Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1900/11.8TBPVZ-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
APLICAÇÃO ANALÓGICA
PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE DOS DIREITOS REAIS
Nº do Documento: RP201310071900/11.8TBPVZ-F.P1
Data do Acordão: 10/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 754º, 755º, 1306º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O direito de retenção, previsto nos artigos 754 e 755 do CC não contempla aplicação analógica, atendendo, desde logo, ao princípio da taxatividade ou do "numerus clausus" dos direitos reais (artigo 1306, n.º 1 do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1900/11.8TBPVZ-F.P1

Recorrente – B… e C…
Recorrida - Massa Insolvente de D…
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Pereira Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância
B… e C… vieram instaurar a presente AÇÃO PARA VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS, demandando a Massa Insolvente de D… (representada pelo Dr. E…, Administrador da Insolvência), os Credores de D… e pediram que "sejam reconhecidos os créditos invocados, no montante global de 432.000,00€ (quatrocentos e trinta e dois mil euros) ou, sem prescindir, sejam pelo menos reconhecidos os créditos no montante de 365.000,00€ (trezentos e sessenta e cinco mil euros), valor de que o ora Insolvente se declarou expressamente devedor perante os reclamantes, devendo ser graduados no lugar que lhes competir e, a final, pagos, devendo em qualquer caso ser reconhecido o direito de retenção sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito de 432.000,00€ ou, pelo menos e no que não se concede, da quantia de 160.000,00€ (Cento e sessenta mil euros) até efetivo e integral pagamento.

Os autores, fundamentando a pretensão formulada, vieram dizer o que ora se sintetiza:

- Foi decretada a Insolvência do requerido, tendo já decorrido o prazo fixado para reclamação de créditos. Contudo, é o Insolvente devedor aos reclamantes dos montantes que descriminam. De facto, os reclamantes celebraram vários contratos de empréstimo de valores e de gestão de ativos bancários com a empresa da qual o Insolvente era sócio gerente, por solicitação deste. Na sequência da outorga dos contratos, assinados pelos reclamantes por solicitação do Insolvente, transferiram para a posse deste avultadas quantias pecuniárias.
- Os reclamantes são pessoas simples e de avançada idade, de baixa instrução e trabalhadores agrícolas, que juntaram ao longo da vida o suficiente para uma velhice descansada; após uma vida de sacrifícios, conseguiram reunir uma quantia assinalável que lhes permitiria envelhecer com dignidade. Sucede que o Insolvente, disso tendo conhecimento, contactou os reclamantes fazendo-se passar por intermediário financeiro e fazendo crer que a empresa de que era sócio era uma empresa de consultadoria financeira especializada que cumpria todos os requisitos legais, e prometendo alta rentabilidade dos investimentos efetuados. No decurso de várias reuniões, o Insolvente, aproveitou-se da impreparação dos reclamantes, convenceu-os a “investir” o seu dinheiro, fazendo crer que agia em representação de uma empresa de intermediação financeira.
- O primeiro reclamante entregou, motivado pelo comportamento astucioso do Insolvente, a quantia de 382.000,00€, que supostamente seria aplicada na abertura de uma carteira de títulos, com supervisão do Insolvente, e que permitiria uma rentabilidade de juro sobre o capital investido, sem qualquer risco, conforme consignado em cada um dos contratos realizados (Docs. 1 a 3); a segunda reclamante entregou, por idênticos motivos, a quantia de 50.000,00€ (Doc. 4).
- Com o decorrer do tempo e face às desculpas do Insolvente para justificar o não cumprimento dos contratos, não devolvendo o dinheiro “investido” acrescido dos juros contratualizados, começaram a pressioná-lo no sentido de regularização da situação. No decurso de tal pressão, o Insolvente acedeu em realizar Escritura pública de confissão de dívida e dação em pagamento, confessando-se devedor de uma quantia que ascendia a 160.000,00€ e, para cumprimento de tal dívida, entregou um imóvel ao primeiro Participante (Doc. 6).
- Sucede que, ardilosamente, o Insolvente foi pontuando a realização da Escritura pública com declarações acerca da seriedade dos intervenientes, não tendo os reclamantes sequer ouvido a leitura da Escritura. Constatou o primeiro reclamante, posteriormente, que sobre o imóvel impendia uma hipoteca avultadíssima e que atinge praticamente o valor comercial do mesmo. Em suma, o Insolvente deu de pagamento um imóvel que nada valia, onerado que estava com um ónus que esgotava praticamente o seu valor, enganando mais uma vez o reclamante.
- Na mesma data da escritura, elaboraram os reclamantes novo documento de confissão de dívida, aludindo já à escritura realizada e confessando-se o Insolvente devedor de uma quantia de 200.000,00€. (Doc. 8).
- O Insolvente nada pagou aos reclamantes. E com clareza se vislumbra que o Insolvente tinha a intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo, o que conseguiu fazendo sua a quantia de 432.000,00€.
- Sem prescindir, sempre terá que ser reconhecido que o Insolvente é devedor da quantia de 365.000,00€, correspondente aos valores que se considerou devedor, "sendo certo que a escritura junta como documento 6 foi já posta em crise na oposição à execução e à penhora deduzida pelos reclamantes nos autos nº 354/12.6TBPVZ, precisamente por não constituir qualquer dação em pagamento face aos ónus que sobre o imóvel impendem e configurar tal escritura somente mais um artifício para ludibriar os reclamantes, não constituindo qualquer pagamento face ao valor económico nulo que representa".
- Ainda sem prescindir, o imóvel referido adveio à propriedade dos reclamantes por escritura pública de confissão de dívida e dação em pagamento celebrada em 29/12/10. Com a outorga de tal escritura, ocorreu a tradição da posse do imóvel, passando os reclamantes a residir no mesmo e a poderem praticar, desde essa tradição, todos os atos ou benfeitorias que entendessem; assim, detêm os reclamantes a posse do imóvel e a sua plena propriedade, assistindo-lhes o direito de retenção sobre a fração até pagamento do crédito que detêm. Isto porque, não obstante estarem bem cientes que o direito de retenção, como surge no art. 754º do C.C. e nas diversas alíneas do nº 1 do artigo seguinte, não ter aplicação direta ao caso (desde logo por serem proprietários e não só possuidores), não poderá deixar de aplicar-se analogicamente tal normativo legal.

A Massa Insolvente contestou a fls. 63 e ss. E, em síntese, veio dizer o seguinte:
- Nos termos dos documentos juntos sob os nºs 1, 2, 3, 5 e 6 invocados pelos autores para sustentarem a respetiva pretensão, em tais negócios terão sido partes apenas o autor e outrem e nos termos do documento junto sob o nº 4, terão sido partes apenas a autora e outrem, e nada de juridicamente relevante foi alegado que legitime a pretendida unicidade ou comunhão na titularidade do pretenso crédito.
- Quem é parte nos negócios jurídicos formalizados nos documentos juntos são, por um lado, ora o auto ora a autora e, por outro lado, a "F…", com sede na Póvoa de Varzim”; assim, o pretenso devedor jamais seria o Insolvente, mas sim terceiro que não é – nem pode ser – parte nos autos.
- Sem prescindir, nos presentes autos, ou em qualquer outro foro, os autores não põem em causa o seu alegado direito de propriedade. Ora, considerando que o titular do direito de propriedade não está obrigado a entregar a coisa e que o direito de retenção tem como um dos pressupostos que o credor esteja obrigado a "entregar certa cousa", jamais poderia proceder o invocado direito de retenção (mesmo que se admitisse a aplicação analógica do instituto, o que não é caso), pois que, confessadamente, não se verifica, na própria tese dos autores, um dos pressupostos de que depende.
- Acresce que as normas excecionais não comportam aplicação analógica, não permitindo, pois, a analogia júris, isto é, proibindo-se transformar a exceção em regra e o artigo 755º do CC, tal como o antecedente, tem caráter execcional. Por outro lado, não se verifica a pretendida “similitude” que justificaria a analogia: o pretenso crédito emergiria dos alegados negócios consubstanciados nos documentos juntos aos autos, os quais nada têm que ver com o imóvel objeto do pretendido direito de retenção. Por fim, o direito de retenção não existe, mas sempre seria inoponível à Massa Insolvente.

Diz ainda a contestante:
- É nulo todo o processo quando for inepta a petição. No domínio do Cód. Proc. Civil anterior era referido que um dos casos de ineptidão coincidia com os casos em que a pretensão carecia de fundamento. Apesar da revogação da correspondente norma, a figura mantém-se em vigor em face do disposto no art.º 234º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil. Ora, é absolutamente evidente que atentos os factos invocados e os preceitos legais pertinentes, as pretensões dos autores são, desde já, manifestamente improcedentes. Por isso, "deve ser julgada procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição por absoluta inviabilidade, nos termos do disposto nos art.s 193º, 234º-A, 288º, nº1, 493º, 494, nº 1, al. b), 508º-A e 510º, aplicáveis ex vi do disposto no art.º 17º do CIRE.
- Sem prescindir, impugnando os factos, os autores, "que alegam terem entregue a avultada quantia de €432.000,00 – em qualquer caso suficiente para muitas “despesas médicas” – não confundiram, seguramente, o Insolvente com uma sociedade terceira; a escritura terá sido celebrada "assegurando-se a observância de todos os preceitos legais pertinentes" e do documento n.º 8 consta, para além da dação em pagamento, "a confissão do pagamento e do recebimento de €30.000,00"

Os autores responderam à contestação com o articulado de fls. 85/104. Referem, em síntese:
- A petição não é inepta, pois os autores são credores do Insolvente e pretendem ver reconhecido os seus créditos; a graduação, qualificação e definição das garantias de que eventualmente usufruam é questão diversa do reconhecimento de um crédito e, no entendimento dos autores, foram já carreados indícios e prova documental bastante para reconhecimento dos créditos reclamados.
- Os autores são casados sob o regime de comunhão geral de bens, o que sempre faria naufragar a argumentação expendida na contestação, mas, ainda que assim não fosse, estaria verificada a comunhão na titularidade dos créditos uma vez que se presumem comuns créditos e dívidas contraídas em proveito comum do casal. Acresce que, como confessa o Sr. Administrador, os autores já foram citados para a resolução do negócio titulado na escritura e, resolvido o negócio, deixa de haver dação em pagamento, mas o crédito mantém-se.
- O valor de 30.000,00€, referido no documento 8, nunca chegou a ser pago pelo Insolvente, como é expressamente referido no item 20º da petição Inicial.
- Foi o Insolvente, e não a empresa por ele constituída e cuja atividade nada tinha a ver com aquela que o Insolvente apregoava, quem recebeu o dinheiro dos autores, ficcionando uma realidade que nada tinha de verdadeiro. No limite, tais negócios seriam nulos, uma vez que designadamente os autores celebraram-nos induzidos dolosamente em erro, o que acarretaria a obrigatoriedade de devolução do dinheiro mutuado. Mas, mesmo que assim não fosse, o Insolvente confessou-se pessoal e expressamente devedor perante os autores.
- Sempre deverá ser declarado o direito de retenção sobre a fração K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217, até ao valor de 160.000,00€, o que se invoca e requer, improcedendo o defendido quanto a esta questão na contestação.
- Os autores, "na sua P.I. peticionam o reconhecimento do crédito de 432.000,00€ ou, pelo menos, no valor de 365.000,00€, sendo certo que deste montante 160.000,00€ deverão ser reconhecidos como garantidos por direito de retenção (…) é evidente que o Sr. Administrador sempre terá que reconhecer os créditos num montante mínimo de 365.000,00€ uma vez que o Insolvente reconheceu e declarou expressamente ser devedor de tais montantes, não tendo sido impugnada a genuinidade dos documentos ou a autoria da assinatura do Insolvente (…) e desse montante mínimo, como se aflorou, 160.000,00€ devem ser reconhecidos como garantidos por direito de retenção".

No prosseguimento dos autos, foi proferido o despacho de fls. 107, com o seguinte teor: "Afigura-se pertinente dado o teor da impugnação e resposta apresentadas a realização de uma tentativa de conciliação nos termos previstos no art. 136º do CIRE. Para o efeito designo o próximo dia 7 de novembro de 2012, pelas 13h30m. Notifique a fim de comparecerem pessoalmente ou para se fazerem representar por procuradores com poderes especiais para transigir bem como o Sr. Administrador de Insolvência".

A tentativa de conciliação veio a ter lugar na data designada e foi documentada a fls. 117. Dessa documentação resulta o que ora se transcreve:
"PRESENTES: Todas as pessoas para este ato convocadas, com a exceção do ilustre mandatário dos Autores – Dr. G… e o Insolvente. Encontrava-se ainda presente o ilustre Administrador da Insolvência - Dr. E…. *
Aberta a diligência, a Mm.ª Juiz determinou a suspensão da diligência pelo período de dez minutos, no sentido de permitir a comparência do ilustre mandatário dos Autores. Findo o supra referido período de suspensão e verificando-se a presença do Ex.mo Dr. H…, mandatário dos Autores (procurações conjuntas de fls. 41 e 42 dos autos), a Mm.ª Juiz determinou a reabertura da diligência, tendo então sido junta uma procuração com poderes especiais outorgada pelo Ex.mo Administrador da Insolvência e passada a favor, designadamente, ao ilustre Dr. I…, aqui presente, que a Mm.ª Juiz rubricou e mandou juntar aos autos.
Logo após, e ao abrigo do disposto no Art.º 136º, n.º 2 o C.I.R.E., pelas partes foi dito que reconhecem a existência do crédito, mais declarando que, quanto à qualificação do crédito, mantêm as suas posições inconciliáveis.
De seguida, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte DESPACHO:
Ao abrigo do n.º 3 do citado dispositivo legal, oportunamente, conclua os autos. Notifique".

Depois de solicitado o "envio das decisões que versam sobre o apoio judiciário formulado pelos AA" (fls. 119), que se encontram a fls. 121/128 e novamente concluso o processo (a 7.01.2013) foi proferido o despacho de fls. 129 e seguintes, onde se fixou o valor da causa (432.000,00€) e se disse: "Findos os articulados, foi marcada tentativa de conciliação como se alcança da análise dos autos tendo-se a mesma frustrado. Cumpre proferir despacho saneador nos moldes previstos no art. 510º e 511º como se impõe nos termos previstos no art. 136º, nº 3 do CIRE". E, em sede de saneamento, considerou-se: "O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Não há nulidades que invalidem todo o processo. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são as legítimas e encontram-se regularmente patrocinadas. Não há outras nulidades, exceções ou questões prévias e incidentais que possam ser conhecidas dada a matéria controvertida". Fixaram-se os factos assentes e elaborou-se Base Instrutória, aditada a fls. 134-A, em resultado de reclamação dos autores, decidida favoravelmente a fls. 148/149.

Admitida a prova, veio a ter lugar a Inquirição de uma testemunha (fls. 160/161) e respondeu-se à base instrutória a fls. 162/163 ("Pontos 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 12º, 13º, 14º - não provados. Pontos 1º, 2º, 7º, 8º, 10º, 11º - provados."), em despacho fundamentado[1].

O processo prosseguiu com a prolação da sentença. Nesta, depois da identificação das "Questões a decidir" ("A) - Do crédito dos AA.; B) - Do direito de retenção"), transcreveram-se os factos provados e os não provados, aplicou-se o direito e proferiu-se a seguinte Decisão: "Pelo exposto, julgo improcedente por não provada a ação e julgo não reconhecido o crédito reclamado".

1.3 – Do recurso
Inconformados com a decisão, os autores vieram apelar. Pretende que, com o provimento do recurso, "a) deve ser revogada a Sentença posta em crise e substituída por outra que que declare como reconhecido o crédito reclamado pelos recorrentes, no valor de 432.000,00€, nos termos do art. 136º do C.I.R.E., bem como devem os autos baixar à primeira instância para apreciação do invocado direito de retenção sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito de 432.000,00€, com as consequências de Lei; b) SEM PRESCINDIR, deve ser revogada a Sentença sob censura e substituída por outra que determine o reconhecimento do crédito de 235.000,00€ reclamado pelos Recorrentes, nos termos supra melhor expostos, com as consequências de Lei; c) AINDA SEM PRESCINDIR e tendo presente que o Insolvente se declarou pessoalmente devedor perante os Recorrentes e nos termos dos artigos 374º e 376º do C.C., deve a Sentença posta em crise ser revogada e substituída por outra que declare a existência e reconhecimento do crédito de 200.000,00€ a favor dos Recorrentes sobre o Insolvente, tudo com as consequências de Lei; d) FINALMENTE, deve em todo o caso ser revogada a Sentença de fls. e substituída por outra que declare o direito de retenção dos recorrentes sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito de 432.000,00€ ou, pelo menos e no que não se concede, da quantia de 160.000,00€". Formulam as seguintes Conclusões:
A - Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou a ação improcedente por não provada e julgou não reconhecido o crédito reclamado pelos Recorrentes, para além de não ter apreciado, por considerar despicienda tal apreciação face à decisão de não reconhecimento do crédito reclamado, o invocado direito de retenção, existindo meios probatórios constantes dos autos que impunham decisão diversa da ora posta em crise, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao assim decidir.
B - Foi realizada nos autos, em 07.11.2012, tentativa de conciliação a que alude o art. 136º do C.I.R.E., constante da ata a fls., estando representados os recorrentes e tendo marcado igualmente presença os ilustres Mandatários constituídos pelo Insolvente e pela massa insolvente.
C - Nessa tentativa de conciliação, não obstante as partes terem mantido as suas posições inconciliáveis no que tange à qualificação do crédito reclamado, certo é que foi obtida conciliação quanto ao reconhecimento do crédito reclamado.
D - Quer o Insolvente quer o Sr. Administrador de Insolvência reconheceram a existência do crédito reclamado.
E - Reza assim, na parte que interessa para o vertente recurso, o art. 136º do C.I.R.E.: “2 - Na tentativa de conciliação são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem.” “3 - Concluída a tentativa de conciliação, o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos previstos nos artigos 510.º e 511.º do Código de Processo Civil.” “4 - Consideram-se sempre reconhecidos os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados e os que tiverem sido aprovados na tentativa de conciliação.” “5 - Consideram-se ainda reconhecidos os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos.”
F - Donde, o crédito reclamado pelos ora recorrentes teria forçosamente que ser reconhecido nos precisos termos em que mereceu a aprovação de todos os presentes devidamente convocados para a tentativa de conciliação.
G - O que implicaria necessariamente, sob pena de violação ostensiva dos comandos jurídicos vertidos no art. 136º do C.I.R.E., o reconhecimento do crédito nestes autos reclamado.
H - Ocorrendo violação notória dos números 2, 4 e 5 do art. 136º do C.I.R.E., devendo tal artigo ser interpretado no sentido da obrigatoriedade de reconhecimento do crédito nas circunstâncias supra aduzidas.
I - Devendo, em consequência, ser revogada a Sentença posta em crise e substituída por outra que declare como reconhecido o crédito reclamado, no valor de 432.000,00€ (Quatrocentos e trinte a dois mil euros), bem como devem os autos baixar à primeira instância para apreciação da segunda das questões decidendas, o invocado direito de retenção sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito de 432.000,00€, com as consequências de Lei.
J - SEM PRESCINDIR, ainda que não seja esse o entendimento subidamente perfilhado por V.Exas., sempre se dirá que os factos dados como provados na Sentença sob censura colidem frontalmente com a conclusão a que na mesma se chega.
K - Na verdade, é referido na Sentença posta em crise que “…desde logo nenhum dos documentos referidos, nem dos pretensos negócios jurídicos subjacentes se reporta a ambos os A.A. conjuntamente.”.
L - Importará primeiramente referir que os recorrentes são casados sob o regime de comunhão geral de bens, como se alcança dos autos, mas, ainda que assim não fosse e os A.A. estivessem casados sob o regime de comunhão de adquiridos, ainda assim estaria verificada a comunhão na titularidade dos créditos uma vez que, como decorre do regime geral constante dos arts. 1678º e seguintes do C.C., presumem-se comuns créditos e dívidas contraídas em proveito comum do casal, necessitando por outro lado do consentimento de ambos os cônjuges qualquer ato excluído das diversas alíneas do nº 2 do art. 1678º do C.C.
M - Compulsando os factos dados como provados nestes autos desde logo avulta uma contradição notória entre tal conclusão e o facto provado nº 11, que se transcreve para cabal esclarecimento “Na data da realização da escritura pública mencionada em l) elaboraram os Reclamantes o documento de confissão de dívida, aludindo já à escritura realizada e confessando-se o Insolvente devedor de uma quantia de 200.000,00€, cfr. Teor de fls. 34 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [K) da matéria assente].”
N - Existe notória contradição entre o facto dado como provado e o dispositivo da Sentença sob censura existindo, para além do mais, elementos probatórios documentais nos autos que contrariam igualmente a conclusão a que se chegou na Sentença sob recurso, mormente o documento junto com a petição inicial como documento 8.
O - Para além disso, conclui o Tribunal a quo pela inviabilidade do pedido e pelo não reconhecimento do crédito reclamado pelos aqui Recorrentes ancorando tal entendimento no facto de que o pretenso devedor de tais alegados créditos jamais seria o Insolvente mas sim terceiro que não é parte nos autos, a empresa F… criada pelo Insolvente.
P - Ora, tal conclusão é frontalmente contrariada quer pelos factos dados como provados na Sentença em crise, mormente os factos provados nº 9 e 11, quer pela abundante prova documental junta aos autos.
Q - E convirá não olvidar que o Insolvente assumiu pessoal e incondicionalmente uma dívida de 390.000,00€ perante os aqui recorrentes.
R - Mesmo considerando que do teor de tal documento resulta que terá ocorrido o pagamento parcial de tal valor, embora ficando patente dos autos que a dação em pagamento aí referida tenha consistido na entrega de um imóvel que nada valia devido à hipoteca que sobre o mesmo impendia e que ultrapassava até o seu valor de mercado, sempre teria que considerar-se que o Insolvente se declarou pessoalmente devedor perante os Reclamantes, pelo menos, da quantia de 200.000,00€, que nunca chegou a pagar aos mesmos.
S - Quantia a que acrescem os montantes de 30.000,00€, referido no documento de confissão de dívida, que o Insolvente nunca chegou a pagar aos recorrentes, nem logrou o Insolvente nestes autos provar que procedeu a tal pagamento, e de 5.000,00€, valendo aqui as considerações vertidas quanto ao regime de bens do casamento dos Recorrentes.
T - Perante tudo quanto vem de expor-se, necessário se revela concluir que o crédito reclamado pelos Recorrentes sobre o Insolvente de, pelo menos, 235.000,00€ sempre teria que ser reconhecido, não fazendo qualquer sentido, com o devido respeito, que é todo, a conclusão a que chegou o Exmo. Senhor Juiz do Tribunal a quo devendo, em consequência, ser revogada a Sentença sob censura e substituída por outra que determine o reconhecimento do crédito de 235.000,00€ reclamado pelos Recorrentes, com as consequências de Lei.
U – Ainda sem prescindir, convirá trazer à colação o teor dos artigos 374º e 376º do C.C.
V - Na verdade, ficou judicialmente comprovado (Vide facto provado nº 11) que foi elaborado documento de confissão de dívida em que o Insolvente se reconheceu devedor perante os Recorrentes da quantia de 200.000,00€.
W - Tal documento, que é particular, faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, não tendo sido arguida a falsidade do documento nestes autos, nos termos do art. 376º do C.C..
X - Donde, face aos normativos legais citados, sempre teria que ser reconhecido o crédito de 200.000,00€ dos Recorrentes sobre o Insolvente uma vez que este assumiu pessoalmente e confessou-se devedor de tal quantia perante os mesmos naquele documento, o que figura entre os factos provados na Sentença.
Y - Assim, ao não declarar e reconhecer a existência de, pelo menos, um crédito de 200.000,00€ a favor dos Recorrentes sobre o Insolvente andou mal o Tribunal a quo e foram violados na Sentença posta em crise os artigos 374º e 376º, ambos do C.C.
Z - Pelo exposto, deve a Sentença posta em crise ser revogada e substituída por outra que declare a existência e reconhecimento do crédito de 200.000,00€ a favor dos Recorrentes sobre o Insolvente, tudo com as consequências de Lei.
AA - É entendimento dos Recorrentes que, face ao que ficou já exposto, será inevitável o reconhecimento do crédito reclamado pelos mesmos nestes autos, o que sempre imporá, pelo menos, a descida dos autos ao Tribunal a quo para que seja proferida Sentença quanto ao invocado direito de retenção sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito.
BB - Não obstante, é igualmente entendimento dos Recorrentes que constam do processo elementos probatórios suficientes e que permitem desde já que seja proferida decisão quanto ao invocado direito de retenção sobre a fração supra melhor identificada.
CC - Os Recorrentes não ignoram que o direito de retenção, conforme surge plasmado no art. 754º do C.C. e nas diversas alíneas do nº 1 do artigo seguinte, não tem aplicação direta ao caso ajuizado, desde logo por serem os Recorrentes proprietários e não só possuidores da coisa.
DD - No entanto, entendem os Recorrentes que deverá tal normativo legal merecer aplicação ao caso vertente por analogia, uma vez que resulta, designadamente, dos autos - facto provado nº 9 - que foi celebrada escritura pública denominada “Confissão de dívida e dação em pagamento”, realizada em 29 de novembro de 2010 na qual o Insolvente se confessou devedor da quantia de 160.000,00€ e, para cumprimento de tal dívida, entregou aos Reclamantes a fração autónoma identificada pela letra K, no bloco fase 1, com entrada pelo nº … da …, apartamento tipo T-3, terceiro andar, designado por F-1, 32, para habitação, com garagem na cave nº .., tendo os Reclamantes aceitado a entrega e ficando extinta a dívida.
EE - Sucede que, como resulta do facto provado nº 14, os Recorrentes desconheciam que sobre o imóvel impendia avultadíssima hipoteca e que atingia praticamente o valor comercial do mesmo, como se afere do teor do mesmo: “Veio o Reclamante marido a constatar posteriormente que impendia sobre o imóvel uma hipoteca avultadíssima e que atinge praticamente o valor comercial do mesmo”.
FF- Circunstância que igualmente se explica pela idade avançada e baixa instrução dos Recorrentes, que são pessoas que não estão habituadas às lides negociais, o que resultou provado sob o nº 12 da factualidade da Sentença.
GG - Resultou igualmente provado - facto provado nº 10 - que o J…, S.A. instaurou execução relativa a hipoteca incidente sobre o imóvel referido quer contra o Insolvente quer contra os aqui Recorrentes, que corre termos sob o nº 354/12.6TBPVZ, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, ação judicial que tem como objetivo que os Recorrentes paguem o valor garantido pela hipoteca ou, caso assim não suceda, que seja o mesmo alienado e os mesmos despojados do bem.
HH - Os Recorrentes, ao celebrarem a escritura de dação em pagamento, deixaram de executar um crédito de 160.000,00€, algo que poderiam ter feito na altura e que ora se revela impossível quer devido à declaração de insolvência do Insolvente, quer à quantidade dos seus credores, quer devido ao seu paradeiro desconhecido quer ainda devido à inexistência de qualquer ativo.
II - Ou seja os Recorrentes indubitavelmente sofreram um dano equivalente ao montante que deixaram de executar ao aceitarem celebrar tal escritura convictos de que sobre o imóvel não incidia qualquer ónus ou encargo, o que veio a revelar-se falso - factos provados nº 9, 10, 12, 14 e 15.
JJ - Ao aceitarem a dação em pagamento e a entrega do imóvel e colocados agora na situação de poderem ficar dele despojados por efeito da execução da hipoteca pretendida pelo Exequente naqueles autos que correm termos sob o nº 354/12.6TBPVZ do mesmo Juízo e Tribunal, não restarão dúvidas que os Recorrentes sofreram danos no valor de 160.000,00€ uma vez que a venda do imóvel, a ocorrer e nas atuais condições de mercado imobiliário, não será suficiente sequer para pagamento do montante garantido pela hipoteca constituída a favor do Exequente nos autos aludidos, o que constitui facto notório.
KK - Danos causados pela coisa na medida em que o imóvel ao ser entregue na escritura de dação em pagamento para ressarcimento desse valor e tendo os ora Recorrentes ficado convictos que estaria desonerado e livre de encargos, impediu que executassem o Devedor para satisfação do seu crédito, algo que agora é impossível.
LL - Pois foi precisamente o facto do imóvel permanecer onerado com uma hipoteca, que os Recorrentes ficaram convencidos já não subsistir, que lhes causou os danos referidos e que atingem os 160.000,00€ - factos provados nº 9 e 14.
MM - Não pode deixar de notar-se a similitude entre o fundamento das várias alíneas do nº 1 do art. 755º do C.C. e o caso ajuizado pois tanto num caso como nos outros existe um crédito não satisfeito por parte do Devedor, o Retentor tem a posse da coisa que pretende reter até satisfação do crédito e existe a obrigação de entrega da coisa - factos provados nº 9, 10, 11, 14, 15, 16 e 17.
NN - No caso ajuizado é a própria coisa que causa os danos aos Recorrentes, como exigido no regime geral ínsito no art. 754º, uma vez que é o ónus que sobre ela impende que impossibilita a satisfação do crédito dos mesmos, algo que era fundamento primeiro da celebração do contrato que para estes transferiu a propriedade do imóvel.
OO - A aplicação analógica de normas jurídicas encontra-se expressamente prevista no art. 10º do Código Civil e pode ser definida como processo lógico pelo qual o Aplicador da Lei adapta, a um caso concreto não previsto pelo Legislador, norma jurídica que tenha o mesmo fundamento ou, por outras palavras, operação que consiste em aplicar, a um caso não previsto, norma jurídica concernente a uma situação prevista, desde que entre ambos exista semelhança e a mesma razão jurídica, para resolvê-los de igual forma.
PP - Ubi eadem ratio ibi idem jus, isto é, onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito ou Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositivo - onde impera a mesma razão deve prevalecer a mesma Decisão e, na perspetiva dos recorrentes, ocorre clara similitude entre o fundamento do instituto do Direito de retenção e a situação dos autos, não expressamente prevista na Lei.
QQ - Pelo que se impõe o recurso à analogia legis para suprimento da lacuna legal.
RR - Ainda que não seja essa a posição subidamente perfilhada por V.Exas., no que não se concede, sempre o caso vertente seria passível de aplicação analógica, desta feita analogia iuris, nos termos do nº 3 do art. 10º do C.C. pois, a considerar-se que não existe disposição análoga à qual recorrer, a situação em apreço e posta à decisão do Julgador deverá ser resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
SS - Assim, por aplicação analógica dos artigos 754º e 755º do C.C. deve ser declarado o direito de retenção dos Recorrentes sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217, com as consequências de Lei.
TT - Não podendo subsistir dúvidas que a atuação do Recorrentes se enquadra na mais cristalina boa-fé, uma vez que a conduta do ora Insolvente D… lhes causou centenas de milhares de euros de prejuízo patrimonial, grande parte dos quais são irrecuperáveis face ao paradeiro incerto do Insolvente.
UU - Donde, com meridiana clareza se constata assistir aos Recorrentes direito de retenção sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito de 432.000,00€ ou, pelo menos e no que não se concede, da quantia de 160.000,00€.
VV - Ao decidir diferentemente, ou simplesmente ao não se pronunciar quanto ao invocado direito de retenção sobre a fração supra identificada, ocorreu na Sentença posta em crise clara violação dos artigos 10º, 754º e 755º do C.C. vigente.
WW - Devendo, em consequência, ser revogada a Sentença de fls. e substituída por outra que declare o direito de retenção dos Recorrentes sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito de 432.000,00€ ou, pelo menos e no que não se concede, da quantia de 160.000,00€.

A recorrida responde à apelação, nos termos de fls. 213 e ss. Defende que a sentença recorrida deve ser integralmente mantida. Conclui o seguinte:
1 - Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a recorrida aderir ao entendimento sustentado pelos recorrentes no que se refere ao reconhecimento do crédito que invocam;
2 – A Sentença sob recurso não violou qualquer preceito legal, assentou em factos provados nos autos e não merece qualquer censura.
3 – Fora isso, em circunstância alguma poderia tal putativo crédito estar garantido pelo imaginário direito de retenção, dada a manifesta falta de estatuição legal que o pudesse contemplar.
4 – Em qualquer das vertentes em que pudesse tal questão ser colocada, sendo ainda certo que os preceitos legais positivados no CC e invocado pelos recorrentes, por se tratar de normas excecionais, não poderiam ser sujeitos a interpretação extensiva ou analógica.
5 – De resto, se isto era já assim – que tal putativo crédito não gozaria, em qualquer circunstância, daquele direito de garantia -, tal conclusão ficou sedimentada pela decisão proferida no Apenso H dos autos principais, já transitada em julgado, em que foi decidida nulidade da resolução da dação em cumprimento já identificada nos autos, daí resultando que se sedimentou o direito de propriedade para a titularidade dos Recorrentes da fração autónoma sobre que incidiria o direito de retenção invocado … seria caso para perguntar como seria efetivado tal direito!
6 – O recurso em apreço carece, em absoluto, de fundamento, pelo que deve ser decidido o total improcedimento dele, mantendo-se incólume, a sentença recorrida.

O recurso foi recebido nos termos legais, em despacho proferido a fls. 233 ("Por legal e tempestivo, admito o recurso interposto, que é de apelação, subindo imediatamente, em separado e com efeito devolutivo – artigo 14/5 do CIRE").

Na Relação, depois de um primeiro despacho em turno, nada se alterou ao despacho que recebeu o recurso e, atendendo à natureza dos autos, foram dispensados os Vistos.

Cumpre apreciar o mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Definido pelas conclusões das alegações dos apelantes, o objeto do presente recurso é o seguinte:
1.3.1 – Se o crédito reclamado tinha que ser reconhecido, uma vez que foi aprovado por todos os presentes na tentativa de conciliação (conclusões B a H) e, ao sê-lo, os autos devem baixar à 1.ª instância para apreciação da questão do direito de retenção (conclusão I).
1.3.2 – Se, sem prescindir, os factos apurados implicam o reconhecimento do crédito reclamado, pelo menos no montante de 200.000,00, acrescido de 30.000,00€ que o Insolvente nunca pagou (conclusões J a T) ou, sem prescindir, no montante reconhecido de 200.000,00€ (conclusões U a Z).
1.3.3 – Se o crédito dos recorrentes beneficia do direito de retenção, por aplicação analógica, até ao pagamento do crédito (conclusões CC a SS) ao, pelo menos, até à quantia de 160.000,00€ (conclusões TT a VV).

2- Fundamentação:
2.1 - Fundamentação de facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto[2]:
1. Por decisão datada de 20 de fevereiro de 2012 foi decretada a insolvência de D… [A) da matéria assente].
2. Em 25 de outubro de 2012 foi proferida sentença de graduação de créditos, cfr. fls. 71 e ss. 71 a 78 junta ao Apenso D, ainda não transitada em julgado [B) da matéria assente].
3. Em 28 de setembro de 2012 foi reclamado pela K…, S.A. crédito cfr. teor de fls. 36 e ss. junto ao apenso B [C) da matéria assente].
4. Em 28 de setembro de 2012 verificação ulterior de créditos do crédito reclamado por L… cfr. teor de fls. 22 e ss. do apenso C [D) da matéria assente].
5. Em 28 de setembro de 2012 qualificada como culposa a insolvência cfr. teor de fls. 47 e ss. do apenso E [E) da matéria assente].
6. Em 27 de julho de 2012 B… e mulher C… propuseram a presente ação de verificação ulterior de créditos contra a massa insolvente de D…, credores deste e D… pedindo que, pela procedência da ação, fossem reconhecidos os créditos invocados, no montante global de 432.000,00€ (Quatrocentos e trinta e dois mil euros) ou, pelo menos reconhecidos os créditos no montante de 365.000,00€ (Trezentos e sessenta e cinco mil euros), valor de que o ora Insolvente se declarou expressamente devedor perante os Reclamantes, devendo ser graduados no lugar que lhes competir e, a final, pagos, devendo em qualquer caso ser reconhecido o direito de retenção sobre a fração autónoma, designada pela letra K, descrita na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 672/19880217 até ao pagamento do seu crédito de 432.000,00€ ou, pelo menos e no que não se concede, da quantia de 160.000,00€ (Cento e sessenta mil euros) até efetivo e integral pagamento [F) da matéria assente].
7. O Reclamante/Autor, B…, entregou ao Insolvente, enquanto representante da empresa F…, com o NIF ……… com sede na …, nº …, …, Póvoa de Varzim, a quantia de Eur.: 382.000,00€ (Trezentos e oitenta e dois mil euros), quantia que supostamente seria aplicada na abertura de uma carteira de títulos cotada em bolsa, com controlo e supervisão exclusiva do Insolvente, e que permitiria ao Reclamante uma rentabilidade de juro sobre o capital investido, sem qualquer risco, conforme teor de fls. 22 a 24 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [G) da matéria assente].
8. A segunda Reclamante/Autora, C…, entregou ao Insolvente, enquanto representante da empresa F…, com o NIF ……… com sede na …, nº …, …, Póvoa de Varzim, pelos motivos mencionados em 7) a quantia de Eur.: 50.000,00€ (Cinquenta mil euros), cfr. teor de fls. 25 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [H) da matéria assente].
9. Por escritura pública denominada de “Confissão de dívida e dação em pagamento” realizada em 29 de novembro de 2010 o Insolvente, D…, confessou-se devedor ao Reclamante/Autor, B…, da quantia de 160.000,00 € e, para cumprimento de tal dívida, entregou ao Reclamante a fração autónoma identificada pela Letra “K”, no Bloco Fase Um, com entrada pelo nº … da …, Apartamento Tipo T3, Terceiro andar, designado por F-1, 32, para habitação, com garagem na cave nº .., tendo o Reclamante aceite a entrega ficando extinta a dívida, conforme teor de fls. 28 a 32 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [I) da matéria assente].
10. O J…, S.A. instaurou execução relativa a hipoteca incidente sobre o imóvel mencionado em J) quer contra o Insolvente quer contra os Reclamantes instaurando para o efeito os autos que correm termos sob o nº 354/12.6TBPVZ deste 2º Juízo Cível [J) da matéra [J) da matéria assente].
11. Na data da realização da escritura pública mencionada em I) elaboraram os Reclamantes o documento de confissão de dívida, aludindo já à escritura realizada e confessando-se o Insolvente devedor de uma quantia de 200.000,00€, cfr. teor de fls. 34 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [K) da matéria assente].
12. Os Reclamantes/AA. são pessoas de avançada idade, de baixa instrução e trabalhadores agrícolas, que juntaram ao longo da vida o suficiente para uma velhice descansada, dinheiro amealhado com muito sacrifício e imenso trabalho [ponto 1º da base instrutória].
13. E, após uma vida de sacrifícios e provações, conseguiram reunir uma quantia assinalável que lhes permitiria envelhecer com dignidade, suportando tal aforro quer as suas previsíveis despesas médicas quer quaisquer outras que surgissem nesta derradeira fase da sua vida, o que o Insolvente bem sabia [ponto 2º da base instrutória].
14. Veio o Reclamante marido a constatar posteriormente que impendia sobre o imóvel uma hipoteca avultadíssima e que atinge praticamente o valor comercial do mesmo [ponto 7º da base instrutória].
15. O Insolvente nada pagou aos Reclamantes, mantendo-se em dívida até à atualidade o valor mencionado em F) [ponto 8º da base instrutória].
16. Com a escritura mencionada em I) os Reclamantes/AA. passaram a residir no imóvel aí mencionado [ponto 10º da base instrutória].
17. Passando a zelar o mesmo e a pagar as respetivas contribuições e encargos [ponto 11º da base instrutória].

2.2 – Aplicação do direito
1.3.1 – A tentativa de conciliação e o reconhecimento do crédito
Pela sua síntese e por se nos revelar útil à apreciação do recurso, começamos por transcrever a fundamentação jurídica da decisão sob recurso sentença:
"Do direito. Comecemos por analisar da existência do crédito dos AA.. Os AA. peticionam que “sejam reconhecidos os créditos invocados, no montante global de 432.000,00€ (…) ou, sem prescindir, sejam pelo menos reconhecidos os créditos no montante de 365.000,00€” e estribam os mesmos nos negócios jurídicos formalizados nos documentos que juntam aos autos. Porém, e desde logo nenhum dos documentos referidos, nem dos pretensos negócios jurídicos subjacentes se reporta a ambos os AA. conjuntamente. De facto, conforme resulta provado sob os pontos 7) e 8) da factualidade provada o Reclamante/Autor, B…., entregou ao Insolvente, enquanto representante da empresa F…, com o NIF ……… com sede na …, nº …, …, Póvoa de Varzim, a quantia de Eur.: 382.000,00€ (Trezentos e oitenta e dois mil euros), quantia que supostamente seria aplicadas na abertura de uma carteira de títulos cotada em bolsa, com controlo e supervisão exclusiva do Insolvente, e que permitiria ao Reclamante uma rentabilidade de juro sobre o capital investido, sem qualquer risco, conforme teor de fls. 22 a 24 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Por sua vez, a segunda Reclamante/Autora, C…, entregou ao Insolvente, enquanto representante da empresa F…, com o NIF ……… com sede na …, nº …, …, Póvoa de Varzim, pelos motivos mencionados em 7) a quantia de Eur.: 50.000,00€ (Cinquenta mil euros), cfr. teor de fls. 25 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. s alegados negócios jurídicos não foram partes, conjuntamente, os AA e outrem, mas ora o É, pois, por demais evidente a absoluta inviabilidade do pedido pois que quem é parte nos negócios jurídicos formalizados são, por um lado, ora o A, ora a A. e, por outro lado, a “F… com o NIF ……… com sede na …, n …, … ….-… Póvoa de Varzim. É assim manifesto que o pretenso devedor de tais alegados créditos jamais seria o Insolvente, mas sim terceiro que não é – nem pode ser – parte nos autos. Logo, tal crédito não pode sequer ser reconhecido tornando-se despicienda a apreciação da segunda das questões supra enunciadas".

Apreciando.

Os autores (ora recorrentes) vieram, depois de terminado o prazo para as reclamações, pedir o reconhecimento do seu crédito e que este venha ainda a ser atendido no processo de insolvência, ou seja, vieram fazer uso de uma verdadeira ação autónoma (Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 4.ª edição, 2012, Almedina, pág. 233), ainda que correndo por apenso, o processo de verificação ulterior de créditos e de outros direitos, a seguir os termos previstos nos artigos 146 a 148 do CIRE.

Nessa ação, cuja decisão é agora objeto de recurso, não foi reconhecido aos demandantes a existência do seu crédito, tendo ficado prejudicada a sua qualificação.

Entendem os recorrentes que, ao contrário do que veio a ser decidido na sentença, o crédito que vieram ulteriormente reclamar tinha que ser necessariamente reconhecido, uma vez que teve lugar a tentativa de conciliação a que alude o artigo 136 do CIRE e nela ocorreu esse mesmo reconhecimento. Assim, e no sentido defendido pelos apelantes, a questão do reconhecimento do crédito reclamado, após a realização da tentativa de conciliação, deixou de ser objeto de discussão ou de prova, era uma questão resolvida, cabendo à decisão final, apenas, a apreciação da natureza do crédito e, concretamente, a questão do direito de retenção, defendido pelos recorrentes.

A recorrida, por sua vez, defende (no corpo da sua resposta às alegações), sem desconhecer ou impugnar a ata da conciliação, que foram os apelantes "que fizeram verdadeira "tábua rasa" do conteúdo dela, mantendo – rectius, nenhuma alteração propondo aos factos que constituíam a base instrutória – toda a factualidade selecionada e que foi submetida a julgamento, tendo merecido a decisão da matéria de facto que consta das respostas dadas" e que, por essa razão, é "destituído de absoluto fundamento o que invocam" em relação ao "putativo reconhecimento do crédito, mesmo sem curar da discussão – para a qual nem sequer os recorrentes encontram resposta – sobre o montante do crédito que poderia ser objeto de decisão".

O artigo 136, n.º 1 do CIRE, na redação dada pela Lei 16/2012, de 20 de abril,[3] que entrou em vigor trinta dias após a sua publicação[4], estipula que, "Junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz pode designar dia e hora para a tentativa de conciliação a realizar dentro dos 10 dias seguintes, para a qual são notificados, a fim de comparecerem pessoalmente ou de se fazerem representar por procuradores com poderes especiais para transigir, todos os que tenham apresentado impugnações ou respostas, a comissão de credores e o administrador de insolvência". Antes da Lei 16/2012 o CIRE impunha a designação da tentativa de conciliação[5], ou seja, esta passou a ser facultativa. No entanto, antes e depois da aludida Lei, o modo de prosseguimento do processo e os efeitos do que se haja decidido na tentativa de conciliação são exatamente iguais e constam dos números 2, 3 e 4 do artigo 136: "Na tentativa de conciliação são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem (n.º 2); Concluída a tentativa de conciliação, o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos previstos nos artigos 510.º e 511.º do Código de Processo Civil (n.º 3); Consideram-se sempre reconhecidos os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados e os que tiverem sido aprovados na tentativa de conciliação" (n.º 4).

No caso em apreço, foi designada a tentativa de conciliação do artigo 136 do CIRE. Estiveram presentes e/ou representados o Insolvente, o Administrador e os Reclamantes. Nessa tentativa de conciliação, as partes disseram, "ao abrigo do disposto no artigo 136.º, n.º 2 do CIRE", que "reconhecem a existência do crédito" e, além disso, declararam que, "quanto à qualificação do mesmo, mantém as suas posições inconciliáveis". E, em conformidade, a Exma. Juíza, ordenou, apenas que os autos lhe fossem conclusos, "ao abrigo do n.º 3 do supra citado dispositivo legal".

Em suma, resulta dos autos, clara e inequivocamente – e a recorrida de nenhum modo o contradiz – que ocorreu a tentativa de conciliação prevista no artigo 136 do CIRE, e que os presentes aprovaram o crédito reclamado, mas não aceitaram a sua qualificação. E, se assim foi (como foi), o crédito deveria estar reconhecido, a partir de então (136, n.º 4 do CIRE).

Opõe a recorrida: 1) Mas foram os recorrentes quem esqueceu os efeitos da conciliação; 2) Não se sabe, de todo o modo, qual o montante do crédito.

Com todo o respeito, as objeções da recorrida não podem proceder. Em primeiro lugar, o artigo 136, n.º 4 do CIRE é muito claro quando usa a expressão "sempre": consideram-se sempre reconhecidos os créditos (…) aprovados na tentativa de conciliação.

Em segundo lugar, o normativo em apreço, e necessariamente os seus efeitos, impõem-se ao tribunal, ao processo, e não deixa de se impor porque os reclamantes implicitamente concordaram com a indagação, através da inclusão na base instrutória dos pertinentes factos, posterior sobre a própria existência do crédito. A partir do momento em que o crédito reclamado é aprovado, questionar ou apurar da sua existência corresponde, salvo o devido respeito, a um erro de direito, concretamente à violação do disposto no artigo 136, n.º 4 do CIRE. Efetivamente, usando a expressão de Luís Menezes Leitão (Direito da Insolvência, 4.ª edição, Almedina, 2012, pág. 237), no despacho de saneamento do processo, o juiz "está vinculado a reconhecer imediatamente" os créditos incluídos na lista e não impugnados e também os créditos que, mesmo que hajam sido impugnados, "tenham sido aprovados na tentativa de conciliação" ou, dito de outro modo, "são sem mais reconhecidos" os créditos que mereceram a aprovação de todos os presentes na tentativa de conciliação (Mariana França Gouveia, "Verificação do passivo", in Themis, 2005, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, Almedina, 2005, págs. 151/163, a pág. 160).

Em terceiro lugar – e entrando na segunda objeção da recorrida -, ainda que se reconheça que efetivamente a aprovação do crédito, feita na tentativa de conciliação, não revela o seu montante, não pode resultar dessa omissão o entendimento de que, por isso, a aprovação não produz os efeitos legais. O crédito foi aprovado sem qualquer restrição quanto à sua existência e é claro que os reclamantes identificam o montante do seu crédito, reclamado a título principal. Os reclamantes admitem que outro pudesse ser o valor do crédito reclamado e existente, mas subsidiariamente, ou seja, sem prescindirem da sua reclamação principal. Parece-nos claro, por isso que, tendo sido validamente aprovada a existência do crédito e nada tendo sido oposto ao montante reclamado, a aprovação se refere ao crédito pretendido e inicialmente (por via principal) reclamado.

Assim, na tentativa de conciliação ficou definitivamente assente a aprovação do crédito reclamado no montante de 432.000,00€. A sua existência deixou de ser discutível no processo. E, ao posteriormente se discutir esse crédito, violou-se o já citado artigo 136, n.º 4 do CIRE.

Procede, por isso e nesta parte o recurso dos autores.

Como em qualquer reclamação ou verificação ulterior de crédito, sempre está em causa a existência (do crédito) e a sua natureza. No caso presente, dando procedência à apelação dos recorrentes, entendemos que o crédito existe e no montante reclamado, como se disse. No entanto, a sentença da 1.ª instância, decidindo que o crédito nem sequer existia, considerou prejudicada a sua qualificação. Os recorrentes, com base no não conhecimento que a prejudicialidade justificou, entendem que os autos devem baixar à 1.ª instância, a fim de aí haver pronúncia sobre a qualificação do crédito, concretamente, a fim de aí ser apreciado o invocado direito de retenção.

Diz-nos, solucionando a questão, o artigo 665 do NCPC (Lei 41/2003, de 26 de junho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 36/2013, de 12.08) que o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, mesmo que declare nula a decisão que põe termo ao processo (n.º 1) e que "Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários" (n.º 2), devendo o relator, antes de proferir a decisão, ouvir, pelo prazo de 10 dias, cada uma das partes (n.º 3).

O preceito consagra, como aliás expressamente anuncia, a regra (ou princípio) da substituição ao tribunal recorrido e o normativo citado corresponde precisamente ao anterior artigo 715[6]. Por ele, como se disse, compete à Relação resolver todas as questões que a decisão recorrida considerou prejudicadas, desde que 1) disponha de todos os elementos necessários e 2) assegure o contraditório, prevenindo o risco de qualquer decisão surpresa.

No caso presente, todos os elementos necessários à qualificação do crédito, porquanto se trata claramente de uma questão de direito, estão disponíveis. Por outro lado, mostra-se antecipado – e por isso, observado – o contraditório, não havendo que cumprir o disposto no n.º 3 do citado 665 do NCPC. Com efeito, a qualificação do crédito, ou seja, a apreciação da existência ou não de um direito de retenção, foi objeto de pronúncia ao longo da ação mas continuou a sê-lo quer nas alegações dos recorrentes, quer na resposta da recorrida.

Por tudo, não há lugar à remessa dos autos para a 1.ª instância, com vista a apreciar o que teve por prejudicado e essa apreciação terá lugar mais adiante (1.3.3).

1.3.2Se, sem prescindir, os factos apurados implicam o reconhecimento do crédito reclamado, pelo menos no montante de 200.000,00, acrescido de 30.000,00€ que o Insolvente nunca pagou (conclusões J a T) ou, sem prescindir, no montante reconhecido de 200.000,00€ (conclusões U a Z).
A questão que agora importava conhecer está prejudicada pela decisão do ponto anterior. Nela se reconheceu a existência do crédito reclamado pelos autores e esse reconhecimento era o que aqui igualmente se pretendia. A sentença, aplicando sucintamente o direito aos factos, decidiu não reconhecer o crédito dos recorrentes, mas o nosso entendimento, fazendo prevalecer a aprovação do crédito reclamado ocorrida na tentativa de conciliação, inutiliza ou prejudica a pretensão recursória que os autores aqui formularam subsidiariamente[7]. Neste ponto, e por isso, nada mais há a acrescentar.

1.3.3Se o crédito dos recorrentes beneficia do direito de retenção, por aplicação analógica, até ao pagamento do crédito (conclusões CC a SS) ao, pelo menos, até à quantia de 160.000,00€ (conclusões TT a VV).
Como se disse na parte final da apreciação da apreciação da 1.ª questão, compete agora conhecer da qualificação do crédito reconhecido aos recorrentes.

Nas suas conclusões, os recorrentes, reconhecendo o que sempre reconheceram ao longo da ação, isto é, que por aplicação direta da lei não beneficiam do direito de retenção, voltam a defender que este direito lhes deve ser reconhecido por aplicação analógica. Concretamente (e em síntese) dizem o seguinte:
"O direito de retenção, conforme surge plasmado no art. 754º do C.C. e nas diversas alíneas do nº 1 do artigo seguinte, não tem aplicação direta ao caso, desde logo por serem proprietários e não só possuidores da coisa. No entanto, deverá tal normativo merecer aplicação por analogia, uma vez que resulta, designadamente, - facto 9 - que foi celebrada escritura pública denominada “Confissão de dívida e dação em pagamento”, na qual o Insolvente se confessou devedor da quantia de 160.000,00€ e, para cumprimento de tal dívida, entregou a fração K, apartamento tipo T-3, tendo os reclamantes aceitado a entrega e ficando extinta a dívida. Sucede que, como resulta do facto 14, desconheciam que sobre o imóvel impendia avultadíssima hipoteca e que atingia praticamente o seu valor (…) circunstância que igualmente se explica pela idade avançada e baixa instrução dos recorrentes. Resultou igualmente provado - facto 10 - que o Banco instaurou execução relativa a hipoteca incidente sobre o imóvel quer contra o Insolvente quer contra os recorrentes, tendo como objetivo que os recorrentes paguem o valor garantido pela hipoteca ou, caso assim não suceda, que seja alienado e os recorrentes despojados do bem. Os recorrentes, com a dação em pagamento, deixaram de executar 160.000,00€, algo que poderiam ter feito na altura e que ora se revela impossível quer devido à declaração de insolvência, quer à quantidade dos credores, quer devido à inexistência de qualquer ativo. Ou seja, indubitavelmente sofreram um dano equivalente ao montante que deixaram de executar ao aceitarem celebrar a escritura, convictos de que sobre o imóvel não incidia qualquer ónus ou encargo. Ao aceitarem a dação e a entrega do imóvel e colocados agora na situação de poderem ficar dele despojados, não restarão dúvidas que sofreram danos no valor de 160.000,00€ uma vez que a venda do imóvel não será suficiente sequer para pagamento do montante garantido pela hipoteca. Danos causados pela coisa na medida em que o imóvel ao ser entregue na escritura de dação para ressarcimento desse valor e tendo os recorrentes ficado convictos que estaria desonerado, impediu que executassem o devedor para satisfação do seu crédito, algo que agora é impossível (…) Não pode deixar de notar-se a similitude entre o fundamento das várias alíneas do nº 1 do art. 755º do C.C. e o caso ajuizado, é a própria coisa que causa os danos aos recorrentes, como exigido no regime ínsito no art. 754º, uma vez que é o ónus que sobre ela impende que impossibilita a satisfação do crédito dos mesmos, algo que era fundamento primeiro da celebração do contrato que para estes transferiu a propriedade do imóvel (…). Pelo que se impõe o recurso à analogia legis para suprimento da lacuna legal. Ainda que não seja essa a posição perfilhada, sempre o caso vertente seria passível de aplicação analógica, desta feita analogia iuris, pois a considerar-se que não existe disposição análoga, a situação em apreço deverá ser resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema".

Apreciemos: Aplicação analógica e direito de retenção.

Nos termos do artigo 10.º do Código Civil (CC), sempre que haja um caso omisso ("realidade diferente do simples caso não regulado, pois abrange apenas a situação que, sendo juridicamente relevante, não constitui objeto de nenhuma disposição legal" – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, com a colaboração de M. Henriques Mesquita, Coimbra Editora, 1987, pág. 59), ele deve ser regulado segundo a norma aplicável aos casos análogos (n.º 1), havendo analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (n.º 2). Se nem sequer houver caso análogo – e, naturalmente, continuando a estar-se perante uma caso omisso e, por isso, perante uma real lacuna da lei – a situação será resolvida segundo a norma que o próprio interprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (n.º 3). As normas excecionais, porém – avisa o artigo 11.º do CC – não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva[8].

Subjacente ao artigo 10.º do CC está o chamado "princípio da plenitude da ordem jurídica", segundo o qual "qualquer solicitação de Direito (ou questão jurídica) nele deve encontrar uma resposta", pois se é certo "que a lei pode ter brechas, qualquer que seja a razão que as informa", já "o Direito não casos omissos" (José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume I – Parte Geral, Quid Juris, 2011, págs. 31/32).

A analogia ("No sentido mais geral, analogia significa proporção, relação, semelhança" – Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1, Verbo, 1989, pág. 247), enquanto primeiro mecanismo de obviar ao caso omisso é a chamada analogia legis, prevista no n.º 2 daquele artigo 10.º e onde a analogia das situações – que leva à aplicação de uma norma, mesmo que posterior – se aferirá pelas razões justificativas da solução legalmente fixada, e não propriamente pela semelhança formal das situações. O segundo tipo de analogia decorre da previsão do n.º 3 do artigo 10.º; trata-se da chamada analogia iuris e traduz-se no preenchimento da lacuna (caso omisso) pelo intérprete, atendendo aos princípios gerais de direito e perante o reconhecimento de que nem sequer existe, legislado, um caso análogo.

O direito de retenção – cumpre agora referir – é uma garantia (especial) das obrigações e encontra-se previsto nos artigos 754 e 755 do CC. O primeiro preceito afirma quando o direito existe ("O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar a coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados") e o segundo prevê-o para casos especiais ("Gozam ainda do direito de retenção: a) o transportador, sobre as coisas transportadas, pelo crédito resultante do transporte; b) O albergueiro, sobre as coisas que as pessoas albergadas hajam trazido para a pousada ou acessório dela, pelo crédito da hospedagem; c) O mandatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua atividade; d) O gestor de negócios, sobre as coisas que tenha em seu poder para a execução da gestão, pelo crédito proveniente desta; e) O depositário e o comodatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues em consequência dos respetivos contratos, pelos créditos deles resultantes; f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de um direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º").

Atendendo aos artigos citados, e também ao disposto nos artigos 757 do CC ("1 - O devedor goza do direito de retenção, mesmo antes do vencimento do seu crédito, desde que entretanto se verifique alguma das circunstâncias que importavam a perda do benefício do prazo; 2 – O direito de retenção não depende da liquidez do crédito do respetivo titular"), o direito de retenção pressupõe que a) o devedor esteja obrigado a entregar uma coisa suscetível de penhora; b) que seja simultaneamente titular de um crédito sobre a pessoa a quem esteja obrigado a entregar a coisa, crédito líquido ou ilíquido, mas exigível, ainda que em razão do benefício do prazo e c) que exista uma conexão causal entre a coisa e o crédito sobre a pessoa que o deva receber, "podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados (art. 754.º) ou de uma relação legal ou contratual que tenha implicado a detenção da coisa, a cuja garantia a lei atribua esse efeito (art.º 755.º)" – Luís Menezes Leitão, Garantia das Obrigações, 4.ª edição, Almedina, 2012, pág. 210. Acresce que a coisa não pode ter sido obtida ilicitamente; o crédito não pode ter resultado de despesas efetuadas de má fé; a coisa não seja impenhorável e a outra parte não preste caução suficiente (artigo 756 do CC).

No caso presente, os autores reconhecem a não aplicação direta do direito de retenção ao seu caso, pois, eles mesmo o dizem, são proprietários do imóvel e não apenas possuidores do mesmo. Efetivamente, o proprietário não está obrigado a entregar a coisa (ao contrário do que pressupõe o artigo 754). No entanto, os recorrentes pretendem a aplicação analógica do direito de retenção, sustentando que tal possibilidade decorrerá de lhes ter sido entregue (em dação em pagamento) um imóvel onerado.

Ora, se custa a ver como a oneração do imóvel possa traduzir-se num crédito resultante de despesas feitas por causa do imóvel ou um dano causado pelo imóvel, também não se vê como possa ocorrer qualquer semelhança justificativa da analogia, quando o instituto está precisamente previsto para quem não é proprietário. Se o proprietário não tem direito de retenção, justamente porque não está obrigado a entregar certa coisa, ela é dele, não pode entender-se que, através da aplicação analógica, o proprietário tem um direito que a lei, pensadamente, não atribuiu a quem goza do direito pleno de uso, fruição e disposição (artigo 1305 do CC).

Acresce que o direito de retenção, na previsão dos artigos 754 e 755 do CC é um direito excecional, ou melhor dito, as normas que o consagram (e que os recorrentes pretendem ver aplicadas analogicamente) são normas excecionais. Pires de Lima/Antunes Varela esclarecem-no: "O facto de o Código de 1867 não regular esta matéria numa divisão especial, referindo-se apenas isoladamente ao direito de retenção (…) levantava também uma outra questão: a de saber se era admitido com caráter geral, ou apenas naqueles casos especialmente previstos (…). O novo Código não seguiu, quanto a esta questão, um critério uniforme. Admitiu, neste artigo 754.º, o direito de retenção com caráter genérico, quando o crédito do detentor da coisa resulte de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados, sem especificação da causa; admitiu-o excecionalmente no artigo seguinte, em relação ao transportador, ao albergueiro, ao mandatário, ao gestor de negócios e ao depositário ou comodatário, mas não chega a formular nenhum princípio geral relativo aos créditos provenientes da mesma fonte. Dada, embora, a generalidade deste artigo 754.º, não é legal a sua aplicação por analogia a casos nele não compreendidos, porque a disposição tem sempre, quanto aos direitos que confere ao detentor, caráter excecional" (Código Civil Anotado… cit., pág. 773). E, como se afirmou anteriormente, e decorre expressamente do artigo 11.º do CC, as normas excecionais não comportam aplicação analógica.

Mas a analogia, hipoteticamente admissível, acrescente-se, sempre seria entre os detentores previstos, legalmente previstos, e as situações semelhantes, ou seja, as situações de detentores não previstos, pois entre proprietário e detentor não vemos que analogia pudesse ocorrer.

Acresce que, mesmo que a impossibilidade de aplicação da norma por analogia, decorrente da sua excecionalidade, não se revelasse argumentativamente decisiva, nunca podia esquecer-se que essa impossibilidade decorre diretamente do princípio da taxatividade dos direitos reais, consagrado no artigo 1306, n.º 1 do CC.

E - refira-se, por fim -, as conclusões anteriores afastam igualmente a possibilidade de qualquer analogia iuris (artigo 10.º, n.º 3) que os recorrentes invocam no final das suas conclusões. É que, verdadeiramente, não há nenhuma omissão ou lacuna da lei: o proprietário de um imóvel onerado não tem que ter, segundo a lei, mas igualmente segundo os princípios de Direito, qualquer garantia especial derivada dessa oneração.

Aqui, como anteriormente, é preciso atender, de modo muito relevante, à taxatividade dos direitos reais: "o direito das coisas tende, não apenas a oferecer-se em tipos característicos, mas (…) a oferecer-se numa "tipologia taxativa", num elenco fechado de formas e direitos. Ao invés do domínio dos contratos, onde a tendência é para a estereotipação e os tipos estabelecidos são tão-só os mais frequentes havendo uma tipologia apenas exemplificativa ao invés dos próprios regimes de bens, onde há tendência para a tipificação, mas se deixa livre curso à improvisação de cada um, nos direitos sobre as coisas, como nas sociedades comerciais, nos negócios unilaterais e nos tipos legais de crime, funciona, na nossa lei, o princípio de uma tipologia taxativa, o princípio do numerus clausus e não do numerus apertus. Era o que já se entendia para o Código de 1867 e o que hoje se dispõe no art. 1306.º, n.º 1 do atual Código Civil" (Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coordenação: Francisco Liberal Fernandes, Maria Raquel Guimarães, Maria Regina Redinha, Coimbra Editora, 2012, pág. 182).

Em suma, sem aplicação direta do disposto nos artigos 754 e 755 do CC e sem possibilidade de aplicação analógica (analogia legis ou analogia iuris) o crédito dos autores – e sempre seria, apenas, o correspondente ao valor da dação em pagamento – não beneficia de qualquer garantia.

É, por isso, um crédito comum.

Em conformidade, improcede, nesta segunda parte (qualificação do crédito reclamado pelos autores e aqui reconhecido) a apelação dos recorrentes.

As custas do recurso, bem como as custas da ação, são a cargo da Massa insolvente, nos termos dos artigos 303 e 304 do CIRE e porque não se verifica a condição prevista no artigo 148 do mesmo diploma, uma vez que foi deduzida contestação.

3 – Sumário (da responsabilidade do relator):
1 – A aprovação de determinado crédito, decidida na tentativa de conciliação prevista no artigo 136 do CIRE vincula o tribunal, pois esse crédito tem de ter-se por reconhecido.
2 – O direito de retenção, previsto nos artigos 754 e 755 do CC não contempla aplicação analógica, atendendo, desde logo, ao princípio da taxatividade ou do "numerus clausus" dos direitos reais (artigo 1306, n.º 1 do CC).

4 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a presente apelação e, em conformidade, revogando e substituindo a decisão recorrida, reconhece-se a existência do crédito reclamado pelos recorrentes no montante de 432.000,00€ (quatrocentos e trinta e dois mil euros), mas que o mesmo, ao não beneficiar do invocado direito de retenção, é um crédito comum.

Custas (da ação e do recurso) a cargo da massa insolvente.

Porto, 7.10.2013
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Carlos Pereira Gil
Carlos Manuel Marques Querido
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[1] "A convicção do tribunal, no que concerne aos factos provados, começou por assentar na análise da prova documental junta aos autos e ainda no depoimento da única testemunha ouvida, M…, filha dos requerentes, que quanto a tal matéria depôs com conhecimento direto. Por sua vez, a factualidade não provada assim se teve em virtude de sobre a mesma não ter sido produzida prova bastante para convencer o tribunal da sua realidade. Em particular, não lograram os requerentes fazer minimamente prova do ponto 9º pela total ausência de prova documental tendente à prova do alegado e quanto à demais matéria porquanto nenhuma prova foi feita de forma clara e isenta de dúvidas".
[2] Deixando ainda consignada a seguinte matéria não provada: "a) O Insolvente tendo conhecimento das circunstâncias mencionadas em 1) e 2) contactou os Reclamantes fazendo-se passar por intermediário financeiro e fazendo crer aos Reclamantes que a empresa de que era sócio era uma empresa de consultadoria financeira especializada que cumpria todos os requisitos legais, designadamente com a devida autorização da autoridade competente e registo válido na CMVM, prometendo alta rentabilidade dos investimentos efetuados, bem acima dos valores normais do mercado, fazendo-os acreditar que estariam perante oportunidades excecionais de investimento, que os mesmos não poderiam desperdiçar [ponto 3º da base instrutória]. b) No decurso de várias reuniões ocorridas entre o Insolvente e os Reclamantes este aproveitou-se da ingenuidade, impreparação e baixa instrução dos Reclamantes para os convencer a “investir” o seu dinheiro, pondo-os ao dispor do Insolvente para que o mesmo, através da sua empresa, realizasse os investimentos no mercado [ponto 4º da base instrutória]. c) Ao longo das diversas reuniões mantidas com o Insolvente sempre foi assegurado aos Reclamantes que nenhum risco estaria subjacente aos contratos e que se tratavam de contratos com semelhanças com os contratos de empréstimo, em que receberiam os juros contratualizados mas em que a realização das rentabilidades prometidas resultaria das diligências efetuadas pelo Insolvente em bolsa [ponto 5º da base instrutória]. d) O Insolvente foi pontuando a realização da Escritura pública com declarações acerca da seriedade dos intervenientes, não tendo os Reclamantes sequer ouvido a leitura da Escritura, uma vez que o Insolvente e o seu advogado insistiram que tal não era necessário pois estavam ali somente pessoas de bem [ponto 6º da base instrutória]. e) Correm termos no TCIAP, sob o nº 100/11.1TELSB, autos de inquérito originados na participação criminal dos Reclamantes em que o Insolvente foi já constituído Arguido e em que é suspeito do cometimento de diversos crimes contra o património, designadamente, de Burla qualificada [ponto 9º da base instrutória]. f) Ao aceitarem de boa fé a dação em pagamento e a entrega do imóvel e colocados agora na situação de poderem ficar despojados por efeito da execução da hipoteca pretendida pelo exequente naqueles autos que correm termos sob o nº 354/12.6TBPVZ deste Juízo os Autores sofreram danos no valor de € 160.000,00 uma vez que a venda do imóvel a ocorrer nas atuais condições do imobiliário não será suficiente sequer para pagamento do montante titulado na escritura de dação em pagamento [ponto 12º da base instrutória]. g) Danos causados pela coisa na medida em que o imóvel ao ser entregue na escritura de dação em pagamento para ressarcimento desse valor e tendo os Autores ficado convictos que estaria desonerado e livre de encargos impediu que executassem o devedor para a satisfação do crédito [art. 13º da base instrutória]. h) Foi o facto do imóvel ficar onerado com uma hipoteca que os reclamantes ficaram convencidos que lhe causou danos no valor de € 160.000,00 tudo mercê da conduta ardilosa do insolvente [art. 14º da base instrutória]".
[3] Lei que igualmente aditou o atual n.º 8 deste preceito ("Caso o juiz entenda que não se mostra adequado realizar a tentativa de conciliação, profere de imediato o despacho proferido no n.º 3")
[4] A presente ação deu entrada a 27 de julho de 2012.
[5] "Junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz designa dia e hora para a tentativa de conciliação a realizar dentro dos 10 dias seguintes (…)"
[6] Por isso, ainda que entendamos que o novo diploma se aplica imediatamente aos recursos, mesmo que interpostos em data anterior a 1.09.2013 (e desde que a instância recusória, com a remessa do processo a Vistos ou com a dispensa destes se tenha iniciado posteriormente a esta data, como sucede no caso presente) sempre a solução a que chegaremos seria idêntica, num ou noutro diploma legal.
[7] Não ignorámos que os recorrentes, ainda que não invocando expressamente a nulidade da sentença, não deixam de salientar que existe (e citamos) "uma contradição notória entre tal conclusão e o facto provado nº 11" e que "existe notória contradição entre o facto dado como provado e o dispositivo da sentença sob censura existindo, para além do mais, elementos probatórios documentais nos autos que contrariam igualmente a conclusão a que se chegou na sentença sob recurso, mormente o documento junto com a petição inicial como documento 8", mas, ainda assim a questão - e mesmo que a questão fosse ou fosse também a da nulidade da decisão – está prejudicada pelo reconhecimento do crédito que aqui se decidiu. Com todo o respeito, entendemos que a decisão sob censura encerra em si mesma uma evidente precariedade de fundamentação, na medida em que adere e repete os argumentos da contestante, sem equacionar sequer as questões suscitadas pelos autores, desde logo o regime de bens do casamento, o qual, segundo eles, afastaria as objeções da recorrida que, no final, vieram a ter direto acolhimento. Sem embargo, renovamos que a questão se mostra ultrapassada, no sentido em que, por outra via, se decidiu o reconhecimento do crédito reclamado pelos recorrentes.
[8] Comentando este preceito, Pires de Lima /Antunes Varela (Código Civil Anotado… cit., pág. 60) esclarecem que "o recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que na interpretação extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do que efetivamente pretendia dizer. Mas o caso está contemplado. Não há omissão." Referem, ainda que "o projeto do Código chegou a admitir, como regra, a aplicação analógica das normas excecionais" (…) mas "a inovação suscitou, porém as maiores dúvidas sobre o resultado prático da sua aplicação a várias normas em concreto, pelo que o Código regressou prudentemente à rigidez da doutrina tradicional".