Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
474/15.5T8ESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: CONTRATO DE ATRIBUIÇÃO
CARTÃO DE CRÉDITO
TAXA DE JURO
LIBERDADE QUANTO À RESPECTIVA ESTIPULAÇÃO
Nº do Documento: RP20171114474/15.5T8STS.P1
Data do Acordão: 11/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 794, FLS.199-208)
Área Temática: .
Sumário: I - A jurisprudência, sem qualquer excepção, tem vindo a entender que as taxas de juro bancárias, quer relativamente aos juros remuneratórios, quer quanto aos juros de mora, estão liberalizadas por força do disposto no nº. 2 do dito Aviso 3/93 de 20 de Maio de 1993, podendo instituições de crédito e sociedades financeiras estabelecer livremente as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal.
II - Apenas dois autores defendem que não há lei habilitante para Banco de Portugal fixar os limites de taxas de juro das operações activas bancárias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 474/15.5T8ESP.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Espinho - Juiz 1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B… SA intentou a presente acção declarativa, que segue a forma de processo comum, contra C… pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €30.451,36 (trinta mil, quatrocentos e cinquenta e um euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros vincendos calculados sobre o capital em divida, à taxa contratual de 29,280 %, a contar desde a data de entrada da presente acção até integral pagamento e, ainda, no pagamento de custas e demais encargos legais.
Para tanto, em síntese, alegou que, é uma instituição financeira de crédito que se dedica ao financiamento de crédito ao consumo e à gestão e emissão de cartões de pagamento.
Que no exercício da sua actividade, a Autora celebrou com a ré, em 18.02.1992, um contrato de atribuição de cartão de crédito através do qual esta passou a ser titular de um cartão de crédito com o número ………………, através do qual foi concedido à ré a possibilidade de esta adquirir bens e/ou serviços pelo montante acordado entre esta e o vendedor, bem como efectuar operações de levantamento em numerário na rede de ATMs e aos balcões de bancos aderentes ao sistema Visa, o que a ré fez.
Por outro lado, sobre a autora impende a obrigação de proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pela ré a terceiros, os quais são posteriormente debitados na conta cartão associada e relacionados no extrato de conta mensal remetido à Ré para pagamento.
Para além da utilização do referido cartão de crédito, em 20.08.2012 a ora ré subscreveu e remeteu à autora um pedido de utilização de crédito pessoal, no qual aquele solicitou a atribuição de um crédito pessoal no valor total de €16.000,00 (dezasseis mil euros), quantia essa que foi creditada na conta da ré e que deveria ser liquidado em 84 prestações mensais, as quais seriam debitadas na conta cartão da ré e relacionadas nos extratos de conta que lhe iam sendo remetidos para pagamento.
Sucede, porém, que a ré não liquidou à autora o saldo em dívida resultante da utilização do cartão n.º ……………., nem tão-pouco a totalidade das prestações emergentes do crédito pessoal que lhe foi atribuído, o que deixou de fazer em 22.01.2013.
Razão pela qual, o montante de capital em dívida ascende, à data da propositura da ação, ao valor de €16.441,33 (dezasseis mil, quatrocentos e quarenta e um euros e tinta e três cêntimos), a que acrescem, ainda, os competentes juros de mora contratuais, calculados à taxa anual de 29,280% desde 22.01.2013 – data a partir da qual o montante liquidado pela ré deixou de ser suficiente para liquidar o montante em dívida -, e que ascendem, a €14.010,03 (catorze mil e dez euros e três cêntimos) e ainda, a quantia de €184,50 (cento e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), referente a encargos de cobrança contenciosa, montante esse que se encontra previsto no artigo 28.º das condições gerais de utilização.
Devidamente citada, a ré apresentou contestação, na qual, apesar de aceitar a celebração dos dois contratos a que a autora faz alusão na petição inicial, e o seu incumprimento contratual, invoca que os referidos contratos são contratos de adesão, em que as cláusulas não são negociáveis por quem pede o crédito, sendo que quando celebrou tal contrato não se apercebeu que teria de pagar uma taxa de juro de 29.280%. Mais acresce que tal taxa de juro é abusiva por claramente exceder os milites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, motivo pelo qual deve ser considerada nula.
