Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
482/11.5TYVNG-U.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: USUCAPIÃO
INICIO DA POSSE
HIPOTECA
BENS NÃO PERTENCENTES AO DEVEDOR
CANCELAMENTO
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RP20190522482/11.5TYVNG-U.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO ULTERIOR DE VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º174, FLS.54-59)
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 1288º do CC dispõe que os efeitos da usucapião retrotraem - se à data do início da posse.
II - No caso dos autos e provando-se que na data da constituição das hipotecas e das penhoras as fracções ora em causa não pertenciam à sociedade devedora mas sim aos autores ora apelantes, existe fundamento legal para o cancelamento destes ónus que incidem sobre as referidas fracções e cujo registo é posterior à concretização da mencionada aquisição.
III - Comprovando-se que a referida sociedade devedora foi declarada insolvente, só no processo de insolvência podem os credores obter o pagamento dos seus créditos.
IV - Segundo o disposto no art.º 818º do Código Civil o direito à execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estes estejam vinculados à garantia do crédito.
V - Nos autos e encontrando-se extinta a garantia, por aplicação da alínea a) do art.º 730 do CC, encontram-se também extintas as hipotecas e as penhoras que oneram as fracções em causa, já que não se encontrando as fracções dos Autores apreendidas no processo de insolvência da sociedade devedora, não poderá nunca tal obrigação ser exigida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº482/11.5TYVNG-U.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (933)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
Por apenso aos autos de insolvência em que B…, LDA. foi declarada insolvente, vieram C… e esposa D…, E… e esposa F… e G… e esposa H… propor a presente acção de verificação ulterior de direitos, contra a devedora B…, LDA., a Massa Insolvente de B…, LDA. e os credores da devedora, peticionando seja reconhecida a aquisição a seu favor, por usucapião, dos imóveis que melhor identificam nos artigos 3º, 9º, 15º e 25º da petição inicial e, em consequência, a sua separação da massa insolvente.
Peticionaram ainda o cancelamento dos registos efectuados pelas Ap. 3436, de 28.2.2012 relativa à fracção “AG” e pela Ap. 3439, de 28.2.2012, relativa às fracções “AI” e “AH”, bem como o cancelamento sobre as fracções “AG”, “AI” e “AH” das Apresentações identificadas no ponto 27 da petição inicial.
Citados que foram a devedora, a Massa Insolvente e os credores da devedora, estes por edital electrónico publicado no portal Citius, não foi apresentada qualquer contestação.
Os requerentes C… e outros vieram apresentar as suas alegações nos termos do disposto no art.º567º, nº2 do CPC.
Foi então proferida sentença na qual se julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declarou-se adquirida, por usucapião, a propriedade da fracção “AG” a favor dos Primeiros Autores, desde 20 de Outubro de 1989, a propriedade da fracção “AI” a favor dos Segundos Autores, desde 26 de Agosto de 1989 e a propriedade da fracção “AH” a favor dos Terceiros Autores, desde 16 de Agosto de 1989, todas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 00704/19880420;
b) Determina-se a separação das fracções indicadas em a) da massa insolvente de B…, Lda.;
c) Determina-se o cancelamento da apreensão a favor da massa insolvente efectuada nestes autos em relação as fracções indicadas em a) e registadas sob as apresentações Ap. 3436 de 28.2.2012 quanto á fracção AG, Ap. 2439,de 2012.02.28, quanto a fracção AI e Ap. 3439 de 2012.02.28 quanto a fracção AH.
Do demais peticionado, absolveram-se os demandados.
*
Os requerentes C… e Outros vieram interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
Não foram apresentadas contras alegações.
Foi proferido despacho que considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
I. A douta sentença proferida violou Conforme o disposto nos artigo 1288.º 818º e 730 alínea a) do CC.
Senão vejamos:
II. O artigo 1288º do CC dispõe que os efeitos da usucapião retrotraem- se à data do início da posse.
III. Tal efeito retroactivo preclude a eficácia de qualquer alienação ou oneração dos bens em causa como consequência prática de actos de disposição entretanto efectuado pelo B…, o qual deve ser considerado como “nom domino” e como tal insusceptível de liquidar ou comprometer os direitos adquiridos pelos autores.
IV. Sendo que na data da constituição das hipotecas (24/7/1991 e 19/7/2000) e penhoras (13/11/2000, 08/06/2007, 26/11/2007, 08/01/2010 e 24/03/2010), as fracções ora em causa não pertenciam ao devedor B…, Lda., mas sim aos ora Autores.
