Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA SÁ LOPES | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO TRABALHO SUPLEMENTAR ÓNUS DA PROVA CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO MODALIDADES FORMAÇÃO CONTÍNUA ILICITUDE DO DESPEDIMENTO EFEITOS | ||
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Nº do Documento: | RP202306262845/21.9T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ANULADA PARCIALMENTE A SENTENÇA, PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - “(…)A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.” II - O artigo 154º do Código de Processo Civil, dispõe no seu nº1 que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas». III - “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação”. IV - É o Trabalhador que tem de alegar e provar a retribuição acordada – artigo 342º, nº1 do Código Civil. V - É a Entidade empregadora que tem de alegar e provar a retribuição que efetivamente pagou ao Trabalhador, facto extintivo da respetiva obrigação, bem como que o Trabalhador não prestou trabalho, designadamente por faltas, facto impeditivo da obrigação – artigo 342º, nº2 do Código Civil. VI - A falta de registo do trabalho suplementar prestado pela Trabalhadora não determina, sem mais, a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, por referência a concretos dias, competindo aquela, fazer prova desse facto. VII - “O regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, constante do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, não prevê que o empregador deva proporcionar formação contínua ao trabalhador por si contratado e não é aplicável o disposto no art.º 131.º do CT, por via do art.º 9.º do mesmo diploma, por incompatível com a especificidade desses contratos.” VIII - “O contrato de serviço doméstico foi definido com grande amplitude, abrangendo um leque de situações que abrangem quer as correspondentes ao trabalhador doméstico interno, quer, no extremo oposto, os casos de trabalho “a dias” ou “à hora” com carácter regular.” “(…)- O contrato de serviço doméstico pode assumir duas modalidades distintas, consoante seja celebrado “com ou sem alojamento e com ou sem alimentação” [art.º7/1, do DL 235/92]. (…)- Os distintos regimes refletem-se em várias matérias, prevendo o DL 235/92 regras diferentes relativamente ao contrato de trabalho doméstico com alojamento e/ou alimentação, designadamente, quanto à retribuição – art.ºs 9.º/2 e 17.º/2 -, duração e organização do tempo de trabalho – art.ºs 13.º/2, 14.º/1 e 2, 15.º/1 e 24.º – e cessação do contrato – art.ºs 8.º 1 e 28.º/4.” IX - Sobre a Trabalhadora recaí o ónus de alegar e provar que a Autora e a Ré acordaram que o contrato foi celebrado com alimentação – artigo 342º, nº1 do Código Civil. X - O contrato de serviço doméstico rege-se por uma legislação especial que, no respeitante aos efeitos do despedimento ilícito, apenas prevê uma indemnização por antiguidade, não existe direito à reintegração do trabalhador, nem tão pouco ao recebimento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a sua ilicitude. (Sumário, efetuado, em parte com o sumário dos Acórdãos do STJ de 19.12.2018 e de 01.06.2022, o sumário da do acórdão desta secção de 15.11.2021 e doutrina referenciados no texto) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 2845/21.9T8AVR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Aveiro-J1 Recorrente: AA Recorrida: BB 4ª Secção Relatora: Teresa Sá Lopes 1º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão 2ª Adjunta: Paula Leal de Carvalho Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relatório (com base no relatório efetuado na sentença que se transcreve): “AA, residente na Rua ..., ... ..., Albergaria-a-Velha, instaurou contra BB, residente na Rua ..., ... ..., Porto de Mós, a presente ação declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo: I. Que seja declarado que foi ilicitamente despedida pela R.. II. A condenação da R. a pagar-lhe: a) O montante correspondente às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, a 9 de Janeiro de 2021, até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do art. 390º n.º 1 do Cód. do Trabalho; b) Valor não inferior a €8.360,78, a título de remunerações não pagas; c) Valor não inferior a €4.576,38, a título de retribuição por trabalho suplementar prestado; d) Valor não inferior a €213,60, a título de formação não proporcionada; e) €3.656,25, a título de subsídio de alimentação, nos termos da Cláusula 33.ª, n.º 1, do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 38, de 15.10.2017; f) Quantia não inferior a €7.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais. g) Juros sobre as referidas quantias, até efetivo e integral pagamento. III. A condenação da R. a reintegrá-la, nos termos dos arts. 331º n.º 4 e 389º do Cód. do Trabalho. IV. A condenação da R., «por violação do preceito do art. 29.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 235/92, de 24 de outubro, atinente à ausência de comunicação escrita, expressa e inequívoca à trabalhadora dos factos e circunstâncias que motivaram o seu despedimento, por banda da R., que constitui uma contraordenação grave prevista no art. 36.º, n.º 2, do mesmo diploma, para e com os advindos necessários efeitos legais.». V. A condenação da R. «por violação do art. 341.º do C.T., referente ao incumprimento da entrega dos documentos a que a empregadora se encontrava legalmente adstrita a entregar (e não entregou), o que constitui uma contraordenação leve prevista no n.º 3 do mesmo preceito, para e com os advindos necessários efeitos legais.». Alegou para tanto, no essencial: A 5 de Setembro 2018, foi admitida ao serviço da R., por via de uma oferta de emprego comunicada pelo I.E.F.P., com a retribuição mensal de €600,00 ilíquidos e a categoria profissional de Empregada doméstica. No dia 30 de Setembro de 2020, as partes outorgaram um contrato de trabalho doméstico, no qual formalizaram, por escrito, o regime convencionado pelo I.E.F.P., a que aderiram em 05.09.2018, estipulando que a A. auferia mensalmente €640,00. Em 9 de Janeiro de 2021, pelas 12:30h, a R. despediu-a ilicitamente, de forma verbal, sem justa causa e sem precedência de um procedimento disciplinar, com efeitos imediatos, dizendo-lhe “Vai-te embora!”, “Não te quero ver mais à frente!”, “Estás despedida!” e “Não te quero ver mais”. Surpreendida com o sucedido, em 13 de Janeiro de 2021, remeteu à R. uma carta registada com aviso de receção, solicitando-lhe que formalizasse o despedimento por escrito e emitisse a Declaração de Situação de Desemprego. Contudo, não só a carta nunca chegou a ser levantada, como se revelaram infrutíferas todas as tentativas de comunicação com a R., o que impossibilitou a regularização da situação de desemprego, incorrendo a R. na prática de contra-ordenações, por violação dos arts. 29º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro e 341º do Cód. do Trabalho. Em consequência do despedimento, ficou impossibilitada de fazer face às despesas do dia-a-dia, perdendo a sua fonte de sustento, passando a precisar do auxílio dos seus familiares para sobreviver, sem os quais teria sérias dificuldades em garantir a sua subsistência. O que lhe causou um sentimento de insegurança, não conseguindo dormir ou viver com normalidade, com receio constante que todos os seus bens se esgotem e de se ver dependente de outrem para a sua própria sobrevivência. Conduzindo a um estado de ansiedade, do qual ainda padece. Sentindo-se frustrada, deprimida e em constante e permanente temor para a realização de qualquer tarefa do quotidiano que envolva a transação de quantias monetárias, ainda que de diminuto valor. Sofrendo, por diversas e repentinas vezes, de ataques de choro e ansiedade. Devendo ser indemnizada pela R. por esses danos não patrimoniais que esta lhe causou, em quantia não inferior a €7.000,00. Aquando do despedimento, a R. não acertou as contas, faltando pagar o correspondente a €320,00. Desde o início do vínculo contratual que a R. faltava sucessivamente ao pagamento acordado das remunerações mensais Na declaração de importâncias pagas para efeitos de IRS do ano de 2018, consta o montante anual de €2.406,97, ao invés dos €560,00 que lhe eram devidos (640,00€ x 4 meses); pelo que tem a receber da R., a título de salários em falta, a quantia de €153,03. Na declaração de importâncias pagas para efeitos de IRS do ano de 2019, consta o montante anual de €5.936,25, quando lhe eram devidos €8.960,00€ (€640,00 x 14 meses), estando em dívida €3.023,75. No que se refere ao ano de 2020, auferiu apenas o montante de €4.096,00, quando devia ter recebido €8.960,00 (€640,00 x 14 meses), pelo que lhe são devidos €4.864,00. Todos os dias, sem excepção, trabalhava aproximadamente mais duas horas para além do seu horário de trabalho, sem a R. a retribuir por esse trabalho suplementar, sendo-lhe devido a esse título o total de €4.576,38, correspondentes aos 857 dias de vigência do contrato de trabalho, multiplicados pelo valor de remuneração de duas horas de trabalho (857 x €5,34). Desde 2018 até 2021, tinha direito a 80 horas de formação, que não lhe foi proporcionada, pelo que lhe deve a R. o total de €213,60 (80 x €2,67). À luz da regulamentação prevista no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 38, de 15.10.2017 e nos termos da Cláusula 33.ª, n.º 1, atinente ao contrato coletivo doméstico, é obrigatório o pagamento do subsídio de alimentação, no valor de €5,85, por cada dia efetivo de trabalho. A R. nunca lhe pagou subsídio de alimentação, pelo que lhe deve o total de €3.656,25 (625 dias x €5,85). A R. contestou, impugnando em parte a versão dos factos alegada pela A. e contrapondo, em síntese: Não despediu a A., verbalmente ou por qualquer outro meio, sendo esta que por sua livre e exclusiva iniciativa resolveu abandonar o seu posto de trabalho, no dia 9 de Janeiro de 2021, nunca mais tendo ali comparecido. A A. nunca prestou trabalho suplementar. Não era devido subsídio de alimentação, porque a A. sempre se recusou a tomar o almoço, fornecido pela R., em conjunto com esta, alegando que tinha nojo. A A. sempre recebeu pontualmente o seu salário, que até Novembro de 2020 lhe era pago em numerário e a partir daí, através de cheque. Entre 9 de Janeiro de 2020 e 30 de Abril de 2020, a A. ausentou-se para Aveiro, alegadamente para tratar de um filho que tinha uma doença grave. A A. também omite que todas as quintas-feiras, com a tolerância da R., se ausentava do trabalho pelas 16:00 horas, porque ia fazer limpezas na residência de uma cliente, que a remunerava pelo trabalho prestado. Concluindo pela improcedência da ação. Respondeu a A., negando que tenha abandonado o seu posto de trabalho, que a R. lhe tenha pago todos os salários em numerário e que lhe tenha disponibilizado almoço. Reafirmando o já alegado na petição inicial e requerendo que a R. seja condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização, acrescida de juros até efetivo e integral pagamento. Foi proferido despacho saneador, onde se reconheceu a regularidade da instância, com dispensa de audiência prévia, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.” Findos os articulados, realizou-se a audiência de julgamento, com observância de todo o formalismo legal. Em 24.05.2022, pelo Tribunal a quo foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em face de todo o exposto e na parcial procedência da ação, decide-se: I. Declarar que a A. foi ilicitamente despedida pela R.. II. Condenar a R. a pagar à A.: a) €2.660,00 (dois mil, seiscentos e sessenta euros) de indemnização pelo despedimento ilícito de que foi alvo por parte da R.. b) €320,00 (trezentos e vinte euros) ilíquidos, a título de créditos laborais em dívida. c) Juros de mora à taxa legal sobre as referidas quantias, até efetivo e integral pagamento, contados desde a presente data, no que concerne à indemnização; e desde 09/01/2021, quanto aos créditos laborais. III. No mais, absolver a R. do pedido. IV. Julgar improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pela A., dele absolvendo a R.. * Custas da ação por A. e R., na proporção dos respetivos decaimentos - art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.