Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
736/12.3TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RP20150309736/12.3TTVFR.P1
Data do Acordão: 03/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: A existência de procedimento disciplinar com vista ao despedimento não constitui, por si só, impedimento à resolução, com justa causa, do contrato de trabalho pelo trabalhador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 736/12.3TTVFR.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 805)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, aos 11.09.2012 e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “C…, S.A.”, pedindo a condenação da Ré:
a) A reconhecer a justa causa de resolução do contrato de trabalho e, como consequência, a sua condenação no pagamento de uma indemnização por antiguidade, no valor de 45.625,31 euros;
b) A pagar as retribuições em falta, de Dezembro de 2011 a Janeiro de 2012 e quinze dias do mês de Fevereiro de 2012, no valor global de 2.967,50 euros;
c) A pagar o subsídio de Natal referente ao ano de 2011, no valor de 1.187,00 euros;
d) A pagar as férias vencidas a 1 de Janeiro de 2012 e não gozadas, acrescidas do correspondente subsídio de férias, no montante global de 2.374,00 euros;
e) A pagar, a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal, referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho, o montante de 445,14 euros;
f) A pagar juros de mora, à taxa legal, até integral adimplemento.
Para o efeito, alegou que foi admitido ao serviço da ré por contrato de trabalho sem termo no dia 1 de Julho de 1986, estando profissionalmente classificado como adjunto de chefe de sala, auferindo a retribuição base de 1.091,00 euros, com iguais montantes a título de subsídios de férias e de Natal, acrescida da quantia mensal de 96,00 euros, a título de diuturnidades. A ré instaurou um procedimento disciplinar, tendo-lhe entregue a nota de culpa a 29 de Setembro de 2011. Foi suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, sucedendo que, no decurso daquele procedimento disciplinar, a ré não procedeu ao pagamento do subsídio de Natal do ano de 2011, da retribuição do mês de Dezembro de 2011 e da retribuição do mês de Janeiro de 2012. Por essa razão, no dia 13 de Fevereiro de 2012, resolveu o contrato de trabalho por justa causa, por falta culposa de pagamento pontual das referidas retribuições, por carta recebida pela ré a 15 de Fevereiro de 2012.
Para além das retribuições descritas, a ré não pagou os quinze dias de trabalho no mês de Fevereiro de 2012, as férias vencidas a 1 de Janeiro de 2012 e o subsídio de férias correspondente, assim como não pagou os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos ao ano da cessação do contrato de trabalho, tendo, porém, a 29 de Fevereiro de 2012, efetuado um pagamento no montante de 3.906,09 euros.

A Ré apresentou contestação, alegando que a 20 de Setembro de 2011 instaurou ao autor e a E… um procedimento disciplinar com intenção expressa de despedimento, por irregularidades relacionadas com subtração de valores. A nota de culpa é de 28 de Setembro de 2011, sendo que o referido E… foi despedido de imediato com justa causa baseada naqueles factos, ao passo que, em relação ao autor, foi organizada uma segunda nota de culpa, a 21 de Novembro de 2011, corrigida a 27 de Janeiro de 2012 por imprecisões de natureza técnica. O autor respondeu a esta nota de culpa a 13 de Fevereiro de 2012 e, na mesma data, resolveu o contrato de trabalho, quando sabia que a ré lhe imputava a subtração e apropriação ilegítimas de 3.038,05 euros, valor superior àquele que o autor tinha direito na altura da comunicação resolutiva. Além disso, com base nos factos constantes da nota de culpa, foi deduzida acusação contra o autor no processo crime n.º 1110/11. A ré não pagou ao autor os valores líquidos do subsídio de Natal de 2011 e das retribuições de Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012, apesar de ter feito os processamentos e os descontos legais, porque o autor lhe devia maior valor e havia que acertar contas no final, na altura do despedimento. A situação descrita não tornava impossível a subsistência do contrato de trabalho e a ré comunicou ao autor que não aceitava a justa causa de resolução e que ia exigir a falta de aviso prévio, motivo pelo qual, no final do mês de Fevereiro de 2012, pagou as retribuições dos meses de Dezembro de 2011, Janeiro e Fevereiro de 2012, do subsídio de Natal de 2011, das férias e dos subsídios de férias e de Natal proporcionais, fazendo a compensação dos dois meses de aviso prévio com as férias e o subsídio de férias vencidas a 1 de Janeiro de 2012.

O autor apresentou articulado de resposta, alegando em síntese que: o disposto no art. 279º do CT proíbe qualquer compensação ou descontos na pendência do contrato de trabalho, para além de que, tal como a Ré lhe comunicou, a suspensão preventiva não determina a perda da retribuição; a única questão em apreço nos autos consiste na resolução por falta de pagamento pontual do subsídio de Natal de 2011 e das retribuições dos meses de dezembro de 2011 e dezembro de 2012, estando aquele em atraso há 60 dias. Conclui como na p.i.

Fixado o valor da ação, em €48.692,86, proferido despacho saneador e dispensada a seleção da matéria de facto e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com inclusão da decisão da matéria de facto, a qual julgou improcedente a ação, absolvendo a Ré dos pedidos.

Inconformado, veio o A. recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I. O tribunal a quo centra-se nos factos imputados ao trabalhador nas várias notas de culpa extraídas do mesmo procedimento disciplinar, dando-lhes uma grande importância, transcrevendo, inclusive, os factos pelos quais o trabalhador ora recorrente foi ilibado em processo-crime, o que, numa leitura menos atenta até pode fazer crer que estamos perante factos provados.
II. O tribunal a quo dá como provado que o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho com justa causa, por falta pontual do pagamento de retribuições, no dia 13 de Fevereiro de 2012, e dá ainda por provado que a ré, ora recorrida, recebeu essa comunicação da resolução no dia 15 de Fevereiro de 2012 (factos provados v) e w)).
III. O tribunal a quo dá, igualmente, como provado que a ré, à data da recepção da comunicação da resolução, não tinha pago ao autor, seu trabalhador e ora recorrente, as retribuições referentes ao subsídio de Natal de 2011 (devida no dia 15 de Dezembro de 2011) e aos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012 (facto provado z)).
IV. Para depois, concluir, na fundamentação da sentença, que “Significa isso que na data em que o autor declarou a resolução do contrato (13 de Fevereiro de 2012) não tinham ainda decorrido mais de 60 dias sobre o vencimento das retribuições indicadas na carta, ou seja, na data em que o autor fez a declaração de resolução não existia mora por 60 dias em relação às retribuições assinaladas”.
V. Porém, e antes pelo contrário, quando a ré/recorrida recebeu a comunicação da resolução do contrato de trabalho com alegação de justa causa que lhe foi feita expedir por parte do trabalhador/autor/recorrente já haviam decorrido 62 (sessenta e dois) dias de falta de pagamento pontual da retribuição referente ao subsídio de Natal de 2011.
VI. O tribunal a quo deveria ter, outrossim, dado como provado que a comunicação de resolução do contrato de trabalho pelo ora recorrente foi efectuada ao 60º dia,
VII. E que a aludida comunicação foi recepcionada pela ré, ora recorrida, ao 62º dia após a falta de pagamento pontual de retribuições, mormente a referente ao subsídio de Natal de 2011.
VIII. E que a falta de pagamento pontual de retribuições, fundamento invocado pelo trabalhador na sua resolução, era continuada e reiterada, abrangendo, de igual modo, os meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012.
IX. Adoptando, desse modo, a ré, ora recorrida, uma conduta culposa, nos termos do prescrito no artigo 394º, n.º 5, do CT, de tal modo grave, em si e nas suas consequências, que era inexigível ao trabalhador, ora recorrente, a manutenção do seu contrato de trabalho.
X. O tribunal a quo deveria ter dado como provado que a comunicação da resolução do contrato de trabalho com justa causa efectuada pelo trabalhador, por falta de pagamento pontual de retribuições, foi efectuada ao 60º (sexagésimo) dia após a retribuição (subsídio de Natal de 2011) não paga e foi recepcionada pelo empregador 62 (sessenta e dois) dias após o vencimento da aludida retribuição em falta,
XI. Ao invés de ter julgado, como julgou, que “na data em que o autor declarou a resolução do contrato (13 de Fevereiro de 2012) não tinham ainda decorrido mais de 60 dias sobre o vencimento das retribuições indicadas na carta, ou seja, na data em que o autor fez a declaração de resolução não existia mora por 60 dias em relação às retribuições assinaladas”.
XII. Aliás, através de um simples e banal confronto de um calendário, constata-se que os meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012 tiveram 31 (trinta e um) dias cada um, facto que, lamentável e indesculpavelmente, o tribunal a quo olvida!
XIII. Pelo que deve o Venerando Tribunal ad quem aditar a matéria de facto provada, com base na comunicação escrita do autor e nos comprovativos de registo dos CTT, a fls…, com um novo item ee), e com o seguinte teor:
“A comunicação da resolução do contrato de trabalho foi efectuada pelo autor/trabalhador no 60º dia após a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao subsídio de Natal de 2011, e foi recepcionada pela ré ao 62º dia após a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao subsídio de Natal de 2011 e após a falta de pagamento pontual das retribuições dos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012.”
XIV. Como corolário do retrodito, e tendo em conta toda a prova realizada e tida por relevante para a decisão de mérito nos autos sub judice (mormente o depoimento da testemunha da ré D…, o tribunal a quo só poderia ter decidido pela justa causa de resolução do contrato de trabalho do autor/recorrente, por falta de pagamento pontual de retribuições que se prolongou por 60 (sessenta) ou mais dias.
XV. Até porque é apenas essa a matéria a decidir in casu!
XVI. Sendo a resolução do contrato de trabalho por falta de pagamento pontual de retribuições uma declaração receptícia,
XVII. Esta produziu todos os seus efeitos no 62º dia após a falta de pagamento pontual da retribuição referente ao subsídio de Natal de 2011,
XVIII. E após a respectiva recepção da comunicação por parte da ré, ora recorrida,
XIX. Tendo, portanto, a faculdade do trabalhador, ora recorrente, sido exercida dentro dos prazos previstos no artigo 395º do CT, o que nem, sequer, foi contestado.
XX. O tribunal a quo, ao afastar a mora do empregador por período igual ou superior a 60 dias, como erradamente afastou, incorreu num manifesto erro de julgamento, e, em consequência, num erro de aplicação do Direito, passando a apreciar a culpa do empregador nos termos do artigo 799º do Código Civil;
XXI. Nessa medida, o tribunal a quo atendeu, desnecessariamente e contra legem, aos factos imputados ao autor em sede de notas de culpa, tentando amenizar e justificar, desse modo, a conduta dolosa da ré/empregadora/recorrida,
XXII. Passando a fazer um juízo sobre a conduta do trabalhador, ora recorrente,
XXIII. Olvidando o facto crucial de o autor, então trabalhador da ré, se encontrar suspenso da prestação de trabalho, mas sem perda de retribuição, e que a sua entidade empregadora não lhe pagava as retribuições há mais de 60 (sessenta) dias!
XXIV. O tribunal a quo chega mesmo a fundamentar a sua decisão nestes moldes: “afigura-se-nos que não deveria o autor antecipar-se à conclusão desse procedimento e resolver o contrato de trabalho, devendo, antes, aguardar pelo termo desse processo e, posteriormente e se fosse o caso, actuar em conformidade”!!!
XXV. Com o devido respeito, o tribunal a quo, com esta fundamentação, considera que se um trabalhador estiver sem receber retribuição durante dois ou até mais meses (caso o procedimento disciplinar se arraste pelo limite máximo legal de 12 meses), não há para ele, trabalhador, qualquer sacrifício de sua parte, devendo preservar-se a relação laboral, mesmo não recebendo e não obstante os danos que possam estar a ser causados à sua subsistência e à sua dignidade enquanto trabalhador e cidadão.
XXVI. Esquece, decerto, o douto tribunal a quo que “Nas situações de resolução do contrato pelo trabalhador, no juízo de prognose acerca da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, o grau de exigência tem de ser menor do que o utilizado na apreciação da justa causa em caso de despedimento uma vez que o trabalhador, quando lesado nos seus direitos, não tem formas de reacção alternativas à resolução, ao contrário do que acontece com o empregador que dispõe de sanções disciplinares de natureza conservatória para reagir a determinada infracção cometida pelo trabalhador” (Ac. do STJ, de 14.04.2010, Proc. n.º 09S570, www.dgsi.pt).
XXVII. Ademais, esquece-se ainda o tribunal a quo da precedência das várias formas de extinção da relação jurídico-laboral…
XXVIII. O tribunal a quo incorreu num clamoroso erro de julgamento e de Direito ao não considerar cumpridos os 60 dias de falta de pagamento pontual de retribuição por parte da ré/recorrida, e, em consequência, em não apreciar a culpa à luz do preceituado no artigo 394º, n.º 5, do CT, e à luz da presunção inilidível que do mesmo consta.
XXIX. Com efeito, o tribunal a quo não pode validar um juízo de prognose futura do empregador, durante a pendência de um procedimento disciplinar, no almejado sentido de que, como o trabalhador viria a ser despedido, poderia deixar de lhe pagar a(s) sua(s) retribuição(ões).
XXX. Como é que, na pendência de um procedimento disciplinar, antes da sua fase de instrução e antes da imprescindível decisão, poderia a ré/entidade empregadora operar uma compensação de um crédito que ainda nem sequer tinha nascido?!
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ A DECISÃO DE 1ª INSTÂNCIA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO PROVADA SER ADITADA COM UM NOVO ITEM EE), NOS TERMOS PROPUGNADOS IN SITU; E EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A DECISÃO PROLATADA PELO TRIBUNAL A QUO, E ORA POSTA EM CRISE, SER REVOGADA, E SUBSTITUÍDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE VERIFICADA A JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO INVOCADA PELO AUTOR/RECORRENTE, CONDENANDO-SE A RÉ/RECORRIDA NO QUE FOI PETICIONADO EM 1.ª INSTÂNCIA, SÓ ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ (…)”.

A Recorrida contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual apenas o A. respondeu, dele discordando.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância

a) A ré dedica-se, entre outras, à atividade de exploração lucrativa do C1…;
b) A ré é associada da Associação Portuguesa das Empresas Concessionárias das Zonas de Jogo;
c) O autor foi admitido ao serviço da ré através de um contrato de trabalho sem termo celebrado a 1 de Julho de 1986, para, sob a autoridade e direcção dos seus superiores hierárquicos, e mediante retribuição, desempenhar as tarefas que lhe eram confiadas;
d) O local de trabalho do autor era o referido C1…, sito na Rua .., n.º .., em …;
e) Competia ao autor levar a cabo, entre outras, as funções inerentes à categoria para a qual foi contratado, nomeadamente, as de gestão e escalonamento diário e mensal do quadro de pessoal, as de participação no apuramento das receitas e dos resultados diários da sala de jogos, a resolução de eventuais conflitos com clientes e de esclarecimento e dissipação de dúvidas que estes pudessem manifestar;
f) O autor estava profissionalmente classificado pela ré como adjunto de chefe de sala;
g) A retribuição base mensal era, ultimamente, de 1.091,00 euros, com iguais montantes a título de subsídios de férias e de Natal, acrescida da quantia mensal de 96,00 euros, a título de diuturnidades;
h) A ré, por documento datado de 12 de Setembro de 2011, comunicou ao autor o seguinte: “Fica suspenso preventivamente sem perda de retribuição para organização de processo disciplinar de despedimento porque há indícios de prática de comportamento irregular de subtracção de valores, sendo a sua presença na empresa perturbadora e inconveniente”;
i) A 20 de Setembro de 2011, a ré decidiu instaurar ao autor e a E…, diretor adjunto do serviço de jogo, um procedimento disciplinar com intenção de despedimento;
j) Por nota de culpa de 28 de Setembro de 2011, o autor e o referido E… foram acusados do seguinte:
1. “O arguido E… foi admitido em 12 de Junho de 1986 e tem a categoria de Diretor Adjunto do Serviço de Jogo.
2. O arguido B… foi admitido em 1 de Julho de 1986 e tem a categoria de Adjunto do Chefe de Sala.
3. Trata-se de cargos que envolvem poder de direção e de chefia e responsabilidade por valores pecuniários, portanto de confiança.
4. No C1…, de que a empregadora é concessionária, encontra-se instalado o IGS-International Gaming System, que é um sistema informático, propriedade do Estado Português, com a finalidade de recolher e processar toda a informação resultante da exploração de máquinas de fortuna ou azar e assim proporcionar à Inspeção-Geral de Jogos (IGJ) e às concessionárias a informação necessária para garantir a segurança dos valores em jogo, controlar as respetivas receitas e acompanhar o funcionamento de cada máquina, com vista a certificar o total cumprimento das normas legais em vigor», competindo à IGJ assegurar a administração do sistema.
5. Detetou-se um procedimento irregular dos arguidos, atuando mancomunadamente e de forma concertada na subtração de dinheiro da receita da empregadora. O procedimento era o seguinte:
6. A sala de jogos abre ao público pelas 15 horas de cada dia.
7. Por volta das 19 horas o arguido E… acedia a um computador na caixa do piso 3, entrava no sistema IGS, com a password própria de utilizador da IGJ, e consultava quais as máquinas que a essa hora tinham dinheiro e ou tickets.
8. O arguido E… selecionava máquinas que possuíam dinheiro, levava os contadores a zero, fazendo a operação de get baseline meters (que significa um reset, ou seja, a anulação dos movimentos anteriores) e registava as notas que se encontravam nas máquinas selecionadas, discriminando o tipo e quantidade de notas em causa, num papel, em duas vias.
9. Fazendo a operação get baseline meters na máquina, a partida era como se começasse naquele momento.
10. Depois de fazer esta operação, o arguido E… entregava uma das vias do papel em que tinha feito o registo das notas ao arguido B….
11. O arguido B…, no fecho da sessão e no momento do apuramento da arrecadação, subtraía as notas registadas no referido papel e delas se apropriava, fazendo-as suas.
12. Dessa forma o resultado da receita correspondia ao dinheiro que fisicamente se encontrava na máquina a partir do momento em que a operação de get baseline meters era feita.
13. No dia seguinte, antes do início da sessão, por volta do meio-dia, fora do seu horário de trabalho, o arguido E… acedia novamente ao sistema IGS, com a password do utilizador da IGJ, e manipulava o ficheiro do apuramento da receita, a fim de fazer informaticamente a correcção da contagem física.
14. O procedimento descrito, dos arguidos, verificou-se nos dias e pelos valores referidos no quadro abaixo:

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15. O procedimento verificou-se inclusivé no dia 24.7.2011, em que o arguido E… estava de folga e o arguido B… ao fecho, tendo o arguido E… comparecido na empregadora para poder fazer as operações referidas.
16. Nos dias em que o arguido B… não estava ao serviço (dias 30 de Julho e 8 e 11 de Agosto), o arguido E… pediu diretamente as notas em excesso do dia anterior ao caixa de serviço, sem mais explicações, dando instruções no data center para considerar o valor do sistema IGS e não o da contagem física da arrecadação.
17. A operação get baseline meters é proibida e só pode ser feita pela IGJ nos termos do Regulamento próprio (nº 4/2002, de 19 de Dezembro).
18. Nos termos desse regulamento, «sempre que a concessionária tiver de efetuar testes nas máquinas ou de fazer um reset aos contadores eletrónicos das mesmas, antes da abertura da partida, deve informar o inspetor de serviço, a fim de que este possa executar o processo de recolha dos novos contadores de base (get baseline meters – set machine meters) para o correto apuramento dos valores da partida que irá seguir-se» (norma 11), «a informação mencionada deverá ser inscrita no Anexo 7 e será entregue ao inspetor de serviço com, pelo menos, 10 minutos de antecedência em relação à abertura da sala de jogos ao público» (norma 11.1); «sempre que a concessionária tiver necessidade de efetuar testes nas máquinas ou de fazer um reset aos contadores eletrónicos das mesmas durante o período de funcionamento da sala de jogos, solicitará previamente a presença do inspetor de serviço, a fim de ser aferida, face aos resultados, a necessidade ou não do encerramento das mesmas» (norma 12).
19. Os arguidos atuaram concertadamente, na execução de um plano conjunto previamente definido com intenção de subtrair dinheiro da arrecadação do jogo, destinado à empregadora e ao Estado, a fim de dele se apropriarem, fazendo-o seu, sem conhecimento e autorização da empregadora e contra a sua vontade, o que efetivamente vieram a consumar.
20. Esta situação é inadmissível, porque constitui um furto, para além da violação das normas funcionais a que estavam obrigados e que bem conheciam.
21. Os comportamentos descritos são irregulares e envolvem total quebra de confiança numa colaboração idónea, leal e correta.
22. Trata-se de uma violação do dever de honestidade e de lealdade e de boa colaboração que torna impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 do artº 351º do Código do Trabalho”;
k) O autor recebeu a nota de culpa a 29 de Setembro de 2011;
l) Com a nota de culpa referida a ré comunicou ao autor o seguinte:
“1. Estamos a organizar-lhe um processo disciplinar de despedimento.
2. Nesse processo elaborámos a nota de culpa que lhe enviamos em anexo.
3. Declaramos-lhe expressamente a intenção de proceder ao seu despedimento.
4. Tem o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito a esta acusação, querendo.
5. Continua suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, até decisão final.”;
m) O autor respondeu à nota de culpa a 14 de Outubro de 2011, resposta recebida pela ré a 17 de Outubro de 2011;
n) A ré, por decisão de 14 de Novembro de 2011, recebida a 19 de Novembro de 2011, decidiu despedir com justa causa o referido E…, o que este aceitou;
o) Ao autor foi ainda organizada uma segunda nota de culpa, a 21 de Novembro de 2011, com base nos seguintes factos:
“1. No dia 18.6.2011. no decorrer da partida, houve uma falha no sistema EZPAY, durante cerca de 5 horas.
2. O EZPAY é um sistema informático acoplado ao sistema IGS (das máquinas) pelo qual a máquina emite um ticket que constitui um crédito para jogar nas máquinas ou para transformar em numerário.
3. A falha do sistema EZPAY verificada no dia referido obrigou a empregadora a emitir guias manuais aos clientes para titular os créditos correspondentes aos tickets emitidos e subsequente pagamento na caixa.
4. Quando o sistema retomou o funcionamento, emitiu automaticamente os tickets correspondentes às operações efetuadas, tendo surgido uma duplicação de tickets não comprados e de guias manuais, correspondentes aos mesmos créditos/valores.
5. Esses tickets duplicados entraram nos valores ausentes, a par dos tickets efetivamente ausentes (levados por clientes), com validade de um mês.
6. O arguido B…, por força das suas funções, tinha uma listagem dos tickets que passaram para ausentes, na sequência da duplicação descrita.
7. O arguido B… trocou no caixa os tickets ausentes discriminados na relação anexa, nas datas e pelos valores nela mencionados, recebendo o respetivo valor (total: 3.038,05 euros), que não deu entrada na empregadora.
8. Tal fez de forma ilegítima, porque tais tickets eram duplicados, já tinham sido pagos aos clientes pelas guias manuais e não correspondiam a nenhum valor efetivo, nem lhe pertenciam, e com intenção de subtrair o dinheiro correspondente, destinado à empregadora e ao Estado, a fim de dele se apropriar, fazendo-o seu, sem conhecimento e autorização da empregadora e contra a sua vontade, o que efetivamente veio a consumar.
9. Esta situação é inadmissível, porque constitui um furto, para além da violação das normas funcionais a que estava obrigado e que bem conhecia.
10. Os comportamentos descritos são irregulares e envolvem total quebra de confiança numa colaboração idónea, leal e correta.
11. Trata-se de uma violação do dever de honestidade e de lealdade e de boa colaboração que torna impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 do artº 351º do Código do Trabalho”;
p) Com a nota de culpa referida a ré comunicou ao autor o seguinte:
“1. No processo disciplinar de despedimento que lhe estamos a organizar fica notificado de um aditamento à nota de culpa.
2. Declaramos-lhe expressamente a intenção de proceder ao seu despedimento.
3. Tem o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito a esta acusação, querendo.
4. Continua suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, até decisão final.”;
q) O autor respondeu à nota de culpa a 9 de Dezembro de 2011, resposta recebida pela ré a 12 de Dezembro de 2011;
r) A nota de culpa referida na alínea o) veio a ser corrigida a 27 de Janeiro de 2012, passando a ter a seguinte redação:
“1. No dia 18.6.2011, no decorrer da partida, houve uma falha no sistema EZPAY, durante cerca de 5 horas.
2. O EZPAY é um sistema informático acoplado ao sistema IGS (das máquinas) pelo qual a máquina emite um ticket que constitui um crédito para jogar nas máquinas ou para transformar em numerário.
3. Verificada a falha do sistema EZPAY no dia referido, as máquinas continuaram num período subsequente de 15 a 20 minutos, a emitir tickets relativos às operações que ainda tinham em memória.
4. Porém, dada a falta de sistema, quer esses tickets existentes em memória e que foram emitidos pelas máquinas após a avaria, quer os que tinham sido emitidos anteriormente (à avaria) mas que ainda não tinham sido pagos, não eram lidos pelo sistema, a fim de ser feito o pagamento.
5. A ordem existente nesse caso é de o caixa de serviço pagar os tickets que lhe sejam apresentados pelos clientes, apesar de o sistema não funcionar, após ordem da chefia da sala de jogos, devendo o caixa separar os tickets e entregá-los a essa chefia.
6. A obrigação da chefia da sala de jogos é depois anular os tickets no sistema (operar o reset), a fim de ser formalizada a compra e o saldo do caixa reposto.
7. O arguido, porém, aproveitando-se da confusão gerada na altura, não fez a operação referida no número anterior, na totalidade, permanecendo parte dos tickets como sendo devida e levada a valores ausentes (detidos por clientes), com validade de 30 dias.
8. Para justificar diferenças de caixa o arguido processou guias manuais, que entregou ao online.
9. O arguido B…, não obstante saber que não tinha legitimidade para tanto, apresentou-se no caixa, nos dias seguintes ao da avaria, a trocar tickets relativos ao dia 18.6.2011, que não anulou no sistema, apesar de dever fazê-lo, nas datas e pelos valores referidos na relação anexa, recebendo o respetivo valor (total : 3.038,05 euros), que não deu entrada na empregadora.
10. Tal fez de forma abusiva e ilegítima, com intenção de subtrair o dinheiro correspondente, destinado à empregadora e ao Estado, a fim de dele se apropriar, fazendo-o seu, sem conhecimento e autorização da empregadora e contra a sua vontade, o que efetivamente veio a consumar.
11. Esta situação é inadmissível, porque constitui um furto, para além da violação das normas funcionais a que estava obrigado e que bem conhecia.
12. Os comportamentos descritos são irregulares e envolvem total quebra de confiança numa colaboração idónea, leal e correta.
13. Trata-se de uma violação do dever de honestidade e de lealdade e de boa colaboração que torna impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 do artº 351º do Código do Trabalho”;
s) Com tal nota de culpa a ré comunicou ao autor o seguinte:
“1. No processo disciplinar de despedimento que lhe estamos a organizar verificámos que o aditamento à nota de culpa que elaborámos continha erros e imprecisões, pelo que decidimos corrigi-lo e dar-lhe novo prazo de defesa de 10 dias úteis, para responder, querendo, às correcções efectuadas.
2. Declaramos-lhe expressamente a intenção de proceder ao seu despedimento.
3. Tem o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito a esta acusação, querendo.
4. Continua suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, até decisão final.”;
t) O autor respondeu à nota de culpa referida na alínea r) por carta registada a 13 de Fevereiro de 2012, resposta recebida pela ré a 14 de Fevereiro de 2012;
u) A ré não colocou à disposição do autor, nas datas devidas, o subsídio de Natal referente ao ano de 2011, a retribuição do mês de Dezembro de 2011 e a retribuição do mês de Janeiro de 2012;
v) O autor enviou à ré a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 17, datada de 13 de Fevereiro de 2012, registada com aviso de recepção, com o assunto “Resolução do Contrato de Trabalho com Justa Causa”, com o seguinte teor:
“Venho, por intermédio desta, comunicar-vos a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado a 01 de Julho de 1986, nos termos dos ns.º 1 e 2, alíneas a) a e), do artigo 394º do Código do Trabalho (CT), com os fundamentos seguintes:
1. Falta culposa do pagamento pontual da retribuição correspondente aos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012; e
2. Falta culposa do pagamento pontual do subsídio de Natal do ano de 2011;
3. Causando-se, com essas vossas faltas de pagamento pontual de retribuições, uma lesão culposa e séria dos meus interesses patrimoniais, dado que dependo exclusivamente, para sobreviver, do pagamento das minhas retribuições enquanto trabalhador.
Fico, pois, a aguardar o envio, no prazo de 5 (cinco) dias úteis da Declaração Modelo RP-5044 da GGSS, bem como do meu Certificado de Trabalho (tal qual o preceituado no artigo 394º do CT e no artigo 43º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro), isto sem prejuízo do pagamento de todos os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, acrescidos da indemnização de antiguidade que me é devida, nos termos do n.º 1 do artigo 396º do CT.”;
w) A carta referida na alínea anterior foi recebida pela ré a 15 de Fevereiro de 2012;
x) A ré processou o subsídio de Natal de 2011 e a retribuição do mês de Dezembro de 2011, e efetuou os correspondentes descontos, a 31 de Dezembro de 2011 e processou a retribuição do mês de Janeiro de 2012, e efetuou os correspondentes descontos, a 31 de Janeiro de 2012;
y) Por carta datada de 17 de Fevereiro de 2012, recebida pelo autor a 22 de Fevereiro de 2012, a ré comunicou-lhe o seguinte:
“Acusamos a recepção da sua carta datada de 13.2.2012 a resolver o contrato de trabalho, carta essa da mesma data em que apresentou resposta à nota de culpa corrigida, mas recebida posteriormente.
A resolução do contrato de trabalho não tem fundamento e representa a capitulação perante o processo disciplinar que lhe organizámos.
O senhor é responsável perante a empregadora no valor que lhe foi imputado no aditamento à nota de culpa do processo disciplinar, de 3.038,05€ e, agora, pela não concessão do aviso prévio (2 meses).
Nessa medida, feito o acerto de contas, o saldo ser-lhe-á pago no final do mês, via transferência bancária.
Anexamos o modelo 5044 e o certificado de trabalho, mas que fique bem claro que não lhe reconhecemos a justa causa que invocou.”;
z) A 29 de Fevereiro de 2012 a ré colocou à disposição do autor a retribuição do mês de Dezembro de 2011, o subsídio de Natal de 2011, a retribuição dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2012, as férias e os subsídios de férias e de Natal proporcionais a 2012, no montante global de 3.906,09 euros;
aa) A ré pertence a um dos grupos económicos nacionais mais poderosos, denominado “Grupo C2…”;
bb) A 2 de Maio de 2013, foi proferido no processo comum n.º 1110/11, do Tribunal Judicial de Espinho, o acórdão junto a fls. 84 e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido, transitado em julgado a 29 de Abril de 2014, em que são arguidos E… e o aqui autor, tendo este sido condenado pela prática, em co-autoria material e concurso real, de crime de furto, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 7,50 euros, num total de 1.200,00 euros, e foi-lhe aplicada a sanção acessória de interdição de exercício da profissão em casinos pelo período de 70 dias, atento o disposto no art. 138º, n.º 1, com referência ao art. 82º, alínea a), ambos do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL 10/95, de 19 de Janeiro, bem como a sanção acessória de interdição de exercício da profissão em casinos pelo período de 70 dias, atento o disposto no art. 142º, n.º 1, com referência às alíneas c) e d) do art. 83º, ambos do DL 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro;
cc) Foram dados como provados os seguintes factos:
“1. O arguido E… foi admitido pela C…, S.A. a 12 de Junho de 1986, tendo tido como última categoria a de Director-Adjunto do Serviço de Jogo, no C1…, e foi despedido com justa causa, invocada pela sua entidade empregadora, no dia 14 de Novembro de 2011.
2. O arguido B…, por sua vez, foi admitido pela C…, S.A. a 01 de Julho de 1986, com a categoria de Adjunto do Chefe de sala no C1… e, invocando justa causa, solicitou a resolução do seu contrato de trabalho no dia 13 de Fevereiro de 2012.
3. Ambos os arguidos exerceram, assim, ao serviço daquela sociedade, cargos que envolviam confiança, poder de direcção e de chefia, bem como de responsabilidade por valores pecuniários.
(…)
18. No dia 24 de Julho de 2011, o arguido E…, já com a partida de jogo a decorrer, utilizou o perfil de utilizados F…, bem como a respectiva password, pertencentes ao mencionado Inspector do Serviço de Inspecção de Jogos, para aceder ao sistema informático I.G.S., a partir de um computador, que se encontra na caixa da sala mista do piso 3 do C1…, e consultou o movimento das máquinas de jogo.
19. Seguidamente, o arguido E… seleccionou apenas a máquina de jogo n.º ……, que tinha notas na arrecadação no valor global de 485,00 €, levou os contadores dessa máquina a zeros, através da referida operação de get baseline meters – set machine meters, anulando, assim, os movimentos anteriores dessa máquina (reset) e registou as notas que se encontravam na máquina seleccionadas num papel, em duas vias, discriminando o tipo e a quantidade de notas em causa.
20. Com esta operação do get baseline meters – set machine meters nas máquinas escolhidas para o efeito, tudo se passava como se a partida começasse naquele momento, sendo eliminados todos os valores anteriores (em termos contabilísticos).
21. Depois de efectuar esta operação, o arguido E…, por si ou através de alguém actuando a seu pedido, no fecho da partida e no momento do apuramento da receita, retirou e fez suas as notas registadas no aludido papel, num montante de 485,00 €.
22. Dessa forma, o arguido E… fez coincidir a receita física encontrada nas máquinas com a que resultava dos contadores a partir da altura em que tinha sido efectuado o reset, ou seja, a anulação dos movimentos anteriores.
23. No dia seguinte, antes do início da sessão, por volta das 12h.00m, fora do seu horário de trabalho, o arguido E… utilizou o perfil de utilizados F…, bem como a respectiva password, pertencentes ao mencionado Inspector do Serviço de Inspecção de Jogos, e acedeu novamente ao sistema informático I.G.S., a fim de manipular o ficheiro do apuramento da receita, fazendo, assim, informaticamente, a correcção da contagem física.
24. Este mesmo procedimento foi repetido nos dias que a seguir se descriminam (…).
27. No que concerne aos dias 06 e 07 de Setembro de 2011 o arguido E…, actuou nos mesmos termos descritos em 18 a 23, sendo que, em acordo e conjugação de esforços com o arguido B…, este retirou as notas que lhe foram indicadas por aquele, nos seguintes montantes (…), estando em causa um total de 1.080,00 €.
28. Com efeito, e no momento do fecho da partida e apuramento da receita o arguido B… procedeu à contagem do dinheiro e retirou as notas registadas nos papéis que lhe foram entregues previamente pelo arguido E….
29. Com esta actuação o arguido E… pretendeu e conseguiu apropriar-se da receita em notas existentes nas identificadas máquinas de jogo até ao momento do procedimento get baseline meters – set machine meters, no montante global de € 4.415,00, no que foi auxiliado pelo arguido B… no dia 6 e 7 de Setembro de 2011.
30. Os arguidos actuaram concertadamente na execução de um plano conjunto, previamente traçado, nos termos descritos de 18 a 23, no que se refere aos dias 6 e 7 de Setembro de 2011, com o propósito concretizado de fazerem seus os montantes em dinheiro acima elencados, pertencentes à sua entidade empregadora, bem sabendo que tal dinheiro não lhes pertencia e que, nessa conformidade, agiam contra a vontade dos seus respectivos proprietários.
(…)
31. Os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, ao abrigo do mesmo propósito criminoso em cada uma das suas actuações.
(…)
36. Os arguidos bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei (…)”;
dd) A ré deduziu pedido de indemnização civil no âmbito do processo referido na alínea “dd)” [sic] contra o aqui autor, o qual foi julgado improcedente.
*
III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelos recorrentes delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Alteração da matéria de facto;
- Existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

2. Na sentença recorrida, após considerações de natureza jurídica, referiu-se o seguinte:
“(…)
Importa, então, apurar se a factualidade assente integra falta culposa de pagamento pontual da retribuição determinante da justa causa de resolução do contrato de trabalho operada pelo autor.
O autor fundamentou a resolução do contrato de trabalho na falta culposa do pagamento da retribuição do mês de Dezembro de 2011 e do mês de Janeiro de 2011 e na falta culposa do pagamento do subsídio de Natal de 2011.
De acordo com o disposto no art. 278º, n.º 1, do Código do Trabalho, o crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário.
O montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior (art. 278º, n.º 4, do Código do Trabalho).
No caso em apreço, não resulta a data de vencimento da retribuição, pelo que a mesma deveria ser paga, pelo menos, até ao final do respectivo mês.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 263º, n.º 1, do Código do Trabalho, o subsídio de natal deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
Aqui chegados, sabemos que a carta declarando a resolução foi enviada pelo autor a 13 de Fevereiro de 2012 e recebida pela ré a 15 de Fevereiro de 2012.
O autor, como vimos, invocou nessa carta a falta de pagamento da retribuição do mês de Dezembro de 2011 e do mês de Janeiro de 2011 e a falta de pagamento do subsídio de Natal de 2011.
Significa isso que na data em que o autor declarou a resolução do contrato (13 de Fevereiro de 2012) não tinham ainda decorrido mais de 60 dias sobre o vencimento das retribuições indicadas na carta, ou seja, na data em que o autor fez a declaração de resolução não existia mora por 60 dias em relação às retribuições assinaladas.
Os fundamentos da resolução firmam-se independentemente da recepção da declaração, que, no caso em apreço, ocorreu a 15 de Fevereiro de 2012 (no 60º dia a contar da data do vencimento do subsídio de Natal). A recepção da declaração apenas torna eficaz a declaração, não afastando a subsistência, ou não, dos fundamentos.
Não ocorrendo mora há 60 ou mais dias à data da declaração resolutória não tem aplicação no caso em apreço a presunção juris et de jure prevista no n.º 5 do art. 394º do Código do Trabalho.
No entanto, o autor beneficia da presunção de culpa (iuris tantum) a que se refere o art. 799º, n.º 1, do Código Civil.
Assim, e atenta a defesa apresentada pela ré, importa apurar se o incumprimento presumidamente culposo é suficiente para, in casu, determinar a justa causa da resolução.
De facto, não basta uma qualquer violação por parte do empregador dos direitos e garantidas do trabalhador para que este possa resolver o contrato de trabalho com justa. Torna-se necessário que a conduta culposa seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater familias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.
Mesmo no caso do n.º 5 do art. 394º do Código do Trabalho, onde se consagra, como vimos, uma presunção iure et de jure (inilidível por prova em contrário), não se dispensa a prova do requisito indispensável à resolução do contrato com justa casa, qual seja, o da impossibilidade, na acepção de inexigibilidade, da manutenção da relação laboral, prova esta que impende sobre o trabalhador.
No caso em apreço, resulta dos factos provados que o autor, na pendência do procedimento disciplinar, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, a qual sustentou na falta de pagamento do subsídio de Natal de 2011 e das retribuições dos meses de Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.
Vejamos.
A ré, por documento datado de 12 de Setembro de 2011, comunicou ao autor o seguinte:
“Fica suspenso preventivamente sem perda de retribuição para organização de processo disciplinar de despedimento porque há indícios de prática de comportamento irregular de subtracção de valores, sendo a sua presença na empresa perturbadora e inconveniente”.
Posteriormente, a 20 de Setembro de 2011, a ré decidiu instaurar ao autor e a E…, director adjunto do serviço de jogo, um procedimento disciplinar com intenção de despedimento.
Foram elaboradas duas notas de culpa, uma a 28 de Setembro de 2011, relativamente ao autor e ao E…, e outra a 21 de Novembro de 2011, apenas relativamente ao autor, esta última corrigida a 27 de Janeiro de 2012.
Tais notas de culpa foram comunicadas ao autor, o qual apresentou sempre resposta, sendo certo que em todas essas comunicações foi declarado pela ré ao autor “a intenção de proceder ao seu despedimento”.
Constam das referidas notas de culpa diversas acusações imputadas ao autor, designadamente, a “subtracção de dinheiro da receita da empregadora”.
O colega de trabalho do autor, a testemunha E…, foi despedido com base na nota de culpa de 28 de Setembro de 2011, por decisão de 14 de Novembro de 2011.
Sabemos, também, que a 2 de Maio de 2013, foi proferido no processo comum n.º 1110/11, do Tribunal Judicial de Espinho, o acórdão junto a fls. 84 e seguintes, transitado em julgado a 29 de Abril de 2014, em que são arguidos E… e o aqui autor, tendo este sido condenado pela prática, em co-autoria material e concurso real, de crime de furto, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 7,50 euros, num total de 1.200,00 euros, e foi-lhe aplicada a sanção acessória de interdição de exercício da profissão em casinos pelo período de 70 dias, atento o disposto (…).
Nesse processo foram dados como provados, entre outros, os seguintes:
(…).
A este respeito, importa atentar nos pontos constantes da nota de culpa de 28 de Setembro de 2011.
Ao autor foi, pois, instaurado um procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento, acusando-o de furto. E foi-lhe também instaurado um processo crime.
O autor recebe as notas de culpa e apresenta resposta, sucedendo que, no dia em que respondeu à nota de culpa corrigida, declarou também a resolução do contrato de trabalho por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, terminando o procedimento disciplinar antes da prolação de decisão, vindo a instaurar a presente acção, a 11 de Setembro de 2012.
O poder disciplinar é uma prerrogativa do empregador que, embora não deva, nem possa, ser utilizado arbitrariamente, isto é, sem razão justificativa, não pode ser coartado.
O poder disciplinar, mormente com vista ao despedimento, deve ser precedido de um procedimento onde se garanta o exercício do contraditório e do direito de defesa, podendo ainda o trabalhador impugnar judicialmente a sanção disciplinar que venha, porventura, a ser aplicada e solicitar o ressarcimento de eventuais danos que a sua instauração desmotivada ou injustificada lhe possa ter causado.
Assim, movido que foi o procedimento disciplinar, atentos os factos constantes das notas de culpa (alguns dos quais considerados provados no processo crime), afigura-se-nos que não deveria o autor antecipar-se à conclusão desse procedimento e resolver o contrato de trabalho, devendo, antes, aguardar pelo termo desse processo e, posteriormente e se fosse o caso, actuar em conformidade.
Antecipando-se e furtando-se o autor ao desfecho do procedimento disciplinar, o exercício do direito de resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, atentas as circunstâncias descritas, afigura-se-nos abusivo, porque violador da boa-fé na execução do contrato de trabalho e no exercício dos instrumentos legais que conferem o direito a essa resolução (art. 334º do Código Civil).
Ainda que assim se não entendesse, não resulta dos autos qualquer circunstância que permita concluir pela inexigibilidade da manutenção da relação laboral por parte do autor. Não existem elementos que nos permitam concluir que a manutenção do contrato de trabalho implicasse para o autor um sacrifício incomportável.
De referir, novamente, que o autor, no dia em que respondeu à nota de culpa corrigida de 27 de Janeiro de 2012, ou seja, na pendência do procedimento disciplinar, a 13 de Fevereiro de 2012, resolveu o contrato de trabalho invocando justa causa, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, antecipando-se ao desfecho daquele, apesar de saber os factos que lhe eram imputados e acima descritos, sem que, para o efeito, tenha sequer informado a ré das repercussões que o aludido não pagamento estava a ter na relação laboral, na sua vida e nos seus interesses patrimoniais e exigido o cumprimento da obrigação, dando conta dos efeitos que desse incumprimento pudessem advir.
Não se verifica, pois, a justa causa para a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do autor.”.

3. Da 1ª questão
Alteração da matéria de facto

Pretende o Recorrente que seja aditado à matéria de facto provada que:
“A comunicação da resolução do contrato de trabalho foi efectuada pelo autor/trabalhador no 60º dia após a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao subsídio de Natal de 2011, e foi recepcionada pela ré ao 62º dia após a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao subsídio de Natal de 2011 e após a falta de pagamento pontual das retribuições dos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012.”.
À matéria de facto apenas deverão ser levados factos e não matéria conclusiva, de direito ou matéria cuja valoração assente em premissas de natureza jurídica, sendo que, no caso, a pretensão do Recorrente consubstancia matéria conclusiva, cujas premissas de facto já constam da factualidade provada.
Com efeito, a discordância do Recorrente não se prende com qualquer ponto da decisão da matéria de facto, mas apenas com a afirmação feita pelo Tribunal a quo, inserida nas considerações de direito feitas na sentença, em que se refere o seguinte: “Significa isso que na data em que o autor declarou a resolução do contrato (13 de Fevereiro de 2012) não tinham ainda decorrido mais de 60 dias sobre o vencimento das retribuições indicadas na carta, ou seja, na data em que o autor fez a declaração de resolução não existia mora por 60 dias em relação às retribuições assinaladas.”.
Diga-se que a sentença, para a contagem do referido período de mora, teve como data do vencimento das prestações o dia 15.12.2011, quanto ao subsídio de Natal, e o final dos respetivos meses quanto às retribuições de Dezembro e de Janeiro.
Da matéria de facto provada já consta que:
- A ré não colocou à disposição do autor, nas datas devidas, o subsídio de Natal referente ao ano de 2011, a retribuição do mês de Dezembro de 2011 e a retribuição do mês de Janeiro de 2012; - al. u);
- O autor enviou à ré a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 17, datada de 13 de Fevereiro de 2012, registada com aviso de receção, com o assunto “Resolução do Contrato de Trabalho com Justa Causa”, com o seguinte teor:
“Venho, por intermédio desta, comunicar-vos a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado a 01 de Julho de 1986, nos termos dos ns.º 1 e 2, alíneas a) a e), do artigo 394º do Código do Trabalho (CT), com os fundamentos seguintes:
1. Falta culposa do pagamento pontual da retribuição correspondente aos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012; e
2. Falta culposa do pagamento pontual do subsídio de Natal do ano de 2011;
(…)”. – al. v)
- A carta referida na alínea anterior foi recebida pela ré a 15 de Fevereiro de 2012; - al. w).
Do referido elenco constam as datas da elaboração da carta em que o A. declara pretender resolver o contrato de trabalho e da sua receção pela Ré, decorrendo da lei as datas do vencimento das prestações, mormente do subsídio de natal, o que tanto basta para apreciar da questão – de natureza conclusiva - que o Recorrente pretende que se adite.
Assim, e sem necessidade de considerações adicionais improcede o pretendido aditamento da matéria de facto.

4. Da 2ª questão
Da existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho
Tem esta questão por objeto apreciar da existência de justa causa pra a resolução do contrato de trabalho pelo A.
Do decidido na sentença, e sua fundamentação, que acima deixámos transcrita, insurge-se o Recorrente, alegando em síntese que: verifica-se um atraso de 60 dias no pagamento do subsídio de natal (tendo como referência a data da carta de resolução), ou superior, designadamente de 62 dias, por reporte à data da sua receção pela Recorrida, esta a data que deverá ser atendida; o atraso no pagamento do subsídio de natal, nos termos do art. 394º, nº 5, do CT/2009, consubstancia pois presunção de culpa inilidível, o que não foi considerado pela sentença recorrida, que apreciou da questão tendo como referência a presunção de culpa ilidível, prevista no art. 799º do Cód Civ e havendo, em consequência e contra legem, atendido aos factos imputados na nota de culpa, tentando justificar a conduta dolosa da ré, olvidando que o A. se encontrava suspenso, sem perda de retribuição; o tribunal, a entender que o A. se antecipou à conclusão do procedimento disciplinar e que deveria aguardar pelo seu termo, considera que um trabalhador pode estar sem receber a retribuição por dois ou mais meses, enquanto se arrasta o procedimento disciplinar (e, no limite, por 12 meses), sem que tal cause ao trabalhador qualquer sacrifício, devendo preservar a relação laboral, mesmo não recebendo e não obstante os danos que possam ser causados à sua subsistência e dignidade; o tribunal não pode validar um juízo de prognose futura do empregador, durante a pendência de um procedimento disciplinar, no almejado sentido de que, como o trabalhador viria a ser despedido, poderia deixar de lhe pagar, não podendo o empregador operar uma compensação de um crédito que ainda nem havia “nascido.”.

4.1. Dispõe o CT/2009 que:
Artigo 394º
Justa causa de resolução
1 – Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 – Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
(…)
3 – Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
(…)
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4 – A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.
5 – Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão do não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Artigo 395º
Procedimento para resolução de contrato de trabalho
1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
2 – No caso a que se refere o nº 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.
(…)
Artigo 396º
Indemnização devida ao trabalhador
1. Em caso de resolução do contrato com fundamento no facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 - (…)
3 – (…)
4 – (…)

Quer na situação prevista no nº 2, al. a), quer no nº 3, al. c) do art. 394º, a falta de pagamento pontual da retribuição poderá constituir justa causa para a imediata resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador (sem necessidade da concessão do aviso prévio a que se reporta o art. 400º do CT/2009)
Só que o nº 2, al. a) reporta-se às situações em que esse atraso provém de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho, enquanto que o nº 3, al c), se reporta às situações em que essa falta de pagamento não provém de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa objetiva para essa resolução.
E, nos termos do citado art. 396º, nº1, apenas a primeira das situações conferirá conferir o direito ao pagamento da indemnização nela prevista.
No que se reporta aos prazos para a resolução do contrato de trabalho com justa causa, atenta a unidade e harmonia do sistema jurídico, o disposto no citado art. 394º, nº 5 [“5. Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias …”] não poderá deixar de ser considerado como estabelecendo uma presunção inilidível de culpa quando o incumprimento do pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias (ou mais).
Com efeito, no âmbito da responsabilidade contratual, não poderia deixar de ser também aplicável ao contrato de trabalho e ao dever de pagamento da retribuição, até por maioria de razão, a presunção de culpa, esta ilidível, constante do art. 799º, nº 1, do Cód Civil que dispõe que “1 – Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”. Ora, não faria qualquer sentido, constituindo aliás um absurdo jurídico, que, no âmbito do cumprimento da obrigação retributiva, o Cód. do Trabalho fosse, ou quisesse ser, com o regime estatuído no art. 394º, nº 5, mais exigente do que o regime estabelecido no citado preceito do Cód. Civil, afastando a aplicabilidade do seu art. 799º, nº 1.
A única interpretação razoável e harmoniosa da conjugação dos dois preceitos é, pois, a de que a presunção, ilidível, constante do art. 799º, nº 1, do Cód. Civil se aplicará ao caso de atraso no pagamento da retribuição inferior a 60 dias. Por sua vez a ficção legal ou presunção, esta inilidível, constante do art. 394º, nº 5, do CT aplicar-se-á aos casos de atraso, que se prolongue por 60 dias ou mais, no pagamento da retribuição.
Tal preceito estabelece, pois, uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição, assim consagrando, tal como defendido por João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – à luz do novo Código do Trabalho, 443, uma presunção iure de iure, inilidível por prova em contrário, e não uma mera presunção juris tantum. Como diz este autor “«neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais de que uma mera presunção juris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário)».
Assim, ao empregador, relativamente ao atraso no pagamento da retribuição inferior a 60 dias, caberá, nos termos do nº 2 do citado artº 342º, o ónus de alegação e prova de que a falta de pagamento da retribuição não proveio de culpa sua, atenta a presunção de culpa constante do artº 799º, nº 1, do Cód. Civil; relativamente ao atraso de 60 dias (ou superior), presume a lei (art. 394º, nº 5, do CT/2009), de forma inilidível, que é ele culposo.

4.1.1. Mas, como se tem entendido, para que ocorra justa causa para resolução do contrato de trabalho não basta a existência de mora no pagamento da retribuição.
Embora com as devidas adaptações (e como se dirá), a justa causa para a resolução deverá, grosso modo, reconduzir-se à impossibilidade/inexigibilidade de o trabalhador manter a relação laboral e ser apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, preceito que dispõe que «Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e o seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.».
Tal como se vinha entendendo no âmbito da resolução com invocação de justa causa ao abrigo da legislação pretérita (arts. 35º do DL 64-A/89, de 27.02 e 441º do Cód. Trabalho de 2003) e que se mantém no âmbito do CT/2009, para o preenchimento valorativo da cláusula geral da rescisão pelo trabalhador ínsita no nº 1 do art. 394º do Código do Trabalho, não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no nº 2 do preceito, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos suficientemente graves, em si ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador – cfr., por todos, Acórdão do STJ de 18.04.2007, www.dgsi.pt, Processo 06S4282.
A verificação de justa causa pressupõe, deste modo e como refere Ricardo Nascimento, Da Cessação do Contrato de Trabalho, em Especial Por Iniciativa do Trabalhador, Coimbra Editora, págs.185/186, a ocorrência dos seguintes requisitos:
a) um de natureza objetiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho (ou outro igualmente violador dos direitos e garantias do trabalhador);
b) outro de caráter subjetivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal;
c) outro de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade[1] de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
E, diga-se, tais requisitos tanto se aplicam nas situações de presunção ilidível de culpa (de mora inferior a 60 dias), como de presunção inilidível de culpa (mora de 60 dias ou superior). Quanto a esta, ao contrário do que parece ser entendido pelo Recorrente, a mora não faz operar, automaticamente, o direito de resolução, devendo a situação subsumir-se ao conceito de justa causa, o que se afirma, todavia, sem prejuízo das considerações que se tecerão.
Na apreciação da inexigibilidade de o trabalhador manter a relação laboral como requisito da justa causa de resolução, nunca poderá ser esquecido que, enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à resolução (ou executa o contrato ou resolve-o). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa invocada pelo trabalhador, sendo certo que, naquele, se tutela a garantia do emprego, por um lado, e que, nesta, não tem o trabalhador, à semelhança do que ocorre com o empregador (que detém um leque variado de sanções disciplinares), outros meios de reação ao comportamento infrator do empregador.
Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes [Direito do Trabalho, I, 1044], «… poder-se-á pensar que a noção de justa causa deveria ser aqui simétrica à do n.º1 do artigo 396.º (Código do Trabalho 2003); no entanto, é duvidoso que assim seja já que, enquanto que o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quando muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos da auto-tutela (designadamente, da excepção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer do que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem-se em conta, não apenas factores individuais – como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu processo disciplinar – mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento.
Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica do despedimento».
Também João Leal Amado [“Salários em Atraso – Rescisão e Suspensão do Contrato, Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02 de Maio de 1991, RMP, n.º 51, 1992, 161], salienta que a conceção bilateral e recíproca de justa causa foi completamente aniquilada pela CRP, a qual, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou de outra das partes.
Ou seja, ínsita na justa causa da resolução por iniciativa do trabalhador está também uma ideia de inexigibilidade de continuação da relação; todavia, tal inexigibilidade não se deve aferir exatamente pelos mesmos critérios e com o mesmo rigor da inexigibilidade presente na justa causa para despedimento [vide AC TRP de 20.04.2009 e do STJ de 25.03.2009, ambos in www.dgsi.pt].
Acresce que o rigor exigido na resolução com fundamento, nos termos do art. 394º, nº 5, do CT/2009, em retribuições cujo atraso se prolongue por período de 60 dias deverá sofrer, a nosso ver, particulares cautelas atenuantes, sob pena de, ao menos como interpretação plausível do que decorre da letra da lei, se entender que, ao mesmo tempo que o legislador confere ao trabalhador um direito, lhe está, concomitantemente, a coartar a possibilidade do seu cabal exercício ou, pelo menos, a coartar a possibilidade do recebimento do direito à indemnização. Mas expliquemo-nos.
É que importa ter presente que, face ao disposto no art. 395º, nº 2, do CT/2009 e à forma como o legislador desenhou o atual regime legal de resolução do contrato de trabalho por retribuições em atraso [que, embora inspirada na legislação pretérita, não acolheu todavia a solução nesta então consagrada, antes vindo a dispor, de forma inovatória, que, no caso do nº5 do art. 394º, o prazo de 30 dias para resolver o contrato se conta a partir do período de 60 dias], quando este se verifique por período de 60 dias (ou superior), o trabalhador, findo esse período de 60 dias, apenas dispõe de mais 30 dias para resolver o contrato [eventualmente, sob pena de caducar o direito de resolução, esta pelo menos uma das interpretações plausíveis de direito do referido regime atenta a letra da lei]. A exigência, para que ocorresse justa causa, de que estivesse em atraso mais do que um mês de retribuição e, concomitantemente, que esse atraso fosse, em relação a essas retribuições, superior a 60 dias, mostra-se incompatível e impossível de alcançar face ao prazo que o legislador fixou no art. 395º, nº 2 [assim, por exemplo e como hipótese de raciocínio, para que a retribuição de janeiro estivesse em dívida há mais de 60 dias, a de Dezembro, bem como o subsídio de Natal, estariam em atraso há mais de 90 dias, pelo que, quanto a estes, teria ocorrido, para quem assim o defenda, a caducidade do direito de a invocar; e assim sucessivamente: para que a retribuição de fevereiro estivesse em atraso há 60 dias ou mais, teria caducado o direito de resolver o contrato com base no não pagamento da retribuição de janeiro].
Dito de outro modo, a exigência da existência de mais do que uma retribuição em atraso há mais de 60 dias anularia o próprio direito à resolução do contrato de trabalho, pelo que, a admitir-se uma tal exigência, caberia questionar da utilidade do nº 5 do art. 394º.
Ou seja, serve isto para dizer que, para fundamentar a existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho com fundamento no art. 394º, nº 5, do CT/2009, não será possível sustentar-se que é necessária a existência de mais do que uma retribuição em atraso há mais de 60 dias e/ou que apenas uma retribuição em atraso há mais de 60 dias é insuficiente para sustentar tal resolução, sob pena de incoerência legislativa na solução que consagrada.
Importa também referir que, para efeitos de aferição do disposto no art. 394º, nº 5, do CT/2009, a data relevante é a data em que o trabalhador emite a declaração de resolução do contrato de trabalho e não, como defende o Recorrente, a data da receção dessa declaração pelo empregador.
Pese embora a resolução do contrato de trabalho seja uma declaração (unilateral) recetícia, é no momento em que o trabalhador declara pretender resolver o contrato de trabalho que manifesta essa sua vontade resolutiva, muito embora ela só produza efeitos quando rececionada pelo empregador. Como também se diz na sentença recorrida “os fundamentos da resolução firmam-se independentemente da receção da declaração (…). A recepção da declaração apenas torna eficaz a declaração, não afastando a subsistência, ou não, dos fundamentos”. Este entendimento é, aliás, similar ao que ocorre na decisão de despedimento com justa causa (que também é uma declaração de natureza recetícia) tal como previsto no art. 357º, nº 1, nos termos do qual o prazo de 30 dias para o empregador proferir a decisão tem por referência a data da decisão e não a data da sua comunicação ao trabalhador, como uniformemente tem sido entendido pelo STJ (cfr., por todos, Acórdãos de 14.05.2008, Processo 08S643, e de 23.06.201, Proc. 251/07.7TVNG.S1, ambos consultáveis in www.dgsi.pt).

4.2. Revertendo ao caso em apreço:
Nos termos do disposto no art. 354º, nº 1, do CT/2009 a suspensão preventiva do trabalhador não determina a perda da retribuição, mantendo o trabalhador o direito de a receber. Aliás, no caso, isso mesmo foi comunicado pela Ré ao A. e por mais do que uma vez.
Tinha, pois, o A. direito ao pagamento do subsídio de natal de 2011, que deveria ter sido pago até ao dia 15.12.2011 (art. 263º do CT/2009), bem como das retribuições relativas aos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012 que, pelas razões apontadas na sentença recorrida, deveriam ter sido pagas até ao último dia de cada um desses meses.
Tendo o A. declarado a resolução do contrato de trabalho, atenta a data aposta na respetiva carta, no dia 13.02.2012, é manifesto que as retribuições de dezembro de 2011 e de janeiro de 2012 não estavam em dívida há 60 dias ou mais (a Dezembro estava em dívida há 44 dias e, a de janeiro, há 13 dias); aliás, nem o Recorrente diz o contrário.
Quanto ao subsídio de Natal de 2011, devendo ele ter sido pago até 15.12.2011, a Ré entrou em mora no dia 16.12, pelo que, entre este dia, inclusive, e o dia 13.02.2012, decorreram 60 dias (de calendário). Ou seja, quando o A. emitiu a declaração de resolução (13.02.2012), encontrava-se este subsídio em mora há 60 dias (ocorrendo o 60º dia nesse dia 13.02.12), caindo pois no âmbito do art. 395º, nº 5, do CT/2009. Salienta-se que este preceito não faz referência a um período superior a 60 dias; o que diz é se considera culposa “a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, (…)”, bastando-se, pois, com 60 dias de mora.
Refira-se que se desconhece a razão ou fundamento da conclusão a que se chegou na sentença recorrida de que o subsídio de Natal não estaria em mora há 60 dias. De todo o modo, dir-se-á que não é aplicável o disposto no art. 279º do Cód. Civil, não cabendo a situação em nenhuma das suas alíneas, sendo que, no que se reporta à al. c), não se trata de um prazo “fixado em semanas, meses, ou anos cujo termo ocorresse no dia correspondente dentro da última semana, mês ou ano”. Trata-se de um prazo fixado em dias (60 dias), que nem suscita qualquer dúvida (o art. 279º cobra aplicação em casos de dúvida), devendo ser contado pelos dias de calendário. Por outro lado, o início de contagem do prazo ocorre no dia 16 de Dezembro, inclusive, este o 1º dia de mora, já que o subsídio deveria ter sido pago até ao dia 15.
Ou seja, e em conclusão, o A., quando resolveu o contrato de trabalho tinha em atraso o pagamento das retribuições de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012, e o subsídio de Natal de 2011, mora que, quanto a todas essas prestações, se presume culposa: em relação às retribuições de Dezembro e de Janeiro trata-se de uma presunção de culpa ilidível; em relação ao subsídio de Natal, consubstancia uma presunção de culpa inilidível.
Sempre se diga, todavia e não obstante o “enfoque” que o Recorrente parece atribuir a tal distinção, que ela pouco relevo assume no caso concreto, sendo certo que, por um lado, a Ré não ilidiu a presunção de culpa no que se refere às retribuições de dezembro e janeiro e, por outro, a natureza inilidível da presunção de culpa no que se reporta ao subsídio de Natal não confere, de forma imediata ou automática, o direito a resolver o contrato de trabalho, sempre havendo que apreciar, nos termos já referidos no ponto III.4.1.1. e perante as circunstâncias do caso concreto, se a falta do pagamento dessas três retribuições integra o conceito de justa causa.

4.2.1. Com efeito, e no que se reporta às retribuições de dezembro e janeiro, não ilidiu a Ré a presunção de culpa, não resultando dos factos provados qualquer facto que afaste o carácter culposo desse incumprimento.
Desde logo, a alegação da Recorrida de que, perante a existência do procedimento disciplinar e dos factos nele imputados, a final do mesmo (com o despedimento) “acertaria as contas” e operaria a compensação não tem qualquer fundamento legal.
Com efeito, dispõe o art. 279º, nº 1, do CT/2009, que “1. Na pendência de contrato de trabalho, o empregado não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer o desconto ou dedução no montante daquela”, sendo as únicas exceções as previstas no nº 2 do mesmo preceito, em nenhuma delas cabendo o caso em apreço. A compensação alegada ou aparentemente pretendida pela Recorrida é, pois, expressamente proibida, constituindo aliás contraordenação muito grave como decorre do nº 5 do citado preceito.
Acresce dizer [o que, até face ao referido, seria desnecessário] que não decorre dos factos provados que a Ré haja sequer, antes da resolução do contrato de trabalho, comunicado ao A. que tal falta de pagamento decorria de qualquer eventual compensação (designadamente dos créditos de que, porventura, se considerasse titular por via dos factos que imputava ao A. na nota de culpa). E, nos termos do art. 848º, nº 1, do Cód. Civil, a compensação apenas se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.
Por outro lado, nem a existência do procedimento disciplinar, nem os factos que a Ré nele imputava ao A., independentemente da sua gravidade, constituíam fundamento válido para que a Ré não tivesse procedido, na data dos respetivos vencimentos, ao pagamento das retribuições a cujo pagamento estava obrigada.
Diga-se também que as considerações tecidas são aplicáveis não apenas no que se reporta às retribuições de dezembro e janeiro, mas também ao subsídio de natal.
Não havendo a Ré, de forma culposa, pago ao A., à data da declaração da resolução do contrato de trabalho (13.2.2012), o subsídio de Natal e as retribuições dos meses de janeiro e fevereiro de 2012, que se encontravam em atraso há, respetivamente, 60, 44 e 13 dias, afigura-se-nos, no caso concreto, que ocorria justa causa para o A. resolver o contrato de trabalho.
O pagamento da retribuição é a principal obrigação do empregador e, por excelência, a fonte de rendimento e sustento do trabalhador, tendo caráter alimentício, não sendo a retribuição do A. de tal modo elevada (era de €1.091,00, acrescida de €96,00) que possibilitasse sequer a conclusão de que ela lhe permitiria “dispensar” essa sua fonte de sustento. Aliás, se o A. litiga, como litiga, com o benefício de apoio judiciário, não será certamente por ter outras, e elevadas, fontes de rendimento que lhe permitissem dispensar o pagamento da retribuição enquanto perdurasse o procedimento disciplinar.
A Ré, ainda que tivesse suspendido o A., mantinha a obrigação do pagamento da retribuição, havendo o A. estado privado, de forma injustificada, do subsídio de Natal e das retribuições de dezembro e de janeiro. E não se nos afigura que: tivesse ele obrigação de aguardar, sem o recebimento das retribuições a que tinha ou tivesse direito, pelo desfecho do procedimento disciplinar; que tivesse que avisar previamente a ré de que iria resolver o contrato de trabalho se as mesmas não lhe fossem pagas, até porque a Ré também não lhe deu qualquer satisfação quanto a essa falta de pagamento, sendo ela, Ré, quem estava em incumprimento quanto a tal pagamento e sabendo, como sabia e deveria saber, que tinha a obrigação desse pagamento e que, não o fazendo, incorreria ou poderia incorrer na situação prevista no art. 394º, nº 2, al. a), do CT; que, perante o referido circunstancialismo, o A., ao resolver o contrato sem aguardar o desfecho da ação disciplinar, haja atuado, muito menos de forma manifesta, violando os ditames da boa-fé contratual e os limites do direito, ou seja, em abuso de direito[2].
Para além do que se referiu quanto ao montante da retribuição do A., a Ré sabia que não estava dispensada de lhe pagar tais prestações retributivas, tanto que, quando lhe comunicou que o mesmo estava e ficaria suspenso preventivamente, lhe transmitiu igualmente que tal não determinaria a perda da retribuição. Aliás, se não soubesse tinha obrigação de o saber.
Por outro lado, e como se disse, o comportamento da Ré, para além de culposo, não é justificado, nem os factos imputados ao A. na nota de culpa constituem fundamento legal para o não cumprimento, nas datas devidas e durante os períodos de tempo subsequentes, da sua obrigação retributiva. Acresce que, para efeitos de aferição da existência de justa causa para a resolução, se mostra irrelevante o apelo à decisão criminal, uma vez que esta não contendia com a obrigação do pagamento, na data devida, do subsídio de Natal de 2011 e das retribuições de dezembro de 2011 e de janeiro de 2012. O que está em causa nos autos, e na resolução do contrato operada pelo A, é a existência de justa causa para a mesma, esta atinente a factos praticados pela Ré, e não a eventual existência de justa causa para o despedimento. E se a Ré se colocou, como colocou, em situação de conferir ao A. justa causa para o mesmo resolver o contrato de trabalho, tal só a ela, Ré, é imputável, na medida em que, sem justificação válida, violou culposamente a sua obrigação de pagamento das mencionadas prestações retributivas.
Acresce que o colega do A., E…, foi despedido em 19.11.2011, sendo que o A. apenas resolveu o contrato em 13.02.2012 quando, pese embora nesse dia haja igualmente respondido à nota de culpa corrigida, também nesse mesmo dia a mora no pagamento do subsídio de natal atingiu o 60º dia, para além de que, se aguardasse pelo desfecho do procedimento disciplinar (cuja data nem lhe era previsível), nada lhe garantiria que essas retribuições lhe viessem a ser pagas, com o risco de perda do direito de resolver o contrato por eventual caducidade de invocação da resolução, assim como nada lhe garantira que as que se venceriam posteriormente lhe viessem a ser pagas.
Ou seja, e em conclusão, tinha o A. justa causa para resolver o contrato de trabalho, assim procedendo as conclusões do recurso.

5. Nos termos do disposto no art. 396º, nº 1, do CT/2009, “1. Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a uma indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, (…)”, determinando ainda o nº 2 do mesmo que “2. No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.”.
O preceito aponta, como fatores a atender na graduação da indemnização, o montante da retribuição e o grau de ilicitude do comportamento do empregador.
Como refere Júlio Gomes in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 1033 e 1034, ainda que com referência à indemnização de antiguidade no despedimento ilícito, considerações que, todavia, são igualmente aplicáveis à indemnização por resolução pelo trabalhador com justa causa, “(…). [a]inda quanto aos critérios que a lei manda atender, parece-nos que por ilicitude se refere também a culpa do empregador – recorde-se que, aliás, alguns autores, na esteia da doutrina francesa, tendem a não distinguir a ilicitude e a culpa em sede de responsabilidade contratual – (…). Dissemos já, noutro estudo, que a indemnização por despedimento ou indemnização por antiguidade parece rer um sentido parcialmente punitivo (…)”.
No caso, o montante da retribuição e diuturnidades (€1.0191,00 e €96,00), que não se mostra elevado, situando-se na mediania, aponta no sentido da fixação da indemnização em montante superior ao mínimo legal; quanto ao grau de ilicitude do comportamento da Ré, não obstante, em abstrato, a sua mediana gravidade (traduzida no número de prestações retributivas em atraso e no tempo de mora respetivo) apontar também para uma indemnização em montante superior ao mínimo legal, no caso concreto decorre da matéria de facto provada que o A. praticou parte dos ilícitos criminais que também lhe haviam sido imputados na nota de culpa, como decorre da decisão, transitada em julgado, proferida no processo criminal a que se reportam as als. bb) e cc) dos factos provados na sentença recorrida, o que, e atenta a natureza dos mesmos, atenua a gravidade e culpa do comportamento da Ré (diga-se que a presunção de culpa não impede a sua graduação) em moldes que não justificam a graduação da indemnização em montante superior ao de 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade.
O A. foi admitido ao serviço da ré em 01.07.1986, havendo a resolução do contrato de trabalho operado os seus efeitos aos 15.02.2012. É assim de 25 anos e 230 dias a antiguidade do A.
Deste modo, tem o A. direito à indemnização de €15.211,49 [(1187,00 / 2 x 25) + 593,50 / 365 x 230 dias)] e não à de €45.625,31 peticionada.

6. Na sentença recorrida considerou-se ainda que o A. teria direito ao pagamento das férias, e respetivo subsídio, vencidas em 1.01.2012 (ano da cessação do contrato de trabalho), no montante global de €2.374,00 [ €1.187,00 de retribuição base e diuturnidades x 2] e que a Ré tinha sobre o A. um crédito, de igual montante, resultante do incumprimento do prazo de aviso prévio de dois meses estabelecido no art. 400º do CT/2009 dado o A. ter resolvido o contrato de trabalho sem justa causa, operando assim compensação entre ambos, que a Ré havia excecionado na contestação.
Ora, tendo o A., como decorre do acima decidido, resolvido o contrato de trabalho com justa causa, carece de fundamento legal a obrigação de concessão do mencionado aviso prévio e da consequente compensação dos créditos, devendo, assim e também nesta parte, ser revogada a sentença recorrida, julgando-se improcedente a compensação e condenando-se a Ré a pagar ao A. a quantia global de €2.374,00 a título de férias, e respetivo subsídio de férias, vencidas em 01.01.2012.

7. O A. tem ainda direito, sobre as quantias em dívida, a juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento (arts. 804º, 805º,806º e 559º, todos do Cód. Civil) e desde:
- sobre a quantia de €15.211,49 a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa, desde a data do trânsito em julgado do presente acórdão, uma vez que apenas neste se liquida o montante devido a tal título – art. 805º, nº 3.
- sobre a quantia de €2.374,00 devida a título de férias e respetivo subsídio vencidas em 01.01.2012, ano da cessação do contrato, desde a data da citação (art. 805º, nº 1), por não se tratar de obrigação com prazo certo de vencimento.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré, C…, SA, a pagar ao A., B…:
a. A quantia de €15.211,49, a título de indemnização, por resolução com justa causa, do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado do presente acórdão até integral pagamento;
b. A quantia de €2.374,00, a título de férias, e respetivo subsídio de férias, vencidas em 01.01.2012, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Custas, em ambas as instâncias, pelo A/Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário, e pela Ré/Recorrida, na proporção do decaimento.

Porto, 09.03.2015
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
_________________
[1] Essa impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, remete-nos, necessariamente, para o campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço, em concreto, dos interesses em presença.
[2] No sentido de que não age com abuso de direito o trabalhador que resolve o contrato de trabalho com justa causa no decurso de um procedimento disciplinar e já depois de ter recebido a nota de culpa –cfr. Acórdãos do STJ de 22.01.2003, Revista 3704/02-4ª Secção, in Sumários do STJ (http://www.stj.pt), do STJ de 18.10.2006, Proc. 06S2064, in www.dgsi.pt, e da RP de 15.05.95, in http://www.colectaneadejurisprudencia.com, referência 10894/1995. Por sua vez, Júlio Gomes, in ob. citada, pág. 1055, considerando embora que o abuso de direto se possa verificar perante o circunstancialismo de cada caso concreto, entende que “seria erróneo considerar que a resolução do contrato pelo trabalhador, com fundamento e violação culposa dos seus direitos, seja sempre abusiva só por já se ter iniciado um procedimento disciplinar contra ele”.