Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
394/17.9PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AIRISA CALDINHO
Descritores: CRIME DE FURTO
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: RP20180411394/17.9PJPRT.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º756, FLS.323-328)
Área Temática: .
Sumário: Estamos perante um crime consumado de furto se o arguido já estava no espaço público, exterior ao estabelecimento, transportando consigo os objectos de que se apoderara, quando é surpreendido pela polícia e por esse facto volta a entrar no café de onde os retirara.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n..º 394/17.9PJPRT.P1
2.ª Secção Criminal
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Porto
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Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal:
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I. No processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 394/17.9PJPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 7, foi proferida a seguinte decisão:
-“…
Nesta conformidade, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Coletivo, em julgar totalmente procedente a presente ação penal e, consequentemente, condenar o arguido B… pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto nos art° 203° e 204°, n° 2, al. e), 22°, 23°, 73° 1 a) e b) do Código Penal, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva.
…”
Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:
- “ …
1.° O arguido, de acordo com um plano gizado para o efeito, penetrou no estabelecimento comercial denominado "Café C…", propriedade da sociedade "D…, Lda", sito na Rua … - Porto, após ter partido um dos vidros da porta principal.
2.° Uma vez no seu interior - onde não se encontrava quem quer que fosse, designadamente o proprietário ou um empregado do estabelecimento, sendo igualmente certo que ninguém se encontrava nas imediações e que de algum modo o pudesse impedir de concretizar os seus propósitos -, o arguido retirou dos expositores inúmeros artigos, totalizando o valor de €1.011.67 (mil e onze euros e sessenta e sete cêntimos), que foi colocando dentro de três sacos de plástico.
3.° Concluída essa operação, já com os artigos devidamente acondicionados, dirigiu-se para a porta do estabelecimento a fim de o abandonar e seguir o trajecto previamente delineado.
4.° O certo é que, transposta a porta do estabelecimento e quando o arguido já se encontrava no espaço público exterior, levando consigo os referidos sacos contendo os artigos de que se apoderara, apercebeu-se da aproximação de um carro da Polícia ao local, altura em que, procurando não ser apanhado pelos respectivos agentes, entrou novamente no referido espaço comercial, aí escondendo os aludidos sacos e refugiando-se ele próprio num canto da cozinha "sem dar sinais de vida", onde viria, no entanto, a ser encontrado.
5.° O que se deixa referido, resultou com total clareza da prova produzida na audiência de julgamento, designadamente dos depoimentos dos agentes da PSP devidamente gravados e que encontram reflexo na matéria de facto provada, nomeadamente no seu ponto 17.
6.° Dúvidas não podem restar, pois, que o arguido já estava no espaço público exterior ao estabelecimento, transportando consigo os referidos sacos, quando foi surpreendido pela Polícia.
7.° O que vale por dizer que o surgimento da Polícia é um facto posterior à acção do arguido, levada a cabo pelo mesmo sem que tivesse sido minimamente perturbado por quem quer que fosse.
8.° O que significa que já tinha integrado os bens no seu património, tinha efectivo domínio de facto sobre os mesmos, estando, assim, a respectiva posse devidamente estabilizada (cfr. ponto 18 da matéria de facto provada).
9.° Ora, isso não traduz mera prática de actos de execução do crime de furto qualificado que o arguido decidiu cometer, sem que o tivesse chegado a concretizar por circunstâncias alheias à sua vontade, antes traduz a efectiva concretização dos propósitos do arguido, a efectiva consumação, pois, do que tinha planeado.
10.º Praticou, por isso, na forma consumada, o crime de furto qualificado p.p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do CP, pelo qual foi acusado e não o mesmo crime, mas na forma tentada, por que foi condenado, p.p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 73.º, n.º 1 als. a e b), 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do CP.
11.º Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou as citadas disposições legais.
12.º Deverá, assim, a nosso ver, o Douto Acórdão recorrido ser revogado e, consequentemente, o arguido condenado em pena adequada pela prática do referido crime de furto qualificado, na forma consumada, tendo na devida consideração a gravidade da sua conduta e as exigências de prevenção, desse modo se dando provimento ao recurso.”
O arguido respondeu pela improcedência do recurso.
Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pela procedência do recurso.
Dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada foi dito.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. É a seguinte a factualidade provada constante do acórdão recorrido:
- “…
1. No dia 17 de Abril de 2017, pelas 02:55h, na execução de um plano que previamente forjou para apropriar-se de bens e valores aí existentes, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "Café C…", propriedade da sociedade D…, Ld.a, sito na Rua …, n.° …, no Porto.
2. Lá chegado, o arguido quebrou um dos vidros da porta principal do estabelecimento, conseguindo por tal forma entrar no interior daquele espaço.
3. De seguida, o arguido retirou dos respetivos expositores os seguintes artigos:
4. - 14 maços de tabaco de enrolar da marca E…, no valor de 7,70€ a unidade;
5. - 9 maços de tabaco de enrolar da marca F…, no valor de 12,70€ a unidade;
6. - 5 maços de tabaco de enrolar da marca G…, no valor de 8,20€ a unidade;
7. - 3 maços de tabaco de enrolar da marca H…, no valor de 7,90€ a unidade;
8. - 7 maços de tabaco de enrolar da marca I…, no valor de 7,80€ a unidade;
9. - 7 maços de tabaco de enrolar da marca J…, no valor de 8,10€ a unidade;
10. - 4 maços de tabaco de enrolar da marca K…, no valor de 8,20€ a unidade;
11. - 1 maço de tabaco de enrolar da marca L…, no valor de 7,80€;
a. - 1 maço de tabaco de enrolar da marca M…, no valor de 7,70€;
b. - 5 latas de tabaco de marca E…, no valor de 7,80€ a unidade;
c. - 1 lata de tabaco de marca E…, no valor de 11,30€;
d. - 2 latas de tabaco de marca I…, no valor de 11,90€ a unidade;
e. - 3 latas de tabaco de marca N…, no valor de 9,99€ a unidade;
f. - 3 latas de tabaco de marca O…, no valor de 10,50€ a unidade;
g. - 4 latas de tabaco de marca P…, no valor de 7,90€ a unidade;
h. - 3 maços de tabaco de marca Q…, no valor de 4€ a unidade;
i. - 3 maços de tabaco de marca S…, no valor de 4€ a unidade;
j. - 4 maços de tabaco de marca T…, no valor de 4€ a unidade;
k. - 5 maços de tabaco de marca U…, no valor de 2,80€ a unidade;
l. - 4 maços de tabaco de marca V…, no valor de 4,10€ a unidade;
m. - 5 maços de tabaco de marca W…, no valor de 4,40€ a unidade;
n. - 8 maços de tabaco de marca X…, no valor de 4,50€ a unidade;
o. - 7 maços de tabaco de marca Q…, no valor de 4,10€ a unidade;
p. - 5 maços de tabaco de marca Y…, no valor de 4,30€ a unidade;
12. - 9 maços de tabaco de marca Z… (cigarrilhas), no valor de 1,08€ a unidade;
a. - 3 maços de tabaco de marca O…, no valor de 4,40€ a unidade;
b. - 3 maços de tabaco de marca N…, no valor de 4€ a unidade;
c. - 3 maços de tabaco de marca AB…, no valor de 3,90€ a unidade;
13. - 3 maços de tabaco de marca I… (cigarrilhas), no valor de 2,80€ a unidade;
14. - 1 pack de mortalhas de marca AC…, no valor de 12,50€ a unidade;
a. - 120 livros de mortalhas de marca AD…, no valor de 0,60€ a unidade;
b. - 35 livros de mortalhas de marca AE…, no valor de 0,60€ a unidade;
15. - 50 livros de mortalhas de marca AF…, no valor de 0,40€ a unidade
16. Artigos esses no valor de 1.011,67€ (mil e onze euros e sessenta e sete cêntimos), que o arguido tencionava levar consigo, fazendo-os seus.
17. De seguida, o arguido acondicionou os aludidos objetos em sacos plásticos e chegou a sair pela porta do café, mas ao visionar o carro patrulha da PSP, regressou ao seu interior e escondeu-se na cozinha do mesmo.
18. O arguido foi intercetado pelos agentes da PSP na cozinha do café, na posse dos bens, tendo os objetos acima mencionados na sua posse, os quais foram apreendidos e entregues ao proprietário.
19. Aquando da prática dos factos, o arguido encontrava-se em cumprimento da pena de prisão de oito anos e seis meses à ordem do processo n.° 411/10.PBGMR, no Estabelecimento Prisional AG…, tendo beneficiado de licença de saída jurisdicional em 31-03-2017.
20. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida penalmente.
21. Bem sabia o arguido que ao aceder ao interior do estabelecimento, pelo modo descrito, e ao apropriar-se dos aludidos artigos, que não lhe pertenciam, atuava sem consentimento e contra a vontade do seu legítimo dono, o que só não conseguiu por factos alheios à sua vontade.
22. O arguido nasceu a 22 de janeiro de 1959.
23. O processo de desenvolvimento de B… decorreu num agregado familiar numeroso e de estrato socioeconómico precário, cuja dinâmica relacional se pautava pela estabilidade e coesão.
24. Contudo, dadas as dificuldades económicas que apresentavam os progenitores emigraram clandestinamente para França, na década de sessenta, no sentido de conseguirem melhores condições de vida, tendo os filhos se reunido àqueles, alguns meses mais tarde.
25. B…, então com 14 anos de idade, deu continuidade ao percurso escolar em França, apresentando um trajeto escolar pautado pelas dificuldades de aprendizagem e absentismo tendo apenas completado a escolaridade básica.
26. B… regista desde muito cedo problema de consumo de drogas, iniciando-se um percurso vivencial marcado por desajustamentos comportamentais que determinaram os seus primeiros contactos com o sistema de justiça francês, tendo o mesmo sido institucionalizado em instituição para menores delinquentes.
27. Consentido pelos progenitores, B… integrou ainda um agregado familiar belga, que se prontificou a proporcionar-lhe as condições fundamentais a um ajustado desenvolvimento educativo e social e designado a adotá-lo, que contudo não se concretizou tendo o arguido regressou ao agregado de origem.
28. Em França B… nunca terá exercido uma atividade com caráter regular, tendo apenas desenvolvido trabalhos em feiras onde auxiliava os comerciantes locais que em troca o compensavam em géneros alimentares ou algum dinheiro.
29. Durante este período para além de se ter acentuado o seu desajustamento comportamental, agravou o consumo de drogas, tendo nesta sequência, cometido delitos que o confrontaram pela primeira vez com o sistema de justiça penal português.
30. Após o cumprimento da pena de prisão, regressou a França e face à incapacidade para alterar o seu percurso de vida, os familiares demitiram- se de o auxiliarem tendo o arguido regressado a Portugal em 1997.
31 .Na sequência de um modo de vida associado a comportamentos de risco, o arguido assumiu uma postura de afastamento e indiferença relativamente à família, passando a coabitar com o grupo de pares, tendo-se sucedido novos contactos com o sistema de justiça penal, encontrando- se pela quarta vez em cumprimento de pena de prisão.
32.No período antecedente à reclusão B… mantinha um quotidiano estruturado de acordo com os seus interesses pessoais e com as solicitações do momento, no convívio com o grupo de pares com idêntica realidade.
33. Beneficiava de apoio no âmbito do "Projeto AH…" implementado pela Organização Cooperativa de Desenvolvimento Social e Comunitário, AI…, que em articulação com o Centro de Respostas Integradas de … e Serviços de Segurança Social eram asseguradas ao arguido o tratamento à toxicodependência, através da administração de metadona, e o pagamento do alojamento da pensão protocolada, assim como, da alimentação, através da gestão do rendimento social de inserção.
34. B… foi preso em 06.10.2011 no Estabelecimento Prisional do Porto, tendo sido transferido para o E.P. de AG… em 01.03.2013.
35. À data dos factos a que se reportam os presentes autos (17.04.2017) B… encontrava-se em cumprimento de uma pena de 8 anos de prisão no Estabelecimento Prisional de AG…, tendo-lhe sido concedido o benefício da primeira saída jurisdicional no período de 31de março a 2 de abril de 2017, pelo comportamento mais estável e mais investido ao nível laboral.
36. Neste período deveria permanecer na Hospedaria AJ… sita na Rua …, n° .. - Porto.
37. De referir que estas medidas vieram a ser revogadas por decisão do Tribunal de Execução de Pena do Porto em 31.05.2017 não podendo apresentar novo pedido pelo período de 12 meses.
38. B… cumpre uma pena de 8 anos de prisão à ordem do processo 411/10.3PBGMR comarca de Braga, Guimarães - Juízo Central Criminal J2, pela prática de crimes de furto qualificado e tráfico de menor gravidade, face aos quais assume uma postura de desculpabilização, justificando a sua prática no contexto de vida associado aos problemas de toxicodependência e de desvalorização quanto à gravidade dos mesmos, não reconhecendo a existência de vítimas.
39. Durante o cumprimento de pena B… tem registado um comportamento adaptado às regras e normas institucionais, consubstanciado na ausência de registo de sanções disciplinares.
40. Não obstante, apresenta características de alguma impulsividade, quando confrontado com situações adversas situação que originou o seu despedimento, em 31.07.2013, da marcenaria onde se encontrava a trabalhar desde 02.04.2013.
41. Presentemente encontra-se a trabalhar como faxina do pavilhão da ala a que pertence.
42. No que concerne à problemática aditiva, B… foi acompanhado pelos serviços clínicos do Estabelecimento Prisional, tendo integrado o programa de metadona.
43. Na sequência dos comportamentos desviantes assumidos em meio livre, alguns deles em que os lesados eram a própria família, concorreu para a perda progressiva do apoio familiar, pelo que presentemente B… não dispõe de suporte e enquadramento por parte da família.”
Com base nestes factos, foi o arguido condenado nos termos sobreditos, com o que se insurge o recorrente que pretende vê-lo condenado pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.s 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do CP.
O acórdão recorrido defende que se trata de crime tentado com os seguintes fundamentos:
- “…
Ao arguido vem imputada a prática do crime de furto na forma consumada, porém face à factualidade apurada, a questão a decidir é se o crime foi cometido sob a forma de tentativa.
A doutrina tem-se dividido entre aqueles que consideram necessária a posse pacífica da coisa apropriada para se julgar verificado o elemento subtração [Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 44, nota 1: "Enquanto a coisa não está na mão do ladrão em pleno sossego não parece que possa dizer-se que haja consumação"] e os que defendem que basta a posse instantânea para a consumação do crime. Mas, recentemente, surgiu uma posição intermédia que centra a questão na perda do domínio de facto por parte do anterior fruidor: "(...) a subtração traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa" [José da Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial Tomo II, 1999, pág. 43]; e "[e]m conclusão, de um ponto de vista geral poderá dizer-se que a subtração se verifica, e o furto se consuma, quando a coisa entra no domínio de facto do agente da infração, com tendencial estabilidade, isto é, não pelo facto de ela ter sido removida do respetivo lugar de origem, mas pelo facto de ter sido transferida para fora da esfera de domínio do seu fruidor pretérito" [Paulo Saragoça da Mata, "Subtração de coisa móvel alheia - Os efeitos do Admirável Mundo Novo num crime 'clássico' ", in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, p. 1026].
Consideramos que, dentro dos limites da letra da lei, a decisão valorativa sobre o momento da consumação do crime não pode deixar de acolher o sentir comum que o ato tem na perceção comunitária e não deve excluir institutos jurídicos transversais à generalidade dos crimes, como a legitima defesa e a tentativa.
Faz, por isso, todo o sentido focar a questão na (in)disponibilidade de fruição da coisa por parte do seu detentor, de tal forma que se considere que só com a sua transferência para fora da esfera de domínio do fruidor se consuma a prática do crime. É essa perda da possibilidade de domínio de facto sobre a coisa que justifica a consideração da consumação do crime. Quem remove o bem, ou o oculta (domínio instantâneo) mas o mantém na área de intervenção e de fiscalização do anterior fruidor, ainda não consumou o crime: a todo o momento pode verificar-se a desistência da ação ou uma intervenção no quadro da legítima defesa. Só quando o agente logra vencer essa barreira espaço - temporal e coloca a coisa fora do alcance imediato do anterior fruidor - o que significa que, inversamente, passa ele a ter um efetivo domínio de facto sobre a coisa, podendo usufruir dela ainda que sem uma absoluta tranquilidade e sossego - então, sim, o crime é consumado.
No fundo, o crime consuma-se com a concretização de factos que revelam condições para uma "tendencial estabilidade" da efetiva transferência do domínio de facto da coisa do anterior fruidor para o agente - que passa, a partir de então, a poder dispor dela com um mínimo de tranquilidade.
Concluímos, pois, que se o agente coloca os maços de tabaco e mortalhas em sacos com a intenção de o fazer seus e é surpreendido e descoberto pelos agentes da PSP antes de abandonar o café, comete um crime de furto na forma tentada [nesse sentido, v.g. AcSTJ de 15.2.2007 (relator Maia Costa), AcSTJ de 16.10.2008 (relator por Arménio Sottomayor), AcRP de 14.5.2008 (Luís Gominho), AcRP de 11.3.2009 (Maria do Carmo Silva Dias), AcRL de 24.11.2009 (Pedro Martins) e AcRG de 10.10.2005 (Maria Augusta).
É o caso dos autos. Em resultado do aditamento da matéria de facto provada (versão relatada pelo arguido) temos que o arguido não logrou deter os bens com um mínimo de tranquilidade - uma estabilidade que lhe assegure uma possibilidade plausível, ainda que não absoluta (posse pacífica), de fruição e disposição da coisa subtraída. Incorreu, pois, na prática do crime de furto qualificado, mas na forma tentada (previsto e punido pelos artigos 203.°, n.° 1 e 204°, n° 2, al. e), 22.° e 23.° do Cód. Penal).”
Perante a factualidade provada, afigura-se-nos que o recorrente tem razão.
A decisão recorrida considera que quem remove o bem mas o mantém na área de intervenção e de fiscalização do anterior fruidor ainda não consumou o crime. Não foi, todavia, o que sucedeu: o arguido acondicionou os aludidos objectos em sacos plásticos e saiu do café, isto é, fora da área de intervenção e fiscalização do anterior fruidor; só voltou a entrar no café por ter visionado o carro patrulha da PSP, indo esconder-se na cozinha, sempre na posse dos objectos que lhe foram apreendidos e entregues ao proprietário. Como refere a própria decisão recorrida, o arguido logrou vencer a barreira espácio-temporal, colocando os objectos fora do alcance imediato do anterior fruidor, passando a ter um efectivo domínio de facto sobre a coisa, podendo usufruir dela ainda que sem uma absoluta tranquilidade e sossego e, então, consumou o crime.
Vejam-se, a propósito e a título de exemplo, os acórdãos da RP de 24.10.2012, proc. n.º 393/11.4GFPNF.P1, e de 06.02.2013, proc. n.º 623/12.5PPPRT.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Conforme argumenta o recorrente, o arguido já estava no espaço público exterior ao estabelecimento, transportando consigo os referidos sacos, quando foi surpreendido pela Polícia, facto posterior à sua acção que o arguido levou a cabo sem que tivesse sido minimamente perturbado por quem quer que fosse, o que significa que já detinha efectivo domínio de facto sobre a coisa e a posse devidamente estabilizada. Isto é, o crime de furto qualificado é consumado e não tentado, como decidiu o tribunal a quo.
Posto isto e visto que esta instância decide de facto e de direito (art. 428.º do CPP), importa concretizar a pena dentro dos limites de 2 a 8 anos que correspondem ao crime de furto qualificado que se provou ter o arguido praticado p. e p. pelos art.s 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do CP.
São ingentes as exigências de prevenção geral e especial, mas a favor do arguido importa ponderar a sua confissão integral dos factos e a recuperação dos objectos subtraídos, ainda que por acção da PSP.
Assim e tendo como factores de ponderação os mesmos do tribunal a quo - o elevado grau de ilicitude dos factos, o dolo directo, o percurso de vida do arguido e a sua dependência de drogas, a sua idade, o seu passado criminal e a interiorização das consequências do seu acto - tem-se por ajustada à gravidade dos factos e à culpa do arguido uma pena muito próxima do mínimo legal, isto é, dois anos e dois meses de prisão.
III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, condenando o arguido B…, como autor material de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.s 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do CP, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Custas pelo arguido, com o mínimo de taxa de justiça (art. 513.º, n.º 1, do CPP).
Elaborado e revisto pela primeira signatária.
Porto, 11 de Abril de 2018
Airisa Caldinho
Cravo Roxo