Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8872/14.5T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: DECISÃO AMBÍGUA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CREDORES COM GARANTIA REAL
TERMO DO PRAZO
TÍTULO EXECUTIVO
CARACTERÍSTICAS INTRÍNSECAS
GARANTIA ON FIRST DEMAND
Nº do Documento: RP202204078872/14.5T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão é ambígua quando é equívoca, imprecisa, dúbia, podendo ter mais do que um sentido, contém plurissignificações argumentativas ou decisórias, deixando o intérprete sem saber o caminho que foi racionalmente seguido na fundamentação ou qual a deliberação efetivamente tomada; é obscura quando não é clara, é confusa, é difícil de entender, bloqueando qualquer compreensão analítica do seu substrato legal (i) ou da racionalidade do seu discernimento jurídico (ii), tendo repercussões tanto a nível declarativo (efeito imediato), como da sua consequência prática (efeito mediato).
II - Se o tribunal não leva em consideração uma determinada circunstância, invocada pela parte, e ainda que relevante, na apreciação e decisão de uma determinada questão (extemporaneidade de um articulado), não ocorre o vício de omissão de pronúncia.
III - O termo de que os credores titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados dispõem para reclamaremos seus créditos é atingido com o momento da transmissão dos bens penhorados; não tem paralelismo e não se confunde com o prazo de que dispõem os credores citados opara reclamarem os seus créditos.
IV - A par de requisitos formais ou extrínsecos de exequibilidade, relacionados com o título executivo enquanto documento conferente de um grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva, existem requisitos, ditos intrínsecos, materiais ou substanciais, que também condicionam a exequibilidade do direito, inviabilizando, na sua falta, a satisfação coativa da obrigação.
V - Se o Banco reclamante beneficia da garantia de penhor financeiro sobre o saldo de uma conta de depósito da titularidade do executado relativamente às quantias que tenha sido chamado a prestar a favor do beneficiário no âmbito de uma garantia bancária autónoma on first demand, que celebrou com o executado, mas nada foi chamado a prestar e nada prestou em cumprimento da garantia bancária, não beneficia de título executivo suficiente para deduzir reclamação com base no penhor do saldo, desde logo por falta de crédito exigível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 8872/14.5T8PRT-A.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Execução – J 1

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
Banco ... SA, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Avenida ..., em Lisboa, para o qual foram transferidos ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1..., S.A., apresentou reclamação de créditos por apenso ao processo de execução em que é exequente A..., S.A. e executada E..., S.A., com o NIF ..., anteriormente designada M..., S.A., alegando essencialmente que celebrou com a executada um contrato para prestação de uma garantia bancária autónoma e à primeira solicitação a favor da sociedade X..., S.A., ao abrigo do qual o Banco reclamante prestou, a pedido da executada e a favor daquela beneficiária, a garantia bancária no montante global de capital de € 17.378.107,98 que foi sendo reduzido ao longo do tempo, encontrando-se atualmente no montante de € 6.693.141,41.
Para garantia do integral e pontual pagamento das obrigações assumidas pelo Banco naquele contrato, o mesmo celebrou com a executada um Contrato de Penhor de Conta Bancária, mediante o qual a executada constituiu a seguinte garantia:
«- Penhor, em primeiro grau, acessório do contrato garantido e de forma continuada e sucessiva, sobre o saldo da conta bancária n.º ... equivalente a, pelo menos, 20% (vinte por cento) do valor dos montantes (recebimentos) até ao limite de Eur.17.378.107,98 (dezassete milhões, trezentos e setenta e oito mil, cento e sete euros e noventa e oito cêntimos) de que é, no presente e ou futuro, credora junto da sociedade X..., S.A. (ou de quem lhe suceder) a entidade pagadora.»
Alega, por isso, que o Banco é credor da executada pela quantia global de € 6.693.141, crédito garantido por penhor sobre o saldo penhorado na execução, existente na referida conta bancária.
Declarou a reclamante pretender que seja reconhecido e verificado o que considera ser seu crédito, no montante de € 6.693.141,41, acrescido dos juros vincendos e imposto de selo, até efetivo e integral pagamento, a ser graduado de acordo com a preferência legal que lhe assiste (penhor), sobre o saldo bancário, no lugar que lhe competir, para ser pago pelo produto da venda a efetuar.
Notificada, a exequente, A..., S.A., deduziu oposição à reclamação e impugnou o crédito reclamado com fundamento em extemporaneidade da reclamação, que sintetizou assim:
1. A garantia real invocada não existe, sendo o próprio credor reclamante que o afirmou no acto de concretização da penhora;
2. O próprio Credor Reclamante procedeu à entrega do valor penhorado ao agente de execução para que este procedesse por sua vez à entrega à Exequente;
3. O Credor Reclamante tem conhecimento da penhora efectuada desde as 9:42 do dia 23/12/2014, tendo apenas apresentado a Reclamação de Créditos em 16 de Abril de 2015;
4. A reclamação apresentada é posterior à entrega dos valores penhorados à Exequente, pelo que número 3 do artigo 788 do CPC deverá a reclamação apresentada ser considerada extemporânea.
*
Notificada da reclamação, a executada reconheceu a existência do crédito do BANCO ... e o contrato de penhor de conta bancária e referiu que está a ser pontualmente cumprido, desconhecendo os motivos pelos quais o BANCO ... omitiu ao agente de execução que a referida conta bancária e o respetivo saldo bancário se encontravam onerados por si mesmo, ou ainda, onerados em seu benefício. Estranha também que o Banco, beneficiário desta garantia, tenha entregado voluntariamente e de imediato o montante constante da ordem de penhora sem qualquer objeção, permitindo, por sua única responsabilidade, que o seu crédito, sobre a executada nos autos principais, fosse afetado pela ordem de penhora.
O reclamante BANCO ... respondeu à matéria de exceção trazida aos autos pela exequente, concluindo pela sua improcedência.
Teve lugar a audiência prévia, onde foi facultada às partes e estas exerceram o direito a que se refere o art.º 591º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil.
Facultada à reclamante a consulta do processo de execução, esta, por requerimento de 9.11.2020, arguiu a nulidade da falta de citação dos credores, e por consequência, da abertura do concurso de credores, implicando igualmente a nulidade de todos os atos que dela dependam absolutamente, ou seja, todos os atos praticados após a penhora do saldo bancário efetuada nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 195°, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Opôs-se à declaração de nulidade a exequente, por requerimento de 23.11.2020.
Junto, em 18.1.2021, um conjunto de documentos pelo agente de execução, o Banco reclamante insistiu pela nulidade invocada.
Por despacho de 28.4.2021, o tribunal decidiu ouvir as partes antes de conhecer do mérito da reclamação de créditos, tendo a exequente e a reclamante apresentado os requerimentos de 29.4.2021 e de 13.5.2021, reafirmando as posições que tinham já sustentado no processo, seja relativamente à nulidade processual, seja quanto à matéria da reclamação.
O tribunal, por despacho de 14.6.2021, ordenou que se aguardasse o trânsito em julgado da decisão proferida nessa mesma data, no apenso B (habilitação do adquirente ou cessionário do crédito reclamado).
Em 2.11.2021, o tribunal, partindo da afirmação do indeferimento, no processo de execução, da nulidade arguida pela credora reclamante Banco ... SA (agora habilitada no seu lugar a N..., S.A.R.L.) por falta de citação de credores com garantia real, nos termos do disposto no art.º 786º do Código de Processo Civil, mas afirmando ainda a falta de citação do reclamante nos termos e para os efeitos daquele artigo, julgou a sua reclamação tempestiva. Considerou o tribunal a quo que a reclamação deu entrada em Juízo a 16.4.2015, assim, “mesmo antes dos credores terem sido citados para reclamar os seus créditos, tal como decorre inequivocamente da informação do senhor AE que dá conta que os mesmos foram citados em 17.4.2015”.
O tribunal proferiu então sentença, conhecendo do mérito da reclamação de créditos, que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Em face do exposto, reconheço os créditos indicados pelo reclamante e procedo à graduação com o crédito do exequente pela forma seguinte:
Pelo Produto do depósito bancário existente na conta n. º ...
1º - Crédito reclamado pelo Banco ... SA (agora habilitada nos autos por N..., S.A.R.L.), e garantido por penhor;
2º- Quantia exequenda.
Custas pela executada/reclamada que saem precípuas do produto da penhora.
Valor: O da reclamação.
(…).»
*
Inconformada, a exequente apelou da sentença, tendo produzido alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«1 - Vem o presente recurso interposto da Douta Decisão proferida nos autos em 02/11/2021 que julgou tempestiva a reclamação de créditos apresentada pelo Credor N... S.A.R.L. e, bem assim, reconheceu e graduou o crédito reclamado em 1º lugar pelo produto do depósito bancário existente na conta n.º ..., à frente do crédito exequendo da ora Recorrente.
2 - A sentença recorrida destinou-se a apreciar a questão prévia da (in)tempestividade da reclamação de créditos por esta ter sido apresentada após a transmissão do bem penhorado, assim como a questão da (in)exigibilidade do crédito reclamado e, consequentemente, a (in)suficiência ou (in)existência de título executivo, traduzida no facto de o Credor Reclamante ser titular de um crédito sujeito a condição suspensiva e não ter alegado e demonstrado que a condição se verificou, e que foram invocadas pela Exequente ao longo de todo o processo, nomeadamente, na sua Oposição/Impugnação de 03/09/2015, seus requerimentos de 12/06/2020 e 23/11/2020 e em sede de Audiência Prévia realizada em 28/10/2020.
