencialmente e além do mais que depois da data em que foi fixada a prestação de alimentos a favor da R. se alterou, por um lado, a sua saúde e a sua situação económica, havendo incapacidade para os prestar, tendo, por outro lado, a R. estabelecido uma união de facto com um companheiro e mudado a sua situação socioprofissional para reformada.
Com efeito, formulou a seguinte pretensão:
«Nestes termos e nos demais de Direito, Requer-se a (…) a Cessação da Prestação de alimentos a favor da aqui Requerida, nos termos do art. 2013º nº 1 al. b) Cod. Civil».
Teve lugar a conferência a que se refere o art.º 936º, nº 3, do Código de Processo Civil, não tendo sido obtido acordo entre as partes quanto ao objeto da ação.
A R. foi ali notificada para contestar, tendo apresentado o respetivo articulado, onde concluiu na defesa da improcedência do pedido.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, seguido da identificação do objeto do processo e da definição dos temas de prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, baseando-se essencialmente na não alteração das circunstância da vida das partes desde a data em que a prestação de alimentos foi estabelecida, culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, atentos fundamentos expostos julga-se improcedente o pedido de cessação da obrigação de prestação de alimentos em favor da requerida e, em consequência, absolve-se a mesma do pedido.
Custas a cargo do Requerente (artigo 527º, n. 1, do CPC).»
*
Inconformado, recorreu o A., apenas em matéria de Direito, alegando com as seguintes CONCLUSÕES:
«I. O Recorrente e Recorrida contraíram casamento civil em 05/10/1974, sem convenção antenupcial.
II. Em 31/01/2006 foi decretado o divórcio entre as partes, onde o Requerente á data anuiu no sentido de contribuir com a prestação mensal de 250,00€, a título de alimentos.
III. Três anos após esta factualidade, o Requerente aqui Apelante contraiu casamento civil com D….
IV. O Requerente encontra-se reformado desde Setembro de 2006, auferindo pensão de 1.150€.
V. Para além disto, exerce funções na empresa E… II, com retribuição mensal de 523€, desde 2015.
VI. Sofreu um Acidente Vascular Cerebral em 2013.
VII. A atual esposa é pensionista com um valor mensal de 380,00€.
VIII. Considerou-se linearmente que o Recorrente aufere atualmente a quantia de 1.150,00€ a título de pensão de reforma, sem se considerar que esse valor compreende subsídio de férias e de natal e que sobre ele ainda recai toda a carga fiscal, reduzindo o rendimento disponível mensal para de cerca de 800,00€/mês.
IX. Tem comprovadas despesas superiores a 1.200€/mês, sem considerar o valor da pensão de alimentos que paga á aqui Requerida.
X. A Requerida, recentemente passou auferir a título de pensão de alimentos no valor de 273,84€ (desde Outubro de 2016).
XI. Não tem limitações de saúde comprovadas e sempre trabalhou.
XII. As despesas mensais do Recorrente são manifestamente superiores 1.200,00€ (mil e duzentos euros), acentuadas na altura em que sofreu o AVC, tendo contraído empréstimos para fazer face as despesas.
XIII. Ao que acresce ainda a quantia de 250,00€ que tem de despender para pagamento da referida pensão de alimentos ora em apreço.
XIV. Pelo que face ás diversas despesas que o Requerente tem de suportar, que mesmo estando já reformado e sem saúde, teve de procurar alternativas e ir trabalhar, como está, na empresa E…, em horários noturnos.
XV. O Requerente tem 69 anos de idade e é reformado.
XVI. Volvidos 12 anos sobre a decisão que decretou o divórcio, a Recorrida nada fez para alterar as suas condições de vida, partindo do pressuposto que a Pensão de alimentos será vitalícia.
XVII. Admitiu que sempre trabalhou como modista/costureira, mas sem descontos realizados, escudando-se no facto de o aqui Recorrente enquanto casados, não lhe permitir que os fizesse.
XVIII. Não se entendendo no entanto, porque motivo não procurou regularizar a sua situação profissional, realizando descontos para a segurança social, apos o divórcio, nos últimos 12 anos, podendo com isso hoje a sua pensão ser superior!