De igual modo, a partir da entrada da ação em juízo a taxa de juro aplicável deve ser a legal e já não a contratada.
A autora pugnou pelo indeferimento das exceções invocadas pela ré.

Foi dispensada audiência prévia, tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova que não sofreram qualquer reclamação.
Após instrução procedeu-se a audiência final com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:” Pelo exposto, perscrutados todos os argumentos de direito e de facto supra referidos, julga-se a presente ação procedente, por provada, e em consequência, condena-se a ré C… a pagar à autora B… SA a quantia de €30.451,36 (trinta mil, quatrocentos e cinquenta e um euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos calculados sobre o capital em divida de €16.441,33, à taxa contratual de 29,280 %, a contar desde a data de entrada da presente ação até integral pagamento.”

C… interpôs recurso, concluindo:
1º Em 20.08.2012 a Ré aqui Recorrente C…, subscreveu e remeteu à Autora um pedido de utilização de crédito pessoal, no qual aquele solicitou a atribuição de um crédito pessoal no valor total de €16.000,00 (dezasseis mil euros), o qual tinha como adjacente um contrato.
2º A referida quantia de €16.000,00 (dezasseis mil euros) foi creditada na conta da ora Recorrente.
3º Nos termos da atribuição do crédito pessoal supra mencionado, e conforme acordado com a Ré, tal valor de €16.000,00 (dezasseis mil euros) deveria ser liquidado em 84 prestações mensais.
4º Ou seja as prestações terminavam em Setembro de 2019.
5º Esse referido contrato adjacente, com as suas cláusulas, é um contrato de adesão.
6º Ou seja, não é negociável por quem pede o crédito, e neste caso não o foi pela Ré aqui Recorrente.
7º A Recorrida, com base no aludido contrato, peticiona juros à taxa de 29.280%, pelo incumprimento por parte da Ré aqui Recorrente.
8º Sendo que a R., quando celebrou tal contrato não se apercebeu que teria que pagar tal taxa de juros.
9º Tal taxa de juro é manifestamente excessiva.
10º Há aqui claramente abuso de direito, o qual está previsto no artº 334º do Código Civil.
11º Com efeito a taxa de juro de 29.280 % peticionada pela Ré, excede claramente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico.
12º Com efeito, a taxa de juro devida, em caso de incumprimento por parte dos RR, em vigor para os tribunais, é muito inferior à peticionada pela A.
13º Ao cobrar tal taxa altíssima, ultrapassa o fim económico a que se destina, tendo a A aqui Recorrida, igualmente, se a taxa de juro fosse consentânea com a legalidade.
14º Devendo como tal, tal cláusula do contrato que fixa a taxa de juro de mora em 29.280%, ser considerada nula
15º Tal taxa de juro é manifestamente excessiva, salvo o devido respeito.
Sem prescindir:
16º O contrato de mútuo celebrado entre A e R. aqui Recorrente e Recorrida, previa o pagamento da quantia mutuada em 84 prestações mensais e sucessivas.
17º A última prestação seria devida em Setembro de 2019, no caso de haver sido cumprido o estabelecido contratualmente.
18º Assim, quando muito, a taxa de juro contratualizada pelas partes somente seria de aplicar, em relação aos juros de mora vencidos, até ao último dia previsto do pagamento das prestações acordadas.
19º E não como resulta da condenação da douta sentença, a aplicação de uma taxa de juro de 29,280% ao ano, até efectivo e integral pagamento, o qual poderá ocorrer depois daquela data.
20º Assim resulta, que os juros de mora vencidos, desde a data prevista para a última prestação do contrato, até ao efectivo e integral pagamento será à taxa legal de 4% e não a taxa de 29.280% fixada em sentença.
21º O Recorrente cumpre a obrigação, quando realiza a prestação a que está obrigado nos termos do artº 762º nº 1 do C. Civil e de acordo com o nº 2 do mesmo artigo as partes devem proceder de boa fé.
22º Sendo responsável pelo pagamento dos juros de mora, os mesmos devem ser fixados, após o prazo previsto contratualmente para cumprimento integral das prestações por parte da Recorrente, à taxa legal como dispõe o artº 559 nº 1 do C. Civil.
23º Caso contrário estaríamos perante a possibilidade de a taxa de juro, referente aos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, se venha a manter muito para além do prazo estabelecido para o pagamento das prestações da quantia mutuada, o que no entender do Recorrente, é contrário à lei.