3 - Nos autos principais de execução, na mesma data em que foi prolatada a douta sentença ora em crise, a Mma. Juiz a quo proferiu decisão que indeferiu a nulidade por falta de concurso de credores e, nomeadamente, de citação do Credor Reclamante, por este arguida, uma vez que dos autos resulta, por um lado, que os credores públicos foram efectivamente citados e, por outro, que sendo este Credor Reclamante um credor desconhecido, tal citação não se impunha fazer-lhe, mais sendo mencionado ainda que, em todo o caso, tal não constituía um obstáculo à reclamação espontânea de créditos, desde que tempestiva, nos termos do disposto no ar. 788.º n.º 3 do CPC.
4 - Por seu turno, na sentença em crise, a Mma. Juiz a quo, decidindo a primeira questão suscitada pela Exequente, e baseando-se na decisão proferida na mesma data nos autos principais, julgou a reclamação de créditos tempestiva pelo facto desta ter sido deduzida antes mesmo de os credores terem sido citados para reclamar créditos, omitindo absolutamente se tal ocorreu antes ou após a transmissão do bem penhorado, mais mencionando - erradamente - que, convolada a acta de Audiência Prévia, a única questão controvertida se prende com a tempestividade da reclamação de créditos apresentada e já admitida nos autos.
5 - Uma vez decidida a tempestividade da reclamação de créditos naqueles termos, a Mma. Juiz a quo declarou como unicamente assentes os seguintes factos: (1) que foi efectuada a penhora, em 23/12/2014, do depósito bancário existente na conta n.º ... no Banco 1..., S.A., no valor de € 59.350,00; (2) que a reclamante prestou uma garantia bancária a favor de um terceiro; (3) que o montante garantido foi sucessivamente reduzido fixando-se no valor de € 6.693.141,41; e, finalmente, (4) que, para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pelo banco no âmbito daquela garantia bancária, a Executada constituiu um penhor sobre o saldo da conta bancária n.º ..., até ao limite de € 17.378.107,98 de que é, no presente ou no futuro, credor junto daquele terceiro, acabando por decidir que o crédito reclamado goza de garantia real decorrente do penhor constituído sobre o depósito bancário e que, por isso, tem preferência sobre a penhora efectuada, assim reconhecendo e graduando o crédito reclamado em 1º lugar pelo produto do aludido depósito bancário, no valor de € 59.350,00.
6 - A Apelante não se conforma com a Douta Sentença de Verificação e Graduação de Créditos pois considera que a mesma viola, desde logo e além do mais, por absoluta omissão de pronúncia e abstenção de julgamento, e falta de fundamentação de facto e direito, o disposto nos artigos 8.º do Código Civil e nos artigos 607.º n.º 4 e 608.º n.º 2 do CPC.
7 - A abstenção do dever de apreciação e decisão é evidente no facto de a Mma. Juiz a quo, ao invés de analisar criticamente as alegadas intempestividade e falta de título executivo, se limita a concluir que a reclamação de créditos é tempestiva pois foi apresentada antes mesmo do concurso de credores, não cuidando de verificar se tal sucedeu até ou após a transmissão do bem penhorado e, bem assim, que o crédito reclamado é garantido e que, como tal, deve ser graduado à frente do crédito exequendo, não cuidando de verificar se o mesmo está ou não sujeito a uma condição suspensiva e, na primeira, hipótese, se o credor reclamante alegou e provou que a condição se verificou.
8 - Quando é certo que estas duas questões são questões de facto e direito absolutamente essenciais à decisão da causa e que é à Mma. Juiz a quo que compete decidir e de forma fundamentada.
9 - E certo é também que, estas questões da extemporaneidade da reclamação de créditos traduzida no facto de a mesma ter sido deduzida em 16/04/2015, já muito após a adjudicação ou entrega do crédito penhorado à Exequente efectuada em 09/03/2015, e de falta de título executivo em virtude de o credor reclamante ser titular de um crédito meramente condicional e sem que este tivesse alegado e provado a verificação da condição e o montante do seu crédito exigível, foram expressamente alegadas pela Exequente na sua Oposição/Impugnação de 03/09/2015, nos seus requerimentos de 12/06/2020 e 23/11/2020 e ainda em sede de Audiência Prévia de 28/10/2020.
10 - Nenhuma alusão ou valoração faz a sentença ora quanto ao facto alegado de a reclamação de créditos ter sido apresentada já após a transmissão do bem penhorado, ora quanto à natureza meramente condicional do crédito reclamado e, consequentemente, quanto à também alegada falta de título, sendo certo que estas questões, além de expressamente alegadas pela Exequente, são de conhecimento oficioso.
11 - O único elemento de facto de que a Mma. Juiz a quo se socorre para julgar a reclamação de créditos tempestiva é o de a mesma ter dado entrada em Tribunal antes do concurso de credores quando é certo que do processado resulta evidente que a mesma não foi apresentada até à transmissão do bem penhorado, sendo que, quanto ao crédito reclamado, é decidido que o mesmo está garantido por penhor e que é também reclamável nos termos dos arts. 786.º e 788.º do CPC, sem quantificar o seu valor, sem verificar a sua natureza efectiva ou meramente condicional, ou seja, sem confirmar se a condição se verificou ou não.
12 - A douta decisão padece, por isso, de nulidade, de conteúdo, seja pelo facto de não conter uma exposição mínima dos fundamentos, seja ainda por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e, por fim, por ocorrer omissão de pronúncia sobre questões ou factos que deveriam ter sido apreciados: o de a reclamação de créditos ter sido apresentada (16/04/2015) já após a transmissão do bem penhorado (09/03/2015), bem como a manifesta ilegitimidade do Credor Reclamante traduzida na falta de título executivo por este não ter sequer alegado e demonstrado a verificação - futura e incerta - da condição suspensiva que subjaz ao crédito reclamado.
13 - Os fundamentos invocados para julgar as duas aludidas questões, nos termos em que o faz a decisão recorrida, são, além de parcos, de tal forma ora desajustados, ora manifestamente insuficientes, que apenas se poderá encará-los como absolutamente inexistentes ou, pelos menos, desarticulados com a decisão, vista no seu todo, o que não pode deixar de ser qualificado como uma verdadeira e absoluta falta de fundamentação.
14 - A Mma. Juiz a quo olvidou-se de conhecer e avaliar as concretas aludidas questões que são absolutamente essenciais para a determinação da tempestividade ou não da reclamação de créditos, bem como da suficiência ou não do título que a suporta.
15 - Apesar de alegados e documentados, tais factos ou circunstâncias não mereceram qualquer ponderação pela Mma. Juiz a quo, sendo certo, por outro lado, que a decisão não elenca quaisquer factos, ou pelo menos, os factos mais determinantes, e no caso da questão (in)tempestividade, até mesmo - diríamos - o único facto relevante, que devidamente a fundamentem e que possam determinar um juízo de tempestividade face ao disposto no n.º 3 do artigo 788.º do CPC, qual seja o da reclamação espontânea de créditos ajuizada ser anterior ou posterior à transmissão do bem penhorado.
16 - Na verdade, a decisão é completamente omissa quanto à fundamentação de facto no que respeita às questões suscitadas pela Exequente e que são de conhecimento oficioso, não sendo possível descortinar, por isso, qual o percurso decisório levado a cabo pelo tribunal para concluir que a reclamação de créditos é tempestiva apesar de a mesma ter sido apresentada já após a transmissão do bem penhorado e que o crédito reclamado, não obstante meramente condicional porque sujeito a condição suspensiva cuja verificação não foi alegada nem demonstrada pelo Credor Reclamante, é também reclamável nos termos dos artigos 786.º e 788.º do CPC.
17 - Não faz a mínima referência à questão do momento em que a reclamação de créditos foi deduzida face ao momento em que o bem penhorado foi transmitido, assim como à absoluta falta de título executivo por parte do Credor Reclamante.
18 - Há, assim, que concluir que se verificam os alegados vícios de conteúdo, assim como de abstenção de julgamento, que consubstanciam as nulidades a que se referem as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do aludido artigo 615.º do CPC que expressamente se arguem e invocam com todas as consequências legais.
19 - Deverá revogar-se, por isso, a decisão recorrida, ordenando-se seja apreciada e proferida decisão quanto a todas as concretas questões suscitadas pela Exequente na sua
Oposição/Impugnação, nos seus requerimentos de 12/06/2020 e 23/11/2020 e ainda em sede de Audiência Prévia de 28/10/2020.