V. Existe assim cobertura legal para o cancelamento destes ónus incidentes sobre as fracções, cujo registo é posterior à concretização da mencionada aquisição (que remonta a 1989), pois que o registo cede perante a aquisição por usucapião, dado que esta inutiliza por si as situações registais existentes, não sendo prejudicada pelas vicissitudes de que neste aspecto o imóvel tenha sido objecto.
Sem prescindir
VI. A sociedade B…, Lda., foi declarada insolvente, sendo certo que só no processo de insolvência podem os credores obter o pagamento dos seus créditos.
VII. Sucede porém que pela presente sentença foi cancelado o registo da apreensão das fracções em causa a favor da massa insolvente, pelo que nunca respondem pelo pagamento dos créditos constituídos pela sociedade, uma vez que como foi dado como provado em 26º em tais apresentações figura como sujeito passivo a insolvente B…, Lda.
Na verdade,
VIII. Prescreve o artigo 818º do CC que o direito a execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estes estejam vinculados à garantia do crédito.
IX. Ora, como ficou provado em 26º em tais apresentações figura como sujeito passivo a insolvente B…, Lda. e não os ora Autores, que não se encontram vinculados à garantia do crédito, pelo que nunca as penhoras referidas em 25º dos factos provados poderão incidir sobre as fracções em discussão nos presentes autos, propriedade dos ora Autores.
Acresce que,
X. Encontrando-se extinta a garantia, por aplicação da alínea a) do artigo 730 do CC, encontram-se extintas as hipotecas referidas em 25º dos factos provados, pois que não se encontrando as fracções dos Autores apreendidas no processo de insolvência da sociedade devedora, único processo pelo qual os credores podem obter o pagamento dos seus créditos, nunca será tal obrigação exigida, extinguindo-se desta forma a obrigação a que serve de garantia as hipotecas incidentes sobre as fracções dos ora Autores.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, na procedência do recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada, determinando-se o cancelamento dos ónus referidos em 25 dos factos provados.
Assim, decidindo, farão Vossas Excelências, aliás como sempre,
Inteira e Sã Justiça!
*
Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a única questão suscitada neste recurso:
A da procedência do pedido de cancelamento dos ónus que tem por objecto as fracções AG, AI e AH e estão melhor identificados no ponto 25 dos factos provados.
E para apreciar e decidir esta questão importa considerar quais os factos que foram dados como provados na sentença recorrida e que são os seguintes:
1. A 20 de Outubro de 1989, os autores C… e mulher D… encontravam-se casados sob o regime de comunhão geral de bens.
2. Nessa data e na constância do matrimónio celebraram com a sociedade B…., Lda. um acordo epigrafado de “Contrato promessa de compra e venda”, conforme documento junto com a petição inicial como Doc. 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
3. Nos termos do acordo referido em 2, a Ré B…, Lda., na qualidade de dona e legítima possuidora de um prédio urbano, que estava a construir sob o alvará de licença n.º 912, no terreno rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o n.º 343 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 00704, declarou prometer vender aos segundos outorgantes, ora primeiros Autores, e estes declararam prometer comprar, livre de quaisquer ónus e encargos, uma garagem localizada no Lote n.º 11, designada pelo n.º 1 na …, Póvoa de Varzim, conforme cláusulas I e II do supramencionado documento n.º 1.
4. No indicado acordo ficou estipulado que o preço da venda da garagem, no valor de Esc. 1.050.000$00 (um milhão e cinquenta mil escudos), seria pago da seguinte forma: a) Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos) em 20 de Outubro 1989, como sinal e princípio de pagamento; b) Esc. 550.000$00 (quinhentos e cinquenta mil escudos) no acto da escritura ou chave na mão.
5. No dia 23 de Novembro de 1990, para além do sinal pago, os indicados ora primeiros Autores procederam ao pagamento da quantia de 550.000$00, correspondente ao remanescente do preço, procedendo assim ao pagamento integral do preço a que se obrigaram no referido acordo.
6. A estes autores, com a celebração do acordo descrito em 2 foram ainda entregues as chaves e conferida a posse imediata da garagem, que vêm exercendo desde então.