* Registe e notifique.” Inconformada, a Trabalhadora veio apresentar recurso da mesma sentença, terminando o mesmo com as seguintes conclusões: “A - O Tribunal a quo considera como não provado que a A. apenas recebeu no ano de 2018 o valor de 2.406,97€, no ano de 2019 o valor de 5.936,25€, no ano de 2020 o valor de 4.096,00€, tendo-o assim considerado porque considerou que dizem respeito às remunerações indicadas na Segurança Social por via de retribuições presumidas no regime convencional e não corresponde a remunerações reais, no entanto, com todo o respeito, a questão não é essa, mas sim que a, atendo a que a A. afirma que apenas recebeu um determinado valor, e que a R. afirma que pagou mais, ora é a R. que tem de provar que pagou mais, tratando-se simplesmente de uma questão de ónus probatório e quem paga tem (se quiser) de provar que pagou, pelo que estamos numa clara violação do art. 342.º do Código Civil, pois quem invoca um direito tem de o provar. B - Não tendo a R. provado que pagou mais do aquilo que a A. disse ter recebido, esses valores têm que se dar provados e em consequência a R. condenada a pagar a diferença. para e com os necessários e advindos efeitos legais, i.e., salvo melhor entendimento, deve dar-se como provado que "a A. recebeu no ano de 2018 o valor de 2.406,97€, no ano de 2019 o valor de 5.936,25€, no ano de 2020 o valor de 4.096,00€". C - O Tribunal também alegou que a A. não provou que trabalhou todas as horas, todos os dias, todos meses, todos os anos, ora tal parece-nos exigir uma prova mais que diabólica, verdadeiramente impossível, que iria contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional, bem como impedir o acesso ao direito e aos tribunais, em crassa violação do art. 20.º da CRP. D - O Tribunal considera que nos termos do art. 342.º n.º 1 do Código Civil cabe ao trabalhador provar que realizou trabalho suplementar, ora salvo melhor entendimento, não concordamos com esta visão, pois cabe ao empregador provar que não foi realizado o trabalho suplementar alegado pelo trabalhador, atendendo a que não existe registo dos tempos de trabalho, e assim em violação do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, assim nos parece por (obviamente) imperativo legal, mas - se assim não fosse - sempre nos perguntaríamos como poderia uma empregada doméstica em alguma situação provar que fez trabalho suplementar em casa precisamente da parte contrária? Seria naturalmente uma prova impossível e também nessa ratio legis, devemos aceitar o trabalho suplementar presumido, ou seja, mesmo não se considerando que o ónus probatório incumbe ao empregador, teremos de aplicar o artigo 235.º, n.º 1 do Código de Trabalho, o que não tendo acontecido, violou violação dessa norma. E - No que concerne à formação, a questão que se coloca é exactamente a mesma, pois o Tribunal entende que nos termos do art. 342.º n.º 1 é a trabalhadora que tem de provar que não teve formação - é nosso entendimento, precisamente nos termos do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, e assim a presente decisão viola esse normativo legal, que o empregador é que tem de provar que deu formação, quando tal ausência é alegada pelo trabalhador. F - No que diz respeito ao subsídio de alimentação, o Tribunal considera que este não existe no caso de trabalho doméstico e a A. considera que existe, pois não sendo o contrato de trabalho doméstico celebrado com alimentação, tal não significa que o empregador não se encontre obrigado a pagar o subsídio de alimentação, conforme resulta do regime geral – sendo até essa a única interpretação que se conjuga com o n.º 3 do art. 9.º do DL. 235/92, de 24 de outubro; a questão tem a ver com o Tribunal considerar "uma especialidade em relação ao regime geral", mas a especialidade - para o ser e para poder afastar o regime geral - tem de ser expressa e não é. G – E quanto à re-integração, e à ausência de salários intercalares ou de tramitação, também nesses domínios a questão é meramente de princípio: o Tribunal considera que não existe direito a subsídio de alimentação no caso de trabalho doméstico e a A. considera que existe, uma vez que não se encontrando previsto no diploma especial para o trabalho doméstico que não existe reintegração ou que não existem salários intercalares ou de tramitação, a trabalhadora considera que se aplica o regime geral e, por isso, é-lhe aplicada – sendo até essa a única interpretação que se conjuga com o n.º 3 do art. 9.º do DL. 235/92, de 24 de outubro; a questão tem a ver com o Tribunal considerar "uma especialidade em relação ao regime geral", mas a especialidade - para o ser e para poder afastar o regime geral - tem de ser expressa e não é. H - O Tribunal dá como provado que o despedimento (considerado ilícito) causou à A. tristeza, transtorno e dificuldades económicas, mas que tal não atinge o grau de gravidade para atribuição de uma compensação pecuniária autónoma a acrescer à indemnização do art. 31º do DL nº 235/92 de 24/10, sendo que salvo melhor entendimento pensamos que se justifica, sendo necessário e adequado, pelo que deve a R. ser condenada neste pedido. I - Contudo, também nos permitimos considerar que estamos perante uma nulidade por omissão de fundamentação, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, que expressamente se vem arguir para e com os necessários e advindos efeitos legais, uma vez que não se esclarece a razão pela qual não tem a necessária gravidade nem que gravidade seria essa, para compreender a no caso concreto não existe. NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente recurso proceder – por provado, sendo revogada a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo e procedendo in totum o pedido apresentado na petição inicial, que se renova e cujo teor se dá brevitatis causae por reproduzido para e com os necessários e advindos efeitos legais e assim se fazendo inteira e sã justiça.” A Ré contra-alegou, apresentando no final as seguintes conclusões: “ A. Deverá ser mantida na íntegra a douta sentença recorrida. B. O tribunal a quo não deu por provado que a recorrente tenha apenas recebido da recorrida, no ano de 2018, o total de €2.406,97; no ano de 2019, o total de €5.936,25 e no ano de 2020, o total de €4.096,00, porque aquela não alegou nem demonstrou, como lhe competia, que nos anos em questão, trabalhou todos os dias e meses (com exceção do mês de férias), para que se pudesse concluir que tinha direito a receber a correspetiva retribuição - tendo-se inclusivamente provado que, no ano de 2020, não trabalhou para a recorrida, pelo menos, nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020. C. Foi a recorrente quem se socorreu dos valores das remunerações indicados na Segurança Social para fundamentar o seu pedido de condenação da recorrida no pagamento das alegadas diferenças salariais relativas aos anos de 2018; 2019 e 2020 – cfr. artigos 3.º; 4.º; 31.º; 32.º; 33.º; 33.º; 34.º; 35.º e 36.º da p.i.. D. É a recorrente que invoca o direito de receber mais remuneração do que a que lhe foi efetivamente paga pela recorrida, em 2018; 2019 e 2020, alegando ter direito a um ordenado superior ao que foi declarado na Segurança Social. E. Pelo que, compete à recorrente a prova dos factos constitutivos do direito que invoca. F. Ao contrário do que lhe competia, a recorrente não demonstrou que os montantes inscritos nas declarações da Segurança Social, respeitantes aos anos de 2018 e 2019, não correspondiam ao valor das retribuições efetivamente recebidas, assim como não demonstrou que em 2020 tivesse auferido apenas os alegados €4.096,00. G. Acresce que, desde 05.09.2018 (data do início da relação laboral) até 30.09.2020 (data em que recorrente e recorrida acordaram “converter o regime convencional da segurança social aderido em 05/09/2018 no Regime da Remuneração efetivamente recebida a partir de 01/10/2020” - cfr. Doc. 4 da contestação), a recorrente esteve sujeita ao regime convencional da Segurança Social, pelo que, os montantes inscritos nas declarações invocadas para fundamentar o pedido de pagamento de diferenças retributivas, referentes aos anos de 2018, 2019 e até 30.09.2020, para além de respeitarem ao valor do IAS em vigor em cada ano (e não às retribuições efetivamente pagas), não integravam sequer os subsídios de férias e de Natal ora pedidos. H. Quanto ao pedido de pagamento de salário complementar, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, competia à recorrente a alegação e prova dos factos constitutivos daquele direito, isto é, a prova da prestação efetiva desse trabalho e, bem assim, de que foi efetivado com o conhecimento e sem oposição da entidade empregadora, o que não aconteceu. I. O regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, constante do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, não prevê que o empregador deva proporcionar formação contínua ao trabalhador. J. O dever de proporcionar formação contínua previsto no artigo 131.º do Código do Trabalho foi desenhado partindo do pressuposto que o empregador é uma empresa e não um particular ou um agregado familiar. K. Não obstante, e ainda que assim não se entenda, tendo em conta as regras de distribuição do ónus da prova, sempre competiria à recorrente provar que a recorrida lhe não proporcionou as horas de formação profissional que alega ter direito, como resulta do n.º 1 do já citado artigo 342.