Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8402/12.3TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: RP202302068402/12.3TBMTS.P1
Data do Acordão: 02/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dano biológico, enquanto lesão da integridade físico-psíquica encontra a sua compensação tutelada no artigo 25º nº 1 da CRP e no artigo 70º do CC.
II - É pela jurisprudência acolhido o entendimento de que a um reconhecido dano corporal corresponde de acordo com a sua gravidade um crédito indemnizatório, independentemente de este ter tradução direta ou não na perda de rendimentos laborais, porquanto sempre implicará e na medida da sua gravidade uma diminuição das competências sociais e em família e mesmo funcionais de cada indivíduo, com reflexos maiores ou menores dependendo de cada caso, não só na sua inserção social e familiar como na sua capacidade produtiva e de como nestes vários contextos terá o lesado de superar ou suportar as suas limitações com maior esforço e/ou penosidade.
III - A fixação do valor indemnizatório nestes casos é feita com recurso a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 566º nº 3 do CC, para tanto ponderando as circunstâncias do caso concreto.
IV - É entendimento jurisprudencial reiterado que a fixação de um quantum indemnizatório em que se recorre a juízos de equidade, porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando se evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
V - O valor de €30.000,00 fixado pelo tribunal a quo a título de dano biológico na vertente patrimonial, num quadro de incapacidade apurada de 10 pontos com reflexo no exercício tanto das tarefas da vida diária como a nível profissional que da autora exigem esforço acrescido, não excede de forma substancial e injustificada os padrões jurisprudenciais que têm vindo a ser adotados.
VI - Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.
VII - Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 8402/12.3TBMTS.P1
3ª Secção Cível

Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Central Cível da Póvoa de Varzim

Apelante/ Fundo de Garantia Automóvel
Apelada/AA



Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL”; BB e “A..., S. A.”, atualmente denominado “Banco 1..., S.A.” peticionando pela procedência da ação, a condenação solidária dos RR. “a pagar à Autora a quantia não inferior a €70.261,81 (setenta mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimos) a título de indemnização por todos os danos sofridos pela Autora em consequência do acidente em causa, acrescida essa quantia de juros legais, à taxa anual em vigor em cada momento e que, no presente está fixada em 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, e ainda nas custas, e despesas.”
Para tanto e em suma alegou ter ocorrido um acidente de viação no qual foram intervenientes dois veículos, num deles seguindo a A. como passageira.
O veículo em que seguia a A. como passageira (AB) era conduzido pelo 2º R. por conta, autorização e sob a direção efetiva da 3ª R., proprietária do mesmo.
Veículo este que na altura circulava sem que a responsabilidade civil emergente da sua circulação por danos causados a terceiros estivesse transferida para uma qualquer seguradora, ao contrário do que era obrigação legal, o que a A. desconhecia então.
O outro veículo interveniente no acidente, da marca Mercedes, não parou sequer após o embate e ausentou-se do local, desconhecendo a sua matrícula.
Motivos da demanda do 1º R. FGA.
Na altura do embate, ambos os veículos circulavam em excesso de velocidade, tendo o veículo de marca Mercedes que circulava atrás do AB embatido com a sua frente nas traseiras do AB o que provocou o despiste deste último, por o seu condutor do mesmo veículo ter perdido o controle.
O acidente ficou a dever-se à conduta de ambos os condutores dos dois veículos intervenientes no acidente.
Como consequência do embate, sofreu a A. danos patrimoniais e não patrimoniais que elencou e quantificou em conformidade com o pedido formulado.
*
Devidamente citada contestou a 3ª R., em suma impugnando o alegado quanto ao acidente – modo como ocorreu e danos supervenientes para a A..
Sobre a responsabilidade imputada a si, tendo alegado que o veículo em causa fora dado em locação financeira a terceira sociedade, a qual findo o contrato deveria ter restituído o veículo, o que não fez.
Pelo que a responsabilidade apenas ao locatário pode ser imputada, sendo a R. parte ilegítima.
Mais alegou não deter a direção efetiva do veículo desde a data em que o adquiriu, por o ter dado em locação. Desconhecendo aliás o paradeiro do veículo, até ao acidente dos autos. Circulando o veículo à sua revelia e contra a sua vontade.
Pelo que não pode ser responsabilizada pelos danos sofridos pela autora.
Invocou ainda esta R. a exclusão da responsabilidade de indemnizar, por na altura a A. circular sem cinto de segurança em violação do disposto no artigo 82º do CE.
Termos em que concluiu pela sua absolvição da instância por ser parte ilegítima e sempre pela sua absolvição do pedido com a consequente improcedência da ação.

Contestou o FGA, em suma impugnando a versão do acidente descrito pela autora, porquanto e de acordo com as suas averiguações o acidente se deveu em exclusivo à atuação do condutor do AB onde seguia a A. como passageira.
No mais tendo ainda impugnado o alegado por desconhecer e não serem factos pessoais.
Alegou ainda a existência de doença da A. pré-existente, por tanto impugnando os danos alegados por esta.
Bem como alegou ter esta contribuído para a gravidade dos danos, por circular sem cinto de segurança. Sabendo ainda que o condutor do AB conduzia sob o efeito do álcool.
Termos em que concluiu pelo julgamento da ação em conformidade com a prova a produzir.
Oportunamente foi deduzido e admitido articulado superveniente.
Após vicissitudes várias relacionadas com a realização de perícias na pessoa da A., foi agendado e realizado julgamento.
Após o que foi proferida sentença e decidido:
“Julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência, absolvo a R. Banco 1..., S.A. dos pedidos e condeno os RR. FGA e o R. BB a, solidariamente, pagarem à A. a da quantia de 52.261,81€ (cinquenta e dois mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimo, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento, absolvendo-os do restante peticionado.
(…)”
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Do assim decidido apelou o R. FGA, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
“1. A indemnização pelos danos não patrimoniais da autora deve fixar-se em €10.000,00;
2. A indemnização pelo dano biológico da autora deve ser reduzida, equitativamente, para a quantia de 15.000,00€;
3. Ao não o interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 562.º e 564.º, nº 2 todos do CC.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados.”
Apresentou a A. contra-alegações, concluindo em suma pela improcedência do recurso interposto pelo FGA, atento o bem decidido pelo tribunal a quo.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar, a correção dos valores indemnizatórios atribuídos à A. a título de danos não patrimoniais e dano biológico.
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III- Fundamentação
Foram julgados provados os seguintes factos:
“III- Factos provados
1. No dia 11 de dezembro de 2010, pelas 1h35m, no final do ramal simultaneamente de saída da autoestrada A28 e de acesso à autoestrada A4, na direção da Av. ..., em Matosinhos, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca “Honda”, modelo ...”, de matrícula ..-AB-...
2. O veículo AB, naquela data, era propriedade da 3ª Ré.
3. No momento do acidente, o veículo AB era conduzido pelo 2º Réu.
4. Na ocasião do sinistro, não existia contrato de seguro relativo à responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação do veículo AB.
5. O veículo AB tinha sido objeto de um contrato de locação financeira, em que a 3ª Ré figurou como locadora e que terminara em 5 de maio de 2010.
6. A via, no local do sinistro, desenvolve-se em curva pronunciada de arco para direita, atento o sentido de marcha acesso da A28 para a A4, no sentido ... - Av. ..., em Matosinhos, tem boa visibilidade pois permitia avistar-se a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de mais de 50 metros e, embora fosse já de noite, a iluminação pública, no local, estava acesa pelo que, a via estava bem iluminada e, tinha e tem separadores metálicos a ladear de ambos os lados o referido acesso daquelas autoestradas (da A28 para a A4) e, também a A4, mas só no separador central.
7. O tempo estava bom.
8. Na ocasião do acidente, a Autora fazia-se transportar como passageira do veículo AB e, seguia sentada no lugar do meio do banco traseiro.
9. No ramal de acesso da A28 à A4 a velocidade aí permitida está limitada por placas a 60 Km/hora.
10. O condutor do veículo AB tripulava-o pelo ramal de acesso da A28 à A4, para aí passar a circular no sentido de trânsito de ... para Av. ..., em Matosinhos.
11. Seguia a imprimir ao veículo velocidade superior aos referidos 60 Km/ hora, excessiva e desadequada para o local, distraído e alheado à sua condução e ao restante trânsito.
12. Nestas condições, quando o referido veículo já se encontrava a acabar de descrever a curva de arco para a direita que o referido ramal de acesso à A4 faz, o seu condutor, aqui 2.º R. perdeu o controlo do mesmo e despistou-se.
13. Logo após, embateu com a parte lateral esquerda traseira do veículo AB nos “rails” em metal que aí delimitam o referido ramal de acesso à A4 do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha.
14. De seguida, começou a rodopiar, fazendo vários “piões”.
15. Já ao Km 0 da A4 acabou por ir embater com a frente do veículo AB no muro que ladeia a A4 do lado Norte, onde se veio a imobilizar com a frente voltada para Norte na berma direita e a traseira do veículo AB a ocupar a fila da direita da A4, atento o mesmo sentido de trânsito – Vila Real – Matosinhos.
16. O sinistro ficou a dever-se à velocidade a que o 2.º R conduzia o AB e à sua falta de cuidado e atenção.
17. Por força do embate, a A. sofreu ferimentos e sequelas que derivam desses ferimentos.
18. Logo após o acidente dos autos a Autora foi imobilizada no local do sinistro pelo INEM e conduzida numa ambulância destes serviços à Unidade Local de Saúde de Matosinhos, EPE, também designado por Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos, onde a Autora deu entrada no Serviço de Urgência em plano duro, e onde lhe foram ministrados os primeiros socorros e outros tratamentos necessários.
19. Na Triagem de Manchester a Autora foi classificada no quadro de “Grande traumatismo”, com prioridade laranja e escala de dor 6.
20. Em consequência do acidente de viação em causa, resultou-lhe traumatismo dos ombros, grade costal direita e esquerda.
21. Nesse hospital a Autora submeteu-se a avaliação clínica e imagiológica e, após a realização de exames, nomeadamente Raios X dos membros superiores e da região torácica foi-lhe diagnosticado fraturas das cabeças dos úmeros direito e esquerdo.
22. Ainda nesse dia, a Autora foi transferida para o Serviço de Ortopedia daquele Hospital onde efetuou TAC aos dois ombros e aí permaneceu internada até ao dia 14 do mesmo mês.
23. Durante o internamento a Autora queixou-se de muitas dores que não passavam com os analgésicos e, após reunião do Serviço, foi-lhe transmitido que havia sido decidido submetê-la a intervenção cirúrgica.
24. Tendo, consequentemente, a Autora ficado em jejum durante dois dias a fim de se realizar a referida cirurgia.
25. Posteriormente, a Autora foi informada de que já não ia ser submetida a intervenção cirúrgica e teve alta com imobilização dos dois membros superiores (suspensão braquial simples), no dia 14 de dezembro de 2010.
26. Entretanto, as dores não aliviavam e até aumentaram pelo que, por lhe serem insuportáveis a Autora teve de recorrer novamente, no dia 19 de dezembro de 2010, ao Serviço de Urgência do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, onde se queixou de dores na região esternal e no hemotórax esquerdo.
27. A Autora foi submetida a exames complementares de diagnóstico nesse Hospital e teve alta nesse mesmo dia com reforço de medicação analgésica.
28. A Autora usou a suspensão braquial simples durante cerca de três meses após o acidente em apreço.
29. A Autora frequentou consulta e fez tratamento conservador de recuperação funcional por sequelas de fratura proximal bilateral dos úmeros no Serviço de Fisioterapia do Hospital de Pedro Hispano desde janeiro de 2011 até 22 de novembro, altura em que concluiu os tratamentos, apresentando evolução favorável das amplitudes articulares e força muscular, com défice nos últimos graus dos arcos de movimentos dos ombros, principalmente o esquerdo e, com queixas álgicas com movimentos esforçados.
30. A Autora também frequentou as consultas de Ortopedia do Dr. CC, no Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos, onde compareceu nos dias 22/12/2010, 3/1/2011, 8/2/2011, 2/3/2011 e 9/3/2011, altura em que teve alta clínica de ortopedia, e como apresentava consolidação das fraturas em boa posição, decidiu-se manter as consultas e tratamentos de Fisioterapia.
31. Em 9 de Fevereiro de 2011, a Autora foi observada pelos Serviços Clínicos do 1º Réu, na pessoa do Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia, Dr. DD, que confirmou que naquela data a Autora ainda usava o membro superior esquerdo em suspensão.
32. Confirmou também esse clínico que, a Autora até então tinha tido necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa quer para as atividades da via diária, quer para a execução das lides domésticas.
33. Mais diagnosticou que, do acidente em causa resultaram para a Autora as seguintes lesões e sequelas:
- Traumatismo de ambos os ombros.
- Que a Autora tinha dores em ambos os ombros sobretudo no esquerdo. Havia agravamento com os movimentos e, quando deitada, com alguns posicionamentos.
- Que a Autora apresentava dificuldade na mobilização dos ombros o que a impedia de executar autonomamente os atos da vida diária tais como comer, vestir-se ou ter cuidados de higiene.
- Que a Autora estava impossibilitada de executar as tarefas domésticas.
- E, ao exame, a Autora apresentava rigidez acentuada de ambos os ombros, sobretudo o esquerdo, que se apresentava com suspensão toraco-braquial.
34. Em 15 de Junho de 2011, a Autora voltou a ser observada pelo médico do 1º Réu, Dr. DD, o qual verificou que a Autora desde a última consulta já apresentava resultados progressivamente melhorados no que se referia à mobilidade articular dos ombros mas, como sequelas resultantes em consequência do acidente dos autos.
- Que mantinha dores em ambos os ombros, sobretudo no esquerdo.
- Que havia agravamento das mesmas dores com as alterações climáticas e com os movimentos e, ainda, quando deitada, com alguns posicionamentos e que este facto lhe perturbava o ritmo de sono.
- Que mantinha a dificuldade na mobilização dos ombros, o que lhe dificultava a execução com destreza dos atos da vida diária, tais como comer, vestir-se ou ter cuidados de higiene, o que, naquela altura, já fazia de forma autónoma e sem ajuda de terceiros e.
- Que mantinha dificuldades em fazer as tarefas domésticas.
35. Os serviços clínicos do 1º Réu verificaram posteriormente também que a Autora sofreu de um período de incapacidade temporária geral total que fixaram em 90 dias.
36. Em 14 de Novembro de 2011, a Autora, por ter sido acometida de uma dor no ombro direito muito forte, apresentou-se no Serviço de Urgência Geral do Hospital de Pedro Hispano onde fez exames radiográficos.
37. Após discussão clínica, foi orientada para consulta ao ombro em foi verificado que não tinha ainda mobilidade completa dos ombros.
38. Tendo a Autora sido medicada com analgésicos e teve alta nesse mesmo dia 14/11/2011.
39. Em agosto de 2012, a Autora consultou o médico especialista em ortopedia e traumatologia, Dr. EE, que a examinou e mandou-a fazer exames radiográficos aos ombros.
40. Posteriormente àquela data, a Autora fez os referidos exames radiográficos que mostram que a Autora, em consequência do acidente dos presentes autos, sofreu fratura do troquiter direito e do colo do úmero esquerdo.
41. Em 17 de Setembro de 2012, a Autora munida dos aludidos exames voltou à consulta do médico Dr. EE, que lhe diagnosticou que mesmo atualmente a Autora apesar do tratamento a que foi sujeita mantém sempre queixas dolorosas – omalgia bilateral e toracalgia.
42. Ainda hoje mantém e manterá um quadro doloroso dos ombros.
43. Mais lhe diagnosticou o referido clínico que as lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente dos autos atingiram a sua consolidação médico-legal em 22 de novembro de 2011.
44. Para além das sequelas supra, a Autora, como sequelas resultantes e em consequência do acidente dos autos, ficou a padecer de dificuldade na preensão de objetos pesados com o ombro esquerdo, nomeadamente as compras no hipermercado, etc.
45. Como fenómenos dolorosos apresenta omalgia bilateral e toracalgia, que se agravam ao agarrar em objetos pesados.
46. Nos atos da vida diária, a Autora apresenta lentidão ao efetuar os gestos da vida diária, nomeadamente, nos movimentos repetidos dos membros superiores como, por exemplo, limpar a casa e passar a ferro.
47. A Autora não consegue efetuar movimentos da vida diária que impliquem elevação de ambos os ombros por tempo prolongado, como por exemplo limpar os vidros.
48. A Autora apresenta dificuldade em efetuar gestos da vida diária que impliquem esforços do ombro esquerdo, como por exemplo despir a roupa e mudar a roupa da cama.
49. A Autora apresenta as sequelas seguintes:
Membro superior direito
- Sem atrofia do deltóide e do braço (23 cm bilateralmente a 10 cm da olecrânio)
- Contratura do trapézio.
- Cicatriz cirúrgica com 10 cm de comprimento, oblíqua, nacarada, na face anterior do ombro, sem quelóide, hipertrofia ou zonas de depressão; visível à distância de contacto social; inferiormente a esta apresenta outra cicatriz nacarada com 0.3 cm de maior diâmetro.
- Na face posterior do ombro, apresenta outra cicatriz com 0,5 cm de comprimento.
-Mobilidades do ombro diminuídas –
Flexão – efetua movimentos de flexão ativos até aos 110º e passivos até aos 120º
Abdução – efetua movimentos de extensão ativos até aos 40º e passivos até aos 50º
Rotação interna diminuída, efetuando movimentos ativos até aos 45º e passivos até aos últimos graus de movimento.
Adução e rotação externa preservadas
Consegue levar a mão à nuca, à transição dorso-lombar e ao ombro contralateral.
Força muscular grau 5, embora ligeiramente diminuída acima dos 90º de flexão e abdução.
Membro superior esquerdo
-mobilidades do ombro diminuídas na flexão (efetua movimentos ativos até aos 120º e passivos até aos 130º) e na abdução (efetua movimentos ativos até aos 100º e passivos até aos 110º.
-Restantes movimentos preservados (extensão, adução e rotações).
- Consegue levar a mão à nuca, à região dorsal e ao ombro contralateral.
-Força muscular grau 5.
50. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30/08/2012, altura em quer terminaram os tratamentos de fisioterapia.
51. A A. sofreu agravamento do quadro clínico 4/05/2016, iniciando nessa altura seguimento em consultas de ortopedia até 18/09/2017, nova data de consolidação médico legal.
52. O período de défice funcional temporário parcial da Autora é fixável em 1069 dias.
53. O quantum doloris é fixável no grau 5/7.
54. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 10 pontos, no que estão incluídas as queixas álgicas.
55. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício de uma atividade profissional, mas implicam a realização de esforços suplementares.
56. O dano estético permanente é fixável no grau 3/7.
57. A repercussão permanente na atividade sexual é fixável no grau 1/7.
58. No futuro a A. carecerá de tratamentos médicos regulares, mais concretamente seguimento em consulta de ortopedia (anual), com a realização dos exames imagiológicos necessários, podendo haver no futuro, necessidade eventual de revisão da prótese do ombro direito.
59. Após o acidente, a Autora, em consequência do sinistro, padeceu de insónias.
60. Ainda como sequelas do acidente em apreço, na vida afetiva e social a Autora ficou mais nervosa e mais irritável.
61. As sequelas que a Autora apresenta interferem com a sua atividade doméstica, implicando esforços complementares para o seu exercício.
62. A A. nasceu a .../.../1965.
63. As sequelas de que a Autora ficou afetada dificultam-lhe os movimentos e impossibilitam-na de se movimentar e passear como o fazia antes do acidente.
64. A Autora viveu momentos de grande pânico, tendo antevisto como real a possibilidade de sofrer gravíssimos ferimentos e mesmo de vir a morrer como consequência do acidente.
65. A Autora, em consequência do acidente dos autos, principalmente nos meses a seguir ao sinistro teve um grande incómodo e angústia, até pela incerteza do seu futuro.
66. Durante o período de défice funcional temporário parcial a Autora teve de recorrer a ajuda de terceiras pessoas para fazer as lides domésticas, como sejam confecionar as refeições, fazer as camas, limpar a casa, lavar as roupas e também teve de recorrer a ajuda dessas terceiras pessoas inclusive para fazer a sua higiene pessoal.
67. Durante igual período a Autora teve de recorrer também à ajuda de terceiras pessoas para se poder transportar para todo o lado, nomeadamente, para se deslocar às consultas médicas e aos tratamentos a que foi sujeita.
68. É difícil para a A. pegar em pesos.
69. Estes danos físicos de que a Autora ficou afetada provocam-lhe também preocupações e angústia
70. Em despesas medicamentosas (farmácia), em transportes para tratamentos e consultas médicas e para se deslocar às instalações do 1º Réu, tudo derivado do acidente em causa, a Autora teve de suportar despesas de €261,81.
Articulado superveniente
71. Em agosto e outubro de 2015 a A. apresentava necrose da cabeça umeral proveniente do traumatismo inicial sofrido pela cabeça umeral e foi por isso operada em 7/02/2017 ao ombro direito, que consistiu numa hemi-artroplastia, desse ombro, prevendo-se então 9 a 12 meses de recuperação.
72. Após a cirurgia, foi colocado à A. um suporte de braço com banda e manteve esse braço totalmente imobilizado durante mais de um mês.
73. A A., depois da cirurgia, passou para a consulta externa do mesmo hospital, tendo até agora comparecido em quatro consultas médicas, uma no dia 15/2/2017, outra no dia 21/2/2017, outra no dia 10/4/2017 e uma outra no dia 12/4/2017.
74. O estado de saúde da A. após e na sequência da dita cirurgia tem evoluído bem, mas prevê-se que a sua recuperação só ocorrerá entre 9 a 12 meses a contar deste mês.
75. Tendo tido a A. ainda marcadas mais duas consultas médicas nesse hospital para o mês de setembro de 2017, mais concretamente, para os dias 11 e 19.
76. Como consequência da cirurgia a que foi submetida ao ombro direito, a A. teve muitas dores pelo que teve de pôr gelo no local e fez analgesia para as aliviar.
77. A A. ainda hoje mantém queixas dolorosas e ainda hoje mantém um quadro doloroso dos ombros, nomeadamente, no ombro que foi submetido a cirurgia.
78. A A, ainda hoje não consegue levantar o braço direito acima do ombro.
79. A A. durante mais de um mês após a cirurgia a que foi sujeita, esteve com o braço direito com banda e totalmente imobilizado.
80. Durante mais de um mês após a cirurgia a que foi sujeita, a Autora ao virar-se na cama sofria de fortes e persistentes dores.
Da Contestação da R. Banco 1...
81. No termo do contrato supra referido em 5) o veículo AB não foi entregue à R. Banco 1....
82. Aquando do acidente, o veículo AB circulava contra a vontade da R. Banco 1... que desconhecia o seu paradeiro.
83. A aqui R. desconhece quem seja o condutor do veículo, nunca tendo tido qualquer relacionamento com este.
84. Nunca o condutor do veículo teve qualquer relação com a sociedade R., nunca este lhe prestou qualquer serviço, nunca foi seu funcionário.
85. Nunca houve entre ambos qualquer relacionamento.
86. Após o acidente, o 2.º R. foi submetido ao exame de álcool-teste, através do aparelho Drager para deteção qualitativa de excesso de álcool, tendo acusado a taxa de 1,35 g/l.
87. Posteriormente, foi submetido ao controlo de alcoolemia, tendo acusado taxa de álcool no sangue (TAS) de 0,96 g/l.
Da Contestação do Fundo de Garantia Automóvel
88. A A. encontrava-se desempregada à data dos factos.
89. Após a separação do marido ocorrida antes do acidente, a A. passou a ser seguida no Hospital Magalhães Lemos pela especialidade de psiquiatria, tendo mantido esse seguimento durante alguns anos.
90. Manteve desde essa altura a toma de Triticum.”

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O tribunal a quo julgou, ainda, como não provada a seguinte factualidade:
“IV – Factos não provados
Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente, e ainda que:
- No acidente supra referido nos factos provados tenha sido interveniente um outro veículo de passageiros da marca Mercedes.
- O 2.º R. conduzisse o veículo AB no interesse e sob as ordens, por conta, com autorização e sob a direção efetiva da 3.ª R.
- Na altura do acidente, a A. trouxesse colocado e devidamente ajustado e apartado o cinto de segurança destinado ao lugar que ocupava.
- O condutor do AB imprimisse ao este veículo velocidade não inferior a 100 Km/h.
- Atrás do veículo AB, no mesmo sentido de marcha, a mais de 110 Km/h, distraído e alheado da sua condução seguisse o veículo da marca Mercedes.
- Quando o AB se encontrava a acabar de descrever a curva de arco para a direita que o referido ramal de acesso à A4 faz, o condutor do veículo Mercedes não tenha atentado na presença próxima do veículo AB.
- Tenha embatido com a sua parte da frente na parte traseira esquerda do veículo AB.
- Tenha sido o veículo de marca Mercedes que fez com que o 2.º R. perdesse o controlo do veículo que estava a conduzir e se despistasse.
- O veículo de marca Mercedes se tenha ausentado do local.
- As sequelas supra descritas confiram à A. uma incapacidade parcial permanente geral de pelo 21 pontos.
- Ainda hoje a A. necessite de tomar analgésicos diariamente.
- Tenha sido durante um ano que a A. sentiu insónias.
- Em consequência do acidente a A. tenha sentido sonolência.
- A A. tenha sentido um prejuízo de afirmação pessoal de 2 numa escala de 1 a 5,
- A A. tenha permanecido retida no leito e em casa nos seis meses a seguir ao sinistro.
- A A. tenha necessitado da ajuda de terceira pessoa durante o período de seis meses.
- Antes do acidente a A. fosse uma pessoa sadia e robusta e vivesse geralmente com alegria e boa disposição.
- Desde a data do acidente que a A. sente como se trouxesse um peso sobre os ombros, principalmente o esquerdo.
- Como consequência direta e necessária do sinistro, a A. não pode permanecer muito tempo sentada e deitada e deslocar-se normalmente por ficar cheia de dores se andar algum tempo a pé.
- A A. tenha passado a viver acabrunhada, deprimida, depressiva e triste e geralmente sinta má disposição.
- Ainda hoje a A. tenha dificuldade em dormir.
- A A. tenha ficado com fobia de ser transportada em veículos automóveis.
- A A. evite usar transportes públicos principalmente às horas de ponta por dificuldade em arranjar lugar sentada.
- A dores e limitação funcional dos ombros a impeçam de se segurar nos suportes para passageiros que viajem de pé.
- A nível familiar se tenham deteriorado as relações com os demais membros da família.
- O humor depressivo da A. se tenha agravado em consequência do acidente em apreço.
- A A. viajasse sem cinto de segurança.
- Se a A. viajasse com cinto de segurança devidamente colocado não tinham ocorrido os danos supra descritos.
- Fosse notório para qualquer pessoa que o condutor do veículo de matrícula ..-AB-.. se encontrava embriagado.
- Quando aceitou ser transportada no AB a A. soubesse que o 2.º R. estava embriagado.
- O 2.º R. conduzisse a uma velocidade inferior a inferior a 60 Km/hora.
- Tenha tido o cuidado com os perigos emergentes de uma curva pronunciada.
- Circulasse com plena atenção ao restante trânsito e às condições da via.
- Tenha surgido imediatamente atrás do veículo AB, e no mesmo sentido de marcha, súbita e inesperadamente um veículo de marca Mercedes que não parou nem reduziu a velocidade.
- O condutor do veículo AB ainda tenha tentado desviar a direção da sua viatura para a direita.
- Não tenha sido a atuação do 2.º R. que deu causa ao acidente.
- Tenha sido a manobra do condutor do veículo Mercedes que desencadeou a dinâmica do acidente.
- O piso se encontrasse molhado.”
***
Conhecendo.
Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito, tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].
Ao pedido indemnizatório formulado pela autora subjaz a responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
A culpa na produção do acidente está decidida e assente em relação ao condutor do AB. Sendo que à data do sinistro não existia contrato de seguro relativo à responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação do AB (vide fp 4). Motivo da demanda e condenação do R. FGA, de forma solidária com o 2º R. condutor do mencionado veículo em que seguia como passageira a A. no momento do embate.
Responsabilidade do FGA perante a A. que tão pouco vem questionada.
O recorrente FGA questiona unicamente o quantum indemnizatório arbitrado à recorrida autora:
- a título de dano biológico.
Pelo tribunal a quo fixado em €30.000,00. Defendendo o recorrente que tal valor deverá ser reduzido a €15.000,00;
- a título de danos não patrimoniais.
Pelo tribunal a quo fixado em €20.000,00. Defendendo o recorrente que tal valor deverá ser reduzido a €10.000,00.
Analisemos se merece censura o decidido pelo tribunal a quo e assiste razão ao recorrente.
Tradicionalmente define-se dano como o prejuízo real sofrido pelo lesado.
Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, p. 568 e segs., define de forma genérica o dano, dano real “como a perda in natura que o lesado sofreu (…) a lesão causada no interesse juridicamente tutelado”.
E ao lado do dano (real) assim definido, há o dano patrimonial – “que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”. E exemplificando, prossegue este autor, uma “coisa é a morte (…) as lesões (…) dano real; outra as despesas com os médicos (…) os lucros que o sinistrado deixou de obter (dano patrimonial)”
Noutra vertente (prossegue o mesmo autor p. 571) alude-se ainda a dano patrimonial - sendo esta a noção que interessa para o cálculo da indemnização - por referência aos prejuízos suscetíveis de avaliação pecuniária que podem ser reparados ou indemnizados senão diretamente (pela restauração natural) pelo menos indiretamente por meio de equivalente ou indemnização pecuniária); por contraponto aos danos não patrimoniais, entendidos estes como os bens insuscetíveis de avaliação pecuniária porquanto não integram o património do lesado (em causa a saúde, bem estar, perfeição física ou o bom nome) e que assim quando afetados apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta “mais uma satisfação (…) do que uma indemnização”.
Dentro do dano patrimonial cabendo, portanto, não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.
A esta noção de dano patrimonial e respetivas vertentes, bem como de dano não patrimonial, adicionou-se mais recentemente o conceito de dano biológico, entendido como lesão da integridade físico-psíquica e que encontra a sua compensação tutelada no artigo 25º nº 1 da CRP e no artigo 70º do CC.
Abrangendo “um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis.”[1]
O seu enquadramento gerou 3 correntes jurisprudenciais, defendendo uma primeira que este dano deverá ser reconhecido enquanto dano patrimonial, na vertente do dano patrimonial futuro; uma segunda como um dano que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou não patrimonial, dependendo das consequências apuradas e assim a enquadrar de forma casuística; finalmente uma terceira como um dano a se entendido como um tertium genus, enquanto lesão da integridade psicofísica, com repercussão na vida pessoal e profissional, a ser ressarcido de forma autónoma[2].
O que resulta claro em qualquer um destes enquadramentos é o acolhimento por parte da jurisprudência de a um reconhecido dano corporal corresponder de acordo com a sua gravidade um crédito indemnizatório, independentemente de este ter tradução direta ou não na perda de rendimentos laborais, porquanto sempre implicará e na medida da sua gravidade uma diminuição das competências sociais e em família e mesmo funcionais de cada indivíduo, com reflexos maiores ou menores dependendo de cada caso, não só na sua inserção social e familiar como na sua capacidade produtiva e de como nestes vários contextos terá o lesado de superar ou suportar as suas limitações com maior esforço e/ou penosidade.

Assente, em qualquer um dos enquadramentos elencados, a ressarcibilidade do dano corporal com apurada repercussão na vida pessoal e/ou profissional do lesado, mas sem tradução direta na perda de capacidade de ganhos, importa ainda definir os critérios a ponderar na sua quantificação.
Neste campo, de ponderar em primeiro lugar que este cálculo não deverá ter por referência direta o rendimento anual do lesado, já que não é a perda de rendimento que está em causa, mas antes a repercussão na vida pessoal e/ou o impacto dos esforços suplementares exigidos na capacidade económica do lesado[3].
Consequentemente e na medida em que em causa não está uma (apurada) efetiva perda de rendimentos, tem-se igualmente como acertado o entendimento de que o recurso às tabelas financeiras habitualmente consideradas naquela situação está afastado, sob pena de se tratar de forma igual - em sede indemnizatória – os casos em que o défice funcional permanente apurado tem efetiva repercussão na atividade profissional e assim nos rendimentos laborais e os casos em que aquele implica apenas um esforço acrescido no exercício da atividade habitual.

A fixação do valor indemnizatório nestes casos e tendo por referência um apurado esforço acrescido no exercício da atividade profissional, terá de ser feita com recurso a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 566º nº 3 do CC, para tanto ponderando as circunstâncias do caso concreto “«(…) segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma[4]. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza».”[5]
Por último, na fixação e reapreciação do valor indemnizatório em análise, releva ainda ter presente o reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório em que se recorre a juízos de equidade [entendimento válido tanto para o dano que ora se aprecia, como para o dano não patrimonial cuja quantificação é igualmente objeto deste recurso] porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
Assim foi decidido no Ac. do STJ de 04/06/2015, nº de processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1; reafirmado no Ac. STJ de 22/02/2017, nº de processo 5808/12.1TBALM.L1.S1, bem como no mais recente Ac. do STJ de 15/09/2022, nº de processo 2374/20.8T8PNF.P1.S1; tal como no já antes citado Ac. do STJ de 17/12/2019, todos in www.dgsi.pt/jstj, onde se conclui (invocando ainda decisões anteriores do mesmo STJ) “E porque um tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», tem-se defendido, designadamente nos Acórdãos do STJ, de 05.11.2009 (proc. 381/2009.S1) de 20.05.2010 (proc. 103/2002.L1.S1), de 28.10.2010 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1), de 07.10.2010 (proc. 457.9TCGMR.G1.S1) e de 25.05.2017 (proc. 868/10.2TBALR.E1.S1)[21], que «tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade».
Motivo por que, prossegue o Ac. em citação, em sede de recurso visando o valor indemnizatório arbitrado, “importa essencialmente verificar (…) se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afetam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados».”

Assente nos termos supra analisados a ressarcibilidade do dano corporal de que a A. recorrida se viu afetada, com apurada repercussão tanto na vida pessoal como na capacidade para o exercício de atividade profissional [vide fp’s 48, 54 e 55 entre o mais], mas sem tradução direta na perda de capacidade de ganhos [de acordo com a factualidade apurada], temos como correto in casu o enquadramento do dano biológico na vertente patrimonial, justificando uma indemnização a título de dano patrimonial futuro porquanto das sequelas apuradas resultou uma repercussão permanente na aptidão para a vida profissional da lesada - evidenciada nos esforços suplementares exigidos para o exercício de uma atividade profissional (fp 55), condicionando como tal o exercício futuro de uma atividade profissional, com repercussão nas oportunidades para a A. no mercado laboral, na medida correspondente das suas limitações, consequência das sequelas de que ficou a padecer e lhe determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, no que estão incluídas as queixas álgicas (vide fp 54).
O que se afirma independentemente de à data, antes ou depois, esta mesma autora se encontrar desempregada. Esta situação de desemprego não retira nenhuma das consequências acima assinaladas – de acordo com o juízo de prognose que nos cumpre formular, conforme a juízos de verosimilhança e probabilidade para situações semelhantes – quanto às limitações de que ficou a recorrida a padecer, com reflexos expectáveis no mercado de trabalho quando colocada em situação de equiparação com pessoa sem limitações derivadas das sequelas de que ficou a padecer como consequência do acidente em análise.
Balizados os critérios relevantes para a quantificação deste dano com recurso a juízos de equidade e ainda os termos em que o valor fixado merecerá censura - quando em concreto o mesmo se afaste de forma flagrante dos padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados a casos similares - temos por afastados/improcedentes, desde já:
- os argumentos do recorrente FGA quanto ao recurso ao critério da idade da reforma, ao invés da esperança média de vida para os indivíduos do sexo feminino seguido pelo tribunal a quo, para a quantificação do dano;
- os argumentos do recorrente FGA contra um juízo de prognose sobre a afetação do futuro da recorrida quanto a um aumento de vencimento e com promoções, na medida em que esta estava à data do acidente na situação de desempregada e desde 2002. Mantendo tal situação.

Resta apreciar a quantificação deste dano biológico com reflexos patrimoniais, nos termos supra apreciados, pelas implicações que o mesmo assume para o exercício de uma atividade profissional da recorrida autora – exigindo os já mencionados esforços suplementares, associados que estão aos reflexos das sequelas na vivência diária em sociedade e em família, nos termos igualmente apurados.

De realçar que a A. mantém e manterá quadro doloroso dos ombros (fp 42); tendo ficado com dificuldade na preensão de objetos pesados com o ombro esquerdo, nomeadamente compra no hipermercado, etc. (fp 44); agravando os fenómenos dolorosos ao agarrar em objetos pesados (fp 45); apresentando lentidão em gestos da vida diária, nomeadamente movimentos repetidos dos membros superiores como por ex. limpar a casa e passar a ferro (fp 46); tendo limitação nos movimentos que impliquem elevação de ambos os ombros por tempo prolongado como limpar vidros (fp 47); dificuldade em efetuar gestos da vida diária que impliquem esforços do ombro esquerdo como despir roupa e mudar a roupa da cama (fp 48); interferindo estas sequelas com a atividade doméstica, implicando também aqui esforços complementares para o seu exercício (fp 61), bem como interferindo com a sua capacidade de movimentação e de passear (fp 63).
Tudo sequelas com reflexo negativo nas suas potencialidades profissionais, derivadas das limitações pessoais apuradas nas suas atividades da vida diária.
Acresce que à data do acidente a A., nascida em .../.../1965 tinha 45 anos de idade, sendo a sua esperança média de vida de mais 37 anos considerando a média de esperança de vida contabilizada em 82 anos para o sexo feminino à data do acidente (agora contabilizada em 83).
Por último é de considerar os padrões jurisprudenciais em casos similares.
A análise ponderada de tais critérios, bem como os padrões jurisprudenciais para casos similares (que infra elencamos) levam-nos a concluir que o valor de €30.000,00 fixado pelo tribunal a quo a título de dano biológico na vertente patrimonial, num quadro de incapacidade apurada de 10 pontos com reflexo no exercício tanto das suas tarefas da vida diária como a nível profissional que da autora exigem esforço acrescido, não excede de forma substancial e injustificada os referidos padrões jurisprudenciais que têm vindo a ser adotados, justificando a manutenção do valor fixado que não merece censura [valor este reportado (para efeitos de juros) à data da citação - assim se seguindo aqui o caminho trilhado na decisão da primeira instância quanto ao momento considerado para a quantificação do dano que como tal não se considera atualizado à data desta decisão].
Nestes termos improcede quanto a este ponto o recurso do FGA.
Foram considerados para aferição dos critérios e padrões generalizadamente entendidos como sendo os adotados para quantificar este dano, as seguintes e recentes decisões:
i- Ac. STJ de 17/12/2019 (já nos autos citado), no qual foi confirmado, por considerado equitativo e conforme aos padrões jurisprudenciais para casos similares, o arbitramento do valor indemnizatório de €10.000,00 pelo dano biológico consubstanciado na diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional do autor, perante o seguinte circunstancialismo “as limitações de que o autor AA ficou a padecer, em consequência do acidente, correspondem a um défice funcional de 4 pontos, a partir de 06.04.2016, implicando um acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da sua atividade de trabalhador.
De considerar ainda que, em 06.04.2016, o autor tinha 61 anos de idade, sendo a sua esperança de vida de cerca de 19 anos, visto ser de ser de 80 anos a esperança média de vida.”
ii- Ac. STJ de 29/10/2019, nº de processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1 foi fixado o valor de €36.000,00 a título de dano biológico com consequências patrimoniais em situação em que “ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional, mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas)”
iii- Ac. STJ de 07/03/2019, nº de processo 203/14.0T2AVR.P1.S1, foi entendido como razoável “atribuir ao dito dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, o valor de €40.000,00, tido por atualizado com referência à data da sentença da 1.ª instância proferida em 06/03/2018[6] em situação relativa a acidente ocorrido em fevereiro de 2011, sendo a ação de 2014, tendo sido considerado que “a A., à data do acidente, contava 35 anos de idade (37 anos à data da consolidação das sequelas) e que não se encontrava afetada de incapacidade física que lhe dificultasse a vida pessoal e profissional a que se dedicava na atividade de empregada de mesa num estabelecimento de padaria/pastelaria.
Sucede que, em consequência das lesões sofridas, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 19 pontos percentuais com repercussão permanente na sua atividade profissional mas compatível com o respetivo exercício, implicando, no entanto, esforços suplementares.”
iv- Ac. STJ de 10/01/2019, nº de processo 499/13.5TBVVD.G1.S2, foi entendido ser de manter o valor arbitrado de € 24.000,00 a título de indemnização, acrescido de juros desde a citação pelo “dano biológico, consubstanciado na diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional da autora, (…) pois pese embora não represente uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares no desempenho das tarefas específicas da sua atividade.” em situação em que as « sequelas sofridas com o acidente, (…) correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16,862464 pontos percentuais (…) além do acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da sua atividade de “empregada doméstica” que vinha então exercendo, implicam também inegável redução da sua capacidade económica geral, mormente para se dispor ao desempenho de outras atividades concomitantes ou alternativas que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir ao longo da sua expetativa de vida.
De considerar ainda que, à data da consolidação das lesões (03.02.2012), a autora tinha 57 anos de idade, sendo a sua esperança de vida de cerca de 27 anos (atenta ser de 83,78 anos a esperança média de vida estabelecida para as mulheres)».
Acidente ocorrido em abril de 2010, tendo a ação sido intentada em 2013 (de acordo com o número do processo).
v- Ac. STJ de 11/10/2022, nº de processo 1822/18.1T8PRT.P1.S1, foi entendido arbitrar a título de compensação pelo dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro o montante de €30.000,00, em causa estando lesado médico e professor universitário com 35 anos de idade ao tempo do acidente e com 3 pontos de deficiência funcional permanente.
Em causa estando acidente ocorrido em 2015, sendo a ação de 18 (de acordo com o número do processo).
Destas decisões de realçar que a primeira, embora tenha arbitrado o valor de €10.000,00 num caso de défice funcional de 4 pontos (contra os 10 pontos da autora – vide fp 54) tem também uma relevante diferença na idade do lesado (61 anos de idade versus os 45 da autora); no segundo caso o valor de €36.000,00 teve subjacente um défice funcional de 16 pontos (contra os 10 pontos da autora), sendo a idade também diversa (34 anos contra os 45 da autora); no 3º caso também perante um lesado mais jovem (35 anos) mas com défice funcional de 19 pontos foi atribuído um valor indemnizatório de €40.000,00; no 4º caso perante um défice de cerca de 17 pontos e uma lesada com 57 anos foi atribuído um valor indemnizatório de €24.000,00 (contra os 10 pontos da autora e idade de 45 anos). Finalmente no 5º caso, foi atribuído o mesmo valor que o atribuído à aqui A. – de €30.000,00 perante um caso em que o lesado, médico e professor universitário que ficou com um défice de 3 pontos, tinha à data 35 anos.
O confronto destes valores não evidencia, a nosso ver, a existência de uma divergência flagrante entre o valor arbitrado na decisão recorrida e os padrões jurisprudenciais aplicados em casos similares quanto ao montante indemnizatório, justificativo da manutenção do valor supra decidido.
*
Cumpre em segundo lugar analisar o segundo fundamento do recurso e que se prende com o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais.
Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.
Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer (uma vez mais) a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados.
Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cfr. neste sentido (entre outros) Ac. TRP de 08/10/2002, nº de processo 0121692 in www.dgsi.pt/jtrp e Acs. STJ (in www.dgsi.pt/jstj.pt) de 21/04/2010, nº de processo 54/07.9PTOER.L1.S1, bem como de 23/02/2012, nº de processo 31/05.4TAALQ.L2.S1 no qual se afirma “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.”
Mais, importa ter presente o (já referido) reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório nestes casos com recurso ao juízo de equidade porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
No que à quantificação do dano em concreto concerne sendo ainda de considerar “constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista (…), devendo, antes, ser significativa (…) e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998(…).” [7]
Tendo presentes os critérios e orientações acima salientados que na fixação do quantum indemnizatório devem ser ponderados, revertendo ao caso dos autos e sendo manifesta a necessidade de recorrer ao juízo de equidade atenta a natureza do dano em apreciação – não patrimonial – importa considerar da factualidade provada o constante de 17 a 53, 56 a 61, 63 a 69, 71 a 80 dos factos provados.
Desta abundante factualidade, é de realçar os múltiplos exames, consultas e tratamentos a que a recorrente foi sujeita; a imobilização inicial dos dois membros superiores; a suspensão braquial simples por 3 meses; os tratamentos conservadores de recuperação funcional em fisioterapia de janeiro de 2011 a novembro de 2011 no Hospital Pedro Hispano (tendo o acidente ocorrido em dezembro de 2010) (fp 29); a inicial necessidade de ajuda de terceiros para as atividades da vida diária e lides domésticas; o período de incapacidade temporária geral total fixado em 90 dias; a fixação da consolidação médico-legal das lesões sofridas em 30/08/2012, altura em que terminaram os tratamentos de fisioterapia (fp 50); o agravamento do quadro clínico em maio de 2016 e subsequente nova data de consolidação médico-legal em 18/09/2017 (fp 51); o período de défice funcional temporário parcial fixado em 1069 dias (fp 52); as dores que a A. suportou e suportará, por manter quadro doloroso nos ombros (fp 42); o quantum doloris muito elevado - fixado no grau 5/7 (fp 53); o dano estético fixado no grau 3/7 (fp 56); a repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 1/7; o medo, desgosto, incómodos e angústia suportados (vide fp’s 59, 60, 63, 64, 65 e 65 a 69).
De toda esta factualidade resulta que o sofrimento suportado pela autora assume notória gravidade, prolongou-se no tempo e perdura, a justificar o arbitramento de uma indemnização autónoma em sede de dano não patrimonial condigna.
Ponderando:
1- os incómodos e desgosto, sofrimento e limitações apurados com a consequente alteração permanente vivencial da A., à data com 45 anos;
2- as consequências resultantes do acidente para si mesma, para cuja produção em nada contribuiu;
3- e levando em consideração os padrões jurisprudenciais indemnizatórios que têm vindo a ser seguidos - para casos próximos dos da autora, entre os quais se consideraram os infra elencados (todos os citados in www.dgsi.pt )
Entende-se que o juízo prudencial do tribunal a quo está contido “dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade”, não se tendo afastado “de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e naturalística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade” [cfr. Ac. STJ de 17/12/2019 supra citado, referindo-se por sua vez a um Ac. do STJ de 25/05/2017], motivo porque não merece censura o valor de €20.000,00 arbitrado pelo tribunal a quo.
Valor que assim se mantém, com a consequente improcedência do recurso também nesta parte.

Foram consideradas para aferição dos critérios e padrões jurisprudenciais minimamente uniformizados e que se entende deverem ser adotados, as seguintes decisões:
i- Ac. STJ de 22/02/2017, nº de processo 5808/12.1TBALM.L1.S1, num caso em que ficou apurado ter a lesada, jovem, de 29 anos de idade, sofrido “traumatismo com fratura do prato externo da tíbia esquerda , implicando operação cirúrgica, com osteossíntese, ficando a (…) com uma placa e parafusos na perna esquerda e envolvendo internamento e tratamentos médicos continuados;”; “incapacidade laboral durante 8 meses;”; “sofrimento de fortes dores em consequência de tais lesões.”; sem défice funcional apurado, entendeu-se não ser “desproporcionada à gravidade objetiva e subjetiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €25.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de fratura de membro inferior, implicando a realização de cirurgia com permanência de material de osteossíntese, incapacidade ao longo de 8 meses e fortes dores.”
ii- Ac. STJ de 29/10/2019 já supra citado, numa situação em que ao lesado com 34 anos foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas “Considerando (i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto” considerou-se adequado “compensar estes danos não patrimoniais no montante de €30.000,00, reduzindo-se, assim, a indemnização fixada pela Relação.”
iii- Ac. STJ de 30/05/2019, nº de processo 3710/12.6TJVNF.G1.S1, num caso em que a lesada ficou a padecer de um défice funcional de 14 pontos, compatível com o desenvolvimento da atividade profissional, mas a implicar esforços acrescidos, ente o mais, resultando dos factos provados “que a autora: (i) tinha 17 anos, completados no dia do acidente que a vitimou, ocorrido em 01-01-2010; (…) (iii) foi transportada para o serviço de urgência do Hospital, no qual ficou internada, tendo sido submetida a tratamentos e a operação ao fémur e ao punho; (iv) recebeu acompanhamento das especialidades de ortopedia, odontologia e psicologia, foi submetida a fisioterapia e a novas cirurgias, tendo tido alta definitiva em 31-03-2011; (v) devido às lesões e aos tratamentos, sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7; (…) dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7 (…)” foi confirmado e considerado adequado o montante de €25.000,00 fixado, pela Relação, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
iv- Ac. TRG de 15/02/2018, nº de processo 3037/15.1T8VCT.G1, no qual [em situação que à lesada foi imputada uma responsabilidade de 15% no agravamento dos danos pela mesma sofridos nos termos do 570º nº1 do CC] perante a ponderação de um quadro factual (que em parte se reproduz):
“- em consequência do embate, a autora foi projetada para o chão, embatendo com a região occipital;
- em resultado do embate, a autora sofreu traumatismo cranioencefálico e traumatismos menores nas regiões cervical, dorsal e parede torácica;
(…)
- a data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28.08.2013;
- em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo);
- as lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 103 dias;
- ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual;
- e sofreu um quantum doloris no grau 3, numa escala de 1/7.”
Se decidiu
“(…) perante o anteriormente referido circunstancialismo fáctico, a atender e tendo em conta, designadamente, a idade da autora à data do acidente, a experiência traumática e perturbadora que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, os períodos de convalescença e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris de grau 3/7, a circunstância de não ter colocado o cinto de segurança, não tendo qualquer culpa na eclosão do acidente, antes o mesmo se deveu a culpa dos condutores dos veículos (mas tendo contribuído para o agravamento dos danos), e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência (51), afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização fixada pelo tribunal a quo no valor de 8.500,00€, para a reparação dos danos não patrimoniais por ela sofridos, deduzida dos 15% da contribuição da lesada para o agravamento dos danos.”
v- Ac. STJ de 29/11/2022, nº de processo 9957/19.7T8VNG.P1.S1, no qual estando em causa “lesada, economista e formadora, com 44 anos de idade à data do acidente, ocorrido em Novembro de 2018”, a qual sofreu em resultado do embate “uma luxação lombar, padeceu de uma dor quantificável num grau 3, numa escala até 7 (quantum doloris), que, para tratamento da lesão, realizou 17 consultas de ortopedia e de psiquiatria e 75 sessões de fisioterapia, que esteve privada da utilização de uma viatura pessoal durante cerca de um mês, que ficou muito assustada com o embate, tendo passado a sofrer de ansiedade, que ficou com medo de conduzir e com dificuldade acrescida para realizar as suas atividades habituais, como algumas tarefas domésticas, yoga, caminhadas e corridas, levantar pesos ou conduzir durante muito tempo” e que ficou afetada de um défice funcional permanente de 8 pontos, se considerou ajustada a indemnização de €20 000,00 por danos não patrimoniais.
*
Estes Acórdãos, que naturalmente retratam situações com as suas próprias especificidades, variando quer na idade dos lesados quer nas sequelas de que ficaram a padecer, como nas dores e incómodos suportados por aqueles, oscilam quanto ao défice funcional permanente da integridade física entre 0 e 16 pontos [um não apurado défice funcional (caso i); quatro pontos no caso iv; oito pontos (no caso elencado em v); 14 pontos no caso iii e 16 pontos no caso ii.
Realçando-se o défice como meio de evidenciar a ordem de grandeza das lesões de que o sofrimento e incómodos causados pelas limitações nas atividades da vida diária são o reflexo, por contraposição a outros tantos casos em que a dimensão das sequelas e inerentes perturbações nos atos da vida diária dos lesados não são sequer comparáveis.
E com todas as especificidades que se reconhece caso a caso, oscilam os valores indemnizatórios arbitrados entre os €8.500,00 e os €25.000,00.
O valor arbitrado nos autos - €20.000,00 - situa-se dentro destes limites e entende-se como tal não violar de forma flagrante esses mesmos critérios.
Neste contexto, reiteramos o entendimento já supra manifestado de que o juízo prudencial do tribunal a quo se contém dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, não se afastando de modo substancial e injustificado dos padrões generalizadamente adotados pela jurisprudência.

Nos termos supra expostos conclui-se pela total improcedência do recurso interposto pelo R. FGA.
***
IV. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar:
Totalmente improcedente o recurso interposto pelo FGA, consequentemente mantendo a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo recorrente.

Porto, 2023-02-06.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Cfr. Ac. STJ de 06/12/2017, nº de processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[2] Elencando as mesmas três correntes que ao nível da jurisprudência têm vindo a ser assumidas quanto ao enquadramento deste dano, vide Acs. STJ de 10/01/2019, nº de processo 499/13.5TBVVD.G1.S2, bem como Ac. STJ de 17/12/2019, nº de processo 2224/17.2T8BRG.G1.S1. Neste último identificando o dano biológico por referência à “diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional do autor AA, sendo passível de indemnização, pois pese embora não represente uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares no desempenho das tarefas específicas da sua atividade de trabalhador agrícola”. E ponderando que no caso o A. ficou afetado de um défice funcional de 4 pontos que “importa esforços acrescidos no exercício da atividade profissional de agricultor, mas não o impedem de a prosseguir.”, concluiu-se ser “inquestionável que este défice funcional não pode deixar de relevar enquanto dano biológico, consubstanciado na diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional do autor AA, sendo passível de indemnização, pois pese embora não represente uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares no desempenho das tarefas específicas da sua atividade de trabalhador agrícola.”.
Defendendo “que o dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial” vide ainda Ac. STJ de 14/12/2017, nº de processo 589/13.4TBFLG.P1.S1 (todos in www.dgi.pt/jstj).
[3] Assim se decidiu no Ac. STJ de 06/12/2017, nº de processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt (Ac. este convocado também no Ac. do STJ de 17/12/2019 já citado).
Naquele primeiro e após se reconhecer que:
“o dito dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis”;
sobre a sua quantificação afirmou-se “não se afigura que essa indemnização deva ser calculada com base no rendimento anual do A. auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares.
(…)
Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza.”
Aí se tendo igualmente afastado para efeitos do cálculo indemnizatório, a consideração das tabelas anexas à Portaria n.º 377/ 2008, de 26-05, na redação alterada pela Portaria n.º 679/2009.
[4] Realce nosso.
[5] Cfr. mesmo Ac. de 17/12/2019 vindo de citar.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Cfr. o já antes citado Ac. do STJ de 17/12/2019.