Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2325/13.6PBBRG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO
DIAS DE TRABALHO
PRAZO
Nº do Documento: RP202103242325/13.6PBBRG-A.P1
Data do Acordão: 03/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se o prazo (de 15 dias) concedido no art. 489º, 2, do CPP fosse peremptório, o seu decurso tornaria juridicamente irrelevante o pagamento fora de prazo. Ora, o regime jurídico relativo ao pagamento da multa não é esse, pois nos termos do art. 49º, 2, do CPP o condenado pode a todo o tempo efectuar o pagamento da multa e assim evitar a execução da prisão subsidiária.
II - Para além da apontada coerência sistemática, o entendimento da decisão recorrida - permitindo que o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho seja apresentado para além do prazo de 15 dias - é o mais adequado e justo às finalidades, hoje dominantes, de flexibilização do cumprimento das sanções penais. Na verdade, o que efectivamente importa ao legislador penal é que a pena produza o (i) seu efeito dissuasor na evolução do comportamento do agente e (ii) na consequente defesa dos bens jurídicos (art. 40º, do CP). Estas finalidades são plenamente alcançadas com o efectivo cumprimento da pena, ainda que “fora de prazo”.
III - Daí que, tendo em conta o princípio da necessidade da pena, julguemos ser preferível a entendimento seguido na decisão recorrida, ou seja, aquele que considera que o prazo reportado nos artigos 489º, 2 e 490º, 1 do CPP não tem natureza peremptória, permitindo assim que a substituição da pena de multa por dias de trabalho seja requerida para além desse prazo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 2325/13.6PBBRG-A.P1

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
1.1. Nos autos acima referenciados, foi proferido despacho em 02/07/2020 (referência 415499119) deferindo o requerimento do arguido pedindo, depois de decorrido o prazo previsto no art. 489º, 2, por força do art. 490º, 1 do CPP, a substituição da pena de multa por dias de trabalho. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, concluindo (transcrição):
1. O arguido foi condenado na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de 5 €, tendo sido notificado para proceder ao pagamento da pena de multa, através de ofício remetido a 03/09/2019.
2. Em 16/06/2020, o arguido veio requerer a substituição da pena de multa por dias de trabalho.
3. Através da douta decisão recorrida, deferiu-se o requerido, essencialmente com fundamento no entendimento de que o prazo previsto no art.º 489º/2 do Código de Processo Penal (ex vis art.º 490º/1 do Código de Processo Penal) não tem natureza peremptória.
4. Ao contrário deste entendimento, parece-nos que o referido prazo tem natureza peremptória, por força do art.º 107º/2 do Código de Processo Penal.
5. A circunstância do ordenamento processual regular a forma e o tempo de exercício do direito previsto no art.º 48º/1 do Código Penal em nada colide com os parâmetros estabelecidos por este dispositivo nem com a natureza de ultima ratio das penas de prisão, consagrada, entre outros, no art.º 49º/2 do Código Penal.
6. Pelo contrário, a pena de multa só sobreviverá como alternativa credível às penas de prisão de curta duração enquanto a aplicação dos dias de prisão subsidiária for uma possibilidade real, não passível de ser afastada por eventuais manobras processuais de arguidos relapsos.
1.2. Respondeu o arguido/condenado B…, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo por seu turno:
1. Através da douta decisão recorrida, deferiu-se o requerido que foi permitir ao arguido a substituição da pena de multa por PTFC, mesmo que este o tenha feito, o requerido, fora de prazo, essencialmente com fundamento no entendimento de que o prazo previsto no art.º 489º/2 do Código de Processo Penal (ex vi art.º 490º/1 do Código de Processo Penal) não tem natureza perentória.
2. Não obstante o MP ter, ao contrário deste entendimento, tal prazo como de natureza perentória, sempre se diz, para além de todo o supra alegado que,
3. Ou seja, o condenado está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, ao caso, requerer a substituição do pagamento da multa por PTFC e prestar tal trabalho, isto mesmo que já tenha entrado em incumprimento e/ou mesmo que o incumprimento já tenha sido declarado.
4. A circunstância do ordenamento penal previsto e descrito no art.º 48º/1 do Código Penal em nada colide com os parâmetros estabelecidos no art.º 49º/2 do Código Pena, pelo contrário.
5. Na verdade, se o condenado pode pagar a multa a todo o tempo para evitar o cumprimento da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal), não seria coerente com este regime considerar que é perentório o prazo para requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
6. Assim sendo, contrasta claramente com esse espírito a tese do Ministério Publico que atribui natureza perentória ao prazo a que se reportam os artigos 489.º n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
7. Pelo que, deve ser atendido o requerido nesta mesma peça por ser o entendimento do Tribunal a quo o mais correto, que vai em linha de conta com a demais doutrina e restante jurisprudência.
1.3. Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora -geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º, 2 do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A decisão recorrida é do seguinte teor:
Requerimento para substituição da pena de multa por PTFC:
Veio o arguido B… requerer que lhe seja concedida a possibilidade de substituir por trabalho a multa em que foi condenado.
Para sustentar a sua pretensão alega, em súmula, que a sua situação de carência económica a impossibilita de proceder ao pagamento imediato do montante global da multa que lhe foi aplicada.
Concedida a vista nos termos legais, entendeu o Ex.mo Magistrado do Ministério Público que o requerido deverá ser indeferido porque o requerimento apresentado é extemporâneo (o que pressupõe o entendimento de que o prazo para requerer tal possibilidade processual tem natureza peremptória).
Cumpre apreciar e decidir.
Prevê o n.º 1 do art.º 489.º do Código de Processo Penal que a multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs, estipulando o n.º 2 deste preceito legal que o prazo do seu pagamento é de 15 dias.
Nos termos do art.º 490.º, n.º 1 do CPP “o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos n.º2 e 3 do art.º anterior (…) ”
A questão prévia a decidir consiste em decidir se este requerimento agora formulado é extemporâneo, como sustenta o Ministério Público.
Considerou o Tribunal na Relação do Porto, em Acórdão de 15/06/2011 (www.dgsi.pt) que “não é intempestivo o pedido de substituição da multa por dias de trabalho formulado após o decurso do prazo de 15 dias a que se refere o art. 489º, nº 2, do Código de Processo”.
Refere-se, na fundamentação do Acórdão que “o nosso legislador mantém a oposição às penas detentivas, oposição que recrudesceu com a reforma penal e processual penal de 2007.
Mas se é certo que o espírito não basta quando a letra da lei aponte numa determinada direcção. Se da lei resultasse, inequivocamente, que a pena de multa tinha que ser cumprida ou em 15 dias após a notificação para o efeito, quando o pagamento fosse integral, ou no prazo inerente às prestações fixadas, era difícil defender entendimento contrário.
Mas a verdade é que não é assim.
Vista a lei resulta, afinal, que o prazo de cumprimento da pena de multa não é de 15 dias nem é, sequer, o equivalente ao tempo que abrange as prestações fixadas.
É isto que resulta, para nós de forma clara, do art. 49º do Código Penal, cuja epígrafe é “conversão da multa não paga em prisão subsidiária”, e que diz:
«1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços …
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - …
4 - O disposto nos nºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída …».
Ou seja, o condenado está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, isto mesmo que já tenha entrado em incumprimento e mesmo que o incumprimento já tenha sido declarado.”
Mais recentemente, a mesma Relação, em Acórdão de 02/11/2011, relatado por Mouraz Lopes e disponível no site www.dgsi.pt sustenta que “O que está em causa, tanto na pena de prisão como na prisão subsidiária, é a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo. E esta é a questão essencial.
A própria ratio que subjaz à execução da pena de prisão não pode justificar uma finalidade diferente consoante se trate, na sua concreta execução, de uma pena de prisão ou uma pena de prisão subsidiária.
A ficção jurídica entre a natureza da prisão como pena privativa de liberdade e a prisão subsidiária como sanção penal de constrangimento perde todo o sentido quando em concreto se atenta na exequibilidade de ambas onde não há nem deve haver qualquer distinção.
(…) Entendia assim a natureza desta pena de substituição, não pode por outro lado, tanto na pena de prisão, como pena principal estabelecida no Código Penal, como na prisão subsidiária, deixar de ser entender-se a prisão como ultima ratio da política criminal, que deve ser apenas aplicada e executada quando outras penas não detentivas não realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Em acórdão de 06/06/2012, sustenta-se (no mesmo Tribunal da Relação) que “É assim que o Código Penal de 1982, no seu preâmbulo, exprime as suas melhores esperanças nas medidas não detentivas, desde logo, na pena de multa, medida substitutiva por excelência da prisão (n.º 10 do referido preâmbulo), numa clara expressão, como diz Figueiredo Dias (“Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 117) da “convicção da superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade”, evitando “um dos mais fortes efeitos criminógenos da pena privativa de liberdade e impedindo, até ao limite possível, a dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam.” (pág. 120-121)
Os efeitos colaterais da pena de prisão como justificativo da configuração da pena de multa como verdadeira alternativa à pena de prisão surgem de novo no DL n.º 48/95, de 15.03, assim se mantendo a convicção da superioridade desta pena face à de prisão, reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam.
Estas considerações não podem deixar de ser invocadas em situações de incumprimento e quando o condenado ponha termo a este.
Quer-se com isto dizer que, no confronto com uma situação de não pagamento da multa substituta da prisão, o retorno a esta não poderá deixar de ter em conta estas considerações. Isto é, ainda nesse momento não poderá deixar de considerar-se a pena de prisão como extrema ratio.
Certo é que, como nota o despacho recorrido, a preclusão do direito de pedir o pagamento da multa em prestações não resulta inequivocamente do art. 47.º do CP e o prazo definido no art. 489.º, n.º 2, do CPP tem de conformar-se com a convicção sobre a mais-valia da pena de multa face à pena de prisão que enforma todo o nosso sistema penal e processual penal, impondo-se ter em conta a possibilidade de cumprimento da pena de multa quando tal cumprimento ainda assegure as finalidades da punição.
Sobre a peremptoriedade do prazo referido no n.º 2 do art. 489.º do CPP já se pronunciaram os acórdãos desta Relação de 28.09.2005 (proc. 0414867), 05.07.2006 (proc. 0612771), 30.09.2009 (proc. 344/06.8 GAVLC.P1) e 15.06.2011 (proc. 422/08.9 PIVN.P1), disponíveis em www.dgsi.pt, para cujos argumentos remetemos.
É, no entanto, como se verá infra, expressiva a jurisprudência que tem vindo a considerar esse prazo como não peremptório.
Na verdade, ponderando o alegado pelo arguido, convencemo-nos da sua insuficiência económica para proceder ao pagamento imediato e integral da multa.
Pedro Vaz Pato, relator do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/06/2018, disponível no site www.dgsi.pt sustenta que “se o condenado pode pagar a multa a todo o tempo para evitar o cumprimento da prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º/2 C Penal, não sendo o prazo referido no artigo 489.º/2 C P penal de natureza peremptória, não seria coerente com tal regime considerar como peremptório o prazo para requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 490.º/1 C P Penal, que, por sua vez, remete para o dito artigo 489.º/2 C P Penal.
Pela sua pertinência, e por se preconizar posição idêntica transcreve-se o seguinte excerto do acórdão: “é manifesta a preferência do Código Penal por penas não privativas da liberdade com recurso à pena de prisão apenas como ultima ratio, preferência que as sucessivas reformas nunca deixaram de reforçar (veja-se, desde logo, o seu artigo 70.º). Essa preferência será ainda mais justificada quando está em causa a reação perante a falta de pagamento de uma pena de multa, normalmente relativa à prática de um crime de menor gravidade e onde serão menores as exigências de prevenção geral, e sendo essa falta de pagamento normalmente motivada por carências económicas e financeiras. Reflexos dessa preferência, nestes casos, são as várias possibilidades de evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária correspondente à pena de multa: pagamento diferido ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3), pagamento a todo o tempo (artigo 49.º, n.º 2), substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 48.º), suspensão da execução da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 3).
Assim sendo, contrasta claramente com esse espírito a tese que atribui natureza perentória ao prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Essa tese faz prevalecer razões de ordem formal sobre um princípio que pode considerar-se trave mestra de todo o edifício do Código Penal.
E não pode dizer-se que se trate de uma tese imposta pela letra da lei. Desta não deriva necessariamente que estejamos perante um prazo perentório. Há que salientar que o prazo de pagamento da multa referido no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e para que remete o artigo 490.º, n.º 1, do mesmo Código (este relativo ao prazo de apresentação do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade) também não é perentório. Na verdade, o condenado pode pagar a multa a todo o tempo para evitar o cumprimento da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal). Não seria coerente com este regime considerar que é perentório o prazo para requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.”
No sentido de que o prazo a que se reportam os artigos 489.º n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não tem natureza perentória e que o seu decurso não preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, pronunciam-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 5 de julho de 2006, proc. n.º 0612771, relatado por Borges Martins; de 30 de setembro de 2009, proc. n.º 344/06.8GAVLC.P1, relatado por Olga Maurício; de 15 de junho de 2011, proc. n.º 422/08.9PIVNG-A.P1, relatado por Olga Maurício; e de 7 de julho de 2016, proc. n.º 480/13.4GPRT-A.P1, relatado por Luísa Arantes; e os acórdãos da Relação de Évora de 25 de maio de 2011, proc. n.º 2239/09.4PAPTM.E1, relatado por João Gomes de Sousa; de 12 de julho de 2012, proc. n.º 751/09.4PPTR.E1, relatado por Clemente Lima; e de 8 de janeiro de 2013, proc. n.º 179/07.0GBPSR-A.P1, relatado por João Amaro; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Em conformidade:
-indefiro a douta promoção por considerar que o prazo para substituição da multa por trabalho não tem natureza peremptória;
-oficie à DGRSP solicitando a elaboração de relatório de caracterização de trabalho a que aludem os art.º 496.º, 1 e 2 do Código de Processo Penal.”
2.2.Matéria de direito
A questão objecto do presente recurso – natureza do prazo referido nos artigos 489º n.º 2, e 490º, n.º 1, do Código de Processo Penal - tem vindo a ser discutida na nossa jurisprudência, como decorre do texto da decisão recorrida, recurso do Ministério Público e respectiva resposta. Em suma, trata-se da questão de saber se o prazo para o condenado requerer a substituição da pena de multa por dias de trabalho, referido nos citados artigos, tem ou não natureza peremptória.
Adiantando desde já a solução, concordamos com a tese segundo a qual o prazo previsto nos artigos 489º, 2 e 490º, 1 do CPP não tem natureza peremptória, pelas razões expostas no acórdão desta Relação, proferido no processo 28/09.5IDPRT-A.P1 (onde a aqui relatora interveio como juiz-adjunta) e cuja fundamentação transcrevemos:
“(…)
A primeira questão em análise, que se prende com a natureza do prazo a que se reporta o art.º 489º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tem vindo a ser debatida na Jurisprudência sem que tenha havido consenso. À semelhança do que acontece no presente caso, também há quem defenda que o referido prazo tem natureza perentória e quem defenda que não a tem.
Considera o Ministério Público recorrente na resposta à motivação do recurso, que estamos perante um prazo perentório e que o seu decurso preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde o pagamento da multa em prestações. Invoca para sustentar a sua tese no disposto no art.º 107.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, defendendo que tal não belisca minimamente a natureza de ultima ratio das penas de prisão, e que a pena de multa só sobreviverá como alternativa credível às penas de prisão de curta duração enquanto a aplicação dos dias de prisão subsidiária for uma possibilidade real, não passível de ser afastada por eventuais manobras processuais.
Discordamos, todavia, com o referido entendimento por não ser consentâneo com o espírito da lei, sendo que também não é imposto pela sua letra.
Por não serem novos os argumentos e serem sobejamente conhecidos os argumentos, seguiremos de perto, porque com o mesmo concordamos, o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 27.06.2018 e proferido no processo n.º 476/16.4PHMTS-A.P1. É manifesta a preferência do Código Penal por penas não privativas da liberdade com recurso à pena de prisão apenas como ultima ratio, preferência que as sucessivas reformas nunca deixaram de reforçar (veja-se, desde logo, o seu artigo 70.º). Essa preferência será ainda mais justificada quando está em causa a reação perante a falta de pagamento de uma pena de multa, normalmente relativa à prática de um crime de menor gravidade e onde serão menores as exigências de prevenção geral, e sendo essa falta de pagamento normalmente motivada por carências económicas e financeiras. Reflexos dessa preferência, nestes casos, são as várias possibilidades de evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária correspondente à pena de multa: pagamento diferido ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3), pagamento a todo o tempo (artigo 49.º, n.º 2), substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 48.º), suspensão da execução da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 3).
Assim sendo, contrasta claramente com esse espírito a tese que atribui natureza perentória ao prazo a que se reportam os artigos 489.º, n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Essa tese faz prevalecer razões de ordem formal sobre um princípio que pode considerar-se trave mestra de todo o edifício do Código Penal.
E não pode dizer-se que se trate de uma tese imposta pela letra da lei.
Desta não deriva necessariamente que estejamos perante um prazo perentório. Há que salientar que o prazo de pagamento da multa referido no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e para que remete o artigo 490.º, n.º 1, do mesmo Código (este relativo ao prazo de apresentação do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade) também não é perentório. Na verdade, o condenado pode pagar a multa a todo o tempo para evitar o cumprimento da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal). Não seria coerente com este regime considerar que é perentório o prazo para requerer o pagamento da multa em prestações.
Entendemos, assim, que deve ser seguido o entendimento perfilhado pelo Mº Juiz a quo. É este o entendimento que mais se coaduna com o espírito do sistema jurídico-penal vigente (e que as sucessivas reformas vêm reforçando), que dá preferência, em prol da recuperação e reinserção social (ou não desinserção social) do condenado, a penas não privativas da liberdade. Por isso, o legislador prevê várias formas de evitar que a pena de multa julgada adequada no momento da sua aplicação, não se venha a degradar, no momento da sua efetiva execução, em pena de prisão (subsidiária), sobretudo se, como é o caso, o condenado manifesta a vontade de pagar a multa de acordo com as suas possibilidades e só por motivos formais se inviabiliza tal forma de cumprimento.
(…)”.
No sentido de que o prazo a que se reportam os artigos 489º.n.º 2, e 490º, n.º 1, do Código de Processo Penal não tem natureza peremptória e que o seu decurso não preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos desta Relação, de 5 de julho de 2006, proc. n.º 0612771; de 30 de setembro de 2009, proc. n.º 344/06.8GAVLC.P1; de 15 de junho de 2011, proc. n.º 422/08.9PIVNG-A.P1 e de 7 de julho de 2016 e proc. n.º 480/13.4GPRT-A.P1; os acórdãos da Relação de Évora, de 25 de maio de 2011, proc. n.º 2239/09.4PAPTM.E1; de 12 de julho de 2012, proc. n.º 751/09.4PPTR.E1 e de 8 de janeiro de 2013, proc. n.º 179/07.0GBPSR-A.P1.
Assim, não obstante a existência de uma corrente jurisprudencial de sentido oposto (citada no recurso do MP e no parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta), julgamos preferível o entendimento acolhido na decisão recorrida, essencialmente por uma questão de coerência sistemática: se o prazo (de 15 dias) concedido no art. 489º, 2, do CPP fosse peremptório, o seu decurso tornaria juridicamente irrelevante o pagamento fora de prazo. Ora, o regime jurídico relativo ao pagamento da multa não é esse, pois nos termos do art. 49º, 2, do CPP o condenado pode a todo o tempo efectuar o pagamento da multa e assim evitar a execução da prisão subsidiária. Para além da apontada coerência sistemática, o entendimento da decisão recorrida - permitindo que o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho seja apresentado para além do prazo de 15 dias - é o mais adequado e justo às finalidades, hoje dominantes, de flexibilização do cumprimento das sanções penais. Na verdade, o que efectivamente importa ao legislador penal é que a pena produza o (i) seu efeito dissuasor na evolução do comportamento do agente e (ii) na consequente defesa dos bens jurídicos (art. 40º, do CP). Estas finalidades são plenamente alcançadas com o efectivo cumprimento da pena, ainda que “fora de prazo”. Daí que, tendo em conta o princípio da necessidade da pena, julguemos ser preferível a entendimento seguido na decisão recorrida, ou seja, aquele que considera que o prazo reportado nos artigos 489º, 2 e 490º, 1 do CPP não tem natureza peremptória, permitindo assim que a substituição da pena de multa por dias de trabalho seja requerida para além desse prazo.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.

Porto, 24.03.2021
Élia São Pedro
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