º do Código Civil, o que, de igual modo, não aconteceu. L. O contrato de serviço doméstico pode ser celebrado com ou sem alojamento e com ou sem alimentação. M. No caso dos autos, não foi acordado o fornecimento de alimentação à recorrente, como inclusive resulta do contrato de trabalho celebrado em 30.09.2020 – cfr. Doc. 4 da contestação. N. Pelo que, quanto a esta matéria, dúvidas não restam de que não é, nem nunca foi, devida qualquer quantia à recorrente, a título de subsídio de alimentação. O. De igual modo, não se encontra prevista, no regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, estabelecido no Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, a reintegração do trabalhador. P. O contrato de serviço doméstico rege-se por uma legislação especial que, no respeitante aos efeitos do despedimento ilícito, apenas prevê uma indemnização por antiguidade mas já não a reintegração, sendo que, a declaração de ilicitude do despedimento não produz efeitos retroativos, não repõe em vigor o contrato de trabalho a que o empregador, malogradamente, havia tentado por cobro, pelo que não se operando a restauração natural, não existe direito à reintegração do trabalhador, nem tão pouco ao recebimento dos salários de tramitação. Q. Significa isto que os trabalhadores do serviço doméstico com contrato sem termo, no caso de despedimento ilícito, têm direito a receber uma indemnização, mas já não as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a sua ilicitude, ou seja, a compensação a que alude o artigo 390.º do Código do Trabalho. R. No caso dos autos, entendeu o tribunal a quo que a recorrente terá direito a uma indemnização no valor de €2.660,00, pelo despedimento ilícito de que foi alvo por parte da recorrida. S. Para a obtenção de tal valor, atendeu o tribunal a quo à retribuição mínima mensal garantida em vigor para o ano de 2021 (€665,00) e ao facto de para o respetivo cálculo, a fração de ano ser contabilizada como se de um ano completo se tratasse. T. A recorrente, porém, entendia ser-lhe devida uma indemnização não inferior a €7.000,00, pelo danos não patrimoniais que alegadamente lhe forma causados pelo seu despedimento. U. Sucede que não foi feita qualquer prova, por parte daquela, dos factos constitutivos do direito à indemnização a que se arroga (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil). V. Como bem refere o tribunal recorrido, provou-se apenas, nesta matéria, que o despedimento causou à A. tristeza, transtorno e dificuldades económicas”, contudo, não no “grau de gravidade pressuposto pelo art.º 496.º, n.º 1 do Cód. Civil, para a atribuição de uma compensação pecuniária autónoma por danos patrimoniais, a acrescer à indemnização prevista no art.º 31.º do DL n.º 235/92, de 24-10. W. A sentença não é nula, não existiu qualquer erro de julgamento, nem foram violados quaisquer preceitos legais. X. Impõe-se a total improcedência do presente recurso, por carecer totalmente de fundamentação, e a confirmação da douta sentença recorrida. Termos em que deverão V/ Exas. Manter na íntegra a douta sentença recorrida e julgar totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso, com o que farão, como é timbre deste venerando tribunal, a já costumada JUSTIÇA!” O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser parcialmente procedente, lendo-se no mesmo parecer: “(…) 1. Ressalvando sempre diferente e melhor opinião, entende-se que o recurso deveria merecer provimento em dois casos dos referidos, no que diz respeito à formação profissional e às retribuições. 1.1.- No caso presente foi contratado um horário de trabalho de 40 horas semanais, ou seja, um horário completo. Por outro lado, acordaram Recorrente e Recorrida o valor mensal da retribuição. Assim, o valor da retribuição a pagar pela Recorrida/ré à recorrente/autora deveria ser a totalidade da retribuição. A autora/Recorrente vem depois, na petição inicial, alegar que não recebeu a totalidade das retribuições acordadas, mas apenas as que indica, correspondentes às declarações para efeitos de IRS. * A entidade empregadora deve emitir recibo de pagamento da retribuição mensalmente paga ao trabalhador.Tal documento faz presumir que a entidade empregadora pagou a retribuição naquele montante. Alegando o trabalhador não ter recebido a retribuição ou a totalidade da mesma, cremos que, cabe à entidade empregadora a prova do pagamento ou do total pagamento. As declarações referidas, tem finalidades diversas. Assim, cremos que quem tinha o ónus de provar o total pagamento da retribuição era a entidade empregadora. Não o tendo feito deveria ser condenada nesse pedido. 1.2. E o mesmo se diga da formação profissional. Os objetivos da formação profissional não se esgotam na execução das tarefas especificas do posto de trabalho. Por isso deve ser proporcionada a todos os trabalhadores tendo em vista aumentar as suas capacidades e melhorar a sua empregabilidade e qualificação do trabalhador. O que, salvo melhor opinião, tem de abranger os trabalhadores do serviço doméstico, pois não se vê razão para os excluir nem a lei o prevê. Tendo o trabalhador direito a 40 horas de formação profissional, por ano, deverá ser a entidade empregadora a provar que deu formação ao trabalhador, sob pena de ser condenada no seu pagamento, bastando ao trabalhador alegar a sua falta. * Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido da procedência parcial do recurso.”Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões: - Impugnação da matéria de facto; - Nulidade da sentença por falta de fundamentação; - Valor da retribuição e créditos reclamados a esse respeito; - Salário complementar; - Subsídio de alimentação; - Formação profissional ao trabalhador no contrato de trabalho doméstico; - Reintegração e ausência de salários intercalares ou de tramitação; - Indemnização por danos não patrimoniais. 2. Fundamentação: 2.1. Fundamentação de facto: Foi esta a decisão de facto do Tribunal a quo: “Provados estão os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa: 1. Em 5 de Setembro 2018, a A. foi admitida a trabalhar ao serviço da R. como empregada doméstica, por via de uma oferta de emprego comunicada pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP), mediante a retribuição mensal ilíquida de €600,00. 2. No dia 30 de Setembro de 2020, a A. (como segunda outorgante) e a R. (como primeira outorgante) celebraram por escrito um contrato de trabalho doméstico, «(…) para converter o regime convencional da segurança social aderido em 05/09/2018 no Regime da Remuneração efectivamente recebida a partir de 0l/10/2020 (…)». 3. Na cláusula 1ª do referido contrato de trabalho escrito, consta que «A segunda outorgante obriga-se a prestar a sua atividade profissional no domicilio da primeira Outorgante ou no local a designar por esta e cumprirá um horário de trabalho semanal de 40 horas distribuídas de acordo entre as partes.». 4. Na cláusula 2ª do mesmo contrato de trabalho escrito, consta que «A primeira outorgante obriga-se a remunerar a segunda outorgante com o pagamento mensal de 640,00€ ilíquido, pago em dinheiro, transferência bancária ou cheque, sujeito aos respetivos impostos e descontos legais.». 5. No dia 9 de Janeiro de 2021, da parte da manhã, em casa da R., esta disse à A. “Estás despedida” e “Não te quero aqui mais”. 6. Em 13 de Janeiro de 2021, a A. remeteu à R. uma carta registada com aviso de recepção, solicitando-lhe que formalizasse o despedimento por escrito e emitisse a Declaração de Situação de Desemprego para apresentar na Segurança Social. 7. A referida carta não foi reclamada pela R., tendo sido devolvida à A.. 8. Em 15 de Janeiro de 2019, a R. emitiu declaração referente ao ano de 2018, com o seguinte teor: «Para efeitos de comprovação das importâncias a deduzir a que alude o artigo 114 da Alínea B) do código do Imposto Sobre o Rendimento das pessoas singulares, cumpre-se informar que no ano acima foram efectuados e relativamente ao serviço domestico à Exma. Senhora AA, contribuinte nº ..., os seguintes descontos (em Euros): (…) Segurança Social: 126,77 (…) Montante das Remunerações Ilíquidas: 2.406,97». 9. Em 15 de Janeiro de 2020, a R. emitiu declaração referente ao ano de 2019, com o seguinte teor: «Para efeitos de comprovação das importâncias a deduzir a que alude o artigo 114 da Alínea B) do código do Imposto Sobre o Rendimento das pessoas singulares, cumpre-se informar que no ano acima foram efectuados e relativamente ao serviço domestico à Exma. Senhora AA, contribuinte nº ..., os seguintes descontos (em Euros): (…) Segurança Social: 283,55 (…) Montante das Remunerações Ilíquidas: 5.936,25». 10. A A. não trabalhou para a R. nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020, nomeadamente para prestar assistência a familiares, tendo a R. suportado as contribuições para a Segurança Social referentes a esse período. 11. Às quintas-feiras, a A. saia mais cedo do trabalho na R., com a permissão desta, para ir trabalhar noutra casa. 12. O seu despedimento por parte da R. causou à A. tristeza, transtorno e dificuldades económicas. Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial e contestação (não se pronunciando o tribunal sobre as alegações de natureza jurídica ou conclusiva), nomeadamente: - Que desde o início do vínculo contratual, a R. faltava sucessivamente ao pagamento das remunerações mensais devidas à A.. - Que no ano de 2018, a A. apenas recebeu da R. o total de €2.406,97. - Que no ano de 2019, a A. apenas recebeu da R. o total de €5.936,25. - Que no ano de 2020, a A. apenas recebeu da R. o total de €4.096,00. - Que todos os dias, sem excepção, a A. trabalhava aproximadamente mais duas horas para além do seu horário de trabalho, por determinação da R.. - Que a R. não proporcionou à A. formação profissional, apesar desta lhe ter pedido. - Que o trabalho que prestava para a R. era a única fonte de sustento da A.. - Que em consequência do despedimento, a A.: ficou impossibilitada de fazer face às despesas do dia-a-dia e passou a precisar do auxílio dos seus familiares para sobreviver; não consegue dormir ou viver com normalidade, com receio constante que todos os seus bens se esgotem e de se ver dependente de outrem para a sua própria sobrevivência; ficou num estado de ansiedade, sentindo-se frustrada, deprimida e em constante e permanente temor, sofrendo ataques de choro e ansiedade. - Que a A. sempre se recusou a tomar o almoço fornecido pela R., em conjunto com esta, alegando que tinha nojo. Quanto à matéria de facto considerada provada, a convicção do tribunal baseou-se: N.ºs 1, 2, 3 e 4: Na sua aceitação por parte da R., assim como no teor das comunicações dirigidas pelo IEFP, I.P. à A., constantes de fls. 12 v.º/13 dos autos e no contrato de trabalho escrito celebrado entre as partes, junto em cópia a fls. 15 v.º/16 dos autos. N.º 5: A R., na contestação, nega que tenha despedido a A., alegando que foi esta que no dia 9 de Janeiro de 2021 abandonou o posto de trabalho, por sua livre e exclusiva iniciativa, nunca mais lá tendo comparecido. Porém, a testemunha CC (que viviu em união de facto com a A. desde 2015 até Janeiro/Fevereiro de 2021) afirmou que já anteriormente a esse dia tinha havido problemas entre a A. e a R., em virtude desta acusar a A. de a ter roubado. E que no dia em causa (09/01/2021), a A. lhe telefonou a chorar de casa da R., pedindo-lhe para lá ir e dizendo-lhe que estava a ser de novo acusada pela R. de a roubar. Afirmando a testemunha que se deslocou a casa da R. e embora não tenha entrado, ouviu do exterior da residência a R. a dizer à A. que esta a tinha roubado, que estava despedida e que não a queria lá mais. O referido depoimento é de algum modo corroborado pelo que foi prestado em julgamento pela testemunha DD (que é nora da R., por ser casada com um filho desta, deslocando-se cerca de 2 ou 3 dias de semana a casa da sogra), que afirmou que embora não tenha assistido ao sucedido no dia 09/01/2021, teve conhecimento pela sua cunhada EE (filha da R. e irmã do seu marido) que a R. se tinha chateado com a A., despedindo-a e mandando-a embora. Acrescentando a testemunha que a cunhada terá dito posteriormente à A. que poderia regressar ao trabalho, se quisesse. Esclarecendo ainda a testemunha DD que é possível alguém que se encontre no exterior da casa ouvir conversas mantidas dentro de casa, dependendo do local da casa em que decorra a conversa. N.ºs 6 e 7: No cópia da missiva em questão, respectivo talão de registo e aviso de recepção, a fls. 17 v.º a 20 dos autos. N.ºs 8 e 9: No teor das declarações em causa, juntas a fls. 14 v.º/15 dos autos, em conjugação com o depoimento da testemunha FF, contabilista que presta serviços para o filho da R., tendo tratado da inscrição e enquadramento da A. na segurança social, enquanto trabalhadora da R. e emitido as declarações em apreço. Tendo afirmado a testemunha que inicialmente, a A. estava sujeita ao regime convencional da Segurança Social, passando a partir de 01/10/2020 a fazer descontos com base na retribuição realmente auferida - descontos esses que eram integralmente suportados pela R.. Sendo essa a razão pela qual foi formalizado entre as partes contrato de trabalho escrito, em 30 de Setembro de 2020. Mais esclarecendo a testemunha que as quantias inscritas nas declarações em referência como “Montante das Remunerações Ilíquidas” respeitantes aos anos de 2018 e 2019, no valor de € 2.406,97 e € 5.936,25, respetivamente, traduzem a soma das retribuições convencionais desses anos com base nas quais foram feitos os descontos da A. para a Segurança Social - e não o valor das retribuições efectivamente pagas pela R. à A.. N.º 10: Nos depoimentos conjugados das testemunhas GG (filho da A.), DD e FF, de acordo com os quais a A. não trabalhou para a R. nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020, nomeadamente para prestar assistência a familiares. Referindo a testemunha FF que a R. continuou nesse período a suportar os descontos da A. para a Segurança Social. N.º 11: No depoimento da testemunha DD, que o disse. N.º 12: No depoimento nessa matéria prestado pela testemunha CC e nas regras da experiência comum e da normalidade das coisas. No tocante à matéria de facto controvertida que não foi considerada provada, o convencimento do tribunal assentou, para além do que ficou já dito, na ausência de prova produzida em julgamento passível de a demonstrar.” 2.1.2. Impugnação da matéria de facto: De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil. Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”. Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º. Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil: «1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;». Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”. Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora): «Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição. Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”. Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).». Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (Relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos). E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”». Ainda com fundamentação da mesma Desembargadora Paula Leal de Carvalho (aqui 2ª Adjunta): “Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que: “Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde. E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende. [Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.]. Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. [Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. Assim também os Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1, constando do respetivo sumário: “I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e de 12.10.2022. Proc. 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, ambos in www.dgsi.pt].] Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.”, (realce e sublinhado nossos). Analisando a impugnação da Apelante: Começa a Apelante por se insurgir contra a decisão de ter ficado não provado que “a A. apenas recebeu no ano de 2018 o valor de 2.406,97€, no ano de 2019 o valor de 5.936,25€, no ano de 2020 o valor de 4.096,00€”. A Apelante não cumpriu os ónus de impugnação da matéria de facto. Nomeadamente, em sede de alegações e em sede de conclusões, A Apelante alega que deve dar-se como provado que “a A. apenas recebeu no ano de 2018 o valor de 2.406,97€, no ano de 2019 o valor de 5.936,25€, no ano de 2020 o valor de 4.096,00€”. Invoca unicamente, a esse respeito, tratar-se de “questão de ónus probatório e quem paga tem (se quiser) de provar que pagou”. Ora, uma coisa é o ónus de provar o que efetivamente foi pago. Outra, ficar assente que apenas determinada quantia foi paga. Não indica a Apelante qualquer meio de prova relativamente à matéria que pretende deixe de ser considerada não provada e passe a ser considerada provada. Impõe-se assim rejeitar nesta parte a impugnação. 2.2. Fundamentação de direito: Nulidade da sentença: Invoca a Recorrente a nulidade da sentença à luz do disposto no artigo 615º, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil, onde se prevê que é nula a sentença que “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Alega a Apelante a este respeito que na sentença não se esclarece a razão pela qual não tem a necessária gravidade nem que gravidade seria essa para atribuição de uma compensação pecuniária autónoma a acrescer à indemnização do artigo 31º do DL nº 235/92 de 24.10. (diploma que estabelece o Regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico). Começamos por referir que não ocorre a apontada nulidade. A este respeito, lê-se na decisão recorrida: « (…) No que se refere à reclamada indemnização por danos não patrimoniais, estão em causa danos que são insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (v.g. a vida, a integridade física, a saúde, a liberdade), assumindo por isso a obrigação de os ressarcir uma natureza mais compensatória do que propriamente indemnizatória, devendo no seu cálculo recorrer-se à equidade, tendo em consideração os danos causados, o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesante e dos titulares do direito à indemnização e às demais circunstâncias do facto – cfr. arts. 496º nº 3 e 494º do Cód. Civil. De acordo com o art. 496º n.º 1 do Cód. Civil, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Torna-se assim necessária à procedência do pedido, a demonstração em concreto da ocorrência de um facto ilícito e culposo; a verificação de danos não patrimoniais com gravidade bastante para serem merecedores da tutela do direito; e o nexo de causalidade entre tais danos e o despedimento. Cabendo à A. o ónus da prova desses pressupostos, nos termos do art. 342º n.º 1 do Cód. Civil, na medida em que se tratam de factos constitutivos do direito à indemnização a que se arroga. No caso, é patente a ocorrência de um facto ilícito praticado pela R., traduzido no despedimento da A., em moldes que o tribunal qualificou como ilícito. Quanto aos danos, importa salientar que a aferição da sua gravidade deve medir-se por um padrão tanto quanto possível objetivo (embora levando em linha de conta as circunstâncias do caso concreto) e não ao sabor da particular sensibilidade do lesado, de tal forma que não é qualquer incómodo, perturbação ou contrariedade que justifica o direito a indemnização. Provou-se apenas, nesta matéria, que o despedimento causou à A. tristeza, transtorno e dificuldades económicas. Tratam-se de sentimentos compreensíveis, no contexto de uma situação de despedimento, como a que foi vivenciada pela A.. Mas não nos parece que atinjam o grau de gravidade pressuposto pelo art. 496º n.º 1 do Cód. Civil, para a atribuição de uma compensação pecuniária autónoma por danos patrimoniais, a acrescer à indemnização prevista no art. 31º do DL n.º 235/92, de 24/10. Improcedendo por isso o pedido, nesta parte.» Vejamos: Em matéria de decisões proferidas nos processos cíveis, o artigo 154º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão” dispõe no seu nº1 que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas». Citamos aqui o Professor Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil anotado, Volume V, página 139 e seg., “As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Esta carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso. Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal .Este deriva, (…), do poder de jurisdição de que o juiz está investido. Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (sublinhado nosso). Acolhemos aqui tais ensinamentos. Como resulta do excerto da sentença que se deixou transcrito, na mesma o Mmº Juiz começa por evidenciar que “No que se refere à reclamada indemnização por danos não patrimoniais, estão em causa danos que são insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (v.g. a vida, a integridade física, a saúde, a liberdade), assumindo por isso a obrigação de os ressarcir uma natureza mais compensatória do que propriamente indemnizatória”, ficando assim claramente fundamentado o que depois se afirma “(…) devendo no seu cálculo recorrer-se à equidade, tendo em consideração os danos causados, o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesante e dos titulares do direito à indemnização e às demais circunstâncias do facto.”, (sublinhado nosso) Consta ainda da decisão recorrida, a este respeito, em termos de enquadramento legal que “De acordo com o art. 496º n.º 1 do Cód. Civil, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” (sublinhado nosso) Não tinha em nosso entender que ser indicada uma “medida” de gravidade ou o que seria bastante para considerar tal gravidade necessária “para atribuição de uma compensação pecuniária autónoma a acrescer à indemnização do artigo 31º do DL nº 235/92 de 24.10.”. Como consignado na decisão recorrida, trata-se de um juízo de equidade, no caso, justificado ao ponderar-se “que o despedimento causou à A. tristeza, transtorno e dificuldades económicas. Tratam-se de sentimentos compreensíveis, no contexto de uma situação de despedimento, como a que foi vivenciada pela A.. Mas não nos parece que atinjam o grau de gravidade pressuposto pelo art. 496º n.º 1 do Cód. Civil, para a atribuição de uma compensação pecuniária autónoma por danos patrimoniais, a acrescer à indemnização prevista no art. 31º do DL n.º 235/92, de 24/10.” Concluímos assim que a nulidade agora em apreciação, não se verifica, já que não se verifica a falta absoluta de fundamentação. * Antes de mais consigna-se que ao caso é aplicável o DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, Regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, na sua redação anterior à introduzida pela Lei 13/2003, de 03.04.* Analisando agora o segmento da Apelação, respeitante às remunerações pagas, em sede de direito.Foi esta a fundamentação da sentença: “A A. pede a condenação da R. a pagar-lhe €8.360,78, a título de remunerações não pagas, alegando para fundamentar esse pedido, simplesmente, que na declaração de importâncias pagas para efeitos de IRS do ano de 2018, consta o montante anual de €2.406,97, quando devia ter recebido €2.560,00 (640,00€ x 4 meses), donde conclui estarem em dívida €153,03; na declaração de importâncias pagas para efeitos de IRS do ano de 2019, consta o montante anual de € 5.936,25, quando devia ter recebido €8.960,00€ (€640,00 x 14 meses), donde conclui estarem em dívida €3.023,75; e que no ano de 2020, auferiu apenas €4.096,00, quando devia ter recebido €8.960,00 (€640,00 x 14 meses), donde conclui estarem em dívida € 4.864,00. Porém, a A. não alegou nem demonstrou, como lhe competia, que nos anos em questão, trabalhou em todos os dias e meses (com excepção do mês de férias), para que se pudesse concluir que tinha direito a receber a correspectiva retribuição - tendo-se inclusivamente provado que no ano de 2020, não trabalhou para a R. pelo menos nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020. Para além disso, não está de igual modo demonstrado que os montantes inscritos nas declarações invocadas pela A., respeitantes aos anos de 2018 e 2019, correspondem ao valor das retribuições efectivamente recebidas da R., pelo que o pressuposto de que a A. partiu para reclamar as diferenças salariais, não se verifica. Cabendo aqui notar que, como se deixou escrito em sede de motivação da decisão da matéria de facto, foi esclarecido em julgamento pela testemunha FF, contabilista que emitiu as declarações em apreço, que os montantes nelas mencionados traduzem a soma das retribuições convencionais desses anos com base nas quais foram feitos os descontos da A. para a Segurança Social - e não a soma das retribuições efetivamente pagas pela R. à A.. Na verdade, no âmbito do contrato de trabalho doméstico, pode optar-se entre efetuar descontos com base na denominada “remuneração convencional”, que corresponde ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS)3, modalidade que apresenta algumas limitações em termos de direitos do trabalhador perante a Segurança Social, designadamente no que se refere ao acesso ao subsídio de desemprego; ou com base na “retribuição real”, isto é, a efetivamente paga ao trabalhador. Sendo que, nas situações em que o trabalhador desconta sobre o salário convencional, os subsídios de férias e de Natal pagos pelo empregador ao trabalhador não estão sujeitos a descontos para a Segurança Social. A A. esteve inicialmente sujeita ao regime convencional da Segurança Social, passando a partir de 01/10/2020 a fazer descontos com base na retribuição realmente auferida, tendo sido essa a razão pela qual foi formalizado entre as partes contrato de trabalho escrito, em 30 de Setembro de 2020, dele constando expressamente que foi celebrado «(…) para converter o regime convencional da segurança social aderido em 05/09/2018 no Regime da Remuneração efetivamente recebida a partir de 0l/10/2020 (…)». Daí que os montantes inscritos nas declarações invocadas pela A. para fundamentar o pedido de pagamento de diferenças retributivas, referentes aos anos de 2018 e 2019, para além de respeitarem ao valor do IAS em vigor em cada ano (e não às retribuições efetivamente pagas), não integravam sequer os subsídios de férias e de Natal. E em relação ao ano de 2020, não foi junta ao processo declaração alguma, não estando por maioria de razão comprovado que nesse ano a A. tenha auferido apenas o total de€ 4.096,00, como alegou, sendo que até 01/10/2020, subsistiu o regime convencional para efeitos de Segurança Social. Razões pelas quais improcede o pedido de condenação da R. no pagamento à A. de diferenças salariais. 3 Que foi de € 428,90, em 2018, de €435,76, em 2019 e de €438,81, em 2020 e 2021 - cfr. Portarias n.ºs 294/2021, de 13/12, 27/2020, de 31/01, 24/2019, de 17/01 e 21/2018, de 18/01. 4 Cfr. os arts. 45º, 118º e 120º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro e 18º e 49º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro.” Conclui a este respeito, em suma, a Apelada: - O tribunal a quo não deu por provado que a recorrente tenha apenas recebido da recorrida, no ano de 2018, o total de €2.406,97; no ano de 2019, o total de €5.936,25 e no ano de 2020, o total de €4.096,00, porque aquela não alegou nem demonstrou, como lhe competia, que nos anos em questão, trabalhou todos os dias e meses (com exceção do mês de férias), para que se pudesse concluir que tinha direito a receber a correspetiva retribuição - tendo-se inclusivamente provado que, no ano de 2020, não trabalhou para a recorrida, pelo menos, nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020. - Foi a recorrente quem se socorreu dos valores das remunerações indicados na Segurança Social para fundamentar o seu pedido de condenação da recorrida no pagamento das alegadas diferenças salariais relativas aos anos de 2018; 2019 e 2020 – cfr. artigos 3.º; 4.º; 31.º; 32.º; 33.º; 33.º; 34.º; 35.º e 36.º da p.i. -alegando ter direito a um ordenado superior ao que foi declarado na Segurança Social pelo que compete à Recorrente a prova dos factos constitutivos do direito que invoca. - Ao contrário do que lhe competia, a Recorrente não demonstrou que os montantes inscritos nas declarações da Segurança Social, respeitantes aos anos de 2018 e 2019, não correspondiam ao valor das retribuições efetivamente recebidas, assim como não demonstrou que em 2020 tivesse auferido apenas os alegados €4.096,00. - Desde 05.09.2018 (data do início da relação laboral) até 30.09.2020 (data em que recorrente e recorrida acordaram “converter o regime convencional da segurança social aderido em 05/09/2018 no Regime da Remuneração efetivamente recebida a partir de 01/10/2020” - cfr. Doc. 4 da contestação), a recorrente esteve sujeita ao regime convencional da Segurança Social, pelo que, os montantes inscritos nas declarações invocadas para fundamentar o pedido de pagamento de diferenças retributivas, referentes aos anos de 2018, 2019 e até 30.09.2020, para além de respeitarem ao valor do IAS em vigor em cada ano (e não às retribuições efetivamente pagas), não integravam sequer os subsídios de férias e de Natal ora pedidos. A este respeito refere o Exmo. Procurador Geral Adjunto, no respetivo parecer: “(...) acordaram Recorrente e Recorrida o valor mensal da retribuição. Assim, o valor da retribuição a pagar pela Recorrida/ré à Recorrente/autora deveria ser a totalidade da retribuição. A autora/Recorrente vem depois, na petição inicial, alegar que não recebeu a totalidade das retribuições acordadas, mas apenas as que indica, correspondentes às declarações para efeitos de IRS. * A entidade empregadora deve emitir recibo de pagamento da retribuição mensalmente paga ao trabalhador.Tal documento faz presumir que a entidade empregadora pagou a retribuição naquele montante. Alegando o trabalhador não ter recebido a retribuição ou a totalidade da mesma, cremos que, cabe à entidade empregadora a prova do pagamento ou do total pagamento. As declarações referidas, tem finalidades diversas. Assim, cremos que quem tinha o ónus de provar o total pagamento da retribuição era a entidade empregadora. Não o tendo feito deveria ser condenada nesse pedido.” Vejamos: A Autora, em sede de petição inicial conclui que “desde o início do vínculo contratual que a R. faltava sucessivamente ao pagamento acordado das remunerações mensais devidas à A.”(artigo 30º da p.i.) Mais foi alegado nos artigos 31º a 38º do mesmo articulado: -No ano de 2018, a Autora auferiu o valor de 2.406,97€ (dois mil quatrocentos e seis euros e noventa e sete cêntimos), Cfr. DOC. 2 que se junta, ao invés dos 2.560,00€ (dois mil quinhentos e sessenta euros) que lhe eram devidos (640,00€ x 4 meses). -Pelo que a Autora ainda tem a receber da Ré, a título de retribuições salariais em falta, a quantia de 153,03€ (cento e cinquenta e três euros e três cêntimos). -Já no ano de 2019, a Autora recebeu a quantia de 5.936,25€ (cinco mil novecentos e trinta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), Cfr. DOC. 3 que se junta, contrariamente ao total estipulado de 8.960,00€ (oito mil novecentos e sessenta euros) que lhe deveria ser pago (640,00€ x 14 meses). -O que ascende ao valor em dívida da Ré à trabalhadora de 3.023,75€ (três mil e vinte e três euros e setenta e cinco cêntimos). - No que tange ao ano de 2020, a Autora auferiu apenas o montante de 4.096,00€ (quatro mil e noventa e seis euros). -Todavia, o ano de 2020 implica o pagamento do valor total de 8.960,00€ (oito mil novecentos e sessenta euros) que lhe deveria ser pago (640,00€ x 14 meses). - Razão pela qual a Ré deve à Autora a quantia de 4.864,00€ (quatro mil oitocentos e sessenta e quatro euros) referente ao remanescente de retribuições laborais que deveria ter auferido no ano de 2020, mas não auferiu. - Aquando do despedimento verbal da Autora, sem justa causa, sem precedência de um procedimento disciplinar e com efeitos imediatos, a 13 de janeiro de 2021, a Ré não acertou as contas com a trabalhadora. -Restando-lhe, assim, pagar o correspondente a 320,00€ (trezentos e vinte euros), que a Autora não auferiu. A esse respeito, a Autora requereu lhe fossem reconhecidos créditos correspondentes a retribuições que lhe são devidas a título de remunerações não pagas que ascendem ao valor de 8.360,78€. Por seu turno, na contestação alegou a Ré: - A autora sempre recebeu pontualmente o seu salário. (artigo 11º da contestação) - Até novembro de 2020, a autora recebia da ré o seu salário em numerário. (artigo 12º da contestação) - A partir de novembro de 2020, quando se apercebeu que a autora era conflituosa, a ré passou a pagar o salário da autora em cheque. (artigo 13º da contestação) Ficou provado: - Na cláusula 2ª do contrato de trabalho escrito, consta que «A primeira outorgante obriga-se a remunerar a segunda outorgante com o pagamento mensal de 640,00€ ilíquido, pago em dinheiro, transferência bancária ou cheque, sujeito aos respetivos impostos e descontos legais.». - Em 15 de Janeiro de 2019, a R. emitiu declaração referente ao ano de 2018, com o seguinte teor: «Para efeitos de comprovação das importâncias a deduzir a que alude o artigo 114 da Alínea B) do código do Imposto Sobre o Rendimento das pessoas singulares, cumpre-se informar que no ano acima foram efetuados e relativamente ao serviço domestico à Exma. Senhora AA, contribuinte nº ..., os seguintes descontos (em Euros): (…) Segurança Social: 126,77 (…) Montante das Remunerações Ilíquidas: 2.406,97». - Em 15 de Janeiro de 2020, a R. emitiu declaração referente ao ano de 2019, com o seguinte teor: «Para efeitos de comprovação das importâncias a deduzir a que alude o artigo 114 da Alínea B) do código do Imposto Sobre o Rendimento das pessoas singulares, cumpre-se informar que no ano acima foram efetuados e relativamente ao serviço domestico à Exma. Senhora AA, contribuinte nº ..., os seguintes descontos (em Euros): (…) Segurança Social: 283,55 (…) Montante das Remunerações Ilíquidas: 5.936,25». Na leitura que fazemos dos artigos 31º, 32º, 33º da petição, é efetivamente feita expressa referência aos documentos 2 e 3, juntos com o articulado da petição inicial – declarações para a Segurança Social – no que a Apelante reclama por diferenças salariais, relativas aos anos de 2018 e 2019. Aferimos assim que o pressuposto de que a Autora partiu, no que respeita aos anos de 2018 e 2019, reporta-se à diferença entre o que consta de tais declarações e a retribuição acordada. Temos como correto o que se afirma na sentença no sentido de que “não está (…) demonstrado que os montantes inscritos nas declarações invocadas pela A., respeitantes aos anos de 2018 e 2019, correspondem ao valor das retribuições efetivamente recebidas da R.”