24º Foram assim violados os artºs 334º 559º nº 1 e 762º nº 2 do Código Civil:
25º Findo tal prazo previsto contratualmente, será devida a taxa de juro fixada para os regimes de incumprimento, e não a taxa de juro do contrato.
26º E não como pede a Autora, até efectivo e integral pagamento.
Termos em que. devem V. Exa;
- Declarar como nula toda e qualquer cláusula contratual que fixe a taxa anual de juro de mora em 29.280%, por tal constituir abuso de direito.
Ou caso assim não entendam;
. manter a condenação da Recorrente nos juros a 29.280%, pelo período de duração do contrato, ou seja, 84 meses ou 7 anos, contados da data em que a Recorrente celebrou o contrato com a Recorrida, e após tal facto a condenação da Recorrente no pagamento de juros à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. revogando a sentença condenatória, que recaiu nos autos do processo supra referenciado, e nos termos sobreditos, se fará: JUSTIÇA

B…, S.A., apresentou contra-alegações, concluindo:
1º A Recorrente recorreu da Sentença do tribunal a quo no ponto em que julgou a inexistência de abuso de direito na taxa de juro contratualizada.
2º Resumidamente, vem a Recorrente invocar que a taxa de juro peticionada e na qual foi a Recorrente condenada é manifestamente excessiva.
3º Mais alega que a taxa de juro de 29,280% excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico.
4º Deste modo, é do entendimento da Recorrente que “há aqui claramente abuso de direito”, entendimento este baseado no facto de a mesma, aquando da celebração do contrato, não se ter, aparentemente, apercebido que teria de pagar tal taxa de juro.
5º Na sentença recorrida, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo considerou não assistir razão à Ré, aqui Recorrente na invocação da existência de abuso de direito na estipulação da taxa de juro.
6º Atentando na fundamentação da sentença recorrida conclui-se que a Mmª Juiz do Tribunal a quo, após apelar à destrinça entre juros legais e convencionais, considerou que, uma vez não existindo, no diploma legal que rege o regime jurídico do crédito ao consumo normas especificas sobre a taxa aplicável aos juros, quer sejam remuneratórios ou moratórios fica, por conseguinte, nesta matéria, na disponibilidade das próprias partes a sua livre estipulação.
7º Com efeito, o montante de juros cobrado e peticionado foi calculado com base na taxa contratualmente acordada entre as partes, tendo sido escrupulosamente cumprido por parte da Autora o dever de comunicação e esclarecimento, bem como o dever de informação no que diz respeito às condições gerais.
8º Constando a taxa aplicada aos juros moratórios das condições gerais anexas ao contrato e, sendo certo, que as mesmas foram comunicadas e explicadas pela Autora, aqui Recorrida, e assinadas e aceites pela Ré, aqui Recorrente, é efectivamente esta a única taxa aplicável em caso de incumprimento contratual.
9º É que, o montante de juros que é cobrado, tal como supra mencionado, foi calculado com base na taxa contratualmente acordada entre as partes.
10º De facto, a Recorrente sempre manifestou a sua aceitação do clausulado nos contratos, cumprindo-os nos termos contratados e aceitando a sua execução nesses precisos termos, mais concretamente no que concerne à taxa de juro contratualmente aplicável.
11º Prova disso, foi o facto de ter utilizado o cartão de crédito atribuído pela ora Recorrida durante cerca de 23 anos.
12º A verdade é que durante 23 anos a Recorrente utilizou o cartão de crédito ora atribuído e usufruiu, ainda, do crédito pessoal concedido, sem nunca ter colocado em causa a taxa de juro contratualmente aplicada, nem as condições actualizadas relativamente a tal taxa que lhe foram sendo remetidas sucessivamente conjuntamente com cada renovação do cartão de crédito.
13º A verdade é que, reitera-se que, durante 23 anos, à Recorrente foram remetidos cartões renovados, assim como, as respectivas condições actualizadas, sem nunca esta ter solicitado qualquer esclarecimento à Recorrida, nem tão pouco apresentado qualquer desconhecimento quanto à utilização dos mesmos, mais concretamente no que respeita à taxa de juro aplicada ao longo de todos esses anos.
14º Ora, o facto de a Recorrente usufruir do cartão e ir liquidando sem nunca contestar, nem sequer se questionar acerca da taxa de juro contratualmente acordada, demonstra que, apenas quando deixou de poder liquidar o montante em dívida e utilizar o cartão de crédito, é que se tornou conveniente alegar a existência de abuso de direito na taxa de juro contratada por parte da Recorrida e a consequente nulidade de tal taxa.
15º Posto isto, não pode aceitar-se que a Recorrente venha agora escudar-se no alegado desconhecimento da taxa de juro contratualizada com o único propósito de obstar à sua condenação no pagamento do contratualmente acordado, que inclui, o pagamento dos juros de mora à taxa contratual, entendimento que, de resto, é o perfilhado pela Mm.ª Juiz do Tribunal a quo.
16º Assim, sempre se dirá que a tese que a Recorrente pretende fazer vingar não goza de qualquer apoio, quer legal, quer jurisprudencial.
17º Assim, atendendo a que o crédito bancário e para - bancário se encontram submetidos a legislação especial, na qual se prevê que são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito as taxas de juro das suas operações não colhe a argumentação da Recorrente quando afirma que a taxa de juro peticionada pela Autora, aqui Recorrida, é manifestamente excessiva constituindo abuso de direito.
18º Pois que, não há, no presente caso, qualquer violação do artigo 1146º Código Civil, que não tem aqui aplicação.
19º Por conseguinte, e conforma Ac. Do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.06.2012, a que alude a sentença do Tribunal a quo, “As taxas de juro bancárias são, como se refere no Acórdão do STJ de 20.03.2012, disponível em www.dgsi.pt, no que toca à sua formação nominal, o resultado da livre concorrência no mercado financeiro, por acção da liberalização dos juros remuneratórios nas operações de crédito activas, autorizada pelo Aviso n.º 3/93 de 20.05.1993 do Banco de Portugal o que os torna elevados mas não usurários (…)”
“(…) Os juros foram fixados contratualmente e encontram justificação na liberdade de conformação que aos sujeitos contratuais compete, ajustada, por se tratar de juros bancários, às normas supra citadas, emanadas do Banco de Portugal.”
20º Desta forma, não deverá ter acolhimento a argumentação da Ré, aqui Recorrente, que sugere a nulidade e ineficácia das cláusulas de ambos os contratos (quer o de atribuição de crédito, quer o de atribuição de crédito pessoal) que prevêem a taxa de juro de mora de 29,280% pois que a Autora, aqui Recorrida, encetou todas as diligências pré-contratuais e contratuais a que está vinculada, nomeadamente quanto à comunicação da taxa de juro aplicável e suas alterações ao longo da vigência do contrato, tendo os Recorrentes sido coniventes, durante vários anos, com a competência e zelo que caracterizaram a actuação da Recorrida no decurso da relação contratual inter - partes.
21º Quanto à restante matéria alegada pela Ré, aqui Recorrente, vem a mesma alegar que caso não se dê como nula a cláusula que prevê a aplicação da taxa de juro contratual, sempre se deveria aplicar a taxa de juro contratualizada pelas partes, em relação aos juros de mora vencidos, somente até ao último dia previsto do pagamento das prestações acordadas (no contrato de atribuição de crédito pessoal).
22º Não poderá a tese da Recorrente, de aplicação da taxa legal de 4% a partir da data contratualmente fixada para a última prestação do contrato, ser levada a cabo porquanto uma vez incumprido o contratado, e sendo esse incumprimento imputável ao devedor, no caso a aqui Recorrente, vence-se a obrigação podendo o credor exigir as demais, dando-se inicio, a partir do incumprimento à contagem de juros de mora, mais concretamente de juros de mora à taxa contratada até efectivo e integral pagamento do montante devido.
23º Assim, cumpre esclarecer que a taxa de 29,280%, com base na qual são calculados os juros de mora, é aplicável a partir do momento em que o montante liquidado, neste caso pela Ré, aqui Recorrente, deixou de ser suficiente para liquidar a quantia em dívida.
24º Assim, e subsumindo ao caso concreto, os competentes juros de mora contratuais, calculados à taxa anual de 29,280%, são calculados desde 22.01.2013 – momento a partir do qual o montante liquidado pela Ré deixou de ser suficiente para liquidar a quantia em dívida.
25º Assim, a Ré constituiu-se em mora desde o referido momento e, em consequência, iniciou-se o vencimento dos juros devidos, incluindo a referente à parte não paga do capital indicado em cada um dos extractos mensais que foram sendo devidamente remetidos.
26º No caso sub judice, o incumprimento definitivo iniciou-se no momento em que o titular, ora Recorrente, deixou de efectuar o pagamento mínimo obrigatório estipulado contratualmente.
27º Ora, os Extractos de Conta eram remetidos mensalmente à Recorrente, sendo que, quando se verificou que esta se encontrava numa situação de dificuldade económica – in casu aquando o pedido de crédito pessoal -, a Autora, aqui Recorrida, procedeu ao cancelamento do cartão a 13.02.2013, inibindo a Recorrente de o continuar a utilizar de forma a impedir que a dificuldade financeira aumentasse.
28º Ou seja, conforme prevê a cláusula 17 das Condições Gerais (doc. 2), “No caso de pagamento parcial do saldo da Conta que seja igual ou superior ao mínimo contratado, sobre o capital remanescente que fique em dívida incidirão juros remuneratórios à taxa contratual em vigor a que acrescem os correspectivos impostos”.
29º E bem assim, em conformidade com a al. b) dessa mesma cláusula, “Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento do mínimo acordado, a B… poderá exigir, quando a mora se prolongue por mais de 60 dias, e até efectivo pagamento da obrigação, juros moratórios correspondentes à soma da taxa de juro remuneratória anual vigente”.
30º Nos termos previstos nos contratos em causa, dúvidas não há de que, vencida uma prestação, todas as outras prestações se vencem imediatamente pelo que não há dúvidas que houve mora por parte da Recorrente, motivo pelo qual procedeu a Recorrida ao cancelamento do cartão em 12.02.2013.
31º A Recorrente chama, ainda, à colação a disposição do artigo 762º CC que dispõe que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está obrigado e ainda que os juros de mora devem ser fixados, após o prazo previsto contratualmente para cumprimento integral das prestações por parte da Recorrente.
32º Ora, esquece, no entanto, a Recorrente que ao celebrar o contrato de atribuição de crédito pessoal, se obrigou a liquidar mensalmente pelo período de 84 meses o valor do crédito pessoal concedido o que, efectivamente, deixou de suceder, havendo, desde logo, incumprimento, pelo que não assiste razão à Recorrente quando alega que só haveria incumprimento após o prazo contratualmente fixado para o pagamento da última prestação e que, por isso, só a partir desse momento deveriam fixar-se os juros de mora.
33º Muito menos pode entender-se que tais juros de mora seriam os juros de mora legais.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se
- a taxa de juro é manifestamente excessiva, existindo abuso de direito;
- a taxa de juro contratualizada pelas partes somente seria de aplicar em relação aos juros de mora vencidos até ao último dia previsto do pagamento das prestações acordadas.

III. Fundamentação da matéria de facto
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma instituição financeira de crédito que se dedica ao financiamento de crédito ao consumo e à gestão e emissão de cartões de pagamento.
2. No âmbito do exercício da sua atividade, a Autora celebrou com a Ré, em 18.02.1992, um contrato de atribuição de cartão de crédito através do qual esta passou a ser titular de um cartão de crédito com o número ……………..,conforme cópia do pedido de adesão e condições gerais de utilização, direitos e obrigações das partes que se encontram juntos a fls. 6 verso a 9, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais.
3. Ao subscrever o contrato em apreço, a Ré aderiu às suas condições gerais de utilização e correspetivos direitos e deveres, as quais para além de lhe terem sido remetidas com o primeiro cartão de crédito que lhe foi entregue, foram-lhe sendo remetidas conjuntamente com cada renovação do referido cartão de crédito.
4. Através dos supra referidos cartões de crédito foi concedido à Ré a possibilidade de esta adquirir bens e/ou serviços pelo montante acordado entre esta e o vendedor, bem como efectuar operações de levantamento em numerário na rede de ATMs e aos balcões de bancos aderentes ao sistema Visa, do que a ré fez uso.