Isto posto e sem prescindir,
20 - Como vimos, para efeito de apreciação das excepções de intempestividade da reclamação de créditos e de falta de título, a douta decisão apenas considerou como assentes o facto de a reclamação de créditos ser anterior ao concurso de credores e o facto da reclamante ter prestado uma garantia bancária contra garantida por um penhor do saldo de uma conta bancária, abstendo-se de dar como provados outros factos igualmente alegados pela Exequente e evidenciados nos autos a esse propósito com manifesta relevância para a boa decisão da causa, quais sejam:
(i) “A entrega à Exequente da quantia penhorada (ainda que parcial - 51.209,46 €) ocorreu em 09/03/2015, sendo certo que o BANCO ... reclama o seu crédito em 16/04/2015”;
(ii) (…) “a reclamação apresentada é posterior à entrega (transmissão dos bens penhorados) da quantia penhorada à Exequente, sendo que é o próprio reclamante que a entrega ao Agente de Execução para que este a entregue à Exequente (documento 3)”;
(iii) “(…) o Credor na apresentação da sua reclamação de créditos não invoca sequer a existência de um crédito, mas antes invoca a existência de uma garantia bancária não accionada e, como tal, tem um crédito meramente condicional. Deste modo, na ausência de crédito, não tem legitimidade para reclamar seja o que for.”;
(iv) “Na verdade, como bem resulta da Reclamação de Créditos apresentada em 16/04/2015, o Banco ... SA não invocou a existência de um crédito mas tão somente de uma garantia bancária não accionada e que se mantém em vigor”, (…) “Competia ao Banco ... SA, como credor de obrigação sujeita a condição suspensiva, alegar e demonstrar que a condição ocorreu, sob pena de não poder reclamar o seu crédito nos termos do art. 788.º n.ºs 1 e 2 do CPC”, “O que manifestamente não fez”, “Não tem, por isso, título executivo por não resultar do contrato de penhor junto à sua reclamação de créditos ter sido constituída ou reconhecida pela Executada qualquer obrigação pecuniária cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, mas antes a constituição de penhor sobre o saldo de uma conta bancária para garantia do cumprimento das responsabilidades decorrentes de uma garantia bancária por ele prestada”, (…) “Assim, na ausência de crédito, o Banco ... SA não tem sequer legitimidade para intervir nestes autos e deduzir reclamação de créditos ao abrigo do disposto no art. 788.º do CPC, o que deverá declarar-se.”
- cfr. factos alegados nos artigos 12º e 15º da Oposição de 03/09/2015, nos seus requerimentos de 12/06/2020 e 23/11/2020 e em Audiência Prévia de 28/10/2020 (fl. 2 da respectiva Acta).
21 - E os factos concretos que deveriam ter sido igualmente dados como assentes são (i) o de que o bem penhorado foi transmitido em 09/03/2015 mediante transferência bancária efectuada nessa mesma data da conta do senhor AE a favor da conta da Exequente e, bem assim, (ii) o de que o Credor Reclamante não alegou nem demonstrou, em momento algum, que a garantia bancária invocada na reclamação de créditos foi honrada ou accionada.
22 - Sendo que tais factos resultaram provados, seja dos requerimentos do senhor AE datados de 14/05/2015 e 23/08/2016, expediente incorporado nos autos em 23/12/2018, com a designação “E-mail enviado/recebido” e com a referência 399563965, assim como do requerimento do senhor AE datado de 21/10/2019 e documento comprovativo de transferência de 09/03/2015 que o acompanha, expediente incorporado nos autos em 12/12/2019 com a designação “Informação de Base de Dados” com a referência 410329973, e, finalmente, da própria reclamação de créditos apresentada pelo Credor Reclamante (a contrario), na qual não é invocado a existência de um crédito exigível e, muito menos, o montante desse seu crédito, mas tão somente de que é titular de um penhor para contra garantia de uma garantia bancária prestada a favor de um terceiro até ao limite de determinada quantia, sem nunca alegar e demonstrar que tal garantia foi accionada e honrada e que pagou ao seu beneficiário o que por este lhe foi exigido.
23 - Destes meios de prova resulta, até porque nenhum outro meio de prova contraria o que decorre dos mesmos, deverem ser alterados estes dois pontos da matéria de facto, absolutamente omitidos, para “provados” com o consequente aditamento dos mesmos à enunciação dos fundamentos de facto da sentença, por serem manifestamente relevantes para a boa decisão da causa.
24 - Na verdade, estes dois factos, ora confirmados pela prova documental junta pelo senhor AE e pelo próprio Credor Reclamante - que não alegou nem juntou aos autos nenhum documento comprovativo de que a garantia bancária haja sido accionada e honrada e, como tal, não fez prova da verificação da condição e, consequentemente, da exigibilidade do seu crédito e de que está munido de título executivo -, não é contrariado por nenhum meio de prova, razão bastante para que fossem acrescentados aos factos dados como assentes atenta a sua relevância para a decisão das sobreditas questões que adiante novamente se tratam em sede de aplicação do Direito, sendo certo
que o seu aditamento aos factos assentes conduzem necessariamente a um diferente decisão de direito.
25 - Com a alteração da decisão quanto à matéria de facto, nos precisos termos acima propostos, resulta evidente que a reclamação de créditos deveria ter sido liminarmente indeferida, ora por ter sido apresentada fora do prazo, ora por o Credor Reclamante não ser titular de qualquer crédito exigível - presente, real, efectivo e já constituído - e, consequentemente, carecer de título executivo.
26 - O artigo 788.º do CPC exige que estejam presentes três pressupostos de verificação cumulativa para a admissão e procedência da reclamação espontânea de créditos: (i) que o credor goze de garantia real, (ii) que a reclamação tenha por base um título exequível/executivo e (iii) que a reclamação de créditos tenha sido deduzida dentro do prazo, ou seja, no caso - considerando que o Credor Reclamante era desconhecido e não foi citado -, até à transmissão dos bens penhorados.
27 - Ora, se é certo que se verifica o primeiro dos indicados pressupostos - existência de garantia real -, é incontornável que não se verificam os segundo e terceiro pressupostos acima enunciados - existência de título exequível/executivo e o prazo da reclamação -, estando os mesmos absolutamente ausentes.
28 - Resulta do processado que a reclamação de créditos não obedeceu o limite temporal previsto no n.º 3 do artigo 788.º do CPC (“até à transmissão dos bens penhorados”) pois aquela foi apresentada em 16/04/2015 quando é certo que o crédito penhorado foi entregue à Exequente em 09/03/2015, donde é manifesta a sua extemporaneidade.
29 - Com a alteração da sentença quanto à matéria de facto mediante o aditamento aos factos assentes do facto respeitante à data em que ocorreu a transmissão do crédito penhorado que se espera da impugnação da decisão nesse quadrante, é incontornável que a decisão proferida deverá ser substituída por outra que declare a extemporaneidade da reclamação de créditos e, consequentemente, o seu indeferimento liminar.
30 - Não se verifica, de igual modo, o terceiro pressuposto indicado supra e a que se refere o n.º 2 do artigo 788.º do CPC, qual seja a existência de um título exequível/executivo por parte do Credor Reclamante, não sendo este, de resto, sequer titular de qualquer crédito, pelo menos, presente, real, já constituído e efectivo.
31 - Importa realçar que a Reclamante vem sustentar a reclamação do seu crédito no seu
requerimento inicial de 16/04/2015 e nos documentos que aí juntou e que, na parte que interessa, são um Contrato para Prestação de Garantia Bancária, uma Garantia Bancária n.º ... e um Contrato de Penhor de Conta Bancária sobre o saldo de uma conta bancária de que é, no presente e ou futuro, credora, e nada mais (!), posto o que conclui ser credor da Executada da quantia global de Eur.6.693.141,41 e, bem assim, que a dívida é certa, líquida e exigível.
32 - Ora, tal Contrato de Penhor de Conta Bancária limita-se a constituir um penhor sobre um depósito à ordem de que era titular a Executada, com vista a um eventual ou potencial e futuro accionamento e cumprimento da aludida garantia bancária.
33 - Logo, o contrato de penhor dos autos só formaliza e reconhece a constituição de um penhor mercantil sobre um depósito à ordem com vista a garantir futuros e eventuais créditos do Banco ... SA que, nessa medida, poderiam nunca vir a concretizar-se, bastando à Executada nunca entrar em incumprimento com o beneficiário da garantia bancária em apreço e, dessa forma, não ser accionada essa mesma garantia bancária.
34 - Pelo que o referido contrato de penhor e a garantia bancária não são, por si só, documentos com natureza executiva (no fundo, título executivo, traduzido num documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes), o que significa a sua impossibilidade de suportar isoladamente uma acção executiva para pagamento de quantia certa ou, naturalmente, uma reclamação de créditos como a aqui formulada.
35 - É certo que nada obsta a que o beneficiário de tal garantia real possa utilizar esse contrato de penhor como elemento integrante e essencial de uma causa de pedir mais complexa, composta pelo mesmo e por outros documentos que, conjugadamente, comprovem a constituição dos créditos futuros que o penhor em causa visava garantir, quais sejam os documentos que demonstrem que o beneficiário da garantia bancária a accionou e interpelou o banco para pagar-lhe certo débito da devedora e, bem assim, o pagamento do montante crédito accionado ou exigido, assim honrando-a.
36 - A prestação de obrigação sob condição suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar, pois até lá todos os efeitos do respectivo negócio constitutivo ficam suspensos - cfr artigo 270.º do Código Civil).
37 - Daí que o n.º 1 do artigo 715.º do CPC estabeleça que “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação”, aqui aplicável por força do disposto no n.º 7 do artigo 788.º do CPC.
38 - Exige-se, pois, ao credor (exequente e reclamante) a prova da verificação da condição, sem o que a execução ou a reclamação de créditos não é admissível.
39 - E certo é que o Banco Reclamante não deu o cumprimento necessário e suficiente às exigências legais nesta matéria, pois, como resultou demonstrado da instrução, limitou-se a juntar o contrato de garantia bancária e a própria garantia bancária e, finalmente, o contrato de penhor mercantil que os garante, documentos que provam unicamente a existência meramente potencial, eventual, condicional e incerta de um crédito futuro mas que, no presente, máxime à data da reclamação de créditos, manifestamente não existe ou está constituído, não sendo, por isso, certo, líquido e exigível.
40 - É que, o Credor Reclamante nem sequer alegou e demonstrou que a garantia bancária foi accionada e que pagou ao respectivo beneficiário, seja a mencionada importância de Eur.6.693.141,41 (limite máximo actual da garantia bancária), seja outra qualquer, pelo que, em bom rigor, o crédito reclamado nem sequer existe ou tem actualidade.
41 - Não bastava, pois, ao Credor Reclamante a junção dos títulos de crédito - garantia bancária e contrato de penhor - para suportar a presente reclamação de créditos e ver o seu crédito reconhecido e graduado, pois os mesmos conhecem uma génese complexa que sempre teria de ser explicada e justificada juridicamente através dos passos e documentos anteriores, quais sejam os atinentes ao accionamento da garantia bancária pelo seu beneficiário e à interpelação do Credor Reclamante para o pagamento de determinada importância e, finalmente, ao seu pagamento efectivo, por forma a demonstrar que o crédito eventual e futuro se concretizou (ou que a condição se verificou) e que pagou efectivamente à sociedade beneficiária o montante que indica e, por fim, de que a conta à ordem da Executada apresentava saldo devedor e, como tal, insuficiente para garantir o valor accionado e pago.
42 - É, por isso, manifesta a falta ou inexistência de título executivo (ainda que complexo), onde se possa radicar a reclamação de créditos, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 788.º e do n.º 1 do artigo 715.º do CPC, excepção essa que, de igual modo, foi expressamente invocada pela Recorrente, seja em sede de Audiência Prévia de 28/10/2020, seja no seu requerimento de 23/11/2020, e que também ela é do conhecimento oficioso e a todo o tempo - cfr. artigo 726.º n.º 2 a) do CPC.
43 - Neste sentido, apontam, entre outros, os Acórdãos da (i) Relação do Porto de 09-02-2009, no Proc. 495/05.6TBSJM, (ii e iii) da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-03-2012 e 07-11-2012, no Procs. 287/10.0TTPDL-A.L1.4 e 287/10.0TTPDC-A.L1.S1, (iv) da Relação de Lisboa de 14-02-2013, no Proc. 3251/10.6TBBRR-A.L1.6, (v) da Relação de Lisboa de 15-12-2020, no Proc. 6175/18.5T8FNC-B.L1-7, e (vi) do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2021, no Proc. 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1 - todos disponíveis em www.dgsi.pt.
44 - Com a alteração da sentença quanto à matéria de facto mediante o aditamento aos factos assentes do facto respeitante à falta de alegação e demonstração pelo Credor Reclamante de que a garantia bancária ajuizada haja sido accionada ou honrada, nem na sua reclamação de créditos, nem posteriormente, que se espera da impugnação da decisão nesse quadrante, é incontornável que a decisão proferida deverá ser substituída por outra que declare a falta ou inexistência de título exequível/executivo e, consequentemente, o não reconhecimento e verificação do crédito reclamado.
45 - Assim, é por demais evidente que a douta Sentença recorrida se traduz numa incorrecta apreciação dos elementos constantes do processo e, em consequência, num erro na qualificação dos factos e das normas aplicáveis.
46 - Por todo o exposto, a decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 8.º e 342.º do Código Civil, assim como nos artigos 10.º, 154.º, 607.º n.º 4, 608.º n.º 2, 703.º, 713.º, 715.º n.º 1, 724.º n.º 1 h), 726.º n.º 2 a) e c) e 788.º n.ºs 2 e 3, todos do CPC.
Dando cumprimento ao disposto no artigo 646.º, nº 1, do CPC, a Apelante indica, com vista a que se extraia a competente certidão electrónica para instruir o presente recurso, as seguintes peças dos autos principais de execução:
• Douto despacho proferido em 02/11/2021, com a referência 429104017, notificado às partes em 03/11/2021.» (sic)
Defendeu, assim, a exequente, a revogação da decisão e a rejeição da reclamação de créditos, seja por extemporaneidade da reclamação de créditos, seja por falta ou inexistência de título executivo.
*
Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da apelação da exequente, acima transcritas, e pelo que for do conhecimento oficioso ainda não decidido com trânsito em julgado (art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil[1]).
Assim, está para decidir:
1. Nulidade da sentença, por falta de fundamentação, ininteligibilidade e omissão de pronúncia;
2. Erro na decisão proferida em matéria de facto;
3. (In)tempestividade da reclamação de créditos; e
4. (In)existência de título executivo.
*
III.
O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:[2]
1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi penhorado, em 2014/12 /23 um depósito de uma quantia monetária da CONTA DEPÓSITO À ORDEM com o n.º ... titulada pelo(a) Executado (a) no Banco 1..., S.A., no valor de € 59.350,00.
2. A reclamante prestou uma ..., a favor da sociedade X..., S.A., no montante global de capital de Eur.17.378.107,98 (dezassete milhões, trezentos e setenta e oito mil, cento e sete euros e noventa e oito cêntimos), e por tempo indeterminado.
3.O montante garantido foi, sucessivamente, reduzido, sendo que, em 20 de Fevereiro de 2015, o montante garantido fixou-se no valor de Eur.6.693.141,41 (seis milhões, seiscentos e noventa e três mil, cento e quarenta e um euros e quarenta e um cêntimos).
4. Para garantia do integral e pontual pagamento das obrigações assumidas pelo Banco no contrato descrito nos antecedentes arts.2. e 3., o Banco Reclamante celebrou com a sociedade E..., S.A. um Contrato de Penhor de Conta Bancária, posteriormente objecto de aditamento, mediante o qual a Executada constituiu a seguinte garantia:
- Penhor, em primeiro grau, acessório do contrato garantido e de forma continuada e sucessiva, sobre o saldo da conta bancária n.º ... equivalente a, pelo menos, 20% (vinte por cento) do valor dos montantes (recebimentos) até ao limite de Eur.17.378.107,98 (dezassete milhões, trezentos e setenta e oito mil, cento e sete euros e noventa e oito cêntimos) de que é, no presente e ou futuro, credora junto da sociedade X..., S.A. (ou de quem lhe suceder) a entidade pagadora.
*
IV.
Conhecendo…
1. Nulidade da sentença
São três os fundamentos de nulidade invocados pela exequente/recorrente relativamente à decisão recorrida:
- Falta de fundamentação de facto e de Direito da decisão;
- Ininteligibilidade; e
- Omissão de pronúncia.
As causas de nulidade da sentença (ou de um despacho) estão taxativamente expressas nos art.ºs 613º, nº 3 e 615º, nº 1, cumprindo-nos conhecer delas quando suscitadas (art.º 666º, nº 1). Correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade e devem ser arguidas de harmonia com aquele primeiro preceito legal, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Tais nulidades constituem vícios intrínsecos da decisão, desde que seja qualquer um dos que estão taxativamente previstos no art.º 615º, nº 1, que, por serem considerados graves, comprometem a sentença ou o despacho qua tale, considerando-os peças imprestáveis, insuscetíveis de cumprirem minimamente o fim a que se destinam.

Vejamos, ponto por ponto.
- A falta de fundamentação da sentença
Nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b): “É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
É pela fundamentação que a decisão se revela um ato não arbitrário, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional. É por ela que as partes ficam a saber da razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente admitidos.
Não surpreende, pois, que a falta de fundamentação da decisão, quando ela é devida, gere a sua nulidade. Tal falta, quer se trate de um mero despacho ou de uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira.
A norma penaliza a falta absoluta de fundamentação da decisão de uma das suas questões a tratar e decidir, não padecendo desse vício aquela que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada. Este é o entendimento praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência. Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afeta o valor legal da decisão.[3]
Já o Professor Alberto dos Reis escrevia[4] que «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Só aquela ausência de motivação torna a peça imprestável. A fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões de facto e de Direito que servem de apoio à solução adotada pelo julgador.
Analisada a sentença de reconhecimento e graduação de créditos, logo se verifica que, depois de decidir uma questão prévia, relativa à tempestividade da reclamação do crédito reclamado pelo BANCO ... (em cujo lugar se habilitou posteriormente a sociedade N..., S.A.R.L.), o tribunal fixou um conjunto de factos provados, fazendo-lhe seguir a aplicação do Direito, traduzida esta na explicação jurídica da decisão que constitui o dispositivo da mesma sentença, mais concretamente os motivos pelos quais graduou em primeiro lugar o crédito reclamado e, em segundo lugar, o crédito exequendo, como efetivamente graduou.
A recorrente pode não concordar com os fundamentos da decisão, mas a sentença está fundamentada, em matéria de facto e em matéria de Direito.
Não procede a pretendida declaração de nulidade da sentença com base na al. b) do nº 1 do art.º 615º (falta de fundamentação).

- A ininteligibilidade da sentença
Quanto a este fundamento de nulidade, colhe-se nas conclusões da apelação (16ª conclusão) que a decisão não permite descortinar “o percurso decisório levado a cabo pelo tribunal para concluir que a reclamação de créditos é tempestiva”.
Dispõe a al. c) do nº 1 do art.º 615º que a sentença (ou o despacho – art.º 613º, nº 3) é nula quando os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A decisão é ambígua quando é equívoca, imprecisa, dúbia, podendo ter mais do que um sentido, contém plurissignificações argumentativas ou decisórias, deixando o intérprete sem saber o caminho que foi racionalmente seguido na fundamentação ou qual a deliberação efetivamente tomada; é obscura quando não é clara, é confusa, é difícil de entender, bloqueando qualquer compreensão analítica do seu substrato legal (i) ou da racionalidade do seu discernimento jurídico (ii), tendo repercussões tanto a nível declarativo (efeito imediato), como da sua consequência prática (efeito mediato).
De acordo com o referido normativo, a ambiguidade e a obscuridade só funcionam como causa de nulidade se forem de tal modo graves que tornem a decisão ininteligível, ou seja, incompreensível. Se assim não for, a decisão pode estar viciada, a merecer correção, mas o vício pela sua menor gravidade, não justifica a nulidade.

Não vemos onde esteja, no caso, a ambiguidade ou a obscuridade. A sentença é clara e precisa, tem um sentido unívoco, sendo perfeitamente inteligível, quer no tratamento da questão prévia, quer nos fundamentos relativos à graduação de créditos, quer ainda na sua parte dispositiva.
A discordância da recorrente com a fundamentação da decisão, seja em matéria de facto, seja em matéria de Direito, seja também pela invocação de qualquer omissão, não constitui este fundamento de nulidade da sentença. A sentença não é ininteligível por o juiz decidir erradamente a matéria de facto ou a matéria de Direito, ou ter analisado as provas incorretamente.
A sentença é unívoca¸ o intérprete normal e razoável compreende-a bem, ainda que possa discordar da sua decisão. É esta, verdadeiramente, a discordância da R.
Improcede também esta causa de nulidade invocada.

- A omissão de pronúncia
Dispõe o art.º 615º, nº 1, al. d), além do mais, que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Esta causa de nulidade refere-se a um vício que supõe que se silencie uma questão que o tribunal deva conhecer por força do precedente art.º 608°, nº 2.
Exige-se ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada, de todos os argumentos, considerações ou juízos de valor trazidos pelas partes, a nulidade só ocorre quando o juiz olvida a pronúncia sobre as “questões” submetidas ao seu escrutínio pelas partes, ou de que deva conhecer por dever de ofício.
A expressão “questões que devesse apreciar”, cuja omissão integra a dita nulidade, não abarca as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito.
Se o juiz não apreciar todas as questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de Direito que caberiam na melhor ou mais desejável fundamentação do seu despacho ou da sua sentença ou acórdão, mas vier a proferir a decisão sobre a questão a resolver, haverá apenas fundamentação pobre e pouco convincente ou, no máximo, falta de fundamentação, mas não há nulidade por omissão de pronúncia.
E também não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.
São questões os temas, os problemas concretos a decidir, e não simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
Como defendia já Alberto dos Reis, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão[5].
Acresce que, salvo a apreciação de questões por dever de ofício, o tribunal também não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. É o que resulta da própria natureza dos recursos em processo civil, que são recursos de reponderação ou revisão, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.[6]
A questão a decidir está, pois, intimamente ligada ao pedido da providência em correlação com a respetiva causa de pedir[7]. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir, e também as exceções invocadas pela defesa.
Esta patologia ocorre nas situações em que a decisão não se pronuncia (não aprecia, soluciona ou decide) sobre questões cujo conhecimento se lhe impõe, devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções que oficiosamente lhe cabe conhecer.[8]
Dos termos da apelação resulta que, na perspetiva da recorrente, são duas as questões cuja apreciação o tribunal a quo omitiu ou não resolveu:
1ª- A questão prévia da intempestividade da reclamação de créditos por esta ter sido apresentada após a transmissão do bem penhorado; e
2ª- A questão da inexigibilidade do crédito reclamado e consequente insuficiência ou inexistência do título executivo.
Começando pela 1ª questão (extemporaneidade da reclamação), importa referir que integra matéria de exceção invocada pela exequente na sua oposição à reclamação do crédito do BANCO ... (artigos 1º e seg.s da oposição), onde, além do mais, se refere (sob os artigos 15º e 16º) que “a reclamação apresentada é posterior à entrega (transmissão dos bens penhorados) da quantia penhorada à Exequente, sendo que é o próprio reclamante que a entrega ao Agente de Execução para que este a entregue à Exequente”.
O tribunal conheceu desta questão (da intempestividade da reclamação de créditos) e decidiu-a no sentido de que a reclamação de créditos é tempestiva. Fê-lo na sentença de graduação, a título de questão prévia, nomeadamente com o argumento de que “deu entrada em tribunal em 16.4.2015, ou seja, mesmo antes dos credores terem sido citados para reclamar os seus créditos, tal como decorre inequivocamente da informação do senhor AE que dá conta que os mesmos foram citados em 17.4.2015”.
O que, indevidamente, a recorrente acusa é a omissão de uma circunstância que poderá ser, ou não, suscetível de inverter o sentido daquela decisão. Porém, integrando-se ela na categoria dos factos e argumentos que podem contribuir para a decisão, não é em si mesma uma questão a resolver ou a decidir.
A questão prévia que se impunha que o tribunal decidisse era se a reclamação de créditos foi apresentada em Juízo no devido tempo, sendo tempestiva, e o tribunal resolveu-a (com decisão afirmativa).
Logo, não ocorre nulidade por esta via.

Mas imposta ainda saber se o tribunal cometeu nulidade por omissão de pronúncia relativamente à insuficiência ou inexistência de título executivo, por inexigibilidade do crédito reclamado.
Percorrendo a oposição, o que se verifica é que esta questão não foi ali suscitada pela exequente, como não o foi no requerimento apresentado pela mesma parte no dia 12.6.2020. Fê-lo apenas na audiência prévia, no dia 28.10.2020 (como resulta da respetiva ata) e no requerimento que apresentou em Juízo no dia 23.11.2020, nos seguintes termos:
Do requerimento deduzido pela exequente na audiência prévia (cf. respetiva ata) resulta:
«(…)
Em terceiro lugar, o Credor na apresentação da sua reclamação de créditos não invoca sequer a existência de um crédito, mas antes invoca a existência de uma garantia bancária não acionada e, como tal, tem um crédito puramente condicional. Deste modo, na ausência de crédito, não tem legitimidade para reclamar seja o que for.
No mais, a Exequente mantém o já constante dos autos.»

No requerimento de 23.11.2020 consta:
«(…)
7. Acresce dizer que, o Banco ... SA carece de legitimidade para intervir nestes autos;
8. Isto porque nem sequer é titular de qualquer crédito exigível;
9. Na verdade, como bem resulta da Reclamação de Créditos apresentada em 16/04/2015, o Banco ... SA não invocou a existência de um crédito mas tão somente de uma garantia bancária não accionada e que se mantém em vigor;
10. A prestação de obrigação sob condição suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar pois até lá todos os efeitos do respectivo negócio constitutivo ficam suspensos (cfr. art. 270.º do Código Civil);
11. Competia ao Banco ... SA, como credor de obrigação sujeita a condição suspensiva, alegar e demonstrar que a condição ocorreu, sob pena de não poder reclamar o seu crédito nos termos do art. 788.º n.ºs 1 e 2 do CPC;
12. O que manifestamente não fez;
13. Não tem, por isso, título executivo por não resultar do contrato de penhor junto à sua reclamação de créditos ter sido constituída ou reconhecida pela Executada qualquer obrigação pecuniária cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, mas antes a constituição de penhor sobre o saldo de uma conta bancária para garantia do cumprimento das responsabilidades decorrentes de uma garantia bancária por ele prestada;
14. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 14/02/2013 no âmbito do Proc. 3251/10.6TBBRR-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt;
15. Assim, na ausência de crédito, o Banco ... SA não tem sequer legitimidade para intervir nestes autos e deduzir reclamação de créditos ao abrigo do disposto no art. 788.º do CPC, o que deverá declarar-se;
16. nem sequer se compreende tampouco a pretensão do Banco ... SA ao recebimento de um crédito que, como condicional que é, manifestamente não existe…» (sic)
Ora, esta é uma questão sobre a qual o tribunal não se pronunciou (nem na sentença nem em momento anterior o fez) e deveria ter-se pronunciado, fosse no sentido de, dela, não poder conhecer, fosse no sentido de dela conhecer, designadamente por dever de ofício, julgando-a procedente ou improcedente. E o que se extai dos autos é que, nem antes, nem na sentença o tribunal recorrido a abordou a qualquer título ou para qualquer efeito, o que constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Tal não significa que o processo deva voltar à 1ª instância. Dela iremos conhecer, nesta sede de recurso, ao abrigo do art.º 665º, nº 1.
*
2. Erro na decisão proferida em matéria de facto
A exequente/apelante pretende que seja aditada ao acervo de factos provados a seguinte matéria:
a) A entrega à exequente da quantia penhorada (ainda que parcial: € 51.209,46) ocorreu no dia 9 de março de 2015, mediante transferência bancária efetuada nessa mesma data da conta do AE par a conta da exequente, e o BANCO ... reclamou o seu crédito no dia 16 de abril de 2015.
b) A credora reclamante não alegou nem demonstrou que a garantia bancária invocada na reclamação de créditos foi honrada e acionada e que pagou ao seu beneficiário o que por este lhe tenha sido exigido.
Para o efeito, invoca, além do requerimento inicial da reclamação de créditos, vários documentos juntos ao processo, designadamente os requerimentos do Sr. agente de execução datados de 14.5.2015 e de 23.8.2016, expediente incorporado nos autos em 23.12.2018, com a designação E-mail enviado/recebido e com a referência 399563965, assim como o requerimento do agente de execução datado de 21.10.2019 e documento comprovativo de transferência de 9.3.2015 que o acompanha e o expediente incorporado nos autos em 12.12.2019 com a designação “Informação de Base de Dados” com a referência 410329973.
Vejamos.
No requerimento inicial da reclamação de créditos, a reclamante intitula-se credora da executada, por força do penhor de conta bancária que contrataram entre ambas para garantir o pagamento das obrigações assumidas pelo Banco no contrato de prestação de garantia bancária autónoma on first demand constituída a favor de X..., S.A.
Porém, de parte alguma daquele requerimento consta que o BANCO ... alguma vez tenha sido chamado a pagar e tenha pagado à X..., S.A. qualquer quantia com base na garantia bancária contratada com a executada. Não consta que a garantia bancária tivesse sido acionada e o BANCO ... tivesse efetuado qualquer pagamento ou disposto de qualquer valor ao abrigo da mesma. Tal matéria não só não está alegada como não consta dos autos qualquer documentos que a ateste.
Da informação prestada pelo agente de execução através do requerimento de 23.12.2018, com junção de documentos da execução de 14.5.2015 e de 23.8.2016 resulta o seguinte:
«1. O Signatário teve conhecimento apresentado pelo Exequente, com o qual concorda na integra;
2. Conforme referiu no seu anterior requerimento datado de 14 de Maio de 2015, e cuja cópia se oferece, ficou o Signatário estupefacto com a reclamação de créditos apresentada pelo Banco ... SA, pois, como ali foi retirado, aquela instituição bancária nunca indicou a existência de quaisquer ónus/encargos sobre o bem aquando da confirmação da penhora (Doc. 1);
3. Contactada a Secretaria desse Tribunal, apurou-se a inexistência de oposição à execução e à penhora, facto que originou requerer àquela instituição bancária, a transferência do valor penhorado para a conta cliente do Agente de Execução, a qual foi efectuada sem qualquer resistência por parte da aludida entidade ora reclamante; De salientar ainda que a Executada apesar de devidamente citada/notificada para o efeito, facto é que também não declarou a existência de qualquer ónus sobre aquele bem;
4. Dada a inexistência de reclamação de créditos, a qual só contemplava os credores públicos, em conformidade com os factos acima descritos, procedeu o Signatário à transferência do valor da quantia exequenda para o NIB da conta da Exequente no dia 06 de Março de 2015, ficando à ordem do processo o montante de 5.206,29 €, após a salvaguarda das despesas e honorários do Agente de Execução;

Assim e face ao supra exposto, vem o Signatário muito respeitosamente

REQUERER
a) A junção aos autos do presente e do documento que o acompanha para os devidos e legais efeitos;
b) Se digne V. Exa a informar o Signatário sobre o destino a dar ao aludido remanescente de 5.206,29 €.».

Do documento de 14.5.2015 consta o seguinte:
«1. Em conformidade com a comunicação de 09.02.2015, foi concretizada a penhora no montante de 59.350,00, junto ao Banco 1..., S.A., conforme documentos que se anexa (Docs. 1 a 3);
2. Como se verifica nas referidas respostas não constam quaisquer ónus/encargos sobre o sobredito bem;
3. Na verdade a Executada não deduziu oposição à execução nem à penhora e não declarou existência de quaisquer ónus sobre o bem penhorado, pelo que foi pedida a transferência do sobredito valor para a conta cliente do Agente de Execução, a qual foi realizada sem qualquer resistência por parte da referida entidade bancária.
4. Contactada a Secretaria desse Tribunal, apurou o Signatário não existir reclamação de créditos, a qual contempla só e apenas os credores públicos, pois como se pode comprovar desconhecia o Signatário a existência de qualquer ónus sobre o sobredito bem.
5- Face à inexistência de oposição e reclamação de créditos procedeu o Signatário à transferência da quantia exequenda para o NIB da conta da Exequente, ficando à ordem do processo o montante de 5.206,29 €, após a salvaguarda das despesas e honorários do Agente de Execução.

TERMOS EM QUE
E nos melhores de direito que V. Exa. Doutamente suprirá, vem o Signatário respeitosamente

REQUERER
a) a Junção aos autos do presente e dos documentos que o acompanham, para todos os devidos e legais efeitos.
b) Se digne V. Exa., a informar o Signatário quanto à admissão ou não da reclamação ora apresentada pelo Banco ... SA, bem como sobre o destino a dar ao aludido remanescente de 5.206,29 €.».
O documento de 21.10.2019 e os dois outros documentos que o acompanham, de 9.3.2015, juntos pelo agente de execução ao apenso de reclamação de créditos em 11.12.2019, comprovam que o mesmo fez operar a transferência da quantia de € 51.209,46 a favor da exequente naquele dia 9.3.2015, correspondente à quantia exequenda.
Também não há qualquer dúvida de que o BANCO ... reclamou o seu crédito no dia 16 de abril de 2015 (certificação Citius).
Em consequência, o facto da al. a) está demonstrado e é aditado ao acervo de factos provados, como seguinte teor:
5. A entrega à exequente da quantia penhorada (ainda que parcial: € 51.209,46) ocorreu no dia 9 de março de 2015, mediante transferência bancária efetuada nessa mesma data da conta-cliente do AE e para a conta da exequente, e o BANCO ... reclamou o seu crédito no dia 16 de abril de 2015.
Quanto à al. b), também é verdade que a credora reclamante não alegou nem provou (na reclamação de créditos) que alguma vez tivesse sido instada a efetuar e tivesse efetuado qualquer pagamento, nomeadamente à X..., S.A., por força da garantia bancária identificada na reclamação, o que também deverá ser ponderado em sede de enquadramento jurídico da causa.
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3. (In)tempestividade da reclamação de créditos
Alega a exequente/recorrente que a reclamação de créditos devia ter sido indeferida liminarmente por ter sido apresentada fora de prazo; assim, por se tratar de uma reclamação de créditos espontânea, gozando o credor de garantia real, mas sendo desconhecido e não citado, só a poderia ter apresentado em Juízo até à data da transmissão dos bens penhorados.
Os art.ºs 786º e seg.s dispõem sobre a citação dos credores para efeito de concurso de credores, verificação e graduação de créditos, prevendo aquela primeira norma, sob o nº 1, al. a), a citação dos credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, incluindo penhor cuja constituição conste do registo informático de execuções, para reclamarem o pagamento dos seus créditos. Estas e outras citações previstas naquele normativo devem ser realizadas só após concluída a fase da penhora e a situação registral dos bens.
Segundo nº 13 do art.º 780º, “findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, o agente de execução entrega ao exequente as quantias penhoradas que não garantam crédito reclamado, até ao valor da dívida exequenda, depois de descontado o montante relativo a despesas de execução referido no n.° 3 do artigo 735.°”.
Para que esta entrega de dinheiro tenha lugar é necessário que se encontre esgotada a possibilidade legal dos créditos serem reclamados, assim, tanto quanto possível, com eliminação do risco da frustração de um crédito reclamado que devesse ser graduado com prevalência sobre o crédito exequendo, e que não o tenha sido sem culpa do reclamante.
Porém, face à necessidade de não prolongar ad eternum ou por tempo excessivo o exercício de direitos e de garantir celeridade na prática dos atos processuais, com tutela efetiva dos interesses das partes, o legislador havia de prever e previu um limite até ao qual os titulares de direitos reais de garantia que não tenha sido citados pudessem reclamar espontaneamente o seu crédito, fixando esse termo (certo quanto à sua verificação, mas incerto relativamente ao momento da verificação) nas circunstâncias em que haja lugar à transmissão dos bens penhorados (art.º 788º, nº 3).
Vejamos se o BANCO ... já deveria ter reclamado espontaneamente o seu alegado crédito, garantido por penhor, quando, no dia 9 de março de 2015, o agente de execução, por transferência bancária (art.º 32º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais), remeteu a quantia exequenda para a conta de depósito da exequente.
A situação não é linear.
Na execução, a reclamante invocou nulidade processual por preterição de concurso de credores. Esse requerimento, depois de cumprido o contraditório, mereceu o seguinte despacho:
«Veio o credor reclamante Banco ... SA (agora habilitada nos autos por N..., S.A.R.L.), arguir a nulidade do processado, invocando para tanto e em suma, que na presente execução não foi convocado o concurso de credores, nos termos do disposto no art. 786.º do CPC.
Não lhe assiste razão.
A penhora em causa efetuada nos autos, de 2014/12/23 incidiu sobre a CONTA DEPÓSITO À ORDEM titulada pelo(a) Executado (a) no Banco 1..., S.A., no valor de € 59.350,00.
Não eram conhecidos nos autos credores com garantia real.
Com efeito, notificado do bloqueio da conta e assim da penhora a ora reclamante quedou-se silente, não tendo informado o senhor AE, nessa data, do penhor sobre o saldo bancário penhorado, que posteriormente invocou no apenso A.
Todavia, tal como ressalta do processado foram os credores públicos citados nos termos do sobredito normativo legal em 17 de Abril de 2015, ante a eventual existência de créditos garantidos por privilégios mobiliários, e assim garantias reais, e nenhum crédito vieram reclamar.
Não obstante, foi efetivamente aberta a fase de concurso de credores.
Acresce que, dispõe o art.º 786.º do CPC, aliás transcrito na integra pelo reclamante que “1 - Concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução:
a) …
b) Os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, incluindo penhor cuja constituição conste do registo informático de execuções, para reclamarem o pagamento dos seus créditos.
2 - O agente de execução cita ainda a Fazenda Nacional e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P., exclusivamente por meios eletrónicos, nos termos a regulamentar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da segurança social.
Reafirma-se que o senhor AE não conhecia, até porque o reclamante nada informou, da garantia real de penhor, sobre os bens penhorados, porquanto a mesma não é publicitada e o exequente dela nada informou.
Assim sendo, não se impunha tal citação à reclamante pois que nos termos do supracitado normativo (art.º 786.º n.º 2 do CPC), a citação opera apenas para os credores com garantia real registados ou conhecidos.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais consideração, conclui-se que não ocorreu a invocada nulidade decorrente da falta de concurso de credores, ao abrigo do disposto no art.º 786.º do CPC, sem prejuízo de reclamação espontânea de créditos, desde que tempestiva, nos termos do disposto no art.º 788.º n.º 3 do CPC.
Indefere-se pois, a reclamação da nulidade suscitada pelo reclamante Banco ... SA (agora habilitada nos autos por N..., S.A.R.L.)
Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 2 UC.»

O contrato de penhor foi celebrado no dia 22 de abril de 2010 (doc. 13 junto com a reclamação de créditos) e sofreu um aditamento em dezembro de 2011.
Quando o BANCO ... em 17 de dezembro de 2014, confirmou o bloqueio da quantia de € 59.300,00 da conta bancária, a pedido do agente de execução, para efeito de penhora, indicou que tal conta (nº ...) não se encontrava onerada (cf. anexo junto com o requerimento do agente de execução apresentado à execução em 7 de dezembro de 2020).
Quando, posteriormente, o agente de execução requereu a conversão do bloqueio em penhora, de novo aquele Banco confirmou, em 23 de dezembro de 2014, as informações que já prestara, tendo transferido aquele montante pecuniário para a conta-cliente do agente de execução no dia 5 de março de 2015, a fim de que este procedesse ao pagamento à exequente, o que aconteceu por transferência de 9 de março seguinte.
Com esta s informações, não ficou o agente de execução a conhecer a qualidade de beneficiário de penhor que o BANCO ... tinha relativamente à sociedade executada e, obviamente, aquela garantia recaía sobre o saldo da referida conta bancária de depósito à ordem.
Logo, não se tratando também de uma garantia sujeita a registo, não era exigível, face ao seu desconhecimento, que o agente de execução citasse pessoalmente a Banco ... SA nos termos e para os efeitos de reclamação de créditos, ao abrigo do art.º 786º, nº 1, al. b).
Porém, nem aquela falta de informação ou informação errada sobre o estado da conta (informação prestada pelo Banco de que não estava onerada), nem o facto de ter passado a recair uma penhora sobre parte do seu saldo, têm a virtualidade de extinguir o penhor; esta garantia manteve-se.
Quando, em 5 de março de 2015, o agente de execução e o Banco levou a cabo a transferência da quantia penhorada, da conta de depósito da executada para a conta-cliente do próprio agente de execução, a reclamante, alertada por tal facto, deduziu a reclamação do seu crédito, em 16 de abril de 2015.
Os credores reclamantes que são citados dispõem do prazo de 15 dias para reclamarem os seus créditos (art.º 788º, nº 2); é o prazo que o legislador considera razoável para o exercício do direito de reclamação do credor.
Na data da reclamação do crédito havia decorrido mais do dobro daquele período de tempo, contado desde dia 5 de março, sem que o crédito do Banco tivesse sido reclamado. Ainda que a primeira transferência do valor penhorado tenha ocorrido da conta de depósito bancário para a conta do agente de execução, tal transferência indiciava fortemente a realização imediata da transferência que se lhe seguiu (no dia 9 seguinte) desta conta para a conta de terceiro no âmbito da execução. Era, para o BANCO ..., um evidente final de alerta relativo à eficácia do penhor do saldo da conta.
A reclamante, beneficiária do penhor, que já errara nas informações prestadas ao agente de execução sobre o estado da conta penhorada com a sua própria colaboração, tinha, pelo menos a partir da transferência de 5 de março (note-se que a penhora já fora realizada em dezembro de 2014), o dever de zelar, em tempo razoável, pela conservação da sua garantia, prevenindo a sua frustração, averiguando a situação então criada, designadamente o destino do valor transferido, necessariamente afeto à satisfação coerciva de créditos (exequendo e eventualmente reclamados).
O reclamante não era credor conhecido nem tinha motivos para presumir tal qualidade. Pelo contrário, revelou-se ao agente de execução desinteressado relativamente à penhora.
É certo que, quando o BANCO ... reclamou o seu crédito (em 16.4.2015), os credores conhecidos --- apenas credores públicos --- ainda não tinham sido citados (foram citados no dia seguinte) e a transferência da quantia exequenda já tinha sido transferida, indevidamente, no dia 9 de março anterior) para o exequente. Não tinha decorrido ainda o prazo para os credores públicos, citados, reclamarem os seus créditos.
Não obstante, não podemos confundir o prazo de que dispõem os credores conhecidos e citados para reclamarem o seu crédito com o tempo de que os credores não conhecidos, mas com garantia real, dispõem para o exercício do mesmo direito.
Na verdade, houve bloqueio de conta, penhora e transferência da quantia exequenda com conhecimento e colaboração da reclamante do crédito, e não ocorre nexo de causalidade relevante entre o momento em que aquela transferência bancária foi efetuada e o momento em que o BANCO ... reclamou o seu crédito. A operação de transferência não estava dependente daquela reclamação e o reclamante podia e devia ter reclamado o seu crédito, face aos factos que eram do seu conhecimento, muito tempo antes daquele em que, negligente e tardiamente a deduziu, pelo que a sua posição, sustentada na sentença, não merece acolhimento.
Com efeito, a reclamação de créditos, deduzida depois da transmissão à exequente do direito penhorado, é intempestiva.
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4. (In)existência de título executivo
A solução dada à questão anterior bastaria para julgar o recurso procedente.
Todavia, o conhecimento desta 4ª questão sempre reforçará o sentido da procedência do recurso, da não atendibilidade do crédito reclamado.
Vejamos.
Um dos pressupostos específicos da ação executiva, essencial, é que o dever de prestar conste de um título, o título executivo. Sem este pressuposto, formal pela sua natureza, inexiste o grau de certeza que o sistema tem como necessário para o recurso à ação executiva, ou seja, à realização coativa de uma determinada prestação (ou do seu equivalente). Tal título há de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar. Por constituir a base da execução, pelo título se determina, além do mais[9] o seu objeto, o fim e os limites da ação executiva (cf. art.º 10º, nºs 5 e 6).
Nenhuma ação executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objeto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação ou de simples apreciação[10].
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que, a par de requisitos formais ou extrínsecos de exequibilidade, relacionados com o título executivo enquanto documento conferente de um grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva, existem requisitos, ditos intrínsecos, materiais ou substanciais, que também condicionam a exequibilidade do direito, inviabilizando, na sua falta, a satisfação coativa da obrigação. Tal ocorre, por exemplo, quando a prestação não seja certa, exigível e líquida ou ainda quando ocorre ato extintivo ou modificativo da obrigação. A falta, não suprida, de qualquer destas condições materiais da prestação --- tal como a ausência de outros requisitos do mesmo género --- obsta à exequibilidade e constitui fundamento legal de oposição à execução, nos termos do art.º 729º, nº 1, al. e) e 731º, como meio processual próprio e adequado de discussão e decisão.
Sem a verificação daqueles requisitos intrínsecos não é admissível a satisfação coativa da pretensão, como decorre, expressamente, do citado art.º 713º que, tendo como epígrafe requisitos da obrigação exequenda, se refere à obrigação certa, exigível e líquida”.
Quando não constem do título os requisitos da certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, devem ser preenchidos pelo exequente através dos procedimentos previstos nos art.ºs 714º a 716º.
Poderá entender-se que a exequibilidade do título respeita apenas ao chamado “acertamento” do direito exequendo em termos de dispensar a prévia ação declarativa, mas não altera, por si só, as regras do ónus da prova quanto aos factos constitutivos da obrigação, que terão de ser equacionadas nos termos gerais.
A regra é a de que a obrigação é exigível quando se encontre vencida.
Também no âmbito da ação de reclamação e graduação de créditos, o título executivo é um efetivo pressuposto de carácter formal (cf. art.º 788.º, n.º 2), cuja falta ou insuficiência determina a improcedência da reclamação de créditos.[11]
O credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente.
Está provado que, para garantia do integral e pontual pagamento das obrigações assumidas pelo Banco no contrato de garantia bancária celebrado a favor da X..., S.A., o Banco reclamante celebrou com a executada, E..., S.A., um contrato de penhor de conta bancária de que a última é titular, equivalente a, pelo menos, 20% do valor dos montantes (recebimentos) até ao limite de € 17.378.107,98, de que era no presente ou no futuro credora a X..., S.A. Está também alegado e provado que o montante objeto da garantia bancária foi sendo reduzido, cifrando-se em € 6.693.141,41 a 20 de fevereiro de 2015.
A propósito da natureza desta garantia bancária, escreve Menezes de Leitão[12]: “Esta garantia ocorre quando determinada entidade (normalmente bancária ou financeira) vem garantir pessoalmente a satisfação de uma obrigação assumida por terceiro, independentemente da validade ou eficácia desta obrigação e dos meios de defesa que a ela possam ser opostos”. E realça a existência de uma relação de cobertura entre o dador da ordem e o garante, referindo haver “ um compromisso entre o garante e o garantido pelo qual aquele se compromete a emitir uma garantia a favor da pessoa que venha a ser designada por este, exigindo como contrapartida o pagamento de uma comissão, ao mesmo tempo que o garantido se compromete, além de pagar a comissão, a reembolsar imediatamente o garante, caso este venha a ter que efetivamente que efetuar ao beneficiário da garantia a prestação a que se comprometeu”[13]
E não tendo regulamentação específica na lei, esta prática, bastante generalizada nas relações comerciais, assenta no princípio da autonomia privada (art.º 405º do Código Civil).

De acordo com o art.º 666º do Código Civil, o penhor confere ao credor pignoratício o direito de se pagar do seu crédito (e juros) com preferência, relativamente aos outros credores do devedor, pelo valor de determinada coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou “outros direitos não suscetíveis de hipoteca”, do património deste último ou de terceiro. É um direito real de garantia (qualificação discutível no caso de penhor de direitos) cujo conteúdo consiste no poder que confere ao seu titular “de, mediante um ato de disposição, realizar à custa desta (a coisa ou o direito), sem que se torne necessária a cooperação do seu proprietário, ou mesmo contra a sua vontade, determinado valor”, com preferência face aos “credores comuns do respetivo proprietário, bem como sobre os credores que disponham também sobre ela de uma garantia, mas de grau inferior.[14]
Em regra, a execução do penhor faz-se por via executiva.
O credor pignoratício deve cobrar o crédito empenhado logo que este se torne exigível (art.º 685º do Código Civil).
No caso concreto, estamos em presença de um penhor que incide sobre depósito bancário, que Menezes Cordeiro[15] define como penhor financeiro (qualificação que é dada pela natureza dos sujeitos, do objeto do penhor, da obrigação garantida e da vontade das partes), fazendo notar que, em rigor, tratar-se de um penhor de direitos (art.º 679º do Código Civil), sendo a garantia caracterizada pela entrega do seu objeto ao credor pignoratício ou tomador da garantia sem que, por isso, a propriedade se transfira para este último.
Importa ter presente, também, que o penhor sobre aplicações financeiras está previsto no Decreto-Lei nº 105/2004, de 8 de maio, que regula os contratos de garantia financeira, como o contrato de penhor financeiro, incorporando na ordem jurídica interna a Diretiva nº 2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de junho, relativa aos acordos de garantia financeira, diploma legal que contém algumas das especialidades em relação ao regime geral do penhor previsto nos art.ºs 666º e seg.s do Código Civil, em particular a possibilidade de se poder conferir ao beneficiário da garantia o direito de disposição sobre o seu objeto (art.º 9º, nº 1), bem como o estabelecimento, por acordo, do pacto comissório, permitindo ao beneficiário da garantia proceder à sua execução, fazendo seus os instrumentos financeiros dados em garantia (art.º 11º, nº 1, al.s a) e b)).
A obrigação de pagamento da quantia reclamada, assumida pelo Banco reclamante com a emissão da garantia bancária, está sujeita a uma condição suspensiva, expressamente prevista no nº 3 do art.º 666º do Código Civil.
Segundo o art.º 270º do Código Civil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico, dizendo-se suspensiva essa condição.
Decorre dali que, não ocorrendo essa condição, o negócio não produz os efeitos jurídicos previstos pelas partes contratantes.
A exequibilidade do penhor, pela sua própria natureza e finalidade, estava vinculada à alegação e prova, pelo Banco reclamante, de que cumpriu, com o pagamento de alguma prestação, a favor da sociedade beneficiária, credora da executada, no âmbito da garantia bancária autónoma que prestou. Sem o pagamento de alguma quantia ao abrigo daquele contrato, sem disposição patrimonial, não há qualquer crédito vencido e exigível que possa justificar execução do penhor. Se nunca foi acionada a garantia bancária e o Banco não respondeu conforme as obrigações que nela assumiu, não pode acionar a garantia do penhor contra a devedora executada. Como resulta do contrato, o penhor foi constituído para garantir o integral e pontual pagamento das obrigações assumidas pelo Banco.
Sem a demonstração da exigência de pagamento pelo beneficiário da garantia bancária e a efetivação desse pagamento pelo garante, este não é titular de qualquer crédito sobre o dador dessa ordem (o garantido). Não alegando, nem demonstrando, o reclamante, a verificação dessa condição, é inquestionável que não é titular de qualquer direito de crédito sobre a executada.
O penhor destinou-se a garantir potenciais créditos do BANCO ... que, na realidade, não seriam exigíveis se a executada não entrasse em incumprimento com a beneficiária da garantia bancária e, por isso, não fosse acionada a garantia autónoma.
Ora, não tendo a reclamante alegado e demonstrado o acionamento da garantia bancária, com o pagamento de qualquer quantia em seu cumprimento, não se constituiu a seu favor qualquer crédito cujo pagamento o penhor garantisse; não é titular de qualquer crédito exigível à luz do contrato de penhor.
O contrato de garantia bancária e o contrato de penhor, juntos pela reclamante aos autos de relação de créditos podem preencher os elementos extrínsecos de exequibilidade desses títulos executivos, mas falta, no caso, a prova da exigibilidade do crédito reclamado, por não se poder afirmar que a reclamante tivesse desembolsado a quantia reclamada ou qualquer outra a que o penhor servisse de garantia. Sem a demonstração da existência do crédito (garantido), não há crédito exigível nem título executivo suficiente ou perfeito[16].
Note-se que a não exigibilidade que aqui está em causa não está relacionada com a falta de vencimento da obrigação, mas com a verificação da condição suspensiva da obrigação. Como ensina Lebre de Freitas[17], a prestação não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso em que a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva e ainda não se verificou. E sublinha: “O conceito de exigibilidade não se confunde com o de vencimento nem com o de mora do devedor.
A exequibilidade do crédito é um elemento constitutivo do direito do exequente/reclamante à cobrança coerciva do seu crédito.
Sendo a verificação deste pressuposto de exequibilidade do conhecimento oficioso e tendo até sido invocado na pendência do processo de reclamação de créditos, designadamente na audiência prévia, sem que o tribunal dele tivesse conhecido, impõe-se à Relação a sua apreciação (art.ºs 726º, nº 2, al. a), 791º, nº 4 e 608º, nº 2, parte final e 663º, nº 2).
A Banco ... SA não dispõe de título executivo suficiente para reclamar crédito que reclamou.
E assim, caso fosse de julgar a reclamação de créditos tempestiva, a inexigibilidade do crédito reclamado e a ausência de título executivo suficiente, pressupostos da reclamação, que justificavam a prolação de despacho de indeferimento liminar --- não estando a Relação impedida do seu conhecimento --- sempre justificariam também a procedência da apelação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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…………………………….
…………………………….
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, rejeita-se a reclamação de créditos apresentada por Banco ... SA, em cujo lugar se habilitou a sociedade N..., S.A.R.L.), por extemporaneidade.
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Custas pela recorrida reclamante, sem prejuízo da taxa de justiça paga pela interposição do recurso, dado o seu total decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Porto, 7 de abril de 2022
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Diploma a que pertencem as disposições legais que forem citadas sem menção de origem.
[2] Por transcrição.
[3] Cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396. Cf. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, in www.dgsi.pt e Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 390.
[4] Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140.
[5] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, pág.s 142 e 143.
[6] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, 1992, pág. 175.
[7] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58
[8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, V. 2º, 4ª edição, pág. 737.
[9] O tipo de acção e a legitimidade das partes.
[10] Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, p. 35, nota 2, citando BRUNS-PETERS, ZVR München, 1987, p. 20; BROX-WALKER, ZVR Kõln, 1990., pág. 31. [11] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de março de 2021, proc. 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1, in www.dgsi.pt
[12] Direito das Obrigações, Vol. II, 8.ª Edição, 2011, pág.s 353 e 354.
[13] Idem, pág. 357.
[14] Neste sentido, L. Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, 2016, pág. 241,
[15] Manual de Direito Bancário, 3.ª Edição, pág. 625.
[16] Conforme tem assinalado a jurisprudência (cf., entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 9/2/2009, proc. n.º 495/05.6TBSJM; de 14/05/2012, proc. n.º 3448/09.1YYPRT-A.P1; e de 15/02/2012, proc. n.º 8817/09.4YYPRT-C.P1; e acórdãos da Relação de Lisboa, de 21/03/2012, proc. n.º 287/10.0TTPDLA.L1-4, e de 24/02/2011, proc. n.º 5510/09.1TVLSB-D.L1-2, todos in www.dgsi.pt.
[17] A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, Coimbra, 5ª edição, pág.s 82 e 83.