7. A 26 de Agosto de 1989, os autores E… e mulher F… encontravam-se casados sob o regime de comunhão de bens adquiridos.
8. Em tal data e na constância do matrimónio, realizaram estes autores com a sociedade B…, Lda. um acordo epigrafado de “Contrato promessa de compra e venda”, conforme documento junto com a petição inicial sob a indicação Doc. 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
9. Nos termos do acordo referido em 8, a Ré B…, Lda., na qualidade de dona e legítima possuidora de um prédio urbano, que estava a construir sob o alvará de licença n.º 912, no terreno rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia da … sob o n.º 343 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 00704, declarou prometer vender aos indicados Autores e estes declararam prometer comprar, livre de quaisquer ónus e encargos, uma garagem localizada no Lote n.º 11, designada pelo n.º 3 na …, Póvoa de Varzim, conforme cláusulas I e II do supramencionado documento n.º 3.
10. No aludido acordo ficou estipulado que o preço da venda da garagem no valor de Esc. 950.000$00 (novecentos e cinquenta mil escudos) seria pago da seguinte forma: a) Esc. 475.000$00 (quatrocentos e setenta e cinco mil escudos) em 26 de Agosto de 1989, como sinal e princípio de pagamento; b) Esc. 475.000$00 (quatrocentos e setenta e cinco mil escudos) no acto da escritura ou chave na mão.
11. No dia 11 de Outubro de 1990, para além do sinal pago, os indicados ora segundos Autores procederam ao pagamento da quantia de 475.000$00 correspondente ao remanescente do preço, procedendo assim ao pagamento integral do preço a que se obrigaram no indicado acordo.
12. Aos ora segundos autores, com a celebração do indicado acordo e na data de 26 de Agosto de 1989 foram ainda entregues as chaves e conferida a posse imediata da garagem, que vêm exercendo desde então.
13. No dia 16 de Agosto de 1989, os Autores G… e mulher H… encontravam-se casados sob regime de comunhão geral de bens.
14. Nessa data e na constância do matrimónio realizaram estes autores com a sociedade B…, Lda. um acordo epigrafado de “Contrato promessa de compra e venda”, conforme documento junto com a petição inicial sob a indicação Doc. 5 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
15. Nos termos do acordo referido em 14, a Ré B…, Lda., na qualidade de dona e legítima possuidora de um prédio urbano, que estava a construir sob o alvará de licença n.º 912, no terreno rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o n.º 343 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 00704, prometeu vender aos Autores e estes prometeram comprar, livre de quaisquer ónus e encargos, uma garagem localizada no Lote n.º 11, designada pelo n.º 2 na …, Póvoa de Varzim, conforme cláusulas I e II do supramencionado documento n.º 5.
16. No indicado acordo ficou estipulado que o preço da venda da garagem no valor de Esc. 950.000$00 (novecentos e cinquenta mil escudos) seria pago da seguinte forma: a) Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos) em 18 de Agosto de 1989, como sinal e princípio de pagamento; b) Esc. 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos) no acto da escritura ou chave na mão.
17. No dia 2 de Outubro de 1991, para além do sinal pago, os ora terceiros autores procederam ao pagamento da quantia de 450.000$00, correspondente ao remanescente do preço, procedendo assim ao pagamento integral do preço a que se obrigaram no referido acordo.
18. Aos ora terceiros autores, com a outorga do contrato e na data de 16 de Agosto de 1989 foram ainda entregues as chaves e conferida a posse imediata da garagem, que vêm exercendo desde então.
19. Desde as datas das celebrações dos acordos indicados em 2, 8 e 14, os aqui Autores encontram-se na posse das garagens, usando-as e fruindo-as, sem qualquer oposição,…
20. de forma continuada e ininterrupta, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição ou ofensa do direito de outrem, na convicção de que não prejudicam ninguém e de que estão a exercer um direito próprio.
21. Aí guardam os seus automóveis e os seus pertences pessoais.
22. Pelo que, por si e ante possuidores, sempre os primeiros, segundos e terceiros Autores estiveram na posse das referidas garagens, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, há mais de 20 e 25, sem interrupção e na convicção de exercer o direito de propriedade sobre a mesma.
23. Actualmente, a fracção referida em 3 é designada pela letra “AG”, a referida em 9 é denominada pela letra “AI” e a referida em 15 é designada por “AH”, do prédio descrito na CRP sob o n.º 704/Póvoa de Varzim.
24. Apesar de se encontrarem largamente ultrapassados os prazos fixados nos acordos indicados em 2, 8 e 14, a Ré B…, Lda. nunca realizou a escritura de compra e venda.