5. Sobre a Autora impende a obrigação de proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pela Ré a terceiros, os quais são posteriormente debitados na conta cartão associada e relacionados no extrato de conta mensal remetido à Ré para pagamento.
6. Em 20.08.2012 a ora Ré subscreveu e remeteu à Autora um pedido de utilização de crédito pessoal, no qual aquela solicitou a atribuição de um crédito pessoal no valor total de € 16.000,00, pedido esse que foi aceite pela autora, tendo a referida quantia sido creditada na conta da ora Ré, (conforme documento junto aos autos a fls. 10 a 12 e que aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos).
7. O crédito referido em 6. deveria ser liquidado em 84 prestações mensais, as quais seriam debitadas na conta cartão da Ré e relacionadas nos extratos de conta que lhe iam sendo remetidos para pagamento.
8. No âmbito dos contratos referidos em 2. e 6. foi convencionada, para o saldo da dívida, e s m prejuízo das eventuais alterações que seriam sempre comunicadas no extrato de conta com indicação da data de entrada em vigor, a aplicação de uma taxa de juros remuneratória contratual anual de 23,20% sendo os juros calculados mensalmente (1,933 % mensais) acrescidos de imposto de selo, (cfr. clausulas 17.º, a) e 29.º de fls. 8 e 8 verso verso e ainda por remissão da clausula 10.º de fls. 11 verso), taxa essa igualmente convencionada para o caso de mora.
9. Por comunicação no extrato bancário de Janeiro de 2013, a autora comunicou a alteração, a partir de 1 de março de 2013, da taxa anual nominal para 27,350 %.
10. Em 22.01.2013 a ré deixou liquidar à Autora o saldo em dívida resultante da utilização do cartão n.º ………………., e as totalidades das prestações emergentes do crédito pessoal que lhe foi atribuído, encontrando-se em divida a quantia de €16.441,33 a título de capital.
11. Apesar de interpelada para cumprir quer pela emissão e receção dos diversos extratos de conta do cartão quer por carta, datada de 14.05.2013, enviada para o seu domicílio convencionado, a ré não o fez.
12. Os contratos referidos em 2. e 6. foram enviados, pela autora, para a morada da ré, devidamente acompanhados das condições gerais de utilização anexas, tendo a ré ficado na sua posse durante cerca de 8 dias, tendo tido acesso aos mesmos durante o tempo que pretendeu, após o que, assinou os mesmos e remeteu à autora.

III – Fundamentação de direito
Alega a recorrente que a recorrida, com base no aludido contrato, peticiona juros à taxa de 29.280% pelo incumprimento. Esta taxa de juro é manifestamente excessiva, existindo abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil, devendo como tal, tal cláusula do contrato que fixa a taxa de juro de mora em 29.280%, ser considerada nula.
Atentemos.
O regime jurídico do crédito ao consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro (RJCC), não contém qualquer norma expressa sobre a taxa máxima de juros, remuneratórios ou moratórios, a qual pode ser acordada pelas partes.
Com efeito, relativamente aos primeiros, a lei preocupa-se essencialmente com a informação antecipada e adequada do consumidor sobre o custo total do crédito, através da figura da taxa anual de encargos efectiva global (TAEG), na qual se incluem os juros remuneratórios propriamente ditos, assim como outros encargos resultantes da concessão de crédito.
Quer a lei civil, de acordo com os artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º do código civil, quer a comercial, através do artigo 102.º do Código Comercial, estabelecem um regime próprio para a usura quando esta se manifeste através de taxas de juro, prescindindo-se dos demais requisitos objectivos e subjectivos de que depende a intervenção do instituto da usura em geral, regulado no artigo 282.º do C. Civil. Em ambos os casos a usura manifestada através da fixação negocial de taxas de juro fica sujeita a uma sanção específica: a da redução da taxa de juros acordada ao máximo legalmente permitido.
A jurisprudência a doutrina vêm entendendo que, nos casos em que o concedente do crédito é uma instituição de crédito ou sociedade financeira, sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, não se lhes aplica o disposto no artigo 102.º do C. Comercial, já que as taxas de juro nas operações activas daquelas entidades se encontram liberalizadas, pelo menos desde 1993. O fundamento de tal tese é o Aviso do Banco de Portugal n.º 3/93, de 20 de Maio
Com efeito, durante a vigência da Lei Orgânica do Banco de Portugal (LOBP 75), aprovada pelo Decreto-Lei 644/75, de 15 de Novembro, competia ao Banco de Portugal, de acordo com o artigo 28.º, n.º 1, al. b) “fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações efectuadas pelas instituições de crédito ou por quaisquer outras entidades que actuem nos mercados monetário e financeiro».
Ao abrigo desta disposição, o Banco de Portugal emitiu uma série de avisos, estabelecendo taxas máximas para as operações activas das entidades sujeitas ao seu poder regulador, o último dos quais o Aviso 3/88, publicado a 5 de Maio, que fixou, como regra, a taxa máxima de juros nas operações activas em 17% ao ano.
No entanto, a aplicação das taxas máximas para a generalidade das operações activas previstas no referido Aviso foi suspensa (com excepção das taxas no crédito à habitação) poucos meses depois da sua publicação, através do Aviso n.º 5/88, de 15 de Setembro, suspensão alargada às taxas de juro do crédito à habitação pelo Aviso 65/89, de 18 de Março.
Apesar da suspensão da sua vigência, o aviso 3/88 só viria a se formalmente revogado já na vigência da nova Lei Orgânica do Banco de Portugal (LOBP 90, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 337/90, de 30 de Outubro), através do referido Aviso 3/93.
Foi ao abrigo destas disposições que viria a ser emitido o referido Aviso.
No acórdão do STJ de 27-05-2003, Proc. 03A1017 in www.dgsi consignou-se:” Quanto à questão dos juros é sabido que o crédito bancário e para-bancário está submetido a legislação especial, na qual se atribuem, no que respeita à fixação de juros, elevados poderes ao Banco de Portugal que, qualquer que seja a natureza e forma de titulação do respectivo crédito, não conhece limites nessa fixação, designadamente os próprios do direito privado e do art. 1146 do C.C., como observa Simões Patrício, in R.T. - ano 95 - 341.
De resto, actualmente as taxas de juro bancárias estão praticamente liberalizadas como resulta do disposto no nº. 2 do Aviso 3/93 de 20 de Maio de 1993, onde se lê "são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal".
Ora, sendo assim, é claro que não se verifica a violação do art. 1146º do C.C., que não tem aqui aplicação.”
Por conseguinte nunca os juros podiam vir a ser reduzidos nos termos do mencionado preceito legal.
Aliás, como o recorrente reconhece os juros reclamados pelo banco decorrem das taxas inicialmente contratadas de modo que não poderá disso queixar-se.”
Note-se que não havendo usura não há abuso de direito pois, nesta matéria, aquele é o antecedente histórico deste instituto.
E a jurisprudência, sem qualquer excepção, tem vindo a manter este entendimento, v.g. acórdãos do STJ de 27-05-2003, Proc. 03A1017, 20-03-2012, Proc. 1557/05.5TBPTL.L1, acórdão da Relação de Guimarães de 19-06-2012, Proc. 74/08.7TBVVD-A.G1 e acórdão da Relação de Coimbra de 11-03-2014, Proc. 892/09.4T2AGD-A.C1, todos em www.dgsi.pt.
Na doutrina salientam-se Simões Patrício, citado nos referidos acórdãos e AUGUSTO ATHAYDE, Curso de Direito Bancário, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999.
Conhecem-se na doutrina duas vozes discordantes.
Carlos Gabriel da Silva Loureiro, em Revista de Estudos Politécnicos 2007, Vol V, nº 8, 265-280, considera que: “A liberalização das taxas de juro nas operações activas levadas a cabo por instituições de crédito e sociedades financeiras parece assim resultar de um mero diploma regulamentar, emitido depois da revogação da norma habilitante, que constava da LOBP 75. Pode, por isso, questionar-se a legalidade da referida norma e, independentemente disso, a virtualidade de uma disposição com a referida natureza poder derrogar normas legais de natureza claramente imperativa, como são os citados artigos 102.º do CCOM e 1146.º do CCIV.
Desta feita e tendo em conta a hierarquia das fontes, o referido Aviso do Banco de Portugal não obsta, por si só, à aplicação às operações de crédito activas das instituições de crédito e sociedades financeiras dos limites impostos pelos artigos 102.º do CCOM e 559.º-A e 1146.º do CCIV, assim como às consequências resultantes destas disposições23/24.
No mesmo sentido se pronuncia Pedro Pais de Vasconcelos, Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais, ebook direito bancário- CEJ:
Da comparação dos três regimes legais, da LOBP 75, da LOBP 90 e da LOBP 98, resulta com clareza a perda pelo Banco de Portugal da competência para fixar os limites de taxas de juro das operações ativas bancárias. Logo na LOBP 90 deixou de haver qualquer preceito que atribuísse ao Banco Central essa competência, e assim se manteve na LOBP 98. E, no entanto, os Avisos emitidos pelo Banco de Portugal em que regeu sobre taxas de juro TAEG continuam a referir como normas habilitantes o artigo 17º da LOBP 98, além do artigo 28º do Decreto-Lei nº 133/09, de 2 de junho (que rege atualmente o crédito ao consumo).”.
Assim, estes autores fundam a sua posição na falta de lei habilitante para Banco de Portugal fixar os limites de taxas de juro das operações activas bancárias.
Porém, entende-se ser de seguir a aludida jurisprudência dominante de que as taxas de juro bancárias, quer relativamente aos juros remuneratórios, quer quanto aos juros de mora, estão liberalizadas por força do disposto no nº. 2 do dito Aviso 3/93 de 20 de Maio de 1993, podendo instituições de crédito e sociedades financeiras estabelecer livremente as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal.
Sustenta ainda a recorrente que o contrato de mútuo celebrado previa o pagamento da quantia mutuada em 84 prestações mensais e sucessivas, a última prestação seria devida em Setembro de 2019, no caso de haver sido cumprido o estabelecido contratualmente. Assim, diz, a taxa de juro contratualizada pelas partes somente seria de aplicar em relação aos juros de mora vencidos até ao último dia previsto do pagamento das prestações acordadas e não, como resulta da condenação da sentença, a aplicação de uma taxa de juro de 29,280% ao ano até efectivo e integral pagamento, o qual poderá ocorrer depois daquela data.
Vejamos.
Os juros de mora correspondem à indemnização do dano causado por aquele que não paga a dívida no vencimento ou não restitui no momento aprazado o dinheiro alheio de que tenha a posse.
Nas dividas pecuniárias as perdas e danos consistem nos juros moratórios, sendo intuitiva a razão dessa especificidade.
Uma primeira noção adoptada por muitos economistas é a de que juro será o preço do capital, o aluguer do capital. É, pois, o lucro que o capitalista aufere pelos capitais que cede ou empresta.
Assim, dispõe o nº 1 do artigo 806.º do C. Civil que: “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”
Portanto, os juros moratórios à taxa de juro contratualizada pelas partes incidem a partir do momento em que se figura o incumprimento da obrigação, podendo dizer-se que correspondem ao que o credor pode exigir pelo facto de ter prestado ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar. Como tal são devidos até ao momento do efectivo pagamento da obrigação.
Uma última nota sobre a questão das custas.
A apelante litiga com apoio judiciário pelo que há que atentar naquilo que refere Salvador da Costa, autoridade em matéria de custas processuais, no Blog do Instituto Português de Processo Civil.
(https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxpcHBjaXZpbHxneDo0ZTJkOTRiZTdlMTZkZTU).
Se a parte vencida, aquando da decisão final, ainda for beneficiária do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e de encargos do processo, não pode ser condenada no pagamento de custas.
Tal decorre, por um lado, do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, na medida que se refere ao apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e não ao mero prévio pagamento de custas.
Por outro lado, resulta do estatuído nos artigos 19.º, n.º 1, e 20.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, quanto à vertente dos encargos, que, beneficiando o responsável de apoio judiciário na aludida modalidade, são suportados pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P..
Se dúvidas houvesse elas seriam eliminadas seriam por virtude do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do aludido Regulamento, segundo o qual, é dispensado o acto de contagem se o responsável pelas custas beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Com efeito, a dispensa do acto de contagem decorre necessariamente do facto de o beneficiário de apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária não poder ser condenado no pagamento de custas – taxa de justiça, encargos e custas de parte.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
A apelante não está sujeita ao pagamento de custas por beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa do seu pagamento.

Porto, 14 de Novembro de 2017
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante