Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA APENSAÇÃO DE PROCESSOS COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL COLETIVO | ||
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Nº do Documento: | RP2030707149/18.3PAPVZ-O.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/07/2023 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA | ||
Decisão: | DIRIMIDO O CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Tendo o Ministério Público usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e assim fixado a competência do tribunal singular, em ambos os processos apensados e em concurso, não pode depois dessa apensação, renunciar à aplicação dessa norma, e modificar a competência para o tribunal coletivo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 149/18.3PAPVZ-O.P1 TRP – 1ª Secção Criminal Conflito Negativo de Competência No Proc. C.S. nº 149/18.3PAPVZ do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, o Mº Pº acusou em tribunal singular, fazendo uso do disposto no artº 16º/3 CPP, os arguidos AA, de alcunha “...”, BB e CC, de alcunha “...”, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real de infrações (nos termos dos artigos 26º, 30º, n.º 1, ambos do Código Penal), na prática de: nove crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. e), com referência 202º, al. d), todos do Código Penal, em concurso real de infrações, na prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. e), com referência 202º, al. d), todos do Código Penal (Inquérito 474/10.3T9PVZ – Apenso A); em concurso real de infrações, na prática de um crime de furto, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. f), n.º 2 al. e) e n.º 4, ambos do Código Penal com referência 202º, alíneas d) e c), todos do Código Penal (Inquérito 227/18.9PAPVZ – Apenso G). Remetido o processo para o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, e recebida a acusação foi decidido “que o processo autuado sob o n.º 363/18.1PAPVZ, pendente neste Juízo Local Criminal, deve ser apensado a este processo, por nestes autos se apreciarem crimes a que cabem pena mais grave, assim como terem sido os primeiros a ter noticia da prática delitual do supra identificado arguido AA” e foi solicitada essa apensação e ao Mº Pº para reponderar a aplicação do artº 16º/3 CPP. O Mº Pº pronunciou-se pelo não uso do artº 16º/3 CPP sustentando que “deverão os presentes autos correr os seus termos com vista à realização do julgamento em perspetiva num Tribunal de estrutura coletiva, na Instância Central Criminal, ao abrigo do disposto no art. 14º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal” Nessa sequencia e por essa razão por despacho de o Mº juiz do Juízo Local Criminal de Povoa do Varzim declarou que “é este tribunal materialmente incompetente para a ulterior tramitação e julgamento do processo, determinando-se, após trânsito, a remessa dos autos ao Juízo Central Criminal de Vila do Conde [Matosinhos]. Enviados os autos ao Juízo Central Criminal de Vila do Conde - Juiz 4, do Tribunal do Comarca do Porto o Mº Juiz decidiu declarar –se “incompetente, em razão da estrutura do Tribunal (reiterando a falta de verificação dos pressupostos de conexão à luz do artº 25º do mesmo Código e o oportuno uso prévio da faculdade do artº 16º, nº 3, do Código de Processo Penal), para apreciação dos objetos dos Processos nºs 149/18.3PAPVZ e 363/18.1PAPVZ, para a qual é competente, com respeito por diverso entendimento, em separado, o Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim.”, por entender inexistir motivo para a conexão processual uma vez que inexiste identidade de todos os arguidos no processo apensado, e apenas o arguido AA é acusado em ambos os processos. Suscitado o conflito e enviado a este tribunal o apenso de conflito, foram notificados os sujeitos processuais (artº 36º 1 CP), para alegarem. O ilustre PGA emitiu parecer no sentido de a competência ser deferida Não ocorreram outras respostas. Cumpre decidir. Consta dos autos: - Nestes autos o Mº Pº acusou em tribunal singular, os arguidos AA, de alcunha “...”, BB e CC, de alcunha “...”, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real de infrações (nos termos dos artigos 26º, 30º, n.º 1, ambos do Código Penal), na prática de: nove crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. e), com referência 202º, al. d), todos do Código Penal, em concurso real de infrações, na prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. e), com referência 202º, al. d), todos do Código Penal (Inquérito 474/10.3T9PVZ – Apenso A); em concurso real de infrações, na prática de um crime de furto, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. f), n.º 2 al. e) e n.º 4, ambos do Código Penal com referência 202º, alíneas d) e c), todos do Código Penal (Inquérito 227/18.9PAPVZ – Apenso G). - Para tal, o Mº Pº fez expresso uso da faculdade prevista no artº 16º/3 CPP; - O Mº Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim recebeu a acusação e decidiu “que o processo autuado sob o n.º 363/18.1PAPVZ, pendente neste Juízo Local Criminal, deve ser apensado a este processo, por nestes autos se apreciarem crimes a que cabem pena mais grave, assim como terem sido os primeiros a ter noticia da prática delitual do supra identificado arguido AA” e foi solicitada essa apensação e ao Mº Pº para reponderar a aplicação do artº 16º/3 CPP. No processo C. Singular nº 363/18.1PAPVZ apensado são acusados como co-autores os arguidos DD, EE e o arguido AA foram acusados da prática de um crime de furto qualificado p.p. pelos arts. 203 e 204/2/e do C.P. Destes 3 arguidos apenas o arguido AA é acusado nos autos principais; O Mº Pº nestes autos 363/18 fez uso expresso da faculdade do artº 16º/3 CPP e acusou em tribunal singular. Nestes autos principais o Mº Pº veio após a apensação a pronunciar-se pelo não uso do artº 16º/3 CPP sustentando que “deverão os presentes autos correr os seus termos com vista à realização do julgamento em perspetiva num Tribunal de estrutura coletiva, na Instância Central Criminal, ao abrigo do disposto no art. 14º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal” Nessa sequência e por essa razão por despacho o Mº juiz do Juízo Local criminal de Povoa do Varzim declarou que “é este tribunal materialmente incompetente para a ulterior tramitação e julgamento do processo, determinando-se, após trânsito, a remessa dos autos ao Juízo Central Criminal de Vila do Conde [Matosinhos]. O Mº Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Vila do Conde declarou–se “incompetente, em razão da estrutura do Tribunal (reiterando a falta de verificação dos pressupostos de conexão à luz do artº 25º do mesmo Código e o oportuno uso prévio da faculdade do artº 16º, nº 3, do Código de Processo Penal), para apreciação dos objetos dos Processos nºs 149/18.3PAPVZ e 363/18.1PAPVZ, para a qual é competente, com respeito por diverso entendimento, em separado, o Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim.”, por entender inexistir motivo para a conexão processual uma vez que inexiste identidade de todos os arguidos no processo apensado, e apenas o arguido AA é acusado em ambos os processos. Os despachos transitaram em julgado Conhecendo: Nos termos do n.º 1 do art.º 34º do CPP “Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido”, pelo que estamos perante um conflito negativo, que importa redimir. Assim: Dispõe o artº 12º nº 5 CPP que “Compete aos presidentes das secções criminais das relações, em matéria penal: a) Conhecer dos conflitos de competência entre tribunais de 1.ª instância do respectivo distrito judicial; Pese embora, se nos afigurar, em confronto com o disposto no artº 11º 6 a) CPP, existir uma desconformidade por omissão (lacuna) sobre o conflito entre Juízos locais do mesmo tribunal de comarca, tal deve ser suprida pelo atribuição da resolução do conflito aos tribunais da Relação, por não dever ser atribuída ao STJ de competência especifica nesta matéria, sendo a da Relação de caracter geral e única para solucionar tais conflitos entre tribunais da mesma área da sua jurisdição, e assim de acordo com o espirito do sistema criar a norma (que o legislador criaria) para ao efeito. Nestes autos não está em causa a competência territorial, mas a competência material/ funcional entre o Juízo Local de Póvoa do Varzim e o Juízo Central de Vila do Conde, do Tribunal da Comarca do Porto, aquele funcionando com juiz singular e este em tribunal coletivo por força de uma apensação, que um juiz em conflito reputa ilegal. Pese embora a Jurisprudência citada nos autos sobre a apensação e o disposto no artº 24 e 25ºCPP, cremos que a questão terá de ser analisada noutro prisma. Na verdade, a decisão sobre a apensação, transitou em julgado e foi cumprida e sobre ela não foi interposto recurso pelo que fez caso julgado formal dentro do processo, impeditiva, salvo melhor opinião e estudo, de uma ordem de desapensarão e de julgamento em separado. A questão resume-se assim em saber se após a apensação, pode ser alterada a competência material para julgamento, e isto apenas no caso de o Mº Pº já ter feito uso da faculdade do artº 16º/3 CPP, atributiva da competência ao tribunal singular em ambos os processos (pois não o tendo feito responde expressamente de modo positivo o artº 16º/3CPP). E cremos que não. O artº 16º/3 CPP, diz-nos que “- Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos” permitindo assim o uso pelo Mº Pº da faculdade do artº 16º/3, em caso de concurso de infracções de conhecimento superveniente, através de requerimento. Ora o que esta norma faz é conceder ao Mº Pº a faculdade de usar o 16º/3 CPP, em circunstâncias em que não o tenha feito ainda e em caso de concurso superveniente. Não se refere ao caso em que o Mº Pº, tendo usado a faculdade do artº 16º/3 CPP, venha a alterar e revogar a sua aplicação assim alterando a competência material para o julgamento (e atribuindo-a a um tribunal que nunca foi competente), que passaria para o tribunal coletivo. Isso não lhe é permitido, pois tendo optado pelo juiz singular em ambos os processos, não pode alterar o seu entendimento e requerer que o julgamento seja feito pelo Coletivo de juízes. Não é esse o poder que o artº 16º/3 CPP lhe concede. A norma do artº 16º/3 CPP é uma norma atributiva de competência do tribunal singular, não uma norma atributiva de competência do tribunal colectivo No caso, verifica-se que nestes autos o Mº Pº ao acusar fez uso do artº 16º/3 CPP fixando a competência no juiz singular e no processo apensado nº 363/18 fez igualmente uso da faculdade do artº 16º/3 CPP pelo que em ambos os processos foi fixada a competência do juiz singular. Em nenhum deles deixou de ser feito uso dessa faculdade. Assim apensados os autos, todos para julgamento em juiz singular, ao Mº Pº apenas era admissível fazer uso do artº 16º/3CPP se algum dos processos fosse da competência do tribunal coletivo, e não era. Deste modo tendo o Mº Pº já feito uso em ambos dessa faculdade do artº 16º/3 CPP não podia vir alterar o seu entendimento e por essa via a competência do tribunal singular para passar a ser do tribunal coletivo. Aliás, o uso do artº 16º/3 CPP visa retirar ao tribunal coletivo competência material a favor do tribunal singular e não o inverso. Deve por isso ser mantida a competência escolhida pelo Mº Pº quando acusou em ambos os processos e assim a competência para o julgamento ser atribuída ao Juízo Local Criminal de Povoa do Varzim onde ambos os processos foram distribuídos. Concluindo: Tendo o Mº Pº usado da faculdade do artº 16º/3 CPP, e assim fixado a competência do tribunal singular, em ambos os processos apensados e em concurso, não pode renunciar à aplicação dessa norma, e modificar a competência para o tribunal coletivo. * Pelo exposto, dirimindo o conflito de competência, decido julgar competente para proceder ao julgamento nos autos do Proc. C.S. nº 149/18.3PAPVZ e apenso nº 363/18.1PAPVZ o Juízo Local Criminal de Póvoa do Varzim a quem fora distribuído, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.Cumpra, de imediato, o disposto no n.º 3 do art.º 36º CPP. Sem Custas. DN * Porto, 7.7.2023José Carreto |