25. Sobre as fracções indicadas em 3, 9 e 15 incidem: a) Hipoteca Voluntária a favor do J… registada sob a Ap. 20 de 24/07/1991; b) Hipoteca Voluntária a favor de I… e outros registados sob a Ap. 14 de 19/07/2000; c) Penhora a favor da J…, S.A., sob a Ap. 61 de 13/11/2000; d) Penhora a favor da Fazenda Pública registada sob a Ap. 46 de 08/06/2007; e) Penhora a favor da Fazenda Pública registada sob a Ap. 95 de 26/11/2007; f) Acção a favor de K… registada sob a Ap. 5048 de 08/01/2010; g) Penhora a favor de Condomínio L… registada sob a Ap. 2084 de 24/03/2010.
26. Em tais apresentações figura como sujeito passivo a insolvente B…, Lda.
27. B…, Lda. foi declarada insolvente por sentença de 14/07/2011, às 8:37 horas, nos autos principais (Ap. 3436 de 28/2/2012).
*
Como já ficou visto, na sua petição inicial os autores ora apelantes, formularam os seguintes pedidos:
1º) Que seja declarada, adquirida, por usucapião, a propriedade da fracção “AG” a favor dos Primeiros Autores desde 20 de Outubro de 1989, a propriedade da fracção “AI”, a favor dos Segundos Autores desde 26 de Agosto de 1989 e a propriedade da fracção “AH” a favor dos Terceiros Autores desde 16 de Agosto de 1989, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº00704/19880420.
Cumulativamente aos pedidos feitos na alínea a) deverá:
2º) Ser reconhecido o direito à separação da massa insolvente da fracção “AG”, da fracção “AI” e da fracção “AH”, cancelando-se respectivamente a Ap.3436 de 28/02/2012 da fracção “AG” e Ap. 3439 de 28/02/2012 da fracção “AI” e “AH”.
3º) Ser ordenado o cancelamento sobre a fracção “AG”, “AI” e “AH” das Ap. supra referenciadas em 27 da PI.
4º) Ser a Ré condenada no pagamento das custas do processo e demais encargos legais.
Na sentença recorrida e relativamente ao pedido formulado em 3º e agora salientado a “negrito” foi consignado o seguinte:
“Pretendem os Autores, ainda, seja cancelado o registo da apreensão dos sobreditos prédios a favor da Massa Insolvente e sejam igualmente cancelados os ónus referidos no ponto 25 dos factos provados.
Ora, salvo o devido respeito, apenas quanto à primeira parte deste pedido assiste aos Autores razão.
Na verdade, tendo a apreensão dos sobreditos prédios, efectuada nos autos, sido registada pelo Sr. Administrador da Insolvência, com a procedência desta acção, no que respeita à sua separação da Massa Insolvente, impõe-se efectivamente se determine e cancelamento do registo daquela apreensão.
Já quanto ao pedido formulado no sentido de se determinar o cancelamento dos ónus melhor descritos no ponto 25 dos factos provados, tal pedido não pode proceder nesta acção instaurada por apenso ao processo de insolvência, na medida em que não se está aqui perante uma aquisição em execução (ou processo falimentar), caso em que, de acordo com o disposto no art.824º, n.º 2 do Código Civil, a transmissão dos bens é livre dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
Os Autores adquiriram os imóveis em apreço por usucapião e não em venda executiva ou falimentar, com o que o indicado pedido, dirigido contra a insolvente, a massa insolvente e os credores, improcede, não lhes assistindo este direito.
Tal entendimento, na tese dos apelantes, viola as regras prescritas nos artigos 1288º, 818º e 730º, alínea a) do Código Civil, razão pela qual deve ser revogada a decisão recorrida.
Vejamos, pois:
Sendo certo que não estamos aqui perante uma aquisição em execução (ou processo falimentar), caso em que seria aplicável o disposto no art.º824º, nº2 do Código Civil, o qual e recorde-se, prescreve que “os bens (objecto da venda) são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.”.
Só que a questão colocada não pode em nosso entender, ser apreciada (e decidida) desta forma, não cuidando de atender, desde logo, ao que decorre do disposto no art.º1288º do Código Civil, segundo o qual os efeitos da usucapião se retrotraem à data do início da posse.
Segundo as palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª edição revista e actualizada, a pág. 68, “O Código de 1867 não resolvia o problema de saber se, na usucapião, o direito se adquiria no momento em que se iniciava a posse ou no momento em que se findava o prazo. O novo Código resolve esse problema não só neste artigo 1288º, mas também na alínea c) do artigo 1317º, a qual considera como momento da aquisição da propriedade por usucapião o do início da posse.”.
Por outro lado e adquirido que seja o direito por usucapião, tudo se passa como se o efeito aquisitivo tivesse tido lugar no dia em que a posse teve inicio.
Ora no caso, deve pois entender-se que tal efeito retroactivo dá lugar à preclusão da eficácia de qualquer alienação ou oneração dos bens em causa que são consequência prática de actos de disposição entretanto efectuado pelo B….
Têm por isso razão os apelantes quando defendem que tais actos devem ser considerados como “nom domino” e como tal insusceptíveis de liquidar ou de comprometer os direitos adquiridos pelos autores.
Assim, cabe pois afirmar que na data da constituição das hipotecas (24/7/1991 e 19/7/2000) e das penhoras (13/11/2000, 08/06/2007, 26/11/2007, 08/01/2010 e 24/03/2010), as fracções em apreço não pertenciam ao devedor B…, Lda., mas sim aos ora autores ora apelantes.
Há pois fundamento para o cancelamento destes ónus que incidem sobre as referidas fracções e cujo registo é posterior à concretização da mencionada aquisição.
Tudo porque como já todos vimos, tal registo cede perante a aquisição por usucapião, inutilizando por si as situações registais que então existam.
Deste modo e porque os autores podem opor o seu direito real de aquisição, direito esse que se tornou efectivo ainda no ano de 1989, devem sem mais, ser canceladas as hipotecas registadas sobre as fracções melhor identificadas em 3, 9 e 15 dos factos provados.
Mas para além destas razões, valem ainda os restantes argumentos aqui trazidos pelos autores/apelantes nas suas alegações de recurso.
Assim, está comprovado que a sociedade B…, Lda., foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos principais em 14.07.2011 nos autos principais (Ap. 3436 de 28.02.2012).
Por ser deste modo, só no âmbito pelo referido processo podem os credores obter o pagamento dos seus créditos.
Ora na sentença dos autos foi ordenado o cancelamento do registo da apreensão das fracções em causa a favor da massa insolvente, razão pela qual não podem estas responder pelo pagamento dos créditos constituídos pela supra referida sociedade, uma vez que como foi dado como provado no ponto 26, é a supra identifica insolvente que figura como sujeito passivo nas referidas apresentações.
Em suma, apesar do registo de hipotecas sobre as referidas fracções, nunca os credores poderão obter o pagamento do seu crédito pelo produto da venda das mesmas.
Mais, nenhuma vantagem pode ser retirada dos referidos registos, pois estes não garantem o pagamento de qualquer crédito.
E isto por força do que decorre do disposto no art.º 818º do Código Civil, segundo o qual o direito a execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estes estejam vinculados à garantia do crédito.
Assim e por força do que decorre do provado em 26 não são os autores ora apelantes que se encontram vinculados à garantia dos créditos em apreço, razão pela qual nunca as penhoras referidas em 25º poderão incidir sobre as fracções em discussão nos presentes autos e que são propriedade dos mesmos autores ora apelantes.
Por último, cabe chamar à colação o disposto no art.º730º do Código Civil o qual e sob a epígrafe “causas da extinção da hipoteca”, dispõe do seguinte modo:
“A hipoteca extingue-se:
a) Pela extinção da obrigação a que serve a garantia;
b) Por prescrição a favor de terceiros adquirente do prédio hipotecário, decorridos 20 anos sobre o registo de aquisição e 5 sobre o vencimento da obrigação.”.
Deste modo, encontrando-se extinta a garantia, por aplicação ao caso da antes citada alínea a), encontram-se extintas as hipotecas referidas em 25º.
Isto porque as fracções dos autores não se encontram apreendidas no processo de insolvência da sociedade devedora, o único processo pelo qual e como já vimos, os credores podem obter o pagamento dos seus créditos.
Têm pois razão os autora aqui apelantes, quando defendem que tal obrigação nunca será exigida, extinguindo-se desta forma a obrigação a que serve de garantia as hipotecas incidentes sobre as fracções dos ora Autores.
Impõe-se por isso conceder provimento às suas pretensões recursivas e revogar nos termos propostos a decisão recorrida.
*
Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
..............................................................................
..............................................................................
..............................................................................
*
III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação e, em consequência revoga-se nos seguintes termos a decisão recorrida:
Julga-se procedente por provado o pedido formulado de forma cumulativa em c) da petição inicial e ordena-se o cancelamento sobre as fracções “AG”, AI” e AH” das Ap. melhor referenciadas em 27 da mesma petição.
*
Custas a cargo da massa insolvente.
*
Notifique.
*
Porto, 22 de Maio de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço