Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
744/07.6TMPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: INVENTÁRIO
DIVÓRCIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
PASSIVO
APROVAÇÃO DO PASSIVO
NÃO APROVAÇÃO DO PASSIVO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Nº do Documento: RP20131125744/07.6TMPRT-D.P1
Data do Acordão: 11/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1404º, 1345º, 1353º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I - Em processo de inventário em consequência de divórcio e perante as disposições conjugadas dos artigos 1404.º e 1353.º e seguintes do Código de Processo Civil, cabe à conferência de interessados deliberar sobre a aprovação do passivo, onde se inclui a compensação de valor pago por um dos interessados para além do que lhe competia, relativamente a dívida da responsabilidade de ambos.
II - Perante a não aprovação, é deferido ao juiz o conhecimento da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados ou, na impossibilidade de decisão, a remessa dos interessados para os meios comuns.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão proferido no Processo n.º 744/07.6TMPRT-D.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- Em processo de inventário em consequência de divórcio e perante as disposições conjugadas dos artigos 1404.º e 1353.º e seguintes do Código de Processo Civil, cabe à conferência de interessados deliberar sobre a aprovação do passivo, onde se inclui a compensação de valor pago por um dos interessados para além do que lhe competia, relativamente a dívida da responsabilidade de ambos.
II- Perante a não aprovação, é deferido ao juiz o conhecimento da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados ou, na impossibilidade de decisão, a remessa dos interessados para os meios comuns.


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
1. No 1.º Juízo de Família e Menores do Porto corre termos o processo de inventário, com o n.º 744/07.6TMPRT-C, em que são interessados B… e C…, ambos melhor identificados nos autos, por apenso à respectiva acção de divórcio.
1.1 B…, na qualidade de cabeça de casal, veio apresentar a relação de bens, nos termos documentados na cópia de fls. 26 do presente apenso, onde se incluem os seguintes bens:
Activo:
Verba n.º 1: “Automóvel (…)”.
Verba n.º 2: “Benfeitorias constituídas por uma moradia edificada em lote de terreno pertencente ao requerente, moradia essa sita na Rua …, …/…, …, Valongo, inscrita na matriz sob o artigo 6302, com o valor de 200.000,00 €”.
Passivo:
Verba n.º 3: “Dívida a D… no valor de 11.000,00 € (…)”.
Verba n.º 4: “Dívida à E… no valor de 145.054,34 € contraída para construção da moradia supra identificada na verba n.º 2”.
Verba n.º 5: “Dívida ao requerente B… no valor de 63.838,82 € (…)”.
Verba n.º 6: “Dívida ao requerente B… no valor de 18.232,17 € à data de 31 de Março de 2009 referente a pagamentos por este feitos à E… após a dissolução do casamento para amortização do empréstimo feito para construção da moradia identificada supra”.
1.2 A requerida, C…, “aceitando o vertido nas Verbas 1 e 2 do Activo”, afirmou impugnar o passivo vertido na relação de bens.
A este propósito e na parte que aqui interessa, afirmou que, “enquanto casados, a requerida sempre liquidou a sua parte no empréstimo referido na verba n.º 4 do passivo. (…) Tendo o Cabeça de Casal ficado com a Casa de morada de família a ele compete o pagamento da dívida inerente, (…) dado que é ele que aufere da mesma todas as suas comodidades (…)” – cf. teor de fls. 31.
Apesar da aceitação antes mencionada, requereu também a rectificação da relação de bens relativamente à verba 2 do activo, afirmando para o efeito que o terreno aí referido não pertence ao requerente, sendo antes um bem comum do casal e como tal deve ser considerado – teor de fls. 35.
1.3 O cabeça de casal pronunciou-se no sentido de se manter a relação de bens tal como a apresentou (fls. 42).
1.4 Foi depois proferido o despacho sob recurso, onde se decidiu deferir parcialmente a reclamação à relação de bens.
Ponderou-se que, “como não foi declarada a data de cessação da coabitação dos cônjuges no respectivo processo de divórcio, os efeitos do divórcio, quanto à partilha dos bens comuns, retroagem-se à data da propositura da acção de divórcio, instaurada em 30.03.2007, nos termos do art.º 1789.º, n.º 1, do Código Civil”.
Apreciando a reclamação relativamente à verba n.º 2, ao terreno aí mencionado e onde foi edificada a moradia que se indica como bem comum, concluiu-se que a aludida verba deve integrar o terreno.
Considerou-se para o efeito o seguinte:
“Quanto à inclusão na verba n.º 2 do activo do terreno onde a casa de morada de família foi edificada, face ao teor da certidão de escritura de compra e venda junta aos autos a 254 a 258, consta-se que tal terreno foi adquirido em 4/03/1999, portanto pelos interessados enquanto casados, sendo pois bem comum – art.º 1724, al b) do CC.
Na referida escritura em nenhum momento se faz menção a que tal bem tenha sido adquirido com dinheiro próprio do interessado B…, sendo que a interessada C… não aceita tal alegação.
Assim deve a verba 2 integrar o terreno onde foi edificada a casa de morada de família”.
Quanto às verbas n.º 3 e n.º 4 (dívidas a D… e à E…), decidiu-se que seriam “resolvidas em sede de conferência, nos termos dos art.ºs 1353.º e 1354.º a 1358.º, todos do Código de Processo Civil”.
Relativamente à verba n.º 5 e mencionando o disposto nos artigos 1336.º, n.º 2, e 1350.º, ambos do Código de Processo Civil, decidiu-se remeter as partes para os meios comuns.
Finalmente, quanto à verba n.º 6, foi decidido nos seguintes termos:
«Quanto à verba n.º 6 do passivo, uma vez que a casa de morada de família ficou atribuída ao cabeça de casal, sem qualquer encargo, sendo ele que tem vindo a pagar as prestações relativas ao contrato de mútuo descrito na verba 4 do passivo, cabendo à interessada o pagamento de metade de tais prestações, proceder-se à devida compensação ao interessado B…, no montante de metade do valor das prestações pagas, devendo proceder-se à respectiva actualização de valor aquando da conferência de interessados, nos termos do artº 1345, n.º 5, C.P.C e artºs 1689º, n.ºs 1 e 3 e 216º, ambos do Código Civil».
2.1 A interessada C…, inconformada com tal decisão, veio interpor o presente recurso, concluindo assim a respectiva motivação:
«A) – A questão que a ora Recorrente pretende submeter à (…) apreciação (…) do Tribunal da Relação do Porto, restringindo de tal modo o âmbito do presente recurso à parte da supra transcrita decisão, é a de saber se, face ao thema decidendum em apreço, bem como face à prova que consta dos autos, deverá (ou não) ser a Recorrente condenada nos termos que da douta decisão em crise constam, ou seja, a pagar ao Recorrido (ainda que por via da compensação), de metade do valor das prestações pagas relativas ao mútuo relativo à casa de morada de família;
B) – Nos termos do disposto nos n.ºs. 2 e 3 do art.º 684.º do Cód. de Proc. Civil, restringe desde logo a ora Apelante o objecto do presente recurso de apelação ao citado excerto da sentença que põe termo ao incidente de reclamação à relação de bens na exacta medida em que decide imputar “…à interessada o pagamento de metade de tais prestações, proceder-se à devida compensação ao interessado B…, no montante de metade do valor das prestações pagas, devendo proceder-se à respectiva actualização de valor aquando da conferência de interessados,” (sic, sendo nosso o negrito);
C) - Dos autos de processo especial de inventário consta que, quando da realização da tentativa de conciliação aos 4 de Junho de 2007 foi acordado entre ambos os interessados que “3 – A casa de morada de família, sita na Rua …, n.º …, .º Dtº, …, é bem próprio do requerente marido, ficando-lhe esta atribuída.” (sic – fls. 22) – o que em nada se confunde com a casa (moradia) constante na verba número 2 da relação de bens apresentada a fls. 22 (sita na Rua …, números …/…, em …, Valongo), e cuja amortização do empréstimo é reclamada pelo Requerente na verba número 6 do passivo, Bem como consta dos autos que a Recorrente cuidou de impugnar a responsabilidade pelo pagamento de tal dívida;
D) – Seguramente por mero lapso – ao qual não será alheio a já longa tramitação processual decorrida, o Tribunal de primeira instância não atentou na aludida tramitação/documentação/alegação, proferindo o douto despacho supra citado;
E) – Pelo que, e porque dos autos constam todos os elementos necessários à boa e justa prolação de douta decisão que remeta a supra referida questão para os meios comuns ou para a conferência de interessados a realizar, deverá a mesma ser objecto de reforma naqueles exactos termos;
F) – Acresce que, e sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, atenta a jurisprudência maioritária dos nossos Tribunais superiores, não podia o Tribunal recorrido decidir a aprovação de passivo no momento processual sub judice, qual seja, a prolação de decisão acerca da reclamação à relação de bens, porquanto o momento próprio para o Tribunal recorrido se pronunciar e decidir acerca da aprovação (ou não) do passivo é a conferência de interessados que ainda não teve lugar nos presentes autos;
G) – Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou e/ou interpretou erradamente o conjugadamente disposto nos art.ºs. 1.353.º n.º 3 ex-vi 1.404.º, ambos do Cód. de Proc. Civil;
H) – Acresce que, e sob pena de se exorbitar o thema decidendum tal como foi suscitado pelo Interessado e ora Recorrido na sua relação de bens, não poderia o Tribunal recorrido levar em linha de conta para efeito algum a indicada conferência ou compensação que nunca foi objecto de expressa declaração por parte do Cabeça-de-Casal – tal como sucedeu na douta sentença em crise;
I) – Com efeito, e atento o que a propósito preceitua o art.º 848.º do Cód. Civil, sob a epígrafe «Como se torna efectiva» a compensação, necessário se mostrava in casu que o Recorrido, para além do mais (conforme supra se cuidou de referir) alegasse e provasse ter interpelado a recorrente – o que manifestamente não sucedeu;
J) – Assim, ao condenar na sentença recorrida a Recorrente em objecto diverso do pedido pelo Cabeça-de-Casal, incorreu o tribunal a quo no vício da nulidade da sentença – alínea e) do n.º 1 do art.º 668.º do Cód. de Proc. Civil, vício este que aqui expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.»
A recorrente termina afirmando que deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, “substituindo-se o despacho recorrido por outro que julgue não ser de relacionar o activo em questão (por falta de prova de que o mesmo existia à data dos efeitos patrimoniais do divórcio), nem o passivo (remetendo tal decisão para a conferência de interessados a realizar), com todos os devidos e legais efeitos”.
2.2 O recorrido e cabeça de casal não apresentou resposta.
2.3 A Sr.ª Juíza que proferiu a decisão sobre a reclamação de bens, tendo admitido, entretanto, a existência de lapso quanto à verba 6, proferiu despacho nos seguintes termos:
«(…) Efectivamente e por mero lapso, na decisão proferida sobre a reclamação de bens, constante de fls. 271 a 273, quanto à verba 6 do passivo, onde se refere casa de morada de família, deve ler-se terreno e imóvel descrito na verba 2 da relação de bens, pertencente ao ex-casal, com recurso ao empréstimo relacionado na verba 4 do passivo, mantendo-se no demais tudo o aí decidido».
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela recorrente definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui apreciar.
Assim, impõe-se decidir as seguintes questões:
● A existência de fundamento para a remessa da questão para os meios comuns ou para a conferência de interessados a realizar no processo de inventário.
● A nulidade da decisão recorrida por apreciação de matéria que não é objecto do pedido, com referência ao artigo 668.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.
II)
Fundamentação
1. Em termos de matéria de facto, importa considerar o que antes se deixou enunciado, a que acresce o seguinte:
Conforme resulta da decisão recorrida e da sentença que decretou o divórcio e não é questionado, os interessados no presente inventário eram casados desde 12 de Julho de 1997, sem convenção antenupcial.
O divórcio foi decretado por sentença proferida em 11 de Junho de 2007, nos termos documentados a fls. 24 e 25.
O processo em causa foi instaurado em 30 de Março de 2007, inicialmente como divórcio litigioso, posteriormente convertido em mútuo consentimento.
2. Em qualquer um dos regimes de comunhão de bens, são comuns os bens existentes no património conjugal (com excepção daqueles que, por força da lei, não integrem a comunhão), à data em que a sentença que haja decretado o divórcio fixar o termo das relações patrimoniais entre os cônjuges, devendo aquele responder pelo pagamento das dívidas que o onerem, nessa altura, mesmo que ainda não exigíveis; na ausência de tal fixação, os efeitos do divórcio reportam-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges (artigo 1789.º do Código Civil).
É diferente a situação perante bens adquiridos ou dívidas que forem contraídas por qualquer dos cônjuges ou ex-cônjuges, depois dessa data: os mesmos nada têm a ver com a liquidação e partilha do património conjugal.
A contracção de um empréstimo bancário por ambos os cônjuges, no decurso do casamento, determina a existência de uma dívida comum – é o que resulta do disposto no artigo 1691.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, nos termos do qual, são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro. Daí que a obrigação de reembolso de tal empréstimo à instituição bancária mutuante responsabilize ambos os cônjuges.
Nas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges e vigorando entre eles o regime de bens supletivo, de comunhão de adquiridos (artigo 1717.º do Código Civil), começam por responder os bens comuns e, só na falta ou insuficiência destes, respondem, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges, conforme determina o artigo 1695.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Relativamente aos pagamentos efectuados por um dos cônjuges, após a cessação das relações patrimoniais que decorrem do casamento, de dívidas que foram contraídas no decurso do mesmo, que vinculavam ambos os cônjuges, ou que resultaram de despesas relativas a bens que integram o património conjugal a partilhar, mas pagas depois do termo de tais relações, é pacífico que o mesmo tem direito a ser reembolsado de metade do montante global de tais pagamentos e despesas, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 1730.º, 524.º e 1697.º do Código Civil, importando no entanto salientar que, vigorando qualquer um dos regimes de comunhão de bens, o crédito em causa só é exigível no momento da partilha dos bens do casal.
O inventário subsequente ao divórcio destina-se justamente a pôr termo à comunhão de bens resultante do casamento, a relacionar os bens que integram o património conjugal e a servir de base à respectiva liquidação, devendo reportar-se à data em que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges (cf. artigos 1404.º, n.º 1, e 1326.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e artigos 1688.º e 1789.º Código Civil).
Esta exigência não obsta a que abarque tanto os créditos como as dívidas existentes nessa altura, mesmo que ainda não se mostrem vencidos, pelo que o cabeça de casal deve relacionar, além dos bens que integrem o património conjugal a liquidar, os créditos de terceiros cujo pagamento seja garantido pelo referido património, e, se for caso disso, os direitos de crédito de um dos cônjuges contra o outro, relevando o disposto no artigo 1345.º do Código de Processo Civil e nos artigos 1689.º e 1697.º do Código Civil; recai sobre o interessado que alega a satisfação de dívida da responsabilidade de ambos e que pretende a compensação daquilo que pagou para além do que era da sua responsabilidade, a prova da dívida comum e da satisfação do valor que reclama.
«O art. 1697.º, n.º 1, prevê o caso de os bens de um dos cônjuges terem respondido por dívidas de responsabilidade comum para além do que lhe competia. É indiferente que tenham respondido porque, sendo o regime de comunhão, a responsabilidade dos cônjuges era solidária, ou porque, no regime da separação, um dos cônjuges tenha pago voluntariamente uma dívida comum para além da parte que lhe tocava.
Em qualquer caso, surge um crédito de compensação a favor do cônjuge que pagou mais que a sua parte, sobre o outro cônjuge, crédito que só é exigível, porém, no momento da partilha dos bens do casal» – Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “Curso de Direito da Família”, volume I, Coimbra Editora, 3.ª edição, páginas 467 e 468).
«Pretende-se que o cônjuge que pagou mais do que devia tenha sempre o direito a ser compensado daquilo que pagou a mais» – Cristina Araújo Dias, “Compensações Devidas pelo Pagamento de Dívidas do Casal (Da Correcção do Regime Actual)”, página 156.
Apresentada a relação de bens, podem os interessados reclamar contra ela, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve para a partilha – artigo 1348.º do Código de Processo Civil.
Como decorre da letra da lei, o incidente em questão reporta-se aos bens a partilhar, que integravam o património conjugal e que se mostram pormenorizados pelo artigo 1345.º do Código de Processo Civil, não se confundindo com as dívidas – que, nos termos da aludida norma, são relacionadas em separado e sujeitas a numeração própria.
Resolvidas as questões suscitadas susceptíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, o juiz designa dia para a realização de uma conferência de interessados, a quem compete, nomeadamente, deliberar sobre a aprovação do passivo – artigos 1352.º e 1353.º do Código de Processo Civil.
Se ambos os interessados forem contrários à aprovação da dívida, o juiz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados, sendo este regime aplicável no caso de divergência entre os interessados sobre a aprovação de dívidas – artigos 1355.º, 1356.º e 1404.º do Código de Processo Civil.
Neste enquadramento se apreciará o caso em discussão nos autos.
3. A remessa da questão para os meios comuns ou para a conferência de interessados a realizar.
A recorrente sustenta esta pretensão em duas ordens de razões: por um lado, a decisão radica em erro, confundindo os bens a que se reporta ao mencionar a casa de morada de família; por outro, a decisão foi proferida em momento inadequado, em violação e/ou errada interpretação do disposto no artigo 1353.º, n.º 3, ex-vi artigo 1404.º, ambos do Código de Processo Civil.
3.1 A recorrente questiona a decisão que foi proferida quanto à verba n.º 6, na redacção inicial e que antes se deixou transcrita.
O cabeça de casal, ao relacionar esse passivo, identifica-o como “Dívida ao requerente B… no valor de 18.232,17 € à data de 31 de Março de 2009 referente a pagamentos por este feitos à E… após a dissolução do casamento para amortização do empréstimo feito para construção da moradia identificada supra”. Reporta-se aqui à verba n.º 2, onde se identifica uma moradia edificada na Rua …, …/…, …, Valongo, inscrita na matriz sob o artigo 6302, à qual atribuiu o valor de 200.000,00 €.
Como a recorrente salienta e decorre do teor de fls. 21 e 22 do presente apenso, dos autos consta que, quando da realização da tentativa de conciliação no âmbito do processo de divórcio, a 4 de Junho de 2007, foi acordado entre ambos os interessados que: “3 – A casa de morada de família, sita na Rua …, n.º …, ..º Dt.º, …, é bem próprio do requerente marido, ficando-lhe esta atribuída.
Esta não se confunde com a casa (moradia) constante na verba n.º 2 da relação de bens apresentada no âmbito do inventário e cuja cópia faz fls. 26 e 27 do presente apenso, sita em …, Valongo, na Rua …, n.ºs …/…, sendo algumas prestações da amortização do empréstimo contraído para a sua edificação reclamadas pelo requerente e cabeça de casal na verba número 6 do passivo.
Já no âmbito do processo de divórcio se distinguiam a casa de morada de família, enquanto bem próprio do requerente marido e a ele atribuída, e a benfeitoria consubstanciada na edificação em …, Valongo (teor de fls. 21 a 23).
A simples leitura da relação de bens evidencia que a verba n.º 6 se reporta ao empréstimo feito para a construção da moradia e identificado na verba n.º 4.
A moradia em causa (verba n.º 2) foi relacionada como benfeitoria, no pressuposto de que se tratava de uma edificação em lote de terreno pertencente ao requerente. Este enquadramento ficou prejudicado perante os termos da decisão proferida, em que se concluiu que o aludido terreno é bem comum, pelo que deve integrar como tal a verba n.º 2.
Não se mostra documentada nos autos a actual utilização de qualquer das edificações referenciadas, nomeadamente, que o requerente e cabeça de casal tenha deixado a denominada “casa de morada de família”, sita na Rua …, n.º …, ..º Dt.º, …, estranha a este processo de inventário enquanto bem activo que integrasse o património do casal e tenha passado a habitar ou por qualquer forma a utilizar a moradia que é relacionada na verba n.º 2 – e que, inequivocamente, integra o património do casal.
Daí não resulta no entanto confusão entre as aludidas edificações.
Também não se evidencia confusão relativamente às verbas n.º 4 e 6, enquanto se reportam ao empréstimo contraído para a construção da moradia identificada na verba n.º 2 e à respectiva amortização parcial pelo requerente, independentemente da questão de saber se este efectuou de facto os pagamentos em causa e que menciona na verba n.º 6 e se a recorrente sempre liquidou ou não a sua parte no empréstimo referido na verba n.º 4 do passivo, na certeza de que, na respectiva contestação, afirma esse pagamento apenas na vigência do casamento.
Apesar disso, regista-se uma efectiva confusão entre as duas edificações, na decisão objecto de recurso – ao referir-se, na sua redacção inicial, à “casa de morada de família”.
No entanto, a mesma foi corrigida pelo tribunal recorrido, nos termos do despacho de fls. 53 e que antes se deixou referenciado, perante o qual é inequívoco que se reporta à moradia edificada no lote de terreno e ao empréstimo concedido pela E….
Em tais circunstâncias e apesar de se manter na decisão recorrida uma referência que se afigura desajustada aos artigos 1345.º do Código de Processo Civil e 216.º do Código Civil, porquanto se reportam a benfeitorias, não subsiste equívoco suficiente para legitime a pretendida revogação da decisão recorrida e a remessa para os meios comuns ou, com este fundamento, para a conferência de interessados a realizar.
3.1 A decisão em momento inadequado, em violação e/ou errada interpretação do disposto no artigo 1353.º, n.º 3, ex-vi artigo 1404.º, ambos do Código de Processo Civil.
A recorrente pretende aqui que, não podia o Tribunal recorrido decidir a aprovação de passivo no momento processual sub judice, qual seja, a prolação de decisão acerca da reclamação à relação de bens, porquanto o momento próprio para o Tribunal recorrido se pronunciar e decidir acerca da aprovação (ou não) do passivo é a conferência de interessados que ainda não teve lugar nos presentes autos.
Assiste-lhe razão nesta parte.
Nos termos do quadro legal que antes se deixou enunciado, a aprovação do passivo é uma atribuição da conferência de interessados, na certeza de que, caso um dos interessados reconheça o passivo e, por isso, não o aprove na conferência, cabe ao juiz proceder então à apreciação da questão, no sentido de conhecer da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.
O procedimento a adoptar neste ponto não diverge do que foi determinado pelo tribunal recorrido em relação às verbas 3 e 4, pelo que a decisão proferida configura, quanto a este ponto, desconformidade com o que dispõem os artigos 1404.º e 1353.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Impõe-se por isso a revogação da decisão recorrida na estrita parte em que é objecto do presente recurso, relativamente à verba n.º 6, remetendo-se para a conferência de interessados o reconhecimento da aludida dívida e as implicações daí decorrentes, conforme aí seja ou não aprovada a dívida reclamada.
Perante esta conclusão, fica prejudicada a apreciação da alegada nulidade da decisão recorrida com referência ao artigo 668.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas e dando provimento ao recurso interposto, revoga-se a decisão recorrida, na parte que se refere à verba n.º 6 e que é objecto do presente recurso, remetendo-se para a conferência de interessados o reconhecimento da dívida aí reclamada, com as implicações daí decorrentes, conforme aí seja ou não aprovada, em conformidade com o disposto nos artigos 1404.º e 1353.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Sem custas.
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Porto, 25 de Novembro de 2013.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Ana Paula Carvalho