XIX. Atualmente a Recorrida aufere 273,084€ mensais, a título de pensão paga pela Segurança Social, que é hoje, o único rendimento para uma parte muito significativa da população portuguesa.
XX. O que significa e ao contrário da fundamentação vertida na douta sentença que aqui se recorre, há efetivamente “alteração relevante das circunstâncias que levaram á fixação, por acordo, da obrigação de alimentos a seu cargo e em favor da sua ex-cônjuge”.
XXI. Uma vez que a Requerida atualmente está a auferir pensão de reforma, que antes não estava e que o Requerente é doente e teve de procurar outro emprego para garantir o pagamento das suas obrigações.
XXII. Pois a confirmar-se a manutenção do pagamento da prestação de alimentos à Recorrida, implicará que o Recorrente, embora com um salário mensal médio, atendendo às despesas fixas suportadas, passe a viver no limiar da pobreza, para ter que contribuir para o sustento da Recorrida, que nada fazendo para melhorar a sua situação económica, aguarda no conforto do seu lar, o pagamento mensal da prestação alimentícia, enquanto que o Recorrente, sem saúde e mesmo estando reformado, terá de continuar a trabalhar até morrer!
XXIII. Ademais, e com o devido respeito, admitindo mesmo que se a Requerida, não continua a exercer a profissão de modista, bem poderia procurar outro tipo de ocupação, visto que não se encontra impedida de trabalhar e de prover ao seu sustento.
XXIV. Não está impedida agora e nem esteve nos 12 anos que entretanto se passaram!
XXV. A douta decisão recorrida considerou que o Recorrente não logrou provar que as condições atualmente existentes, não são necessariamente diferentes das que existiam á data em que foi decretado o referido divórcio e fixado o valor a título de pensão de alimentos;
XXVI. Tal argumento não pode merecer acolhimento visto que desde logo o Requerente indicou de seu turno, estar reformado, doente e a trabalhar em turnos noturnos e sem saúde para o efeito – tudo comprovado mediante documentos juntos e dado como provados, assim como também foi admitido pela filha F…, assim como por outro lado, foi alegado e requerido mediante pesquisa junto da Segurança social de que a Requerida, ora Recorrida, que até então não auferia qualquer rendimento, pelo menos que fosse declarado, visto que de acordo com as regras da experiencia comum ninguém viveria 12 anos de ar e vento, passou em Outubro de 2016 a auferir a título de pensão de reforma a quantia de 273,84€.
XXVII. Pelo que ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal fez errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 2003º e 2004.º e violou o disposto nos arts. 2012.º, al. b) do n.º 1, do art. 2013.º, 2016.º e 2016.º- A, todos do C.C. e o art. 13.º e n.º 3 do art. 36.º da Constituição da República Portuguesa.» (sic)
Manifestou assim a sua intenção de que seja revogada a sentença e que se declare cessada a prestação de alimentos à Recorrida ou, se assim não se entender, se reduza o respetivo valor.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

Para decidir está a questão de saber se a pensão de alimentos estabelecida a cargo do A. e a favor da R., sua ex-cônjuge, deve cessar ou reduzir-se.
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III.
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:[1]
1. O requerente, B…, nascido em 21/1/1950, e a requerida C…, nascida em 19/8/1950, contraíram casamento civil, em 5/10/1974, sem convenção antenupcial.
2. Por decisão de 31/1/2006, proferida no divórcio, na 1ª Conservatória do Registo Civil do Porto, foi decretado o divórcio entre as partes, tendo o aqui requerente ficado obrigado ao pagamento da quantia mensal de 250,00€, a título de alimentos para a aqui requerida.
3. O requerente Contraiu casamento civil com D…, em 4/6/2009.
4. O requerente encontra-se reformado desde 3/9/2006.
5. Recebe actualmente de pensão €1.150.
6. Iniciou funções na empresa E… II – …, Lª, em 9/6/2015.
7. Aufere a retribuição mensal de €532,23.
8. Sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em 2013.
9. A mulher do requerente recebe a pensão de reforma de €380.
10. O agregado do requerente tem como despesas, nos períodos infra indicados, as seguintes:
● Renda de habitação, €63,78 (em 23/11/2016 - doc. 20);
● Consumos de:
- Energia eléctrica, €99,16 (em 26/10/2016 – doc. 19);
- TV cabo, €41,98 (em 1/10/2016 – doc. 18);
- Telefone, €14,07 (em 19/10/2016 – doc. 21);
● Prémio de seguro do veículo, no valor, semestral, de €154,35 (período compreendido entre 7/8/2016 a 6/2/2017- doc. 22 e 23);
● Pagamento da prestação mensal de €219,96 à G…, com a utilização do Cartão …, relativa ao período de 21/9/2015 a 20/10/2016 (doc.fls. 17).
● Despesas de alimentação, vestuário calçado, em valor não apurado.
11. A requerida encontra-se reformada desde 19/10/2016.
12. Recebe, a esse título, a pensão de €273,84.
13. A requerida tem as seguintes despesas:
● De renda de habitação €75,41;
● Consumos de:
● Energia eléctrica, €57,27 (em 18/1/2018- doc. 54);
● Água, €20,91 (período de 12/9//2017 a 11/10/2017- doc. 54-v);
● TV cabo, €49,69 (28/1/2018- doc. 55);
- Paga de prémio de seguro de multirriscos, no valor anual de €51 (período compreendido entre 4/3/2017 a 3/3/2018 – doc. 55-v);
- Em despesas medicamentosas despendeu o valor total de €37,54, no ano de 2017.
- Despesas de alimentação, vestuário calçado, em valor não apurado.
14. A requerida trabalhou como costureira até há dois a três anos atrás, por conta própria.
15. A requerente intentou acção executiva contra o requerente, por falta de cumprimento da sua obrigação de prestar alimentos, em 10/11/2009.
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O tribunal recorrido considerou não provada a seguinte matéria:[2]
a) Que o requerente para fazer face ao pagamento da pensão de alimentos à requerida viu-se obrigada a procurar emprego, em horários, muitas das vezes, nocturnos.
b) Que na sequência do AVC que sofreu, teve de recorrer a empréstimos bancários.
c) Que o requerente com a aquisição de medicamentosas gasta €100.
d) Que com o consumo de água gasta €30 por mês.
e) Que em despesas de gasóleo gasta, em média, por mês €120.
f) Que paga a prestação mensal de €100, relativa a empréstimo ao H….
g) Que de prestação bancária relativa a aquisição de veículo paga €162.
h) Que a requerida vive, em união de facto, com um companheiro.
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IV.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (art.º 2003º, nº 1, do Código Civil[3]).
Relevam aqui, principalmente, as disposições legais dos art.ºs 2003º e seg.s, diretamente vocacionados para os alimentos devidos no âmbito das relações familiares; casos em que a obrigação alimentícia tem raízes legais nas instituições familiares, sejam elas o casamento, a filiação ou a adoção.
Dita a regra que a obrigação de alimentos visa, essencialmente, acudir a situações de necessidade do credor. Surge quando aquele fica sem condições de poder, por si próprio, granjear a sua vida, satisfazer as necessidades primárias da sua existência como ser humano. Segundo a mesma regra, os alimentos não se esgotam no sustento, habitação e vestuário, incluem também outras necessidades como sejam as relacionadas com tratamentos médicos e medicamentosos.
Na pendência do casamento há uma obrigação recíproca de alimentos entre os cônjuges, nos termos do art.º 1675º (cf. art.º 2015º). De acordo com aquele normativo, tal dever insere-se no dever conjugal de assistência (que abrange ainda o dever de contribuir para os encargos a vida familiar) e mantém-se durante a separação de facto, se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges. Se esta for imputável a um dos cônjuges, ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado. Só excecionalmente o tribunal pode, por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal (nºs 2 e 3 do art.º 1675º).
Assim, os cônjuges, na pendência do casamento e ainda que numa situação de separação de facto relevante, estão reciprocamente obrigados a prestar alimentos, concretizando-se desde logo o respetivo direito quando um dos cônjuges se encontra em situação de necessidade de prover às despesas fundamentais.
Ocorrendo separação de facto do casal, o dever de alimentos como que se autonomiza, podendo prosseguir depois do divórcio, nas condições previstas nos art.ºs 2016º e 2016º-A, do Código Civil, perdendo razão de ser as despesas que faziam em função da comunhão de vida.
Situando-nos no âmbito dos alimentos definitivos, desde a versão inicial do Código Civil (Decreto-lei nº 47334 de 25 de Novembro de 1966) até à versão introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro[4] (aqui aplicável), com a alteração do art.º 2016º e a adição do art.º 2016º-A, os alimentos devidos entre os ex-cônjuges foram vistos, primeiro, basicamente, como uma sanção sobre o cônjuge único culpado ou o cônjuge principal culpado pelo divórcio quando ambos sejam considerados culpados, passando depois a predominar a sua natureza indemnizatória na reforma de 1977 (Decreto-lei nº 496/77, de 25 de novembro), que ainda se mantém na dita recente atualização do referido art.º 2016º, como parte de uma reforma mais abrangente que eliminou a apreciação da culpa como fator relevante da atribuição de alimentos entre os ex-cônjuges.
Quanto ao montante de alimentos, enquanto na versão inicial do Código Civil não existia norma especial relativa a alimentos em caso de separação judicial de pessoas e bens ou divórcio, devendo aplicar-se a regra geral do art.º 2004º, segundo a qual os alimentos eram proporcionados aos meios daquele que haveria de prestá-los e à necessidade daquele com direito a recebê-los, considerando também a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência, a reforma de 1977 estabeleceu um regime especial para o efeito no art.º 2016º, nº 3, segundo o qual “na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”.
Foi assim também que a doutrina e a jurisprudência transitaram da ideia de que o cônjuge culpado deveria proporcionar ao alimentando uma situação económica tendencialmente idêntica à da constância do matrimónio, para a posição de que “o direito a alimentos do divorciado, ao abrigo do art.º 2016º, tem natureza alimentar, pelo que não nasce por mero efeito da verificação do pressuposto da culpa previsto no n.º 1 do mesmo artigo, nem tem como finalidade assegurar ao requerente o mesmo padrão de vida que usufruía na vigência do casamento”[5].
A versão atual do Código Civil, dada pela Lei nº 61/2008, foi mais longe. Viabilizando o divórcio a pedido de um cônjuge sem o consentimento do outro, com afastamento da apreciação da culpa por violação dos deveres conjugais, e com base na mera constatação de rutura do casamento (art.ºs 1773º, nº 3 e 1781º), além de reforçar a ideia de que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (por mútuo consentimento ou sem o consentimento do outro), afirmou o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência depois do divórcio (art.º 2016º, nº 1) e deixou expresso também em letra de lei que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” (art.º 2016º-A, nº 3).
Para a determinação do montante de alimentos a atribuir ao ex-cônjuge necessitado, além dos elementos acima referidos e indicados no art.º 2016º, nº 3, na versão da reforma de 1977, a última reforma acrescentou:
- A duração do casamento;
- A colaboração prestada à economia do casal; e
- Um novo casamento ou união de facto.
Se o princípio da autonomia económica do ex-cônjuge não foi tão longe quanto se chegou a propor[6], a verdade é que cada um dos ex-cônjuges deverá em princípio prover à sua subsistência. Só se a um deles tal não for possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los. Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário[7] e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou grave dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.
É neste ambiente legal, essencialmente previsto nos art.ºs 2016º e 2016º-A (alimentos definitivos), e à luz dos factos provados que há de verificar-se se, desde a fixação da pensão por alimentos atribuída à R., a cargo do A., ocorreu qualquer alteração de circunstâncias nas suas vidas que, pela sua relevância, determine a cessação do direito a alimentos por parte daquela ou a redução do respetivo valor, quer pela via da alteração/redução das possibilidades do obrigado, quer pela via da alteração/redução das necessidades do beneficiário. O ónus da prova destes factos é do A. enquanto obrigado à prestação de alimentos e interessado na cessação ou redução da pensão.[8]
O recorrente não impugnou a decisão em matéria de facto com cumprimento do ónus previsto no art.º 640º do Código de Processo Civil, pelo que se nos impõe acatar os factos dados como provados na 1ª instância e aqueles que estejam admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito (art.º 607º, nº 4, do mesmo código).
Tendo o A. alegado que a R. iniciou uma relação de união de facto, não logrou prová-lo (cf. al. h) da matéria dada como não provada). Fenece, assim, um dos fundamentos invocados para a cessação da obrigação alimentar (art.º 2019º).
Quanto ao mais, vejamos se há elementos que justifiquem a alteração/redução da pensão ou a sua cessação, nos termos dos art.ºs 2012º ou 2013º, nº 1, al. b), respetivamente.
A pensão de alimentos a favor da R. foi fixada no ano de 2006, aquando do divórcio, pelo valor mensal de €250,00 e assim se manteve até à atualidade, ao longo de cerca de 12 anos.
O momento da reforma do recorrente ocorreu já depois da decisão que decretou o divórcio. Só então se fixou a sua pensão de velhice.
Não obstante a sua situação de reformado, no dia 9.6.2015, o A. iniciou a prestação de trabalho por conta de outrem, mediante a retribuição mensal de €532,23. Em 2013 sofreu um acidente vascular cerebral e, anteriormente, mas também depois da fixação da pensão de alimentos, no dia 4.6.2009, contraiu (novo) casamento com D….
Tais factos representam, sem surpresa --- decorreram cerca de 12 anos desde a fixação da pensão de alimentos ---, alterações significativas nas circunstâncias da vida económica, familiar e financeira do A.
O mesmo aconteceu na vida da R. Até há cerca de 3 anos, trabalhou como costureira por conta própria, necessariamente com um rendimento mensal variável, por ser então uma profissional livre e dependente de condições de mercado.
A sua situação social e profissional alterou-se radicalmente. Reformou-se e passou a viver de uma pensão da Segurança Social, no valor fixo de €273,84 (acrescida da pensão de alimentos).
Com efeito, pela via de novos factos relevantes, ocorreu alteração de circunstâncias na vida dos ex-cônjuges que justifica a reapreciação dos fundamentos da pensão (tanto mais que foi fixada já no ano de 2006, por acordo entre os mesmos).

Sobre a eventual subsistência da situação de necessidade da R.:
Como vimos já, está reformada desde outubro de 2016. Trabalhou como costureira até há dois ou três anos atrás, por conta própria. Tal significa que, nessa altura, deixou de trabalhar.
Não fosse a pensão de alimentos, estaria a tentar viver apenas da sua pensão de reforma, no valor de €273,84, ou seja, cerca de €9 por dia, ou ainda, menos de metade do valor da retribuição mínima mensal garantida, que é atualmente (ano 2018) de €580,00 (Decreto-Lei n.º 156/2017 de 28 de dezembro).
O valor do indexante dos apoios sociais (IAS) passou a ser, no ano de 2017, de € 421,32 (art.º 2º da Portaria nº 4/2017, de 3 de janeiro), sendo que em 2018 foi fixado em € 428,90 (Portaria nº 21/2018, de 18 de janeiro). Serve de referencial determinante da fixação, cálculo e atualização das prestações de segurança social.
Deve o beneficiário encontrar-se numa situação de impossibilidade ou grave dificuldade de, por si, prover ao seu sustento, para beneficiar do direito a alimentos do ex-cônjuge.
A comprovada despesa mensal com a TV Cabo, de €49,69, não pode aqui ser contabilizada. A generalidade dos residentes em Portugal tem acesso gratuito a vários canais abertos de TV, através do sistema TDT, que apresentam a programação essencial.
A R. tem como despesas indispensáveis a renda de casa, cujo valor (€75.41) revela modéstia na habitação, e despesas razoáveis com eletricidade (€57,27 em janeiro/2018, previsivelmente inferior fora dos meses de inverno), água (€20,91), seguro multirriscos (no valor anual, pouco significativo, de €51,00). Presume-se que seja uma pessoa ainda tendencialmente saudável (gastou no ano de 2017 €37,54 em medicamentos). Estas despesas representam um encargo essencial de subsistência mensal no valor aproximado de €161,00 por mês.
Àquelas despesas acrescem os indispensáveis encargos mensais com a alimentação, vestuário, calçado em valor que não foi apurado, mas que, usando as regras da experiência comum, pelo mínimo necessário, atenta a idade da R., se deve estimar em cerca de €259 aproximadamente, €240 com alimentação, €15 com vestuário e €4 em calçado.
A despesa total essencial e indispensável da R. situa-se, assim, em cerca de €420,00 por mês, para a qual conta com uma pensão de reforma por velhice no valor de 273,84. Para atingir aquele valor necessita de cerca de €146,16.
A R. não trabalha e não lhe é exigível que desenvolva uma atividade profissional de normal ocupação diária, por estar reformada por velhice. Mas, sendo uma pessoa tendencialmente saudável, tudo indica que não está impossibilitada de executar algumas tarefas de costura, por conta própria, dada a sua experiência nessa área, podendo assim melhorar, ainda que ligeiramente apenas e cada vez menos, face ao seu envelhecimento, a sua condição de vida.
Por sua vez, o A. aufere de uma pensão no valor mensal de €1.150,00, valor que acumula com o rendimento que aufere do trabalho que executa com a retribuição de €532,23 por mês, no total de €1.682,23.
O A. partilha este rendimento com a seu cônjuge atual, D…, com quem casou no dia 4.6.2009, contribuindo esta com €380 por mês para a economia comum, provenientes da sua pensão de reforma.
O rendimento total mensal do casal ultrapassa os €2.000,00 e a despesa comum habitual poderá situar-se em cerca de 1.000,00.
Considerando, a regra de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (art.º 2016º, nº 1, do Código Civil), mas também que a diferença entre as despesas mensais do A. que ficaram provadas e os seus rendimentos concede uma folga financeira que permite o auxílio à R., estando esta necessitada de contribuição pelo valor de cerca de €150,00 para atingir o mínimo de valor indispensável a evitar atualmente grave dificuldade de subsistência, não será excessivo exigir àquele o pagamento mensal do referido valor a título de pensão de alimentos.
Com efeito, não se faz cessar a pensão de alimentos estabelecida a cargo do A. a favor da R., mas altera-se a decisão recorrida, reduzindo-se aquela pensão para a quantia atualizada de €150,00, atentas autuais circunstâncias das suas vidas.
A apelação procede parcialmente.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterando a sentença recorrida, reduz-se a pensão de alimentos da quantia de €250,00 para a quantia de €150,00 por mês, condenando-se o A. no respetivo pagamento.
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CUSTAS
As custas da apelação serão suportadas pelo apelante e pela apelada na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
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Porto, 27 de setembro de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
______
[1] Por transcrição.
[2] Por transcrição.
[3] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[4] Posteriormente, foram ainda alterados os art.ºs 2019º e 2020º pela Lei 23/2010, de 30 de agosto.
[5] Amadeu Colaço, Novo Regime do Divórcio, Almedina, 2ª edição, pág.s 148 e 149, citando, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.1985, de 8.2.2000, de 16.5.2002 de 27.1.2005 e de 14.11.2006.
[6] No texto da Proposta de Lei n.º 509/X, que chegou a ser aprovada no Plenário da Assembleia da República e no âmbito da qual resultou o Decreto da AR n.º 232/X, era então estipulado, no artigo 2016.°-B do C.C, que a obrigação de alimentos devia ser estabelecida por um período limitado, salvo razões ponderosas, sendo que este período podia ser renovado. Aquele preceito foi eliminado.
[7] Amadeu Colaço, ob. cit., pág. 153.
[8] O nosso sistema jurídico-processual reparte o ónus da prova entre autor e réu pelo modo como este princípio geral está consignado no art.º 342º do Código Civil: - a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado ("actore non probante reus absolvitur"); à parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito ("reus excipiendo fit actor").