. Bem assim a consideração feita na sentença recorrida de que “as declarações em apreço, (…) os montantes nelas mencionados traduzem a soma das retribuições convencionais desses anos com base nas quais foram feitos os descontos da A. para a Segurança Social - e não a soma das retribuições efetivamente pagas pela R. à A.” Ainda assim, não era a Autora quem tinha de provar que recebeu apenas o que consta da declaração para a Segurança Social, pressuposto de que o Mm.º Juiz partiu na decisão recorrida. A Trabalhadora tinha de alegar e provar a retribuição acordada, prova essa que no caso foi feita como resulta dos pontos 1 - 600,00€ e 4 dos factos provados – 640,00€. E, atentas as regras do ónus da prova - artigo 342º, nº2 do Código Civil «A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» -, é a Entidade empregadora que tem de alegar e provar a retribuição que efetivamente pagou ao Trabalhador, facto extintivo da respetiva obrigação, bem como que o Trabalhador não prestou trabalho, designadamente por faltas, facto impeditivo da obrigação. No caso, era a Ré quem tinha de provar que pagou à Autora a retribuição acordada e para além dos montantes que constam das declarações para a Segurança Social, já que quanto a estes a Autora não põe em causa que os recebeu. Ora, a matéria de facto é omissa quanto à factualidade alegada pela Ré que se assinalou, nomeadamente, quanto a Autora sempre ter recebido pontualmente o seu salário. A respeito de tal matéria essencial – o pagamento - na decisão de facto quer nos factos provados, quer nos factos não provados, não houve pronuncia por parte do Mm.º Juiz a quo. Em suma, importa que seja proferida decisão de facto sobre se para além das quantias que constam das declarações para a Segurança Social referentes aos anos de 2018 e 2019 – quanto a essas quantias a Autora não põem em causa que tenham sido pagas -, a Ré pagou o remanescente da retribuição acordada. Impõe-se nesta parte anular a sentença. As considerações supra efetuadas a propósito do ónus da prova valem outrossim no que respeita ao ano de 2020. A Autora alegou nos artigos 34º, 35º e 36º da p.i. que auferiu apenas a quantia de 4.096,00€., que o ano de 2020 implica o pagamento do valor total de 8.960,00€ que lhe deveria ser pago (640,00€x14 meses) e que por tal razão a Ré lhe deve a quantia de 4.864,00€. Importa que seja proferida decisão de facto sobre se no ano de 2020, para além da quantia de 4.096,00€ – quanto a esta quantia a Autora não põem em causa que lhe tenha sido paga -, a Ré pagou o remanescente da retribuição acordada. Impõe-se nesta parte anular a sentença. Já quanto aos alegados factos impeditivos – a serem considerados na decisão a proferir -, a Ré fez ainda assim prova de que: - A A. não trabalhou para a R. nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020, nomeadamente para prestar assistência a familiares, tendo a R. suportado as contribuições para a Segurança Social referentes a esse período. (ponto 10 dos factos provados) - Às quintas-feiras, a A. saia mais cedo do trabalho na R., com a permissão desta, para ir trabalhar noutra casa. (ponto 11 dos factos provados) Ou seja, tendo ficado provado que a Autora não trabalhou para a Ré nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020, nomeadamente para prestar assistência a familiares, importa considerar não ser devida à Autora a retribuição relativa aos meses em que não trabalhou. E no que venha ser apurado ser devido à Autora a título de diferenças salariais – se for esse o caso, em função da decisão de facto que venha a ser proferida – haverá ainda que ser descontado os períodos de tempo em que, às quintas feiras, a Autora não trabalhou, relegando-se para incidente de liquidação. As considerações supra efetuadas a propósito do ónus da prova valem outrossim no que respeita ao que foi pago no ano de 2021. A Autora alegou que aquando do despedimento verbal – provou-se que no dia 9 de Janeiro de 2021, da parte da manhã, em casa da R., esta disse à A. “Estás despedida” e “Não te quero aqui mais” (ponto 5 dos factos provados)- , a Ré não acertou as contas consigo, restando-lhe pagar o correspondente a 320,00€. Importa que seja proferida decisão de facto sobre se para além da quantia de 320,00€– quanto a esta quantia a Autora não põem em causa que lhe tenha sido paga - a Ré pagou o remanescente da retribuição acordada. Impõe-se nesta parte anular a sentença. Justifica-se que fique consignado o enquadramento legal para a anulação, neste segmento da apelação, da sentença recorrida. Como previsto no artigo 662º, nº2, alínea c) do Código de Processo Civil, «a Relação deve anular a decisão proferida na 1ª instância, quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, (…)considere indispensável a ampliação desta.» A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções de direito plausíveis porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos essenciais e relevantes alegados. No caso concreto, ocorre como já referido a necessidade de ampliação da matéria de facto, o que sucede desde logo relativamente a parte da matéria alegada pela Ré na contestação que se deixou supra evidenciada e relativamente à qual o Mm.o Juiz a quo não se pronunciou. * A respeito da questão do trabalho suplementar, conclui, em suma, a Apelante:- O Tribunal considera que a Autora não provou que trabalhou todas as horas, todos os dias, todos meses, todos os anos, o que lhe cabia nos termos do artigo 342º nº 1 do Código Civil. - Tal exige uma prova impossível, que iria contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional, bem como impedir o acesso ao direito e aos tribunais, em crassa violação do artigo 20.º da CRP. - Cabe ao empregador provar que não foi realizado o trabalho suplementar alegado pelo trabalhador, atendendo a que não existe registo dos tempos de trabalho, e assim em violação do artigo 342º, nº 1 do Código Civil. - Mesmo não se considerando que o ónus probatório incumbe ao empregador, devemos aceitar o trabalho suplementar presumido. Não tem razão a Apelante também nesta parte. Temos como bastante transcrever aqui a fundamentação do acórdão desta secção de 15.11.2021, (Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt): “O artigo 231º do CT, sob a epígrafe registo de trabalho suplementar, estabelece que: 1 - O empregador deve ter um registo de trabalho suplementar em que, antes do início da prestação de trabalho suplementar e logo após o seu termo, são anotadas as horas em que cada uma das situações ocorre. 2 - O trabalhador deve visar o registo a que se refere o número anterior, quando não seja por si efectuado, imediatamente a seguir à prestação de trabalho suplementar. 3 - O trabalhador que realize trabalho suplementar no exterior da empresa deve visar o registo, imediatamente após o seu regresso à empresa ou mediante envio do mesmo devidamente visado, devendo em qualquer caso a empresa dispor do registo visado no prazo de 15 dias a contar da prestação. 4 - Do registo devem constar a indicação expressa do fundamento da prestação de trabalho suplementar e os períodos de descanso compensatório gozados pelo trabalhador, além de outros elementos indicados no respectivo modelo, aprovado por portaria do ministro responsável pela área laboral. 5 - A violação do disposto nos números anteriores confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha prestado actividade fora do horário de trabalho, o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar. 6 - O registo de trabalho suplementar é efectuado em suporte documental adequado, nomeadamente impressos adaptados ao sistema de controlo de assiduidade existente na empresa, que permita a sua consulta e impressão imediatas, devendo estar permanentemente actualizado, sem emendas ou rasuras não ressalvadas. 7 - O empregador deve comunicar, nos termos previstos em portaria do ministro responsável pela área laboral, ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral a relação nominal dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar durante o ano civil anterior, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.os 1 ou 2 do artigo 227.º, visada pela comissão de trabalhadores ou, na sua falta, em caso de trabalhador filiado, pelo respectivo sindicato. 8 - O empregador deve manter durante cinco anos relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 228.º e indicação dos dias de gozo dos correspondentes descansos compensatórios. 9 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 2, 4 ou 7 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 8. (…) Daí que, o que pode equacionar-se, a nosso ver, é saber se existe fundamento para a inversão do ónus da prova, ao abrigo do estipulado no artigo 344º, nº2 do Código Civil, que prevê que “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (…)”. O artigo 231º do Código do Trabalho determina que o empregador proceda ao registo do trabalho suplementar. Com isso, visa-se, por um lado, permitir o controlo por parte das entidades públicas competentes e, por outro, facilita-se ao trabalhador a prova da prestação de trabalho suplementar. Mas esta omissão não determina automaticamente a inversão do ónus da prova da prestação de trabalho suplementar. A inversão do ónus da prova exige que a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível de fazer, por ação ou, neste caso, omissão culposa da parte contrária. Nada disso sucede nos autos, pois que se a A. alega que trabalhou para além do seu horário, tem de saber em que dias e meses o fez, podendo produzir prova testemunhal, documental e mesmo por declarações/depoimento de parte desse facto, o que manifestamente não fez, desde logo porque nem sequer alegou em que concretos dias prestou trabalho para além do seu horário de trabalho. Daí que, consideramos neste enquadramento que, a falta de registo do trabalho suplementar prestado pela trabalhadora não determina a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, por referência a concretos dias, competindo à A. fazer prova desse facto, que não logrou efetuar.- cfr. neste sentido Ac. STJ de 19.11.2008, 11.07.2012, in www.dgsi.pt. (…) Além disso, o CT previu expressamente as consequências da violação de registo, fazendo-o apenas nos termos previstos no nº5 do artigo 231º do CT e não já em termos de inversão do ónus da prova. Como refere Pedro Romano Martinez, in Código do Trabalho Anotado, 4ª edição, 2005, Almedina, pág. 392, (em anotação ao nº7 do artigo 204º do CT de 2003, mas cujas considerações são aplicáveis ao nº5 do artigo 231º do CT), “V. O nº7 deste artigo prevê a sanção para o incumprimento das regras de registo previstas nos nºs 1 a 4. Entende-se que esta sanção visa impedir que a inobservância daquelas regras redunde em prejuízo para o trabalhador que, onerado com o correspondente encargo probatório, não logra demonstrar os momentos concretos em que prestou trabalho suplementar, designadamente porque o registo obrigatório não existe ou se encontra incorretamente preenchido. Assim sendo, a estatuição da norma não será de aplicar quando não obstante a violação das regras de registo, o trabalhador consegue fazer prova do momento e da duração do trabalho suplementar, ainda que esta duração seja inferior a duas horas. No fundo, o conteúdo da norma perde a aparência de comando sancionatório, aproximando-se mais da ideia de presunção ilidível: sempre que o trabalhador demonstre que trabalhou fora do horário e os dias em que o fez, presume-se que o terá feito durante duas horas. Receberá, então, o acréscimo remuneratório correspondente ao dia da semana em que o trabalho terá sido prestado”. No caso, não é aplicável o artigo 344º, nº2, do C.Civil, desde logo porque a A. não fez prova da impossibilidade de prova do trabalho suplementar por outra via, designadamente prova testemunhal.” Entende-se que não foi violado o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Improcede também nesta parte a pretensão da Apelante. Num segundo segmento, concluiu a Apelante: - No que concerne à formação, o Tribunal entende que nos termos do artigo 342º n.º 1 é a trabalhadora que tem de provar que não teve formação. Foi esta a fundamentação da sentença, quanto à segunda elencada questão objeto do recurso: “A A. pede a condenação da R. a pagar-lhe quantia não inferior a € 213,60, a título de formação profissional não proporcionada, alegando para tanto que enquanto durou a relação laboral, a R. não lhe assegurou as horas de formação profissional previstas no n.º 2 do art. 131º. Dispõe o citado normativo, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 93/2019, de 04/09, que «O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração desse contrato». Passando para 40 o número mínimo de horas de formação anual, a partir da entrada em vigor da citada Lei, em 01/10/2019. De acordo com o n.º 1 do art. 132º, as horas de formação que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador. Prevendo o art. 134º que, «Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação». Sucede porém que não se provou que a R. não proporcionou à A. as horas de formação profissional a que tinha direito, sendo que cabia à A. o ónus da prova, como resulta do disposto no art. 342º n.º 1 do Cód. Civil. O que dita a improcedência do pedido em referência.” Conclui ainda a este respeito a Apelante, em suma: - O empregador é que tem de provar que deu formação, quando tal ausência é alegada pelo trabalhador, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil. Conclui, por seu turno, a Apelada, em suma: - O regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, constante do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, não prevê que o empregador deva proporcionar formação contínua ao trabalhador. - O dever de proporcionar formação contínua previsto no artigo 131.º do Código do Trabalho foi desenhado partindo do pressuposto que o empregador é uma empresa e não um particular ou um agregado familiar. O parecer do Exm.º Procurador Geral Adjunto foi no sentido de que a formação profissional deve ser proporcionada a todos os trabalhadores, tendo em vista aumentar as suas capacidades e melhorar a sua empregabilidade e qualificação do trabalhador, abrangendo os trabalhadores do serviço doméstico. Assim não o entendemos. Seguimos a fundamentação do acórdão desta secção de 15.11.2021(Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt) que temos nesta parte como bastante: “Estabelece o art.º 131.º do CT, na parte que aqui releva, o seguinte; 1 - No âmbito da formação contínua, o empregador deve: a) Promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa; b) Assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, mediante ações desenvolvidas na empresa ou a concessão de tempo para frequência de formação por iniciativa do trabalhador; c) Organizar a formação na empresa, estruturando planos de formação anuais ou plurianuais e, relativamente a estes, assegurar o direito a informação e consulta dos trabalhadores e dos seus representantes; d) Reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador. 2 - O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano. 3 - A formação referida no número anterior pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente e dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações. […]». O regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, constante do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, não prevê que o empregador deva proporcionar formação contínua ao trabalhador por si contratado. Mas como já se disse, por força do disposto no art.º 9.º do Código do Trabalho, quanto ao que nele não conste expressamente previsto, aplicam-se as regras gerais do Código do Trabalho que não sejam incompatíveis com a especificidade desses contratos. Coloca-se, pois, a questão de saber se aquela norma é aplicável aos contratos de serviço doméstico, ou pelo contrário, é de afastar essa aplicação, por incompatível com a especificidade desses contratos. Como logo elucida o legislador no preâmbulo do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, a existência deste regime especial, regulando o contrato de serviço doméstico em determinadas matérias, ou seja, quanto a essas afastando-se das regras gerais do Código do Trabalho, radica no facto “de o trabalho doméstico ser prestado a agregados familiares”, implicando determinadas características ao nível do relacionamento pessoal, mas concomitantemente, exigindo que se tenha em consideração a “especificidade económica daqueles”. Se bem atentarmos no art.º 131.º, o dever de proporcionar formação contínua foi desenhado partindo do pressuposto que o empregador é uma empresa. Assim [n.º1]: a formação contínua tem em vista “melhorar a (...) empregabilidade [do trabalhador] e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa” [al.a]; pode ser assegurada “mediante ações desenvolvidas na empresa”[al.b]; é dever do empregador “Organizar a formação na empresa estruturando planos de formação anuais ou plurianuais” [al.c]; o empregador deve “Reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador” [al. d] ou seja, permitindo e assegurando uma progressão a nível profissional (com implicações a nível funcional, categoria e retribuição). Para além disso, o “trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua”[n.º2], o que significa necessidade de substituição do trabalhador naquele período ou que este esteja inserido numa estrutura organizada que suporte a sua ausência sem prejuízos significativos a nível produtivo. Atendendo a essas características, não se nos afigura que faça sentido lógico considerar que o dever de proporcionar formação contínua seja aplicável aos contratos de serviço doméstico, em sentido restrito, ou seja, pelo menos quando celebrado para “satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar” - sem que entre nesta aferição as situações que se enquadrem na previsão de “ou equiparado” (art.º 2.º/1, do DL 235/92) -, antes se detetando várias razões que apontam no sentido da incompatibilidade com a especificidade destes contratos. Desde logo, os custos em suportar a formação proporcionada “por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente”, já que neste caso não seria viável ao próprio empregador organizar e desenvolver por si as ações de formação (n.º3), os quais naturalmente pesariam substancialmente na economia do agregado familiar; mas também, a ausência do trabalhador doméstico durante as horas anuais para formação, posto implicar, para que se mantenha a “satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar”, a contratação de outro trabalhador para o substituir. Outras razões se poderiam ainda enumerar, mas cremos que estas, pela sua pertinência, são bastantes para sustentar aquela asserção.” Improcede assim nesta parte a apelação, ainda que por fundamentação diversa. * Num terceiro segmento, insurge-se a Apelante pelo facto de o Tribunal considerar no que diz respeito ao subsídio de alimentação que este não existe no caso de trabalho doméstico.Lê-se na sentença: “Improcedendo de igual modo o pedido, no que concerne ao subsídio de alimentação, porque a lei não impõe o seu pagamento, que também não está previsto no contrato de trabalho celebrado entre as partes. Sem que se encontre publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 38, de 15/10/2017 qualquer Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) que seja aplicável à relação laboral aqui em discussão. Ademais, de acordo com o princípio da dupla filiação, consagrado no art. 496º do Cód. do Trabalho, os CCT abrangem apenas os empregadores e os trabalhadores inscritos nas associações signatárias. Pelo que, para que se possa concluir que uma relação laboral é regulada por uma determinada convenção coletiva de trabalho, torna-se necessário que as partes se encontrem inscritas nas associações representativas que a outorgaram. Ou então, que exista Portaria de Extensão (PE) que, nos termos permitidos pelo art. 514º do Cód. do Trabalho, estenda a sua aplicabilidade aos empregadores do mesmo sector de atividade e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga. E no caso, não se provou - nem tão pouco foi alegada - a filiação das partes em quaisquer associações representativas de trabalhadores e empregadores, nem foi invocada PE alguma. De resto, a A. nem sequer identifica (como devia) a que CCT em concreto se refere, de entre os que se encontram publicados no BTE que cita para fundamentar o pedido que formulou. E se porventura se pretende referir ao CCT celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e outra e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas, em cuja Cláusula 33.ª n.º 1 se prevê que «O trabalhador tem direito a um subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho», é manifesto que tal CCT se aplica apenas a empresas que se dedicam, a título principal ou subsidiário, ao sector da atividades de segurança privada e prevenção (cfr. cláusula 1.ª), enquadrado no CAE 80100, e trabalhadores ao seu serviço das categorias profissionais previstas no Anexo I - entre as quais não se contam as empregadas domésticas.” Conclui ainda a este respeito a Apelante: - Não sendo o contrato de trabalho doméstico celebrado com alimentação, tal não significa que o empregador não se encontre obrigado a pagar o subsídio de alimentação, conforme resulta do regime geral – sendo até essa a única interpretação que se conjuga com o n.º 3 do art. 9.º do DL. 235/92, de 24 de outubro; - a questão tem a ver com o Tribunal considerar "uma especialidade em relação ao regime geral", mas a especialidade - para o ser e para poder afastar o regime geral - tem de ser expressa e não é. Conclui a este respeito a Apelante, em suma: - O contrato de serviço doméstico pode ser celebrado com ou sem alojamento e com ou sem alimentação; - No caso dos autos, não foi acordado o fornecimento de alimentação à recorrente, como inclusive resulta do contrato de trabalho celebrado em 30.09.2020 – cfr. Doc. 4 da contestação; - Pelo que não é, nem nunca foi, devida qualquer quantia à recorrente, a título de subsídio de alimentação. Vejamos: “O contrato de serviço doméstico foi definido com grande amplitude, abrangendo um leque de situações que abrangem quer as correspondentes ao trabalhador doméstico interno, quer, no extremo oposto, os casos de trabalho “a dias” ou “à hora” com carácter regular.” – cfr. sumário do Acórdão do STJ de 01.06.2022, in www.dgsi.pt. No caso ficou provado que na cláusula 1ª do contrato de trabalho escrito, celebrado entre a Autora e a Ré, consta que «A segunda outorgante obriga-se a prestar a sua atividade profissional no domicilio da primeira Outorgante ou no local a designar por esta e cumprirá um horário de trabalho semanal de 40 horas distribuídas de acordo entre as partes.» E quanto à retribuição, ficou assente que na cláusula 2ª do mesmo contrato de trabalho escrito, consta que «A primeira outorgante obriga-se a remunerar a segunda outorgante com o pagamento mensal de 640,00€ ilíquido, pago em dinheiro, transferência bancária ou cheque, sujeito aos respetivos impostos e descontos legais.». Importa atentar ao DL nº 235/92, de 24 de Outubro (Regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico). Dispõe o artigo 7º, do DL nº 235/92, com a epígrafe «Modalidades», o seguinte: «1 - O contrato de serviço doméstico pode ser celebrado com ou sem alojamento e com ou sem alimentação. 2 - Entende-se por alojado, para os efeitos deste diploma, o trabalhador doméstico cuja retribuição em espécie compreenda a prestação de alojamento ou de alojamento e alimentação. 3 - O contrato de serviço doméstico pode ser celebrado a tempo inteiro ou a tempo parcial.» Retira-se deste artigo que: “(…) IV - O contrato de serviço doméstico pode assumir duas modalidades distintas, consoante seja celebrado “com ou sem alojamento e com ou sem alimentação” [art.º7/1, do DL 235/92]. V - Os distintos regimes reflectem-se em várias matérias, prevendo o DL 235/92 regras diferentes relativamente ao contrato de trabalho doméstico com alojamento e/ou alimentação, designadamente, quanto à retribuição – art.ºs 9.º/2 e 17.º/2 -, duração e organização do tempo de trabalho – art.ºs 13.º/2, 14.º/1 e 2, 15.º/1 e 24.º – e cessação do contrato – art.ºs 8.º 1 e 28.º/4. (…)”, cfr. sumário da fundamentação do acórdão desta secção de 15.11.2021, já referenciado (Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt). Dos factos assentes não decorre que tenha sido acordado entre a Autora e a Ré que o contrato tenha sido celebrado com alimentação. Não ficou também provado que a Autora passou a tomar qualquer refeição em casa da Ré. De acordo com as regras de repartição do ónus de prova, sobre a Autora recaía o ónus de alegar e provar que assim tinha sucedido. Sob a epígrafe «Conceito e modalidades de retribuição», dispõe o artigo 9º do mesmo diploma: «1 - Só se considera retribuição aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, nos termos da lei ou do contrato. 2 - A retribuição do trabalhador pode ser paga parte em dinheiro e parte em espécie, designadamente pelo fornecimento de alojamento e alimentação ou só alojamento ou apenas alimentação. 3 - Sempre que no dia de descanso semanal ou feriado a entidade empregadora não conceda refeição ao trabalhador alojado, nem permita a sua confeção com géneros por aquela fornecidos, o trabalhador tem direito a receber o valor correspondente à alimentação em espécie, que acrescerá à retribuição em numerário». O previsto no nº3 desta norma, reporta-se ao «trabalhador alojado», modalidade que não ocorre no caso. Não merece reparo a fundamentação da sentença, quanto a esta questão, improcedendo também nesta parte a Apelação. Quanto à questão da reintegração e da ausência de salários intercalares ou de tramitação, conclui, em suma, a Apelante: – quanto à reintegração, e à ausência de salários intercalares ou de tramitação, também nesses domínios a questão é meramente de princípio: não se encontrando previsto no diploma especial para o trabalho doméstico que não existe reintegração ou que não existem salários intercalares ou de tramitação, a trabalhadora considera que se aplica o regime geral e, por isso, é-lhe aplicada – sendo até essa a única interpretação que se conjuga com o n.º 3 do art. 9.º do DL. 235/92, de 24 de outubro; a questão tem a ver com o Tribunal considerar "uma especialidade em relação ao regime geral", mas a especialidade - para o ser e para poder afastar o regime geral - tem de ser expressa e não é. Concluiu por seu turno, em suma, a Apelada: - Não se encontra prevista, no regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, estabelecido no Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, a reintegração do trabalhador. - O contrato de serviço doméstico rege-se por uma legislação especial que, no respeitante aos efeitos do despedimento ilícito, apenas prevê uma indemnização por antiguidade mas já não a reintegração, sendo que, a declaração de ilicitude do despedimento não produz efeitos retroativos, não repõe em vigor o contrato de trabalho a que o empregador, malogradamente, havia tentado por cobro, pelo que não se operando a restauração natural, não existe direito à reintegração do trabalhador, nem tão pouco ao recebimento dos salários de tramitação. - Significa isto que os trabalhadores do serviço doméstico com contrato sem termo, no caso de despedimento ilícito, têm direito a receber uma indemnização, mas já não as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a sua ilicitude, ou seja, a compensação a que alude o artigo 390.º do Código do Trabalho. Tem razão a Apelada, não merecendo reparo, nesta parte a decisão recorrida no excerto que se transcreve, nada de relevante sendo de acrescentar: “Regendo sobre as consequências da ilicitude do despedimento, no âmbito do contrato de trabalho doméstico, estabelece o art. 31º do DL n.º 235/92, de 24/10, que «1 - O despedimento decidido com alegação de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fração, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo. 2 - Quando se prove dolo do empregador, o valor da indemnização prevista no número anterior será agravado até ao dobro.». Trata-se de uma especialidade em relação ao regime geral que nessa matéria se encontra consagrado nos arts. 389º, 390º, 391º e 392º do Cód. do Trabalho, sendo entendimento jurisprudencial consolidado que a declaração de ilicitude do despedimento de trabalhador do serviço doméstico com contrato por tempo indeterminado não produz efeitos retroactivos, não repondo em vigor o contrato de trabalho, pelo que não há lugar à reintegração do trabalhador (salvo se nisso houver acordo do empregador) nem direito aos denominados salários intercalares ou de tramitação, mas apenas à indemnização de antiguidade prevista no transcrito art. 31º do DL n.º 235/92, de 24/101. Indemnização essa que ascende no caso concreto a € 2.660,00 (€ 665,00 x 4), atendendo à retribuição mínima mensal garantida em vigor para o ano de 2021 (€ 665,00)2 e ao facto de para o respectivo cálculo, a fracção de ano ser contabilizada como se de um ano completo se tratasse. Improcedendo, pelas razões expostas, o pedido da A. no sentido de ser reintegrada (visto que não está demonstrado o acordo da R. nesse sentido), bem como o de condenação da R. a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, até ao trânsito em julgado da sentença. 1 Nesse sentido, podem ver-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2010 (proferido no processo n.º 112/07.0TTLMG.P1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/10/2018 (proferido no processo n.º 121/07.0T8FIG.C1), de 21/02/2018 (proferido no processo n.º 728/17.16T8CLD-A.C1) e de 08/05/2018 (proferido no processo n.º 153/16.6T8LMG.C1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/06/2011 (proferido no processo n.º 3310/06.0TTLSB.L1-4) e de 04/05/2016 (proferido no processo n.º 325/13.5TTFUN.L1-4) - todos disponíveis em http://www.dgsi.pt. 2 Cfr. DL n.º 109‑A/2020 de 31 de Dezembro.” Improcede também nesta parte a apelação. Finalmente, num último segmento, concluiu a Apelante: - O Tribunal dá como provado que o despedimento (considerado ilícito) causou à A. tristeza, transtorno e dificuldades económicas, mas que tal não atinge o grau de gravidade para atribuição de uma compensação pecuniária autónoma a acrescer à indemnização do art. 31º do DL nº 235/92 de 24/10, sendo que salvo melhor entendimento pensamos que se justifica, sendo necessário e adequado, pelo que deve a R. ser condenada neste pedido. Concluiu por seu turno a Apelada: - A recorrente entendia ser-lhe devida uma indemnização não inferior a €7.000,00, pelo danos não patrimoniais que alegadamente lhe forma causados pelo seu despedimento. - Não foi feita qualquer prova, por parte daquela, dos factos constitutivos do direito à indemnização a que se arroga (artigo 342º, nº 1 do Código Civil). Vejamos: O artigo 496º do Código Civil dispõe, no seu nº 1, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Extrai-se deste normativo que a gravidade do dano terá de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade especialmente sensível). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 9ª ed., pág. 628). Não merece reparo também a este respeito a fundamentação da sentença recorrida que se deixou já transcrita, considerando a gravidade das consequências danosas apuradas no quadro factual a que importa atender. Ou seja, “a tristeza, transtorno e dificuldades económicas” que o despedimento causou à Autora não revestem uma gravidade que mereça a tutela do direito, ao abrigo do disposto no artigo 496, nº 1 do Código Civil. Improcede também nesta parte a apelação. Improcede na sua totalidade a apelação. * 3. Decisão: Face ao exposto, acorda-se em anular parcialmente a sentença recorrida e em consequência: - determinar que seja incluída na fundamentação de facto – factos provados/factos não provados, consoante o caso e motivação da decisão de facto - a matéria relativa ao alegado pagamento pela Ré da retribuição da Autora. - julgar a apelação quanto ao demais improcedente, confirmando-se a esse respeito a decisão proferida. Custas da ação e da apelação pela Apelante e pela Apelada, no final na proporção do respetivo decaimento. * Porto, 26 de Junho de 2023 Teresa Sá Lopes António Luís Carvalhão Paula Leal de Carvalho |