Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE LANGWEG | ||
Descritores: | PROIBIÇÃO DE PROVA DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202002052792/13.8IDPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/05/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Sempre que a administração tributária, em inquérito penal, solicita a técnico oficial de contas de um contribuinte algum elemento contabilístico – v.g. extrato de conta-corrente -, que o fornece, tal não constitui um método proibido de prova à luz do disposto no artigo 126º, 2, a), do Código de Processo Penal e violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, por não ter sido imposto algum tipo de colaboração ao contribuinte arguido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 2792/13.8IDPRT.P1 Data do acórdão: 5 de Fevereiro de 2020 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia Sumário: ........................................................................................................................................................ ............................................................................ Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…; I - RELATÓRIO 1. Em 9 de Setembro de 2019 foi proferida nos presentes autos a sentença condenatória proferido na primeira instância que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:«Em face do exposto, e sem outras considerações, o Tribunal decide: 1. Condenar o arguido B…, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1 do RGIT, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), ou seja, na multa global de €900,00 (novecentos euros). 2. Condenar a arguida “C…, Lda.”, nos termos das disposições conjugadas do artigo 105º, nº 1do RGIT e 7º, nº 1 do mesmo diploma, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), ou seja, na multa global de €3.000,00 (três mil euros). (…)» 2. Inconformado com a sua condenação, o arguido interpôs recurso dessa decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas: "Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, por se entender que se impõe a modificação da decisão “a quo”, considerando-se que não resultou provada a prática, pelo Arguido, do crime pelo qual foi condenado. O Recorrente considera incorrectamente aplicadas as seguintes normas: 105.º, n.º 1 do RGIT, 61º. nº.1, alínea d) e artº.125º., ambos do CPP., artºs., 2º., 3º., 13º. nº.1, 25º., nº.1, 26º.nº.1; 32º., nº.1,4 e 8; 34º.,nº.1, todos da CRP. O Tribunal “a quo” e com referência a prova documental, nomeadamente, e como resulta da confrontação a fls. da Sentença em crise, valorou: -relatório de inspeção tributaria efectuada à C…, de fls. 56; -parecer de fls.270 e ss.; - informação de fls. 104 e ss; - documentos de fls. 162 e ss. (extratos de conta corrente fornecidos pela contabilista da sociedade arguida). Tais elementos, não apenas não podem ser valorados, como nem sequer podem ser utilizados como prova no processo penal, in casu, no processo cuja Sentença é objeto de Recurso, do Ac. n.º 298/2019 de 15 de Maio de 2019 do Tribunal Constitucional, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que julgou inconstitucional, por violação do princípio do direito à não autoincriminação, a utilização de prova em processo-crime que tenha sido obtida pela Autoridade Tributária no âmbito de processo de inspeção tributária ao abrigo do dever de cooperação, com plena aplicação no caso sub-judice. sob pena de violação dos 61.º, n.º1, alínea d) e artº.125º., ambos do CPP., artºs., 2º., 3º., 13º. nº.1, 25º., nº.1, 26º.nº.1; 32º., nº.1,4 e 8; 34º.,nº.1, todos da CRP; ………………………………………………….. ………………………………………………….. ………………………………………………….. 3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal “a quo”, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo. 4. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência nos seguintes termos: II — Violação do Princípio do direito à não auto-incriminação O Recorrente sustenta que o tribunal a quo não podia dar como provado que a sociedade arguida recebeu e não entregou IVA no valor global de pelo menos €9.090,08, correspondente ao Iva liquidado e recebido no valor de «14.086,54, subtraído do IVA dedutível no valor de €4.996,47 (cfr. ponto 7 dos factos provados). Isto porque o Tribunal a quo valorou o relatório de inspecção tributária efectuada à C…, de [Is. 56, o parecer de fls.270 e ss., a informação de fis. 104 e seguintes e os documentos de [Is. 162 e ss. (extractos de conta corrente fornecidos pela contabilista da sociedade arguida). No entendimento do Recorrente, tais elementos não podiam ser valorados nem utilizados como prova no processo penal, atendendo ao princípio do direito à não auto-incriminação. Ora, resulta da motivação da sentença recorrida que “sendo certo que o arguido não prestou declarações, o Tribunal fundamentou a sua convicção, quanto à matéria constante da acusação, na análise de todos os documentos juntos aos autos, designadamente o auto defis. 6, relatório de fls. 56 e seguintes, informação de fis. 104 e seguintes, documentos de fis. 162 e seguintes, parecer de fis. 270 e seguintes, documentos de fls. 645 e seguintes, 648 a 650, 651 a 653, 664 e seguintes, 674 e seguintes e 691 e seguintes e informações de fis. 698 a 700 e 71 0/711, conjugadamente com os depoimentos prestados por D… (inspector tributário) e E… (funcionária da empresa arguida entre 2009/2010 e Agosto/Setembro de 2012, que apenas confirmou que o arguido era o gerente da empresa e referiu que a situação económica desta era difícil, tendo a mesma parado de laborar depois da sua saída).” Vejamos se os documentos referidos pelo Recorrente podiam ou não ser valorados no âmbito do processo penal. Conforme decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 14.03.2018, processo n.° 483/1S.4IDLSB-3, acessível em www.dgsi.pt, que ‘o princípio nemo teneturse ipsum accusare significa fundamentalmente que ninguém pode ser obrigado a testemunhar contra si próprio, a produzir prova contra si mesmo ou a fornecer coactivamente qualquer tipo de declaração ou informação que o possa incriminar. O princípio não se restringe ao mero direito ao silêncio, - artigo 61º nº 1, alínea d) CPP, mas abrange de uma forma ampla o direito de a pessoa não ser obrigada a apresentar elementos que provem a sua culpabilidade. Trata-se em todo o caso de um direito que não é absoluto e que se deve entender como sujeito à ponderação com outros interesses e com deveres de colaboração, nomeadamente no âmbito do Direito Fiscal” Ora, este princípio significa que ninguém pode ser obrigado a testemunhar contra si próprio, a produzir prova contra si mesmo ou a fornecer coactivamente qualquer tipo de declaração ou informação que o possa incriminar. De facto, a nossa Constituição da República Portuguesa não consagra, de forma expressa, este princípio, mas a nossa jurisprudência tem entendido que o princípio nemo tenetur se ipsum accusare tem natureza constitucional implícita. No Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.2 14/2014, publicado no DR 1, de 21 de Outubro de 2014, o Supremo Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se sobre o âmbito de validade material do direito à não auto-incriminação, considerou que deve ser adoptado um critério da concordância prática, com base numa ponderação que compatibilize o direito do arguido com atutela de valores penalmente relevantes como a investigação criminal e a descoberta da verdade material, segundo critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação. Neste sentido, admite-se a compressão do direito à não auto-incriminação, nomeadamente na entrega de documentos pelo arguido e mesmo em plena fase de julgamento, desde que justificada e aceite em favor da concordância com outros bens e interesses, igualmente protegidos constitucionalmente. Para que seja possível esta compressão, é necessário ponderar a intensidade (grau de intrusão que comporta), a sua indispensabilidade e necessidade para o alcance dos fins, perante o tipo de crime e o bem ou bens jurídicos em causa. Ora, o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, e a tributação do património pessoal ou real deve concorrer para a igualdade entre os cidadãos (artigos 103., n.° 1, e 104.2, n.2 3, da CRP). Com efeito, as receitas tributárias constituem um instrumento essencial de financiamento do Estado e a criminalização da conduta ilegítima em que se traduzem a fraude e a evasão fiscais encontra o fundamento no que se pode considerar como uma violação intolerável de elementares deveres de cidadania. Atendendo a tais finalidades, a nossa jurisprudência tem entendido que os documentos e elementos recolhidos pela Administração Fiscal junto dos contribuintes, ao abrigo de um dever geral de colaboração ou na sequência de deveres de informação que a estes são impostos, não constituem prova proibida. E sendo validamente recolhidas no âmbito da fase administrativa, tais provas deverão ser tomadas em consideração no processo criminal em que sejam arguidas as pessoas que entregaram esses elementos. A título de exemplo, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 340/2013, decidiu não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 61., n.2 1, d), e 125., do Código de Processo Penal, com o sentido de que os documentos obtidos por uma inspeccão tributária ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9º, n.º1,28º. Nº 1 e 2º, 2 e 3º do Decreto-Lei nº 413/98. de 31 de Dezembro. e nos artigos 31 nº 2. e 59º, nº 4. da LGT. podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte (sublinhado nosso). Assim, nos presentes autos, temos que considerar um conjunto de elementos, nomeadamente a natureza dos documentos, o relevo assumido na condenação e a intensidade da compulsão ou coercividade para a entrega. Com efeito, os documentos foram solicitados, sem invocação de qualquer cominação em caso de recusa, pelo que não se indicia qualquer elemento de “engano” ou de ‘indução em erro” dos arguidos pelo tribunal. Acresce ainda que nem todos os documentos solicitados pela Administração Tributária foram cedidos pela sociedade arguida, tendo apenas remetido os extractos contabilísticos. Na verdade, o Tribunal a quo fundou a sua convicção sobre a matéria de facto provada, designadamente quanto aos valores de IVA efectivamente recebidos e não entregues nas Finanças, não só nos documentos aqui em causa e entregues pelos arguidos — extractos contabilísticos - mas em outros documentos, nomeadamente facturas enviadas por clientes da sociedade arguida. Sendo certo que os elementos documentais entregues pela sociedade arguida, de forma isolada, nunca seriam suficientes para fundamentarem a condenação criminal. Por um lado, os documentos entregues — extractos contabilísticos - não foram ‘incorporados” directamente na matéria de facto provada; eles serviram de base para a análise que foi realizada pela Autoridade Tributária. Por outro lado, documentos como extractos de conta bancária são documentos da contabilidade que devem estar sempre acessíveis às autoridades de investigação fiscal. Nem se vislumbra forma de obtenção daqueles documentos sem a restrição do direito dos arguidos à não auto-incriminação. Constata-se, portanto, que a restrição do direito dos arguidos a não contribuírem para a sua condenação decorrente da entrega e valoração dos documentos, revela-se necessária, adequada e proporcional para a garantia das específicas necessidades de apuramento da verdade material e de investigação de crime de abuso de confiança fiscal. Assim sendo, não existe nulidade de valoração da prova nos termos dos artigos 126º nº 3, do Código de Processo Penal, nem desrespeito pelo teor do artigo 32, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. Sempre será de concluir que as provas em que o Tribunal recorrido se baseou não são proibidas, decorrem de uma legítima actividade probatória e não compete ao Tribunal de recurso entrar onde se ponha em causa o princípio da livre convicção — a livre apreciação das provas— sob pena de subverter toda a valoração da prova de que se ocupou o Tribunal a quo. III — Impugnação da Matéria de Facto ……………………………………………………………. ……………………………………………………………. ……………………………………………………………. 5. Nesta instância, o Ministério Público[1] emitiu parecer, pugnando igualmente pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta junta aos autos na primeira instância. 6. Notificado do parecer, o recorrente não apresentou resposta. 7. Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal]. Questões a decidir Do thema decidendum do recurso: Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito. Atento o teor do relatório atrás produzido, conclui-se que o recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto quanto ao facto provado 7, suscitando, inclusivamente, a utilização de prova proibida por violação do princípio do direito à não autoincriminação, por ter sido utilizada prova documental, em processo-crime, obtida pela Autoridade Tributária no âmbito de processo de inspeção tributária ao abrigo do dever de cooperação. Para decidir o objeto do recurso, importará, primeiramente, concretizar o facto jurídico-processual relevante – a fundamentação em matéria de facto da sentença recorrida –. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. A sociedade arguida “C…, Lda, com o CAE …… é uma sociedade por quotas e tem por objecto social a edição, impressão e reprodução de suportes digitais, venda e distribuição de conteúdos e de objectos promocionais.A – Fundamentação da sentença recorrida: «II – Fundamentação Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 2. O arguido B… foi sócio-gerente da sociedade e obrigava a sociedade com a sua intervenção entre 20/08/2007 e 31/12/2012, data em que renunciou à gerência. 3. O arguido B… era quem tomavam todas as decisões relativas à gestão e administração da sociedade arguida. 4. A arguida “C…, Lda.”, na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, encontrava-se colectada, para efeitos de Imposto sobre Rendimento das Pessoas colectivas, e enquadrada, para efeitos de I.V.A., no regime normal de periodicidade mensal. 5. A arguida estava obrigada a entregar na Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, simultaneamente com a declaração a que se refere o artº 27º, nº1, do Código do IVA, o montante do imposto exigível, apurado. 6. Ocorre que o arguido B… remeteu a declaração periódica de IVA, relativa ao 3º trimestre de 2012 em 15/11/2012, declarando ter de entregar ao Estado a quantia de €12.386,88, porém não procedeu à entrega do imposto devido. 7. A sociedade arguida recebeu e não entregou IVA no valor global de pelo menos €9.090,08, correspondente ao Iva liquidado e recebido no valor de €14.086,54, subtraído do IVA dedutível no valor de €4.996,47. 8. O arguido, por si e em representação da sociedade, não entregou aquele montante aos competentes serviços da administração fiscal, nem até ao dia 15 do mês a que respeitavam, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo, nem até à presente data. 9. O arguido B…, por si e na qualidade de gerente da sociedade arguida, agiu livre, voluntária e conscientemente, ao não entregar nos cofres do Estado o IVA liquidado e recebido dos seus clientes (obrigação que sabia sobre esta legalmente impender) e integrar na esfera patrimonial da sociedade arguida prestações tributárias deduzidas nos termos da lei, bem sabendo que, deste modo, obteria benefícios patrimoniais a que sabia não ter direito e que, como tal, causavam ao Estado prejuízos de valor equivalente. 10. O arguido B… notificado nos termos do artº 105º, nº4, alínea b) do RGIT para pagamento da prestação tributária, juros respectivos juros e coima no prazo de trinta dias, nada pagou. 11. Mais sabia o arguido que, ao agir da forma supra descrita, colocava em crise o regular funcionamento do sistema fiscal e dos interesses por este servidos. 12. Bem sabiam os arguidos que a aludida conduta era proibida e punida por Lei Penal. 13. O arguido aufere €600,00 mensais e vive com a mãe. 14. A sociedade arguida foi declarada insolvente em 2013. 15. O arguido foi condenado: - em 18.04.2012 (por sentença transitada em julgado em Maio de 2013), neste Tribunal Judicial, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; - em 18.06.2013, neste Tribunal Judicial, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa; - em 20.12.2013, neste Tribunal Judicial, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa; - em 16.03.2017, neste Tribunal Judicial, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 dias de multa. * Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a causa. * III – MotivaçãoOs factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto. Assim, e sendo certo que o arguido não prestou declarações, o Tribunal fundamentou a sua convicção, quanto à matéria constante da acusação, na análise de todo os documentos juntos aos autos, designadamente o auto de fls. 6, relatório de fls. 56 e seguintes, informação de fls. 104 e seguintes, documentos de fls. 162 e seguintes, parecer de fls. 270 e seguintes, documentos de fls. 645 e seguintes, 648 a 650, 651 a 653, 664 e seguintes, 674 e seguintes e 691 e seguintes e informações de fls. 698 a 700 e 710/711, conjugadamente com os depoimentos prestados por D… (inspector tributário) e E… (funcionária da empresa arguida entre 2009/2010 e Agosto/Setembro de 2012, que apenas confirmou que o arguido era o gerente da empresa e referiu que a situação económica desta era difícil, tendo a mesma parado de laborar depois da sua saída). Com efeito, D… referiu, entre o mais, ter feito a análise documental da empresa – através dos extractos de conta-corrente do período em causa, disponibilizados pela contabilista da empresa e das cópias das facturas e respectivos meios de pagamento, disponibilizados pelos clientes - e que confirmou, através dessa análise, que parte do IVA tinha sido efectivamente recebido (não tendo sido considerados recebidos valores relativamente aos quais não havia comprovativos dos meios de pagamento), por transferência bancária. Conjugado este depoimento com todos os elementos supra referidos, não teve o Tribunal quaisquer dúvidas de que foi recebido da F…, da G…, da H… e da I… IVA no montante de pelo menos €14.086,54 (como conclui o quadro de fls. 150 a 154) – quanto àquelas primeiras empresas, com efeito, estão juntas aos autos as facturas respectivas (cfr. fls. 162 e seguintes, 195 e seguintes e 216 e seguintes) e está comprovado o seu pagamento (nas fls. já referidas e também nos elementos bancários entretanto solicitados e juntos a fls. 665 e seguintes e 674 e seguintes; salientando-se que todas as transferências foram feitas para contas da sociedade arguida ou do arguido ou indicadas por estes – cfr., entre o mais, fls. 643 e 648 a 650); quanto a esta última, conquanto não tenham sido juntas as facturas, existem extractos de conta-corrente fornecidos pela contabilista da sociedade arguida e pela cliente I… que referem as mesmas facturas, com os mesmos valores, sendo que os elementos bancários (que comprovam transferências bancárias desta cliente a favor da sociedade arguida) dão suporte a tais extractos. De resto, dos elementos bancários juntos em julgamento decorre que a sociedade arguida terá até recebido mais IVA do que o valor que foi considerado pela A.T. (por exemplo, terá recebido IVA do I… – cfr. fls. 669 -, que não foi tido em conta – cfr. fls. 106 v. -, na altura em virtude da resposta dada pela I1…, S.A. – cfr. fls. 194) – esta, sublinhe-se, só atendeu ao IVA cujo pagamento, em função das diligências que na altura levou a cabo, resultou devidamente comprovado durante a acção inspectiva. Quanto ao IVA dedutível e às questões suscitadas pelo arguido, designadamente a fls. 704 a 706 e 720/721 – o IVA dedutível considerado terá sido o constante da DP e não o da contabilidade da arguida -, diga-se que nos parece inteiramente acertado o procedimento seguido pela AT tendo em conta as explicações dadas pelo sr. inspector tributário em julgamento e a fls. 699/700 e 711 (a própria arguida, que tem todo o interesse em que o IVA dedutível seja o mais elevado possível, declarou um valor de €4.996,47, pelo que não se vê como atender a este valor possa prejudicá-la). De todo o modo a questão acaba por ser inócua, pois que mesmo que se atendesse ao valor de IVA dedutível constante da contabilidade (€5.769,70), sempre o valor de IVA apurado seria superior a €7.500,00 (perfazendo €8.316, 84). No que respeita à situação económica e social do arguido aceitaram-se as suas declarações. Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, atendeu-se ao certificado juntos aos autos a fls. 624 e seguintes. (…)» B – De jure: Da impugnação da decisão da matéria de facto: Analisada a motivação do recurso, conclui-se que o recorrente não se conforma com a factualidade provada sob o ponto nº 7[4] e, consequentemente, com a sua condenação penal. Pretende, através da interposição de recurso, impugnar tal facto provado. Para sustentar a sua pretensão, esgrime com dois argumentos: a) alega que o relatório de inspeção tributária (fls. 56), o parecer (fls.270 e seguintes), a informação (a folhas 104 e seguintes), os extratos de conta corrente (folhas 162 e seguintes) não podiam fundamentar aquele facto provado, uma vez que a valoração de tal prova neste processo penal constitui uma violação do princípio do direito à não autoincriminação e consequente violação do disposto nos artigos 61.º, n.º1, alínea d) e artº.125º., ambos do Código de Processo Penal, 2º, 3º, 13º, 1, 25º, 1, 26º, 1, 32º, 1, 4 e 8 e 34º, 1, todos da Constituição da República Portuguesa; e b) invoca meios concretos de prova que, no seu entender, impõem decisão diversa, a saber: o depoimento da testemunha “Sr. Inspector Tributário” (citando para o efeito extratos da sua inquirição) e a prova documental de fls. 150 e seguintes, 196, 202 e 203. Em resposta, o Ministério Público propugna a confirmação da decisão recorrida, nos termos concretizados no relatório deste acórdão. Apreciando. Um recurso constitui um instrumento jurídico-processual destinado a impugnar uma decisão judicial e não a obter decisão sobre questões novas. Em relação a uma decisão final em processo penal, o recurso tem em vista o estrito controlo da observância da legalidade na concretização da decisão judicial recorrida e, quanto a uma decisão de matéria de facto, a mesma pode ser sindicada por duas vias distintas: a) Por meio de impugnação, a requerimento do interessado e mediante o ónus de prévio cumprimento dos específicos requisitos previstos no artigo 412.º, 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal; ou b) Arguindo vícios que se evidenciem do texto da decisão (revista ampliada), que podem ser conhecidos a requerimento do(s) interessado(s) ou oficiosamente, nos termos do disposto no artigo 410º, 2, do Código de Processo Penal. O elenco legal destes vícios abrange nas alíneas: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (reportada, essencialmente, a hiatos factuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição); b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (desdobrável em três hipóteses - contradição insanável de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e contradição entre os factos); e c) O erro notório na apreciação da prova (em regra associado desconformidades de tal modo evidentes que não passam despercebidas a qualquer pessoa minimamente atenta, ou seja é um erro patente que não escapa ao homem comum). Dito isto, impõe-se analisar a motivação do recurso à luz do ora exposto. O recorrente pretende impugnar o facto provado 7. Para ter sucesso nesse desiderato processual o mesmo dispunha, à partida, das duas vias (por meio de impugnação – indicando meios concretos de prova que imponham decisão diversa -, ou arguindo vícios que se evidenciem do texto da decisão), para obter a pretendida alteração da decisão em matéria de facto. A argumentação jurídica invocada pelo recorrente para excluir diversa prova documental não integra um vício evidenciado no texto da decisão – v.g. não decorre do seu teor que algum dos documentos referidos pelo recorrente tenha resultado de uma violação do princípio do direito à não incriminação -, nem constitui uma impugnação da decisão da matéria de facto mediante a indicação de meios concretos de prova que imponham decisão diversa: o recorrente optou por invocar a seu favor a “ratio decidendi” do acórdão do Tribunal Constitucional n º 298/2019 de 15 de Maio de 2019, que decidiu: «Julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo;» A questão jurídica alegada pelo recorrente não integra qualquer nulidade insanável (artigo 119º do Código de Processo Penal), mas um alegado método proibido de prova à luz do disposto no artigo 126º, 2, a), do Código de Processo Penal, por consistir, na ótica do recorrente, na utilização como prova em processo penal de documentos obtidos na atividade de fiscalização tributária[5], sem prévio conhecimento ou decisão do Ministério Público, numa situação em que a autoridade tributária recolheu meios de prova durante o inquérito, abusando do dever de colaboração do contribuinte[6]. De jure A Constituição da República Portuguesa não consagra, expressamente, o princípio nemo tenetur se ipsum accusare, mas tal não impede o seu reconhecimento como um princípio constitucional implícito a que corresponde um direito fundamental não escrito[7] [8]. Este direito à não autoincriminação em sentido amplo abrange, na sua área nuclear, o direito ao silêncio propriamente dito e desdobra-se em diversos corolários, designadamente nas situações em que esteja em causa a prestação de informações, a entrega de documentos ou outras formas de colaboração do próprio suspeito ou arguido, impedindo soluções que façam recair sobre o arguido a obrigatoriedade de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua condenação; e, repressivamente, proibindo a valoração de meios de prova recolhidos com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido. A proibição de métodos proibidos de prova[9] enquadra-se na eterna tensão dicotómica dos sistemas de justiça em que, de um lado, existe a necessidade de ser assegurado um processo penal efetivo, capaz de perseguir e punir os agentes de crimes e, de outro lado, o dever de assegurar um processo penal justo, associado à ideia conceptual de fair trial, integrando as proibições de prova uma dimensão individual de proteção dos direitos fundamentais. O ato processual em que se proceda à obtenção da prova por métodos proibidos é inválido, no sentido em que existe um “desvio entre as disposições processuais e a actividade empreendida, capaz de legitimar uma pretensão eliminatória dos efeitos jurídicos produzidos”, sendo que “os actos processuais inválidos dão origem a uma pluralidade de tratamentos, que variam em função da gravidade e da natureza da violação”[10] Tendo sido caracterizada, nos seus pressupostos e razão de ser, a proibição dos métodos proibidos de prova, não se mostra necessário desenvolver nesta fundamentação o regime de tal invalidade, uma vez que no caso em apreço não se verificarem os seus pressupostos: contrariamente ao sugerido pelo recorrente, a sentença recorrida não aproveitou qualquer meio concreto de prova recolhido pela administração tributária com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido. Como admitido pelo próprio recorrente, “conforme decorre dos presentes Autos, a fls. 104 vs e 105, “(…) foram solicitados pelo instrutor do processo ao Técnico Oficial de Contas (TOC) do sujeito passivo constante do sistema informático da AT, J…, NIF ……….; (…) No dia 2013/07/31 foram entregues a esta equipa, para análise, os elementos remetidos, pela TOC do sujeito passivo, nomeadamente (Anexo 1) – extrato da conta corrente (…).”. Daqui resulta claro que, em momento algum, algum meio concreto de prova foi recolhido pela administração tributária: a) impondo algum tipo de colaboração (foi realizada uma mera solicitação a uma técnica oficial de contas); b) diretamente, de algum dos arguidos, “maxime”, do arguido recorrente; Importa destacar que a técnica oficial de contas - que forneceu, somente, um extrato da conta-corrente, a solicitação da A.T., tem uma personalidade jurídica distinta daquela que cada um dos arguidos possui. Em suma, sempre que a administração tributária, em inquérito penal, solicita a técnico oficial de contas de um contribuinte algum elemento contabilístico – v.g. extrato de conta-corrente -, que o fornece, tal não constitui um método proibido de prova à luz do disposto no artigo 126º, 2, a), do Código de Processo Penal, por não ter imposto algum tipo de colaboração ao contribuinte arguido. Nestes termos, não ocorreu nos presentes autos uma situação de autoincriminação do arguido ora recorrente, sendo o seu argumento jurídico manifestamente improcedente. Por outro lado, não se pode deixar de censurar o seu comportamento processual, por violação das regras de boa-fé, uma vez que a motivação do recurso, nesta parte, suscita uma questão nova, que nunca foi sujeita à apreciação e decisão do tribunal “a quo” – bem pelo contrário: apesar da prova documental em causa na motivação jurídica do recurso ter sido indicada na acusação, tendo o arguido recorrente tido a possibilidade de exercer o contraditório – requerendo a abertura de instrução ou apresentando contestação, arguindo a invalidade de tal prova -, o mesmo limitou-se a oferecer o merecimento dos autos. De igual modo, em momento algum apresentou requerimento autónomo, a suscitar a invalidade de tais meios concretos de prova, de modo a obter uma decisão do tribunal “a quo” – e também recorrível, “per se” -. Pelas razões expostas, a argumentação do recorrente não integra qualquer nulidade insanável (artigo 119º do Código de Processo Penal), nem um método proibido de prova (artigo 126º do Código de Processo Penal). * …………………………………………………………………………………… ………………………………………… * Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade, em negar provimento ao recurso do arguido B….III – DECISÃO Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cinco unidades de conta). Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator. Porto, em 5 de Fevereiro de 2020. Jorge Langweg Maria Dolores da Silva e Sousa ___________________________ [1] Parecer subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. Pedro Branquinho Dias. [2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V. [3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1. [4] “A sociedade arguida recebeu e não entregou IVA no valor global de pelo menos €9.090,08, correspondente ao IVA liquidado e recebido no valor de €14.086,54, subtraído do IVA dedutível no valor de €4.996,47.” [5] Recorda-se que, durante o inquérito, a administração tributária tem os poderes e funções que o Código de Processo Penal atribui aos órgãos e às autoridades de polícia criminal e presume delegada nos mesmos a prática de atos que o Ministério Público pode atribuir àquelas entidades, independentemente do valor da vantagem patrimonial ilegítima (artigos 40.º, n.º 2, e 41.º, n.ºs 1, alínea b), e 2 do R.G.I.T., 55.º e 270.º, estes do C.P.P.). Os órgãos da Administração fiscal são equiparados a órgãos de polícia criminal e atuam no inquérito sob a direção do Ministério Público e na sua dependência funcional (artigo 56.º do C.P.P.). [6] No tocante ao procedimento inspetivo, cumpre ter presente o disposto no artigo 63.º, n.º 1, da LGT, que, sob a epígrafe «Inspeção», concretiza, no domínio da inspeção, o dever geral de colaboração estatuído no artigo 59.º, n.º 4, do mesmo diploma, estabelecendo o seguinte: «1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua atividade ou com a dos demais obrigados fiscais; b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária; c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução; d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas; e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais; f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da ação inspetiva.» O dever de cooperação com a inspeção previsto no artigo 9.º, n.º 1, do RCPITA, são depois concretizados neste mesmo diploma, a propósito das «Garantias do exercício da função inspetiva» (epígrafe do capítulo I do seu título IV), de modo particular nos artigos 28.º (Garantias de eficácia [da inspeção tributária]) e 29.º (Prerrogativas da inspeção tributária). O primeiro estatui no seu n.º 1 que «cabe genericamente às autoridades públicas e às entidades inspecionadas facultar à inspeção tributária, nos termos da lei, todas as condições necessárias à eficácia da sua ação». No n.º 2 deste artigo, são concretizados os direitos dos funcionários em serviço de inspeção tributária, nos seguintes termos: «2 - Os funcionários em serviço de inspeção tributária têm direito, nos termos do número anterior: a) Ao livre acesso às instalações e dependências da entidade inspecionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções; b) À disposição das instalações adequadas ao exercício das suas funções em condições de dignidade e eficácia; c) Ao exame, requisição e reprodução de documentos, mesmo quando em suporte informático, em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos; d) À prestação de informações e ao exame dos documentos ou outros elementos em poder de quaisquer serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, do Estado, das Regiões Autónomas e autarquias locais, de associações públicas, de empresas públicas ou de capital exclusivamente público, de instituições particulares de solidariedade social e de pessoas coletivas de utilidade pública; e) À troca de correspondência, em serviço, com quaisquer entidades públicas ou privadas sobre questões relacionadas com o desenvolvimento da sua atuação; f) Ao esclarecimento, pelos técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, da situação tributária das entidades a quem prestem ou tenham prestado serviço; g) À adoção, nos termos do presente diploma, das medidas cautelares adequadas à aquisição e conservação da prova; h) À requisição às autoridades policiais e administrativas da colaboração necessária ao exercício das suas funções, no caso de ilegítima oposição do contribuinte à realização da inspeção.» Já o referido artigo 29.º dispõe o seguinte: «1 - O exercício das garantias de eficácia previstas no artigo anterior pode concretizar-se através das seguintes faculdades dos funcionários em serviço de inspeção tributária: a) Examinar quaisquer elementos dos contribuintes que sejam suscetíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua atividade, ou de terceiros com quem mantenham relações económicas e solicitar ou efetuar, designadamente em suporte magnético, as cópias ou extratos considerados indispensáveis ou úteis; b) Proceder à inventariação física e avaliação de quaisquer bens ou imóveis relacionados com a atividade dos contribuintes, incluindo a contagem física das existências, da caixa e do imobilizado, e à realização de amostragens destinadas à documentação das acções de inspecção; c) Aceder, consultar e testar os sistemas informáticos dos sujeitos passivos e, no caso de utilização de sistemas próprios de processamento de dados, examinar a documentação relativa à sua análise, programação e execução, mesmo que elaborados por terceiros; d) Consultar ou obter dados sobre preços de transferência ou quaisquer outros elementos associados ao estabelecimento de condições contratuais entre sociedades ou empresas nacionais ou estrangeiras, quando se verifique a existência de relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas; e) Tomar declarações dos sujeitos passivos, membros dos corpos sociais, técnicos oficiais de contas, revisores oficiais de contas ou de quaisquer outras pessoas, sempre que o seu depoimento interesse ao apuramento dos factos tributários; f) Controlar, nos termos da lei, os bens em circulação; g) Solicitar informações às administrações tributárias, estrangeiras, no âmbito dos instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional. 2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, consideram-se suscetíveis de revelar a situação tributária dos contribuintes os seguintes elementos: a) Os livros obrigatórios previstos na legislação comercial e fiscal; b) Os registos contabilísticos e os documentos com eles relacionados, incluindo os programas e suportes magnéticos; c) Os registos auxiliares da contabilidade; d) Os documentos e registos relativos ao custeio das existências ou à contabilidade analítica; e) Outra documentação interna ou externa relativa às operações económicas e financeiras efetuadas com clientes, fornecedores, instituições de crédito, sociedades e quaisquer outras entidades, incluindo os extratos processados pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, os contratos celebrados, os orçamentos sobre trabalhos realizados ou encomendados a terceiros, os estudos realizados ou encomendados a terceiros e as tabelas de preços estabelecidos; f) Os relatórios, pareceres e restante documentação emitida por técnicos oficiais de contas, revisores oficiais de contas, advogados, consultores fiscais e auditores externos; g) A correspondência recebida e expedida relacionada com a atividade. 3 - A inspeção tributária pode ainda, atendendo à sua necessidade e ao princípio da proporcionalidade, proceder às seguintes diligências prospetivas ou de informação: a) Enviar aos contribuintes, bem como a quaisquer outras entidades públicas ou privadas, questionários quanto a dados e factos de carácter específico relevantes para a definição e controlo da sua situação tributária ou de terceiros, os quais deverão ser devolvidos depois de devidamente preenchidos e assinados; b) Solicitar às entidades referidas na alínea anterior o envio de cópia de documentos e informações relevantes para o apuramento e controlo da sua situação ou de terceiro, designadamente faturas, documentos de transporte, registos contabilísticos e cópias ou extratos de atos e documentos de cartórios notariais, conservatórias e outros serviços oficiais. [7] Na doutrina, veja-se o texto de Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, “Poderes de supervisão, direito ao silêncio e provas proibidas” (Parecer) in Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, Almedina, Coimbra, 2009, a págs. 38 e 39 e Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, O direito à não autoinculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contraordenacional português, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, a págs. 14 e 15. [8] A jurisprudência também reconheceu tal princípio nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 695/95, 542/97, 304/2004, 181/2005, 155/2007, 461/2011, 340/2013 e 360/2016 e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 21 de outubro de 2014. [9] Importa enquadrar conceptualmente os métodos proibidos de prova. Segundo Claus Roxin, Derecho Procesal Penal (trad. da 25.ª ed. alemã por Gabriela Córdoba e Daniel Pastor), Buenos Aires, Editores del Puerto, 2000, a págs. 190,191 e 194, as proibições de prova dividem-se em: proibições de produção de prova e proibições de valoração de prova. O primeiro grupo, por sua vez, subdivide-se em: temas de prova proibidos – determinados factos não podem ser objecto de prova; meios de prova proibidos – quando determinados meios de prova não podem ser empregues; métodos de prova proibidos – na produção da prova não podem ser utilizados certos métodos de recolha da mesma e; proibições de prova relativas – a ordem ou a obtenção de prova só pode ser levada a cabo por certas pessoas. [10] Conde Correia, “Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pág. 102. |